quarta-feira, 29 de março de 2017

O Dr. Guilherme Fraga Gomes e a sua mata (2)



O Dr. Guilherme Fraga Gomes e a sua mata (2)

Convidado pelo Dr. Carreiro da Costa, o Dr. Guilherme Fraga Gomes escreveu dois textos para o Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores sobre fetos. O primeiro “A Beleza dos Fetos” foi publicado, em 1949, no número 10 daquela publicação e o segundo “A propósito do feto do cabelinho”, no número 11.

Hoje, apenas farei referência ao texto que o médico madeirense, Fraga Gomes, publicou sobre os fetos existentes na mata que hoje ostenta o seu nome, localizada junto à estrada regional de acesso às Furnas.

O médico Fraga Gomes, apaixonado pelas plantas, no seu texto faz referência a 27 (vinte e sete) fetos, alguns dos quais não identificados e outros com nome “impróprio” ou “talvez errado” pois como ele escreveu: “isto de identificar criptogâmicas tem dificuldades e muita música para quaisquer curiosos que não podem nem devem confiar nas próprias reminiscências e impressões pois, como amadores, fazem, mais ou menos, papel de papagaios.”

Dado o espaço disponível, a seguir apresenta-se alguns dos fetos mencionados pelo Dr. Fraga Gomes e que ainda poderão ser encontrados na mata ou na ilha de São Miguel.

A língua cervina (Phyllitis scolopendrium) que, segundo Fraga Gomes, não parece um feto, possui “folhas inteiras de 40 centímetros de comprimento por 5 de largura”. É um feto que existe em todas as ilhas dos Açores e é nativo da Macaronésia e da Europa.

O Asplenium marinum que tem como habitat “o terreno pobre da beira-mar” foi introduzido na mata e adaptou-se bem. De acordo com Fraga Gomes, as suas “folhas” são “lustrosas, segmentadas, de nervuras pretas, de 30 a 40 centímetros de comprimento”. Existe em todas as ilhas dos Açores e é nativo da Macaronésia e Europa Ocidental.

O feto-dos-muros (Polypodium azoricum), que foi transplantado de uma parede, onde se dá muito bem, é uma espécie endémica dos Açores que outrora foi muito usada para ornamentar os presépios. Existe em todas as ilhas dos Açores.

O feto do mato ou feiteira (Pteridium aquilinum) que hoje é “ uma dor de cabeça” para quem quer manter os seus terrenos sem “infestantes”, foi usado “pelos leiteiros” para rolhar “o bocal dos potes” e, segundo Fraga Gomes, “em épocas remotas de fomes, com os rizomas e raízes seco se reduzidos a farinha, houve quem simulasse pão com que foram enganados os estômagos de pobres e até de abastados, que não tinham onde comprar trigo, milho e outros alimentos”.

O feto de cabelinho (Culcita macrocarpa) com a sua beleza ímpar é um endemismo da Macaronésia que existe, também, em alguns locais da Península Ibérica. Ao contrário do anterior, este feto teve uma grande utilidade pois com o “cabelo” eram enchidas as almofadas.

Em 1893, Gabriel de Almeida depois de referir que “as raízes do rizoma são escuras, sedosas, brilhantes e muito leves, e por isso mui próprias para almofada ou enchimento de coxins”, menciona que o cabelinho “constitui artigo de comércio para Portugal e Brasil” e acrescenta o seguinte: “ a perseguição que por este motivo se faz à espécie, dá lugar a que se vá tornando rara sem querer ver-se, que por este caminho se extinguirá nas ilhas num futuro próximo uma das suas mais formosas plantas”.

O feto-do-botão (Woodwardia radicans) que é muito comum na Madeira e nos Açores, ornamentando algumas estradas e caminhos rurais foi considerado, por Fraga Gomes, como “muito bonito”. De acordo com o botânico alemão Hanno Schäfer, o feto-do-botão, que é nativo da Macaronésia, Sudoeste da Europa, Ásia e América Central, existe em todas as ilhas dos Açores, exceto na Graciosa.

Por último, apresenta-se o feto craca (Angiopteris evecta) originário da Malásia, Polinésia, Nova Guiné e Austrália.

Este feto muito bonito, que deve o seu nome, segundo Fraga Gomes, ao “aspeto áspero, rugoso, pedregoso do conjunto da inserção das nervuras verdes das folhas”, é usado, entre nós, como ornamental. Nas regiões donde provém foi usado na alimentação e na medicina popular.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31192, 29 de março de 2017, p.16)

terça-feira, 28 de março de 2017

O jornal “Estrela Oriental” e as aves



O jornal “Estrela Oriental” e as aves

No início do século passado, o jornal “Estrela Oriental” por várias vezes publicou textos onde alguém abordava a importância das aves para a agricultura e como forma de algumas pessoas passarem os seus tempos livres.

