quarta-feira, 27 de julho de 2016

O vegetarianismo é uma moda?


O vegetarianismo é uma moda?

“Embora eu tenha sido impedido pelas circunstâncias exteriores de observar uma dieta estritamente vegetariana, eu tenho sido desde há muito um adepto da causa, em princípio. Além de concordar com os objetivos do vegetarianismo por motivos estéticos e morais, é a minha opinião de que uma forma de vida vegetariana, pelo seu efeito puramente físico no temperamento humano, seria mais benéfica influência no destino da humanidade. (Albert Einstein)
Neste texto tento explicar o que é o vegetarianismo e depois procuro demonstrar que tenho fortes razões para pensar que a opção por aquele regime alimentar não é uma moda dos tempos atuais.
De acordo com o Centro Vegetariano, associação cujo fim é a “divulgação e promoção do vegetarianismo e veganismo, nas suas vertentes éticas, de saúde, ecológicas e económicas” um vegetariano é uma pessoa “que se alimenta basicamente de grãos, sementes, vegetais, cereais e frutas, com ou sem o uso de lacticínios e ovos. Os vegetarianos excluem o uso de todas as carnes animais, incluindo peixe”.
Entre os vegetarianos existem várias subcategorias, como os ovo-lacto-vegetarianos, os lacto-vegetarianos, os ovo-vegetarianos, os vegetarianos puros, os veganos, os frugívoros e os crudívoros.
Como através da designação da maioria das diversas categorias é fácil identificarmos os alimentos que são “autorizados” para os seus seguidores, apresentamos, a seguir, apenas a diferença entre vegetarianos puros e veganos. Assim, enquanto os vegetarianos puros apenas excluem da sua alimentação todos os produtos de origem animal, os adeptos do veganismo seguem um filosofia e estilo de vida que busca excluir todas as formas de exploração e crueldade contra animais não só na alimentação, mas também no vestuário, etc. Alem do referido, também não usam produtos testados em animais e condenam todos os espetáculos onde os animais são explorados (torturados) para divertimento (circos, touradas, delfinários, etc.)
Relativamente ao facto da opção por uma dieta vegetariana ser uma moda e como tal passageira, recorda-se que, segundo alguns autores, o vegetarianismo surgiu há cerca de 5 milhões de anos atrás e ao longo da história tem sido seguido por muitas pessoas.
Tal como acontecia em Portugal continental onde, segundo Sílvia Ferreira e Nuno Metello, num texto intitulado “O vegetarianismo ao longo da história da humanidade”, os habitantes das aldeias continuavam a ser principalmente vegetarianos, consumindo produtos de origem animal apenas ocasionalmente (geralmente em ocasiões especiais), entre nós tal também acontecia pelo menos até meados do século passado, onde por exemplo a carne de vaca só era comida aos domingos ou por ocasião das festas religiosas.
Como movimento cívico organizado, em Portugal, o vegetarianismo teve alguma divulgação através da Sociedade Vegetariana de Portugal, fundada em 1911, que tinha sede na cidade do Porto. A sua revista mensal, de excelente qualidade para a época, intitulada “O vegetariano”, chegava aos Açores onde viviam meia dúzia de assinantes em várias ilhas.
Alguns autores referem que não há, a nível mundial, estatísticas confiáveis que permitam afirmar com alguma segurança quantos vegetarianos existem. No nosso país apenas conhecemos os resultados de um estudo encomendado pelo Centro Vegetariano que apontava para a existência, em 2007, de 30 000 vegetarianos.
Não havendo dados atualizados, acreditamos que o número de pessoas que optam pelo vegetarianismo/veganismo está a aumentar pois têm vindo a crescer o número de estabelecimentos comerciais que se dedicam a vender produtos para vegetarianos/veganos, há cada vez mais restaurantes com pelo menos uma opção vegetariana nos seus menus, a comunicação social anunciou recentemente a intenção de uma empresa de refeições veganas, dos EUA, de instalar em Santa Maria da Feira uma unidade industrial que criará 600 postos de trabalho, onde haverá um investimento de 60 milhões de euros.
Para além do referido, entre nós, já está legalizada e em fase de instalação uma associação vegana, a Vegaçores – Associação Vegana dos Açores, que no passado dia 9 de julho conseguiu a proeza de juntar num jantar, em São Miguel, 80 pessoas.
Face ao exposto, penso que, sendo uma moda “uma maneira ou costume mais predominante em um determinado grupo em um determinado momento”, quando se fala em vegetarianismo/veganismo está-se a falar num regime alimentar/filosofia de vida em expansão.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30995, 27 de julho de 2016, p.12)

