sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Pinheiros



Pinheiros

O meu último texto publicado no Correio dos Açores sobre a criptoméria, que considerei como sendo a planta mais utilizada como árvore de Natal, nos Açores, suscitou por parte de alguns leitores amigos alguns comentários, mencionando que nas suas casas, no passado usavam pinheiros.

Como me pediram algumas informações sobre os pinheiros, o texto de hoje é a eles dedicado.

O pinheiro terá sido uma das primeiras árvores introduzidas pelos povoadores na ilha de São Miguel. A propósito daquela árvore, o cronista Gaspar Frutuoso, no livro IV das Saudades da Terra, ao descrever a freguesia de São Roque escreveu o seguinte: “…porque tem um rico e grande pomar, com cento e sete grandes laranjeiras, todas arruadas por boa ordem, e um pinheiro de grande sombra e muitos limoeiros…”

Ainda sobre a introdução de pinheiros, há a registar o facto do capitão donatário Manuel da Câmara ter trazido de Lisboa, em 1553, sementes de pinheiros e que a sua cultura foi intensificada pelos padres da Companhia de Jesus que, por volta de 1750, fizeram grandes plantações nas Furnas, com grande sucesso, pois os mesmos foram cortados cerca de 40 anos depois, e no Charco da Madeira, que foram quase todos destruídos por um furacão ocorrido em 1779.

Outro facto relacionado com os pinheiros e que mostra o espírito empreendedor existente no século XIX foi a tentativa de aproveitar a sua resina. Estiveram envolvidos no projeto, por ordem decrescente das quotas que correspondiam à área de pinheiros: José do Canto (27%), José Jácome Correia (20%), Ernesto do Canto (20%), Barão da Fonte Bela (10%), Barão da Fonte Bela (Jacinto) (10%), Clemente Joaquim da Costa (8%) e Caetano de Andrade Albuquerque (5%). Embora com alguns resultados positivos em termos de extração da resina, o projeto foi abandonado, pois não compensava do ponto de vista económico.

Para além dos mencionados, entre outros, empenharam-se, no século XIX, na plantação de pinheiros bravos, Francisco Jerónimo Pacheco de Castro que os mandou plantar nas Furnas e José Pacheco de Castro que fez plantações na Gorreana e na Lagoa do Congro.

Outra nota curiosa, descrita por Carreiro da Costa, no primeiro volume do livro “Etnologia dos Açores” está relacionada com a utilização da resina numa festa realizada em Ponta Delgada. Segundo o autor citado, “em 1894, quando foi festejada, em São Miguel, a ligação do cabo submarino entre a Europa e a América, via Açores, a doca de Ponta Delgada foi toda iluminada com barricas de resina de pinheiro, extraídas das matas do Lameiro, pertencentes a José Jácome Correia”.

O género Pinus apresenta pouco mais de 100 espécies identificadas, sendo que nos Açores as mais abundantes são o pinheiro-bravo (Pinus pinaster) que já se encontra naturalizado e o pinheiro-manso (Pinus pinea).

Nativo da região Mediterrânica o pinheiro-bravo, segundo os autores do livro “Árvores de Portugal e Europa”, editado, em 1992, pelo FAPAS- Fundo para a Proteção dos Animais Selvagens, atualmente é cultivado “até à Grécia a E e atinge as costas atlânticas de França e de Portugal onde constitui a principal espécie florestal”.

Isabel Nogueira, no livro “Iconographia Selecta Florae Azoricae”, publicado pela Secretaria Regional da Cultura em 1988, depois de referir a importância da sua madeira para o fabrico de mobiliário, caixotes, aglomerados, etc., menciona a utilização na medicina. Segundo ela, “as gemas foliares postas de infusão e fervidas depois em água bastante açucarada produzem um bom xarope (xarope de seiva de pinheiro) que é utilizado na cura de catarros e bronquite”.

O pinheiro- manso, também originário da mesma região, por seu turno pode ser encontrado quer no Sul da Europa quer a Oeste da Ásia. É uma espécie muito cultivada devido às várias utilizações da sua madeira, por ser uma bonita ornamental e pelo pinhão que é comestível.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32014, 27 de dezembro de 2019, p.19)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Sobre a criptoméria, a árvore de Natal dos Açores


Sobre a criptoméria, a árvore de Natal dos Açores

A planta mais utilizada como árvore de Natal nos Açores será a criptoméria (Criptomeria japonica) que é conhecida, também, pelos seguintes nomes vulgares: Clica, Cricomé, Titomé, Clipa.

A criptoméria é originária do Japão, onde para além de espontânea é cultivada, sendo uma das principais árvores produtoras de madeira daquele país e onde, também, é muito usada como ornamental em jardins, bosquetes e alamedas. A. Fernandes, no livro “Iconographia Selecta Florae Azorica”, publicado em 1983, faz referência a uma avenida “plantada por um padre, OGO SHONIN, há cerca de 650 anos (717 se nos referirmos à data actual)”, com mais de 1 milha de comprimento e com árvores com uma altura que varia entre os 38,4 m e os 57,6 m.