Num texto publicado a 28 de abril de 1900, o autor refere-se ao importante papel de combate às pragas de algumas aves que devem ser acarinhadas pelos agricultores. Entre as espécies mencionadas, destacamos o mocho e as corujas que “além dos ratos que destroem, devoram numerosos insetos noturnos e crepusculares”, o melro que “limpa os jardins das lesmas e caracóis”, a toutinegra que “caça no ar as moscas e mosquitos, e limpa as árvores de pulgões” e as alvéolas que, “em número de vinte”, “limpam em um dia uma colheita de todo o gorgulho”.

O texto termina com um apelo à proteção das aves que são seres “salvadores das nossas colheitas e, ao mesmo tempo, os infatigáveis cantadores dos jardins, dos campos e das florestas”.

Noutro texto, de 7 de abril de 1901, o jornal relata a história de M. Pol, um reformado que se entretinha com as aves existentes num jardim de Paris.

De acordo com a notícia, o senhor Pol que atribuía um nome a algumas aves de acordo com as suas características, para passar o seu tempo, dava-lhes alimento e estas, sem qualquer receio, iam comer às suas mãos.

Este segundo texto termina apelando aos leitores para compararem “o divertimento de M. Pol com o dos caçadores de pássaros à rede, que os atraem para lhes roubar a vida!”

Hoje, ainda há muitas pessoas que se dedicam às aves e é grande o número de pessoas que têm como passatempo a observação de aves, sendo os Açores um destino muito procurado para observação não só da avifauna nativa, mas também de aves marinhas e migradoras.
Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 31191, 28 de março de 2017, p.16)

quarta-feira, 22 de março de 2017

O Dr. Guilherme Fraga Gomes e a sua mata (1)

O Dr. Guilherme Fraga Gomes e a sua mata (1)


O Dr. Guilherme João de Fraga Gomes, filho de Maria Carlota de Faria de Fraga (natural do Corvo) e de João Cipriano de Gouveia Andrade Gomes, nasceu no Funchal no dia 11 de junho de 1875 e faleceu na mesma cidade no dia 9 de outubro de 1952.

O Dr. Fraga Gomes, formado na Escola Médico-Cirúrgica do Funchal, tendo concluído o seu curso no dia 13 de julho de 1897, veio para São Miguel a convite do seu conterrâneo Dr. José Maria dos Passos Henriques que exercia medicina na freguesia da Bretanha.

A 23 de julho de 1898, chegou a São Miguel, tendo-se fixado na Bretanha onde permaneceu um ano. O Dr. Fraga Gomes concorreu ao partido médico municipal da Maia, tendo sido nomeado para ocupar o cargo, passando a viver na Maia a 7 de agosto de 1899. Foi na Maia que passou grande parte da sua vida a exercer clínica geral, segundo ele “ a princípio desde a Lomba de São Pedro até à Ladeira da Velha, três anos depois, da Lomba da Maia até ao Porto Formoso, Ladeira da Velha”.

O Dr. Fraga Gomes não se limitou a exercer medicina, teve, também, uma participação cívica exemplar, sendo segundo o Dr. Francisco Carreiro da Costa “um dos grandes beneméritos da terra”.

De acordo com numa nota publicada no segundo volume do “Apontamento Histórico-Etnográfico de São Miguel e Santa Maria”, publicado, em 1982, pela Direção Escolar de Ponta Delgada “a 27 de outubro de 1919, reuniu-se um grupo de amigos da Maia que elegeram uma comissão iniciadora e fundadora de um pequeno hospital, constituindo a Assembleia Geral o Professor Manuel Jacinto da Ponte, Jaime Hintze e o Dr. Jacinto Gago de Faria e Maia, e a Comissão executiva o Dr. Guilherme de Fraga Gomes, José Melo Nunes, Padre João Joaquim Borges, Manuel de Sousa Leite e José Bento do Couto”.

Só cerca de 24 anos depois, a 8 de agosto de 1943 foi colocada a primeira pedra e no ano seguinte, no dia 24 de setembro de 1944, o mesmo foi inaugurado.

Mas, não foi apenas à medicina e à solidariedade ao próximo que o Dr. Fraga Gomes se distinguiu e se dedicou. Sobre o assunto, ele escreveu “o que fiz na Maia fora da minha profissão – o meu violino, foi a floricultura e a arboricultura”.

Sobre a sua paixão pelas plantas, o Dr. Carreiro da Costa, em artigo publicado no jornal “Açores”, de 11 de novembro de 1952, escreveu:

“ O seu amor às flores e às árvores esse ficou para sempre traduzido na magnífica mata do Outeiro Redondo, por ele criada e desenvolvida e hoje considerada uma das mais belas e ricas coleções botânicas existentes em São Miguel, a avaliar pelo que nos deixou escrito sobre “A Beleza dos Fetos”, ali existentes, em primoroso artigo publicado no nº 10 do Boletim da C.R.C.A.A. [1949]”.