terça-feira, 26 de julho de 2016

Vitória Pais Freire de Andrade e a oposição às touradas


Vitória Pais Freire de Andrade e a oposição às touradas

Tenho lido alguma bibliografia sobre touradas, quer de adeptos, quer de defensores da abolição das mesmas, mas até recentemente não havia encontrado nenhuma publicação escrita por uma mulher.

No texto de hoje, farei uma breve referência a Vitória Pais Freire de Andrade (1883 - 1930), professora, natural de Ponte de Sor, e ao texto da sua autoria “A acção dissolvente das touradas”, que foi apresentado numa conferência proferida, a 29 de março de 1925, na Associação de Classe de Empregados de Escritório e editado por várias entidades, entre as quais a associação mencionada, a Associação de Professores de Portugal, a CGT-Confederação Geral do Trabalho, o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, a Universidade Livre e a Universidade Popular.

Vitória Pais Freire de Andrade ao longo da sua vida abraçou várias causas, entre elas a do associativismo dos professores e o feminismo, tendo militado em várias associações, como a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, a Associação de Propaganda Feminista e o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas. Foi, também uma militante no combate à prostituição e liderou o movimento pela abolição das touradas.

A dado passo da sua conferência, Vitória Freire de Andrade, depois de classificar as touradas como “essa vergonhosa tradição que o passado nos legou […], mas que a ciência histórica de hoje nos diz ser, por vezes, bem pouco dignificante como herança moral” manifestou a sua oposição às mesmas já que era “por natureza e por educação” contrária a todas as violências.

Nada suave nas suas palavras, Vitória Freire de Andrade, que considerou as touradas como “a arte dos brutos” defendeu que enquanto aquelas não acabassem se devia pelo menos proibir “que criancinhas ainda inocentes, ainda livre do contágio dos sentimentos grosseiros, se conspurquem em tal ambiente”.
Sobre as chamadas touradas de caridade, a companheira de Alice Moderno na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas disse:

“E àqueles que nos disserem que as touradas são precisas, porque são uma bela fonte de receita para obras de beneficência, dir-lhe-emos simplesmente o seguinte: que infelizmente, ainda transigimos com o facto de se organizarem festas para delas se tirar recursos para os mais necessitados […] mas que ao menos se junte o útil ao agradável. Que essas festas produzam o pão indispensável para o estômago e a não menos indispensável luz para os espíritos. Que nem uma só ideia reservada presida à sua orientação, sob pena de serem imediatamente desmascarados os seus falsos organizadores. Que uma única divisa se admite: fazer o bem pelo bem.”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30994, 26 de julho de 2016, p. 16)

terça-feira, 19 de julho de 2016

As touradas à corda da Terceira e o PIB da nossa desgraça


As touradas à corda da Terceira e o PIB da nossa desgraça

Este texto terá duas partes, na primeira faremos uma breve referência ao PIB que para alguns autores é um indicador medíocre e ultrapassado, na segunda reagiremos a um estudo sobre o contributo das touradas para o PIB dos Açores e para a desgraça da sua economia.

1- O PIB
De acordo com alguns autores do PIB- Produto Interno Bruto, indicador que “reflete o valor total da produção de bens e serviços em um país em um determinado período”, surgiu na década de 30 do século passado nos Estados Unidos da América e depois da Segunda Guerra Mundial passou a ser usado em todo o mundo.