A introdução da criptoméria nos Açores terá ocorrido em meados do século XIX numa altura em que escasseava a madeira para as caixas usadas na exportação da laranja e depois para a do ananás.

Nos Açores, nomeadamente na ilha de São Miguel a área plantada de criptoméria tem variado ao longo dos tempos. Em 1934, o engenheiro silvicultor, Gonçalo Estrela Rego estimava que em São Miguel a mesma ocupava uma área de 1327,26 hectares o que correspondia a 29,45 % da área florestal da ilha.

Depois do relatório de Estrela Rego, na ilha de São Miguel assistiu-se a uma plantação intensiva, em regime de monocultura de criptoméria, de tal modo que hoje a criptoméria é a espécie florestal mais abundante, destronando o pinheiro bravo que era a espécie que ocupava maior área, segundo um inquérito florestal de 1932-1933. No final do século passado a criptoméria ocupava a área de 10 600 hectares, o que correspondia a 69% da área de matas de São Miguel.

A madeira de criptoméria é muito usada na construção civil e a espécie foi muito usada como cortina de abrigo em zonas de pastagem e em estradas de altitude.

De acordo com A. Fernandes, já mencionado, o género Criptomeria, cujo “nome deriva das palavras gregas Kryptos, escondido, e meroe, partes” possui apenas uma espécie, existindo várias variedades.

Uma cultivar muito bonito e que é usado sobretudo como planta ornamental é o “Elegans” que dá origem a árvores mais pequenas, com altura que varia entre os 5 e os 10 metros.

Esta cultivar que surgiu no Japão em meados do século XIX, foi importada para a Europa em 1854 pelo inglês Thomas Lobb, não se sabendo quem a trouxe para os Açores.

Conheço há muitos anos uma sebe de criptoméria elegante numa pastagem existente nas Lombas, na freguesia da Ribeira das Tainhas, no concelho de Vila Franca do Campo. Os interessados em conhecer a planta também a podem encontrar num caminho existentes nas plantações de chá da Fábrica de Chá da Gorreana e no Parque Beatriz do Canto, nas Furnas.

Como não há bela sem senão, a plantação de grandes áreas de criptoméria para além de transformar a paisagem das diversas ilhas dos Açores colocou em risco várias espécies endémicas. Sobre esta questão, o botânico sueco Erik Sjögren no seu livro Plantas e Flores dos Açores, publicado em 2001, escreveu o seguinte: “Apenas algumas plantas da laurissilva conseguem sobreviver debaixo do forte ensombramento dos povoamentos adultos de Cryptomeria e sobre a camada espessa de folhas e ramos, que se deposita sobre o solo e impede a colonização da maioria das plantas….O corte da floresta nativa para plantação de Cryptomeria é uma forte ameaça à sobrevivência da floresta endémica da zona-de-nuvens, que pertence ao mais valioso tipo de florestas, com características de relíquia do mundo”.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32008, 18 de dezembro de 2019, p.14)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Jane e Alfredo Bensaúde e a educação


Jane e Alfredo Bensaúde e a educação

Jane Bensaúde, que nasceu em Paris em 1862 e faleceu em Ponta Delgada em 1938, foi casada com Alfredo Bensaúde, que nasceu em Ponta Delgada em 1835 e faleceu na mesma cidade em 1922.

Jane Bensaúde foi escritora de livros para a infância e autora de vários manuais didáticos, adotados para as Escolas Primárias. Um dos seus livros, o “Método Simultâneo de Escrita e Leitura”, publicado em 1930, foi alvo de uma longa referência por parte do pedagogo Adolfo Lima, na Enciclopédia Pedagógica Progredior.

De acordo com um texto publicado no Dicionário de Educadores Portugueses, obra dirigida por António Nóvoa, Jane Bensaúde defendia o seguinte:

“As crianças aprendem mais facilmente a escrever do que a ler. Reter símbolos gráficos convencionais, a que correspondem símbolos orais igualmente arbitrários, é um trabalho árido, puramente de memória, que em nada pode interessar uma criança. Não acontece o mesmo com a aprendizagem da escrita, que é uma forma especial de desenho. Toda a criança normal manifesta desde muito cedo a tendência para desenhar; aproveitando-se convenientemente esse desejo, ela é conduzida por este método, não só a traçar as letras do alfabeto, mas subsidiariamente, a reconhecê-las e a compor palavras com elas”.

Jane Bensaúde colaborou com a revista “Os Açores” tendo publicado no número de março de 1928 o conto “O gato maltês”, ilustrado por Domingos Rebelo.