No blogue da Associação Amigos da Mata, pode-se ler que a construção da mata “remonta ao século XIX, tendo sido finalizada na parte final dos anos 90 quando o seu proprietário terá introduzido a maior parte dos melhoramentos que são conhecidos com o propósito de valorizar a coleção botânica” e mais adiante refere-se à visita régia nos seguintes termos: “Conta-se que foi neste local que o rei D. Carlos e D. Amélia foram recebidos aquando da visita régia a São Miguel, em 1901”.

Temos algumas dúvidas em relação ao atrás mencionado, a não ser que a mata tenha começado a ser construída antes da chegada do Dr. Fraga Gomes à Maia e relativamente ao acolhimento dos reis de Portugal, até ao momento, não encontramos nenhum documento que o comprove.

O único relato que conhecemos da visita dos reis às Furnas com passagem pela Ribeira Grande é da autoria de Hintze Ribeiro e foi transcrito no jornal “A Estrela Oriental”, de 3 de agosto de 1901, não fazendo qualquer referência à mata. De acordo com o mesmo na Ribeira Grande ocorreu “a mais tocante e grandiosa receção”. Depois do acolhimento na então vila nortenha “ o almoço foi a meio caminho da Ribeirinha (….). Às 6 horas da tarde chegaram Suas Majestades às Furnas, hospedando-se em casa do Sr. Marquês da Praia”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31186, de 22 de maro de 2017, p.16)

terça-feira, 21 de março de 2017

Um parque zoológico que condena a Povoação ao ostracismo



Um parque zoológico que condena a Povoação ao ostracismo

Nos primeiros dias de fevereiro, foi divulgado um "Livro Negro do Parque Zoológico da Povoação" e um manifesto assinado por cerca de 100 pessoas propondo o encerramento daquele espaço que estará aberto há alguns anos apesar de desrespeitar a legislação em vigor.

Para os autores dos documentos mencionados, o parque zoológico tal como está ou com a remodelação anunciada, para além de não passar de uma prisão para os animais, não beneficia a economia local e, pelo contrário, é motivo para afastamento de visitantes ao centro da vila.

Para além dos relatos presentes, no livro citado, de cidadãos, sobretudo de outros países, que descrevem as más condições existentes para os animais, recebemos e divulgamos o depoimento de uma sócia de uma conhecida Agência de Viagens que afirmou ser "chocante" e "uma verdadeira vergonha… tratar animais dessa maneira", e acrescentou o seguinte: "Quando tenho grupos de turistas prefiro não parar no centro de Povoação para não mostrar uma vergonha e um crime …. A Camara devia fechar o espaço".

Sobre o referido parque no início deste ano circularam notícias que referem a morte, numa mesma semana, de dois macacos, um babuíno e um macaco-verde, sem que até hoje os responsáveis pelo espaço, indagados por uma associação local, tenham dado uma explicação para tal.

Termino, referindo que não se compreende que um espaço que não respeita a legislação, nomeadamente o Decreto-Lei nº 59/2003, de 1 de abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 104/2012, de 16 de maio, continue aberto ao público, contribuindo para dar uma má imagem de um concelho que possui um património natural único no mundo, a freguesia das Furnas com todas as suas manifestações de vulcanismo e com os seus jardins botânicos e já possuiu uma rede de trilhos pedestres que metia inveja aos restantes concelhos da ilha.

Ao contrário do que propalam os autarcas a atração pelo centro da Vila não se fará só pelas fofas e muito menos pela remodelação do Parque Zoológico.

Ponham a imaginação a funcionar!

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31185, 21 de março de 2017, p. 13)

terça-feira, 14 de março de 2017

Mário Dionísio e o ensino

Retrato por João Abel Manta, 1949

Mário Dionísio e o ensino

Neste texto, pretendemos dar a conhecer um pouco do pensamento de Mário Dionísio (1916-1993) sobre a temática da educação, tendo por base o que ele escreveu e que está compilado no livro “O quê? Professor?!

Antes de entrarmos no assunto proposto, apresentamos sucintamente o percurso profissional de Mário Dionísio que foi pedagogo, poeta, ensaísta e pintor, tendo-se licenciado em Filologia Românica, em 1940, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

A sua dedicação ao ensino começou ainda antes da licenciatura, onde deu lições particulares e prosseguiu após esta. Concluiu o estágio pedagógico, em 1958, no Liceu Pedro Nunes, tendo prosseguido, até 1978, a lecionação no Liceu Camões.

Depois do 25 de Abril de 1974, foi presidente da Comissão de Estudo da Reforma Educativa e da Comissão Coordenadora dos Textos de Apoio que substituíram os antigos programas das várias disciplinas e terminou a sua vida profissional como Professor Associado Convidado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Mário Dionísio, depois do 25 de abril, recusou por duas vezes o convite para ser Ministro da educação, tendo também declinado o convite para presidir à instalação da Universidade Aberta.

Rui Canário, no prefácio ao livro citado, destaca quatro tópicos no pensamento pedagógico de Mário Dionísio. Neste texto, apenas, mencionamos três.