O Doutor Ladislau Dowbor numa entrevista que concedeu, em 2014, sobre o PIB disse o seguinte: “o PIB é uma cifra que, tecnicamente, ajuda a medir a velocidade que a máquina gira, mas não diz o que ela produz, com que custos ambientais e nem para quem. É ridículo tentar reduzir a avaliação de um País a um número, isso não faz nenhum sentido”.

A título de exemplo, enumeramos algumas atividades económicas que poderão contribuir para o aumento do PIB mas que em nada beneficiam a qualidade de vida das suas populações, como a indústria de armamento durante as guerras declaradas ou não que é responsável pela destruição de muito património e pela morte de milhares de vidas inocentes ou o crescimento da indústria mortuária associado à guerra ou a acidentes em larga escala, como o de Bophal ou outros.

As deficiências apontadas ao PIB fizeram com que a partir de 1993 o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento passasse a usar outro indicador, também alvo de algumas críticas, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que é obtido a partir de informações sobre a esperança de vida ao nascer, a educação e o PIB.

2- O PIB DAS TOURADAS

A abertura da época da tortura animal, que ocorre anualmente a 1 de Maio, este ano teve a novidade da divulgação de um estudo que apresentou o contributo das touradas para o PIB. Segundo o mesmo, as touradas à corda movimentam verbas que correspondem a 2,74% do PIB dos Açores e a 11,4% do PIB da ilha Terceira, no ano de 2015.

Olhando friamente para os números e comparando com outros, como é o caso do setor leiteiro que diz-se que contribui com uma quota de 9% para o PIB regional, facilmente se conclui que algo há de errado nestes números. Com efeito, para além de estarmos em presença de métodos diferentes de fazer os cálculos, parece-nos que os números apontados para as touradas são um perfeito disparate que nenhum economista se deu ao trabalho de contestar. Sem fazer cálculos, quem conhece a realidade da economia regional e o peso das duas atividades, facilmente, chegará à conclusão de que, se as touradas contribuem com 2,74%, o setor leiteiro ultrapassará os 100%.

Mas, não perderemos tempo a esgrimir argumentos nem números, pois como se sabe a bota não bate com a perdigota. O que faremos de seguida é mostrar que a grande maioria das parcelas das touradas para o PIB são atividades improdutivas ou no máximo de transferência de dinheiros de uns para os outros, onde não é criada qualquer riqueza.

Antes de mais, importa mencionar que tal como acontece com qualquer tipo de espetáculo, as touradas não são uma atividade produtiva, não contribuindo em nada para a economia real. Será que contribuem para melhorar a vida das pessoas os seguintes contributos para o PIB mencionados no estudo: o dinheiro pago aos ganadeiros (transferência de dinheiro para particulares), o pagamento de licenças (transferência de dinheiro para as autarquias), o consumo de comidas e bebidas (na maioria a partir de produtos importados e que aconteceria na mesma se a tourada fosse substituída por outra atividade festiva) ou o combustível e o desgaste de veículos de quem se desloca para as touradas (que estarão associados a um aumento da importação de derivados do petróleo e de carros ou peças para os mesmos).

Para rematar os seus cálculos com chave de ouro, o estudo também devia apresentar os custos com as despesas com as ambulâncias e com os tratamentos dos feridos, bem como com os funerais pois, como se sabe, também ocorrem mortes nas touradas.

Enfim, desgraçada a economia que se baseia em despesas e não em criação de riqueza.

José Ormonde

9 de julho de 2016

O Padre João José do Amaral e a perseguição às aves


O Padre João José do Amaral e a perseguição às aves

A primeira sociedade agrícola portuguesa, a Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense (SPAM), criada a 11 de janeiro de 1843, foi aprovada por Decreto de 24 de abril de 1844. Entre outros objetivos, a SPAM pretendia promover o desenvolvimento da agricultura, o melhoramento dos gados insulares e a divulgação dos mais adiantados princípios da agrologia.

Noutro espaço e noutra ocasião terei oportunidade de fazer referência ao trabalho meritório da SPAM que pretendia fazer “uma revolução regeneradora, pacífica, e vagarosa” que consistia, entre outros pontos, em “suprir pela produção própria, quanto possível, a importação estranha”.

Uma das iniciativas da SPAM que não foi consensual na altura foi a do combate aos “pássaros daninhos”. Sobre o assunto, foi publicado no jornal “O Agricultor Micaelense”, órgão daquela instituição, um anúncio onde era pedido aos párocos para fazer chegar a todos os “fregueses” a notícia da criação de dois prémios destinados a todos os indivíduos que demonstrassem ter morto o maior número de pássaros daninhos.

Sobre o combate às pragas, o Padre João José do Amaral (1872-1853), no Agricultor Micaelense, deu a conhecer extratos de dois textos divulgados por duas publicações estrangeiras.

No primeiro, é mencionada a perseguição pelos agricultores à gralha acusada de prejuízos que ela não podia causar em virtude do seu regime alimentar e no segundo, um correspondente da “Gardner’s Chronicle” escreveu que não consentia que nas suas hortas e herdades se matasse qualquer pássaro pois como resultado da presença dos mesmos evitava os danos causados por lagartas. A mesma pessoa afirmou que nos locais vizinhos, onde criaram comissões para a destruição da praga, era “incrível o estrago causado por lagartas e caracóis”.
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Hoje, como sabemos a Química resolve (quase) tudo. Com que custos?

Teófilo Braga
(Correio dos Açores 30988 de 19 de julho de 2016, p. 10)