O primeiro diz respeito à profissão docente. Para Mário Dionísio “ser professor é uma profissão e não um emprego” e acrescenta” Um professor é para mim alguém de personalidade vincada, de sensibilidade aguda, de cultura geral apreciável e cultura especializada indiscutível”.

Sobre a pedagogia de Mário Dionísio, o autor citado considera-o “tributário de uma pedagogia racional (que integra as contribuições da sociologia e da pedagogia) e que se entrelaça com uma tradição que remonta aos libertários e à Escola Nova”. Para Mário Dionísio, “crítico da memorização inútil” …mas crítico também de conceções de não directividade” o ensino e a aprendizagem são: “ …uma responsabilidade dividida, mas nem por isso menos dirigida […] com a noção exata de que dirigir será fundamentalmente seduzir, atrair, guiar, guiar até à reflexão em comum e à prática comum, ponte de acesso para o desejo e o prazer da descoberta.”

Por último, Mário Dionísio defendeu a articulação entre a educação e a arte.

Mário Dionísio, que um dia escreveu: “faça-se negócio com tudo, menos com a educação e a saúde”, explicou por que razão escolheu ser professor, numa época em que “a imagem de professor estava intimamente ligada à de uma carreira humilde e pobretana”:

“ Pelo apelo inesquecível que havia nos olhinhos brilhantes daqueles pobres alunos tão vivos uns, tão mortiços outros, mas todos escandalosamente ludibriados nesse colégio de má morte? Pelo interesse que percebi ser capaz de despertar nalguns deles e pelo que eles pouco a pouco em mim foram despertando? Pela consciência nascente da importância humana e nacional da função do ensino? Por cedo ter compreendido que a criação literária em liberdade exigia não depender economicamente dela e o ensino me parecer a atividade (complementar) que com ela melhor se coadunaria?”

Mário Dionísio se hoje fosse vivo ficaria ainda mais desiludido com a situação do ensino em Portugal. Com efeito, em 1979, ele já denunciava “o contínuo abaixamento do nível da qualidade do ensino. Que não vem do 25 de abril, nem foi causado por ele. Que vem muito e muito de trás. E que se ele era (e é) muito útil aos propósitos do fascismo, só pode ser motivo de alarme e da mais profunda apreensão para todos nós.”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31180, 15 de março de 2017, p.16)

Desmontando alguns argumentos mais comuns contra a incineração de resíduos


Desmontando alguns argumentos mais comuns contra a incineração de resíduos

Os detratores da incineração de resíduos são contra a mesma porque dizem que a energia produzida não é renovável.

Como vivemos numa sociedade de consumo e de esbanjamento de recursos, o que interessa é fazer o máximo de resíduos para depois serem usados para produzir eletricidade e tanto faz esta ser proveniente de fontes de renováveis ou não, o que importa é termos energia disponível para ser usada pelas pessoas.

A energia elétrica da incineradora de São Miguel é bem-vinda e se houver eletricidade a mais, não há problema. Com efeito, faz-se como na ilha Terceira, isto é, obriga-se as renováveis a ficarem paradas, mesmo que tenham de ser pagas para isto.

O negócio estará garantido pois serão sempre os consumidores a pagar. Não existem para isso?

Dizem, os que são contra a incineração, que esta cria menos postos de trabalho que a reciclagem.

Não se percebe por que razão há quem se preocupe com as questões do emprego. Na nossa sociedade o que interessa é que haja trabalho para alguns para manter a economia a funcionar.

Para os verdadeiros empresários o que é preciso é que haja muita mão-de-obra disponível para que os salários possam ser mantidos baixos, tornando assim as empresas competitivas.

Para o governo é importante que haja muito desemprego, pois só assim consegue manter os programas ocupacionais e disponibilizar o Rendimento Básico de Inserção, criando a ilusão de que estão a fazer um favor a quem está com dificuldades.

Por último, sem pessoas a viver na miséria como se manteriam as várias organizações oficiais ou particulares ditas de solidariedade social? Se tal acontecesse, acabava-se a caridade e há muita gente a arrotar que ficava sem nada para fazer.
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As incineradoras não são uma opção de manipulação de resíduos economicamente rentável e as incineradoras disfarçadas, como a gaseificação, ainda menos.

Este argumento seria válido se a sociedade fosse homogénea, isto é, se não houvesse empreendedores e colaboradores ou como diziam os adeptos de Marx, donos dos meios de produção e vendedores da força de trabalho.

Como tal não acontece, as incineradoras são sempre um bom negócio para quem as vende e para as empresas que as constroem ou as gerem. Com efeito, vendendo mais ou menos eletricidade, quer esta seja necessária ou não, os lucros estão sempre garantidos pois são as famílias que são obrigadas a pagar as taxas de resíduos aos preços que os políticos (autarcas e governantes) quiserem.

As incineradoras ao competirem com os programas de reciclagem inviabilizam esta última.