REFLEXÃO SOBRE A CAÇA NOS AÇORES


REFLEXÃO SOBRE A CAÇA NOS AÇORES

A caça nos Açores começou com o povoamento das ilhas. Com efeito, tal foi possível, no que diz respeito aos mamíferos, após a introdução do coelho bravo que foi intencionalmente introduzido em todas as ilhas, com excepção do Corvo. É precisamente o coelho a espécie cinegética mais caçada nos Açores e a que mobiliza mais caçadores.
A caça se para os mais urbanos e com mais posses foi (é) uma actividade “desportiva”, para os homens do campo, sobretudo os das classes sociais mais baixas, mais do que uma actividade de ocupação dos seus tempos livres era um complemento aos seus fracos rendimentos. Com efeito, lembro-me muito bem que no meio rural de São Miguel, na década de sessenta e início da de setenta do século passado, a carne, sobretudo a de vaca, só chegava ao prato de muitas famílias nas épocas festivas e a de porco um pouco mais de vezes para as famílias que tinham a possibilidade de os criar. Assim, caçar coelhos era também uma forma de enriquecer a dieta alimentar e conseguir algum dinheiro para complementar os magros salários com a venda de algumas peças de caça.
Era precisamente a situação de penúria em que viviam muitos agregados familiares, sobretudo de pequenos camponeses e camponeses sem terra que fazia com que eram poucas as licenças de caça existentes nos meios rurais e eram muitos os caçadores furtivos, alguns deles utilizando “técnicas” de caça ao coelho proibidas por lei e criticadas pelos restantes habitantes das diversas localidades, como era o uso do laço.
Ainda nos primeiros anos da década de oitenta, devido à situação social descrita, na localidade onde vivia eram poucas as licenças de caça e havia apenas uma ou duas espingardas, caçando a maioria dos caçadores apenas com recurso a cães e a furão. A deslocação para as zonas de caça, Sanguinal, Monte Escuro, Lagoa da São Brás, etc., era feita a pé ou, com alguma sorte, apanhando boleia nas carrinhas de alguns lavradores. Era revoltante ter de percorrer vários quilómetros a pé, e o regresso era mais duro porque para além da distância a percorrer havia o peso dos coelhos a vencer, enquanto os caçadores da “cidade” ou os “senhores” caçadores passavam nas suas viaturas.
Mais tarde, o Estado, sempre ao serviço dos que mais têm e dos apetites de uns poucos, decidiu investir em repovoamentos de espécies com o único objectivo de serem caçadas. Em 2008, o Secretário Regional da Agricultura e Florestas estimava em 4500 o número de exemplares criados em cativeiro, esquecendo-se de mencionar os custos envolvidos.
A situação referida no parágrafo anterior demonstra que estamos perante uma política de desvios de dinheiros públicos e comunitários que poderiam ser usados em benefício de toda a população dos Açores e que acabam por beneficiar uma minoria dentro da minoria que são os caçadores de algumas aves, pois como já vimos a esmagadora maioria caça apenas coelhos. Com efeito, podemos dizer, mesmo, minoria absoluta pois, segundo informações que consideramos fidedignas e tendo em conta o ano de 2009, nos Açores existiam 3 714 caçadores com carta válida o que correspondia a cerca de 1,5 % da população.
É importante referir que a situação actual, de beneficiar os que mais podem e têm, é muito pior do que a existente em plena ditadura fascista como se pode comprovar através da leitura do jornal “A caça” que se publicou em Ponta Delgada em 1936 e 1937. Com efeito, segundo o referido jornal eram os próprios caçadores, ao contrário do que actualmente ocorre, quem tomava a iniciativa e suportava os repovoamentos com perdizes através de subscrições públicas.
Hoje, são pouco válidos os argumentos dos defensores da caça pretensamente desportiva sobretudo quando aplicados a uma região “pobre” do ponto de vista faunístico como são os Açores quando comparados com outras paragens. Com efeito, caído por terra o argumento da tradição face aos avanços sofridos pela sociedade, hoje o principal argumento, que é também o de alguns “passarinheiros” e de alguns ambientalistas acéfalos suportes do status quo, é o de que com a caça valoriza-se os espaços e recursos florestais e mantém-se as populações de várias espécies controladas.
Se este último argumento poderá ser aplicado às populações de coelhos, gostaríamos que nos explicassem o seu uso quando estão em causa algumas aves residentes cuja população é reduzida e espécies migratórias, cuja ocorrência em alguns casos é diminuta.
Tendo conhecimento de um apelo lançado com vista a evitar que espécies migratórias e outras de ocorrência diminuta sejam excluídas da lista de espécies cinegéticas, não estranhamos que o mesmo tenha sido deturpado por parte de alguns devotos de Santo Huberto, para arrebanhar adeptos à sua causa junto de outros caçadores sensíveis e que concordam com o mesmo, bem como as pressões que têm sido exercidas sobre alguns dos primeiros subscritores.
Para terminar, apresentamos uma citação de um texto publicado, em 1926, no Suplemento Literário Ilustrado de “A Batalha”:
“Conhecemos alguns desses furiosos “desportistas” que aliam à sua qualidade de caçadores a qualidade de membros da Sociedade Protectora de Animais. Não compreendemos como se possam conjugar essas duas funções: a de matar e a de proteger seres vivos”.
Ribeira Grande, 21 de Janeiro de 2011
J.S.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

António Sérgio e a autonomia nas escolas


António Sérgio e a autonomia nas escolas


Um dos últimos textos publicados neste jornal foi dedicado ao pedagogo António Sérgio que tal como Álvaro Viana de Lemos, Adolfo Lima e Faria de Vasconcelos foi um dos pilares da Educação Nova no nosso país.

Neste texto, numa primeira parte faremos menção a algumas medidas tomadas por António Sérgio enquanto ministro e depois abordaremos, muito superficialmente, algumas das suas ideias sobre a escola e o ensino.

Apesar de algumas ideias geniais que, ainda hoje, com as devidas adaptações mantêm atualidade, foram integradas ou são seguidas por algumas correntes ou experiências pedagógicas, algumas medidas implementadas ou propostas por António Sérgio, na sua qualidade de ministro, foram fortemente contestadas pelos professores.

De entre as medidas que ele tomou, destacamos a extinção das escolas primárias superiores que sofreu forte contestação pelos professores daqueles estabelecimentos de ensino que se sentiram ofendidos e que o atacaram, usando, mesmo, argumentos que ponham em causa a sua pessoa. A exemplificar o referido, abaixo apresenta-se um extrato de um editorial do jornal “O Ensino do Povo”, transcrito por António Nóvoa, num texto publicado no número 3 da revista Portuguesa de Educação, editada, em 1988, pela Universidade do Minho:

“Até hoje, e já lá vai um ano e tanto, ainda o sr. Sérgio da Seara Nova se não lembrou de provar a acusação com que prendeu manchar uma classe inteira. Isto, quanto à competência científica. Quanto à competência moral, já ninguém ignora que, por ocasião do advento da República, sendo S. Exª oficial da marinha, pediu a demissão desse cargo para não servir o novo regímen. Contudo não lhe causou engulhos exercer, na mesma República, o cargo de ministro, alguns anos depois”.

Outra medida tentada por mais de uma vez durante a Primeira República foi a da descentralização do ensino. Tal como as tentativas anteriores, a de António Sérgio foi fortemente criticada, segundo António Nóvoa, porque os professores não queriam por um lado ser empregados camarários e por outro receavam “receber ordens de quem sabe menos”.

Hoje, qualquer tentativa de passar a gestão do pessoal docente para as autarquias seria fortemente repudiada pelos professores e quase de certeza pelos mesmos motivos.

António Sérgio distingue claramente instrução e educação, tendo afirmado que “ler, escrever e contar são instrumentos de cultura, mas não a própria cultura”. Segundo, Carlos Fino, num texto intitulado António Sérgio e o self government” publicado, em 1997, na revista “Arquipélago –Perspectivas e Debates”, para António Sérgio “educação consiste em formação, e firmeza crescente no saber fazer e no saber procurar”.

António Sérgio defendeu uma escola muito diferente das tradicionais, onde deveriam acabar os métodos passivos de ensinar e onde os alunos, à medida que fossem avançando na sua escolaridade, fossem assumindo cada vez maiores responsabilidades através da participação na direção da vida escolar.

Qual seria, então o papel do professor?

Para Sérgio “o professor ensinará pois os estudantes a governarem-se a si mesmos, criando leis justas e sensatas e sobretudo executando-as e fazendo-as executar”.

Segundo Carlos Fino, o papel do professor na escola idealizada por António Sérgio seria: “a) dirigir idoneamente as operações; b) elidir as suas falhas; c) consagrar tempo, atenção e interesse verdadeiro ao projeto educativo e d) assegurar que os alunos cidadãos tenham a maior responsabilidade possível para que tirem da autonomia que se lhes dá o maior valor educativo”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30983, 13 de julho de 2016, p. 13)

terça-feira, 12 de julho de 2016

Os gatos de Agostinho da Silva



Minha gatinha João
Do jeito que hoje te vi
Muito mais tu me proteges
Do que te protejo a ti
(Agostinho da Silva)

Gosto muito de ler biografias e nos últimos dias acabei de ler a de Agostinho da Silva escrita por António Cândido Franco, professor na Universidade de Évora e atual diretor da revista de cultura libertária “A Ideia”.

Através da leitura de “O estranhíssimo colosso. Uma biografia de Agostinho da Silva”, editada em 2015, pela Quetzal Editores, fiquei a conhecer melhor a vida e a obra de George Agostinho Batista da Silva (1906-1994), filósofo, poeta e ensaísta distinto, que ao longo da sua vida foi um filantropo, tendo, entre outras iniciativas, ajudado, no Brasil, com o dinheiro da sua reforma, meninos pobres que queriam estudar.