Não é mentira nenhuma, mas não pensamos que haja algum mal nisto já que o que pretendemos é resolver o problema dos lixos sem incomodar as pessoas. Mas não é só com a questão dos resíduos que dispensamos a participação dos cidadãos na vida cívica, não temos qualquer interesse que se associem para resolver os problemas com que a sociedade se debate, a nossa única preocupação é com a abstenção nos atos eleitorais.

No que diz respeito aos resíduos há muitos anos perseguimos o sonho da incineração por isso nunca apostamos a sério na implementação da política dos 3 R e sobretudo nunca quisemos fazer nada para que a sociedade reduzisse a produção de lixos.

A verdade é que os ambientalistas, pelo menos a maioria, também nos têm dado uma grande ajuda, isto é, têm esquecido o primeiro R, a redução, e pouco falam no segundo, a reutilização. Além disso, também registamos com apreço a mudança de opinião de alguns deles que antes não aceitavam a incineração e hoje já a toleram e até propõem para São Miguel uma incineradora, mas com menor potência.

As modernas incineradoras de resíduos da Europa continuam contaminando o clima e provocam um sério risco para a saúde e queimam muito dinheiro quer na sua construção quer na manutenção.

È claro que há sempre contaminação, mas que interessa isso quando comparado com o dinheiro que vai para os bolsos dos promotores da incineração. Quanto ao risco para a saúde, toda a atividade humana está associada a riscos para a saúde e contaminação do ambiente.

Os detratores da incineração podem mostrar os estudos que quiserem que nós conseguimos também apresentar estudos a dizer que os riscos são mínimos e que compensam, pelo menos para a parte mais nobre da sociedade, os detentores do poder e os grupos económicos mais poderosos.
J.S.
Março de 2017

Preso defendido com recurso a lei de proteção de animais


Preso defendido com recurso a lei de proteção de animais

Em 1935, ocorreu no Brasil uma revolta comunista que foi chefiada pelo oficial do exército brasileiro Luís Carlos Prestes, cuja “biografia poética” foi parcialmente escrita pelo escritor Jorge Amado, no seu livro “O Cavaleiro da Esperança”.

A revolta fracassou e Luís Carlos Prestes acabou por ser preso, tal como muitos dos organizadores da mesma, entre os quais a sua mulher Olga Benário Prestes que grávida foi entregue à Alemanha nazi, tendo tido uma filha na prisão, Anita Leocádia Prestes, antes de ter sido uma das 200 mulheres executadas numa câmara de gás, em 1942, na cidade de Bernburg.

Outro dos prisioneiros foi o alemão Arthur Ewert que foi amnistiado em 1945 e que acabou por morrer, em 1959, na antiga República Democrática Alemã, sem ter recuperado a razão.

O advogado Sobral Pinto que era anticomunista mas que acreditava que se deve “odiar o pecado e amar o pecador” ofereceu-se para defender tanto Prestes como Ewert, embora sabendo que “o comunismo nega Deus, afronta Deus” mas compreendendo “que os comunistas façam isso por serem pecadores”.

Sobral Pinto foi bem-sucedido no seu trabalho, tendo conseguido que Prestes passasse a receber correspondência da família. No caso do comunista alemão, que fora, tal como muitos outros alvo de torturas diversas, Sobral Pinto socorreu-se de uma notícia que mencionava o caso de um cidadão que havia sido condenado a prisão por ter morto um cavalo por espancamento. Segundo, Fernado Morais, autor do livro “Olga - a vida de Olga Benário Prestes” que é a principal fonte usada neste texto, o mencionado advogado “recorreu a um artigo da Lei de Proteção dos Animais para tentar salvar a vida de Ewert. A lei dizia que “todos os animais existentes no país são tutelados do Estado” – e já que a lei dos homens era insuficiente para impedir o flagelo do alemão, pelo menos que fosse protegido como um animal para que as torturas cessassem”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31179, 14 de março de 2017, p. 14)

segunda-feira, 13 de março de 2017

domingo, 12 de março de 2017

Com o Vasco da Gama


12 de março de 2017

quarta-feira, 8 de março de 2017

ARENA

terça-feira, 7 de março de 2017

Os amigos dos Açores

Miguel de Sousa Alvim




Miguel de Sousa Alvim

Miguel Pereira de Sousa Alvim nasceu em Ponta Delgada, no dia 20 de junho de 1882, e faleceu na mesma cidade, no dia 9 de maio de 1915.

Estudou no antigo Liceu da Graça onde, segundo Urbano Mendonça Dias, “encheu de vida e de graça o seu claustro, gravando assim o seu nome entre a geração moça que o rodeava”, e foi aluno de Alice Moderno que lhe deu aulas particulares de francês.

Miguel de Sousa Alvim interessou-se pela causa da defesa dos animais, tendo sido um dos fundadores da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, que foi criada em 1911.

Eduíno de Jesus, num trabalho intitulado “Miguel Alvim, biografia e alguns inéditos, escreve o seguinte: “Além de jornalista e poeta, Miguel Alvim também cultivou o conto e o teatro, embora episodicamente, assim como a música (canto e violino)”.