Agostinho da Silva manteve uma relação especial com os animais, nomeadamente com os gatos que foram seus companheiros ao longo da sua vida.

Certa vez alguém perguntou a Agostinho da Silva por que razão andava sempre na companhia de gatos e a reposta foi: “Os gatos têm uma enorme vantagem sobre os humanos, sabe? Não podem ser alfabetizados”.

Agostinho da Silva sempre teve gatos, desde a altura em que deu os primeiros passos, em Barca de Alva, até ao fim da vida em Lisboa, passando pelo Brasil e Uruguai, onde também viveu.

Agostinho da Silva que, numa altura da sua vida, se deslocava de Lisboa a Sesimbra com o único objetivo de alimentar gatos, com quase 88 anos de idade levantava-se às cinco da madrugada e dedicava aos gatos as duas primeiras horas do dia, limpando as areias, lavando a louça e dando-lhes alimento e mino e passeando no terraço.

Sobre a sua dedicação aos gatos que lhe davam muito trabalho, Agostinho da Silva nunca desanimou nem manifestou qualquer cansaço. Sobre o assunto escreveu: “Estou pagando uma dívida humana: meus gatos me domesticaram a mim”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30982, 12 de julho de 2016, p.10)

quarta-feira, 6 de julho de 2016

ALICE MODERNO E A EDUCAÇÃO - 2


ALICE MODERNO E A EDUCAÇÃO - 2

Na semana passada escrevemos sobre a atividade docente de Alice Moderno, neste texto fazemos referência a aspetos do seu pensamento sobre as questões do ensino e da educação.

Sobre a temática do ensino propriamente dito, Alice Moderno escreveu vários textos onde teve a oportunidade de expor as suas ideias.

De entre eles, destacamos “Palavras de um “toast”, escrito em Angra do Heroísmo, a 22 de outubro de 1911, dedicado aos professores primários (hoje professores do 1º ciclo do ensino básico).

No seu texto, Alice Moderno saúda os professores primários, dizendo que eles são “os funcionários mártires da instrução” e acrescenta, citando Renan “que o futuro intelectual do indivíduo depende principalmente de quem lhe ensina a ler” e termina afirmando que “a leitura, inteligentemente assimilada em tenros anos, pode fazer sábios, como a rotina sabe fabricar cretinos”. Alice Moderno conclui o seu curto texto, saudando “entusiasticamente os membros conscientes, independentes e dignos da classe à qual o estado menos paga e da qual mais exige…”

Outro texto que merece referência foi o publicado, a 9 de dezembro de 1909, na Revista Pedagógica, intitulado “Médicos Escolares”, onde Alice Moderno solidariza-se com a opinião de Maria Evelina de Sousa que numa reunião realizada em Ponta Delgada defendeu a necessidade de médicos escolares visitarem as escolas quinzenalmente a fim de verificar se aquelas se encontravam em boas condições de higiene “e se as crianças que as frequentavam estão em boas condições que lhes permitam matricular-se num estabelecimento de instrução, a que concorrem muitas outras que têm direito a não serem contaminadas pela doença alheia”.

Alice Moderno não apenas opinou sobre o que se passava nos Açores. Com efeito, também reagiu ao fuzilamento de Francisco Ferrer i Guàrdia.