Como jornalista, Miguel Alvim fundou com Francisco Carvalhal o semanário “Interesse Público” que durou de 6 de outubro a 22 de dezembro de 1904, tendo sido substituído por “O Arauto”, que se publicou entre 1 de janeiro e 26 de fevereiro de 1905.

Ainda no que diz respeito à sua atividade jornalística Miguel Alvim foi colaborador do Diário dos Açores, foi diretor do jornal “O Distrito”, de 8 a 29 de setembro de 1910, e foi redator principal do jornal “A República”, entre 4 de julho de 1911 e 13 de junho de 1914.

No “Interesse Público”, Miguel Alvim manteve uma rubrica intitulada “Origens do Homem”, onde apresentou as duas “teorias” em confronto: “a do homem formado de barro e insuflado do sopro Divino” e a “baseada em leis científicas, isto é, no transformismo ou evolucionismo material”, tendo tomado partido por esta última.

O tema na altura ainda era polémico pelo que o autor, prevendo reações negativas, teve o cuidado de avisar que não queria “levantar suscetibilidades ou abalar crenças, que na nossa opinião são sempre merecedoras do mais digno acatamento e respeito, quando sinceras”

A sua passagem por este mundo não deixou ninguém indiferente: uns elogiaram o seu mérito outros denegriram os seus trabalhos, recorrendo por vezes a insultos inadmissíveis em sociedade humanas.

A sua atividade como redator do jornal “A República “ são a prova de que Miguel Alvim era um cidadão progressista, aberto a várias correntes do pensamento e um opositor feroz ao clericalismo.

Através da peça teatral “Duas Dores”, cujo enredo anda à volta do diálogo entre “o dono de uma fábrica a quem, no meio da abundância, morreu uma filha e um operário que pede trabalho para que a sua lhe não morra à míngua”, para além de ficamos a conhecer a sua versatilidade como escritor, tomámos conhecimento das suas preocupações sociais. Este facto foi referido por Alice Moderno, no jornal “A Folha”, de 12 de Março de 1911, nos seguintes termos:

“No benefício do ator-diretor, sr. Carlos Shore foi desempenhado um episódio dramático da autoria do Sr. Miguel Alvim, nosso colega do “Diário dos Açores”.

Intitula-se “Duas Dores” e advoga os interesses dos operários, pelo que é merecedor de elogios o sr. Alvim pela sua generosa ideia”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31174 de 8 de março de 2017, p.14)

segunda-feira, 6 de março de 2017

Direito (do) animal



Direito (do) animal

No texto anterior, fizemos uma breve apresentação de Tom Reagan, filósofo americano falecido no passado dia 17 de fevereiro, que é considerado como um dos pioneiros da teoria sobre direitos dos animais.

Hoje, faremos a divulgação de um livro intitulado “Direito (do) Animal”, coordenado por Maria Luísa Duarte e Carla Amado Gomes, editado pelas Edições Almedina, S.A..

O livro, que apresenta uma compilação dos estudos produzidos no I Curso do Direito (do) Animal, promovido pelo Instituto de Ciências Jurídico - políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, tem a particularidade de conter dois trabalhos realizados por alunos e, tal como os restantes da Coleção onde está integrado, constitui um importante instrumento de divulgação científica que, segundo o coordenador científico do Centro de Investigação de Direito Público do instituto referido, deverá ser partilhado com o grande público, da especialidade e não só.

Para o leitor interessado, apresentamos em seguida a listagem dos textos publicados que felizmente não se circunscrevem aos animais de companhia que, apesar de maltratados, são, por vezes, os únicos que têm algum “reconhecimento” por parte da maioria das pessoas: Os espetáculos e outras formas de exibição de animais; Direito da União Europeia e proteção do bem-estar animal; O regime da convenção sobre o comércio internacional de espécies da fauna e da flora selvagem ameaçadas de extinção; Animais experimentais: uma barbárie necessária? Aspetos forenses de aplicação da nova legislação – articulação das entidades envolvidas na produção de prova em juízo; Criação de animais de companhia; O papel da ciência na ascensão do Direito Animal e no reconhecimento de direitos aos animais – uma perspetiva comparatista; Direito da União Europeia e estatuto jurídico dos animais: uma grande ilusão?; A Convenção de Bona sobre a Conservação das espécies migradoras pertencentes à Fauna Selvagem (CMS); Personalidade jurídica e direitos para quais animais?; Uma nova perspetiva dos “velhos” contratos de compra e venda de animais: a relevância da genética e animais experimentais? Só o rato de computador?.

O livro termina com uma listagem, tanto de âmbito nacional, como internacional, de diplomas relativos a animais.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31173, 7 de março de 2016, p. 16)

domingo, 5 de março de 2017

Associativismo


Associativismo e defesa do Ambiente – Breve Resenha Histórica (1)


Preocupação muito antiga, a conservação da natureza só terá assumido carácter organizado com o movimento dos “naturalistas”, nos Estados Unidos, por volta de 1872, ano em que foi criado o Parque Nacional de Yellowstone.

Foi, contudo, a publicação do livro “Primavera Silenciosa”, em 1960, nos Estados Unidos, e, três anos depois, em França, da autoria da bióloga norte-americana Rachael Carson, que fez despertar as consciências para as crescentes agressões ambientais a que estava a ser sujeita a Mãe Terra.

Em 1969 surge, em São Francisco, nos Estados Unidos, o movimento dos “Friends of the Earth”. No ano seguinte nasce, no Canadá, por iniciativa de um pequeno grupo de ecologistas americanos e canadianos, a organização “Greenpeace”.

“Uma única Terra”, livro de René Dubos e Barbara Ward, mobilizou, no inicio da década de 70, largas camadas da opinião pública, tendo o seu estudo constituído um verdadeiro documento de trabalho para os participantes na 1ª Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente.

Um relatório do Instituto de Tecnologia de Massachussetes, publicado em 1972, a pedido do Clube de Roma, organização ligada aos grandes grupos económicos, cujos membros no dizer de militantes ecologistas “representavam os seres humanos que já vão na indigestão, enquanto os outros continuem a morrer de fome”, alerta a opinião pública para os limites do crescimento.

Em Junho de 72, a 1ª Conferência das Nações Unidas para o Ambiente aprova uma declaração de princípios, uma autêntica nova declaração dos direitos humanos, onde entre outras coisas se pode ler: “A protecção e melhoria do ambiente são questões da maior importância que afectam o bem-estar das populações e o desenvolvimento do Globo, correspondem aos votos ardentes dos povos do mundo inteiro e constituem um dever para todos os governos”. Enquanto decorria aquela Conferência, em que participaram cerca de 1500 delegados, entre eles um Chefe de Estado, Gandhi, nas ruas de Estocolmo milhares de manifestantes ecologistas organizaram reuniões e manifestações públicas, tendo a 14 de Julho distribuído um manifesto onde proponham o seguinte: “Que, por um período experimental de dez anos, com início a 1 de Julho de 1972, todas as pessoas da Terra e todos os governos com a pretensão de as representarem, sejam, tribais, locais, nacionais ou internacionais, reconheçam que o Homo Sapiens constitui uma espécie em perigo e proclamem com alegria uma moratória de dez anos à caça, chacina e envenenamento do ambiente dos seres humanos”.

Em 1976, o já citado Clube de Roma preconiza, entre outras as seguintes medidas: diminuição acentuada dos gastos militares, estabilização da população mundial, desenvolvimento de tecnologias menos poluentes, diminuição da exploração desenfreada das matérias primas do 3º mundo e melhoria da educação ambiental.

Em 1987 foi publicado o relatório da Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento, conhecido por Relatório Brundtland, que consagrou o principio do desenvolvimento sustentável. De acordo com o modelo de desenvolvimento apresentado pela Srª Brundtland, importa reduzir a pobreza do 3º mundo, gerir de forma racional os recursos naturais, promover tecnologias menos poluentes, aumentar a durabilidade dos produtos e promover a sua reutilização e reciclagem e colocar o ambiente em todas as tomadas de decisão.

Em Junho de 1992 realizou-se no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, com a presença de 172 Chefes de Estado.

Em Portugal, até ao 25 de Abril de 1974, apenas a Liga para a Protecção da Natureza (LPN), fundada em 1948, desempenhou um papel fundamental na educação e sensibilização para a conservação da natureza. Logo após aquela data é fundado, em Lisboa, o Movimento Ecológico Português e em Dezembro do mesmo ano surge, no Porto, o Núcleo Português de Estudo e Protecção da Vida Selvagem que chegou a possuir uma delegação nos Açores, com sede em Vila Franca do Campo.

Com a liberdade de expressão e de associação, por todo o país multiplicam-se as organizações viradas para a protecção da natureza, para a defesa do consumidor, para o estudo do ambiente e da ecologia, bem como os grupos ecologistas propriamente ditos. Caracterizados por uma grande independência face ao poder e aos partidos políticos, muitos daqueles organismos, bem como os jornais e revistas por eles criados e apoiados, infelizmente, têm tido vida efémera.

A constituição da República Portuguesa de 1976 reconhece a todos os cidadãos o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de o defender (art. 66º).

No campo legislativo, a aprovação pela Assembleia da República da Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87 de 7 de Abril) e da Lei das Associações de Defesa do Ambiente (Lei nº 10/87 de 4 de Abril) veio abrir perspectivas que até então não se vislumbravam.

A Lei das Associações de Defesa do Ambiente veio, finalmente, reconhecer o importante papel que cabe às mais diversas organizações independentes de cidadãos, dando-lhes meios para a acção. A lei institucionaliza o direito de participação e intervenção na definição da política do ambiente (art. 4º), o direito de consulta (art. 5º), o direito de acção administrativa (art. 6º), o direito de prevenção e controle (art. 7º), o direito de apoio do Estado, através da Administração central, regional e local (art. 9º), etc.