Francisco Ferrer i Guàrdia (1859-1909) foi um pedagogo catalão que criou a Escola Moderna que funcionava tendo por base uma pedagogia libertária. As ideias anarquistas de Ferrer, sobretudo após a sua morte, influenciaram a abertura de outras escolas em diversos países, como a Voz do Operário, em Lisboa, e serviram de inspiração a diversos pedagogos, como o brasileiro Paulo Freire.
Ferrer foi condenado à morte e fuzilado, a 13 de Outubro de 1909, por ter sido, injustamente, acusado de ser o instigador da revolta popular da Semana Trágica, em Barcelona.
Em todo o mundo foram inúmeras as reações à sua morte. Na ilha de São Miguel, surgiram artigos a condenar o seu fuzilamento, nos jornais “Vida Nova”, “A Folha” e “O Repórter”.
A Revista Pedagógica, editada pela professora Maria Evelina de Sousa, de que Alice Moderno foi colaboradora, não só condenou o assassinato de Francisco Ferrer como divulgou as suas ideias em pelo menos quatro números.
Num texto não assinado publicado no Jornal A Folha nº 366, de 24 de Outubro de 1909, a dada altura o autor ou autora, que acreditamos ser Alice Moderno, escreveu o seguinte:
“Ferrer foi um brasseur d’idées, foi um desses indivíduos excecionais que, nesta época de egoísmo, em que se entrechocam os mais sórdidos e desmedidos interesses pessoais, sacrificou toda a sua fortuna particular, toda a segurança individual, toda a sua tranquilidade espiritual, por uma ideia - combatendo por ela até ao ponto de ver correr, pelos furos das balas reais, o seu sangue generoso”.
Embora possa parecer estranho o facto das republicanas Alice Moderno e Maria Evelina de Sousa virem a público defender um pedagogo anarquista, tal não foge ao que acontecia a nível nacional onde, segundo António Candeias, nos centros culturais republicanos eram discutidos pensadores de várias filiações ideológicas como Ferrer, Vítor Hugo, Proudhon, Garibaldi, Antero de Quental, Zola e Réclus.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30977, 6 de julho de 2016, p.18)


terça-feira, 5 de julho de 2016

AVAT- Associação de Veterinários Abolicionistas da Tauromaquia



AVAT- Associação de Veterinários Abolicionistas da Tauromaquia

Depois de Espanha e de França, Portugal passou a ter, desde o passado dia 30 de junho, uma associação profissional de médicos veterinários que se opõem aos maus tratos a animais, que incompreensivelmente ainda são legais, embora num reduzido número de países, na tauromaquia.

Não conhecemos muitas reações sobre o surgimento da nova associação, mas o mesmo mereceu aplausos por parte da maioria das associações que combatem a tauromaquia em Portugal, de muitas associações de defesa dos animais e por parte do PAN- Pessoas Animais e Natureza.

O deputado André Silva, do PAN, que esteve presente na sessão de apresentação, depois de mencionar que “o utilitarismo fútil” que está presente nas touradas “é cada vez menos admitido pela maioria dos portugueses que não se revêm num "entretenimento" que se suporta em gravíssimos maus tratos, entendidos pelo legislador como justificados”, desejou que a AVAT “tenha uma curta existência, que se possa extinguir rapidamente por via do alcance dos seus objectivos”..

A AVATMA - Asociación de Veterinarios Abolicionistas de la Tauromaquia y del Maltrato Animal, de Espanha, esteve presente através do seu presidente, José Enrique Zaldívar, que foi homenageado e recebeu o título de sócio honorário, saudou o aparecimento da nova associação nos seguintes termos: “Estamos muito satisfeitos por compartilhar com os veterinários portugueses e franceses os argumentos científicos que são indispensáveis no inexorável caminho que levará ao desaparecimento de todos os espetáculos taurinos.”

De acordo com informação já disponibilizada pela AVAT, a mesma tem por objetivo o reconhecimento, a defesa e a proteção dos animais envolvidos nas atividades tauromáquicas já que os mesmos “são seres sencientes dotados de direitos, interesses e necessidades inerentes à sua condição”.

Para a prossecução dos seus objetivos a “AVAT propõe-se promover e defender os direitos destes animais, nomeadamente, o direito a uma existência digna e livre de maus-tratos ou sofrimento gratuito, desnecessário e injustificado, mediante a abolição dos referidos espetáculos e eventos tauromáquicos”, bem como promover “igualmente a defesa e proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos menores de idade e do ambiente, sempre que estejam relacionados com os demais objectivos da mesma.”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30976, 5 de julho de 2016, p. 16)