Atendendo às características da região, a lei das Associações de Defesa do Ambiente deveria ser alvo de uma adaptação.

(Publicado no “Açoriano Oriental”, 5 de Novembro de 2001)

René Dumont



UTOPIA OU MORTE

Teófilo Braga

Com o texto que apresento hoje, pretendo prestar uma singela homenagem ao engenheiro agrónomo francês, René Dumont, considerado por muitos como o “pai” da ecologia política, falecido, em Paris, no passado mês de Junho .

René Dumont, nascido em 1904, o “agrónomo da fome” como também era conhecido, foi professor no Instituto Agronómico de Paris- Grignon, tendo percorrido o mundo em luta contra o subdsenvolvimento e a fome. Dumont foi autor de dezenas de livros, dos quais se destacam “Pour l’Afrique, J’Accuse” e “Democratie pour l’Afrique”, em que denunciou o desperdício de recursos naturais e humanos em África, e “ L’Utopie ou la Mort”, que vendeu milhões de exemplares em todo o mundo, onde abordava, entre outros, os riscos do nuclear, a poluição do ar e da água, os perigos causados pelo abuso de adubos e pesticidas e o facto dos ricos dos países ricos serem responsáveis pela desnutrição de milhões de crianças em todo o mundo.

A obra “Utopia ou Morte” foi um marco importante no desenvolvimento do movimento da ecologia política que se opõe à “ideologia do crescimento ilimitado e à acumulação infindável de bens em que assenta a sociedade de consumo actual”, privilegia a actuação a nível local e regional, a qual é combinada com a participação eleitoral que, por sua vez, é concebida como acção educativa. A este propósito, o Prof. Henrique de Barros, antigo Presidente da Assembleia da República e também agrónomo, no prefácio à edição portuguesa, editada pela Livraria Sá da Costa, escreve o seguinte: “... esta sua nova obra, corajosa como raras, polémica como poucas, despertou imenso interesse, provocou viva controvérsia, animou comportamentos, suscitou adesões, forçou muitas portas, abriu muitos olhos, contribuiu mais do que nenhuma outra, para como escreve Alain Hervé, fazer nascer essa recente disciplina, que exprime nova atitude do Homem para com a Terra, e já se começa a chamar a ecologia política”.

René Dumont quando, em 1973, escreveu “Uma sociedade aprazível, descontraída, serena, em harmonia com a natureza, continua a ser-nos acessível, mas somente o futuro nos trará, sucessivamente, uma série de respostas sempre imperfeitas. Não está escrito: dependerá de vós jovens leitores. Sereis individualmente recompensados pelos resultados da vossa acção colectiva: os militantes bater-se-ão em prol dos outros. Se os deixardes demasiado sós, serão vencidos. Mas, sobretudo, não partais “antecipadamente vencidos”” não se ficou pelos apelos. Um ano depois, apoiado por algumas associações de defesa do ambiente, candidatou-se às eleições presidenciais francesas. Na ocasião, no seu manifesto “Por uma outra civilização”, apelava contra: o desperdício dos recursos naturais; a exploração do Terceiro Mundo e dos trabalhadores; a concentração do poder nas mãos dos tecnocratas, o cancro do automóvel; a corrida aos armamentos; o galopante crescimento demográfico; o superconsumo dos países ricos à custa dos países pobres. Lutava, igualmente, por: uma limitação do crescimento económico obstinado; uma sociedade descentralizada e autogerida; uma redistribuição igualitária das riquezas; uma diminuição radical do tempo de trabalho, evitando o desemprego; a protecção da natureza e do campo; um urbanismo à escala humana; o respeito pelas liberdades das minorias; técnicas descentralizadas, não poluentes e baseadas nos recursos renováveis. Mesmo com uma forte oposição de vários sectores do movimento ecologista que se abstiveram de participar e de outros que apelaram ao voto quer nos candidatos de esquerda ou de direita, René Dumont conseguiu obter 1,34% dos votos e, mais importante do que isso, fez com que o movimento eclodisse.

Terminaria, lembrando que, ao contrário do que pensam algumas pessoas ligadas às mais diversificadas associações, entre elas as de defesa do ambiente, não é nenhum demérito ser apodado de utópico ou de fundamentalista. A esse respeito e a propósito do livro e da acção de René Dumont, Henrique de Barros escreveu “encaremos de frente e sem temor a utopia, todas as utopias, essas loucas fantasias de hoje que serão as sensatas realidades de amanhã”.Sobre o mesmo assunto, outro ilustre fundador do pensamento e da acção em defesa do ambiente em Portugal, Manuel Gomes Guerreiro, falecido a 10 de Abril de 2000, disse: “os ecologistas não deverão recear serem considerados utópicos ou mesmo fundamentalistas: a história lhes dará razão e lhes agradecerá”.

(Publicado no Açoriano Oriental, 13 de Agosto de 2001)