Alfredo Bensaúde, filho do abastado industrial José Bensaúde, depois de estudar em Ponta Delgada, a conselho do poeta Antero de Quental, aos 16 anos foi estudar para a Alemanha, onde concluiu, em 1879, o curso de engenheiro de minas, na Escola de Clausthal e, em 1881, o seu doutoramento na Universidade de Göttingen.

Apesar das oportunidades que teve para ficar na Alemanha a trabalhar, decidiu regressar a Portugal, onde a partir de 1885 passou a exercer a função de professor no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa.

Alfredo Bensaúde que repudiou o tipo de ensino que era praticado em Ponta Delgada que classificou de “verbalista e mnemónico”, segundo Carlos Enes, num texto publicado no já referido Dicionário de Educadores Portugueses, não aceitou o que era praticado em Lisboa, tendo introduzido “as novas pedagogias de um ensino técnico virado para a prática e a experiência, improvisando alguns aparelhos e custeando as despesas para a aquisição de materiais.”

A grande obra de Alfredo Bensaúde, ninguém tem dúvidas, foi a criação do prestigiado Instituto Superior Técnico, de que foi diretor desde a sua fundação em 1911 até 1920 e a reforma do ensino da Engenharia em Portugal.

Como pedagogo, Alfredo Bensaúde, defendeu, o ensino prático e a Educação Física que deveria começar no seio das famílias, hoje importantíssima num país onde a obesidade é grande entre os mais jovens que vivem obcecados pelos jogos de computadores. Também considerou “a aspiração à independência pelo próprio esforço” como “um elemento moral de mais valia para o êxito na vida”, o que ainda hoje é sobrevalorizada pelos docentes e sobretudo pelos pais que muitas vezes não se preocupam com a formação integral dos seus filhos, mas apenas com os resultados académicos (as classificações) dos mesmos.

Das obras de Alfredo Bensaúde, merecem uma leitura para melhor conhecermos o seu pensamento, a biografia de seu pai e a sociedade micaelense, as “Notas histórico-pedagógicas sobre o Instituto Superior Técnico”, publicação de 1922 e o livro “Vida de José Bensaúde”, editado em 1936.

Termino, este meu texto, com uma curiosidade: Alfredo Bensaúde foi um exímio construtor de instrumentos de arco, nomeadamente violinos. Esta sua paixão iniciou-se em 1875, ano em que interrompeu os estudos para aprender na oficina do construtor de violinos dinamarquês Jacob Eritzoe.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 11 de dezembro de 2019, p. 9)

domingo, 8 de dezembro de 2019

Árvores dos Açores


Está previsto o lançamento para 15 de janeiro

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Cenas da Vida Escolar


Cenas da vida escolar
Hoje, nas escolas há dois assuntos que estão na ordem do dia: a aposentação e o fim dos chumbos.

A aposentação é o tema preferido para os docentes que estão quase no fim da sua carreira e que quase todos os dias contam o tempo que está a faltar. Além disso, também, quase diariamente, é abordada a esperança da alteração das leis de modo a tornar possível a aposentação mais cedo ou a possibilidade da alteração das condições da pré-reforma de modo a torná-la mais atrativa.

O fim dos chumbos é o outro tema, havendo quem, ainda sem receber qualquer instrução superior sobre o assunto, já esteja a agir de modo a promover o facilitismo que tanto condenam nas supostas intensões dos governantes.

Certo que voltarei ao assunto, abaixo, dou a conhecer um relato que me foi enviado sobre o decorrer de uma aula do ensino secundário.

Quarta-feira, dia 15 de maio de 2019, um docente começa a sua aula e afirma que a mesma será sobre o efeito fotoelétrico e o contributo de Albert Einstein para a sua explicação, acrescentando que antes de fazer uma curta apresentação com recurso a um “powerpoint”, vai passar um pequeno vídeo sobre o assunto.

Um aluno que entrou na sala e pousou a cabeça sobre a mesa, sinal de noite mal dormida ou de má disposição, diz em voz perfeitamente audível por todos os presentes: Estou farto de ouvir brasileiros!

De seguida, baixa a cabeça sobre a mesa e assim fica cerca de 45 minutos, interrompendo alguns momentos de silêncio com gemidos.

Quando, finalmente levantou a cabeça, gemeu, cantarolou, bateu com os dedos na mesa, tentou falar com os colegas, interrompendo o trabalho que estavam a fazer.
Alguns minutos depois, o professor escreveu no quadro a relação entre o eletrão-volt (eV) e o joule (J). A Maria perguntou-lhe o que significava o símbolo eV, o aluno que nada havia feito até ao momento, querendo fazer-se engraçadinho disse: Educação Visual.

A aula prosseguiu e o aluno, voltou a colocar a cabeça sobre a mesa e começou a falar sozinho, num tom de voz que era escutada em toda a sala de aula.

Em seguida, continuando na posição em que estava, fez uma pergunta que o professor não percebeu. Aquele não pediu para o aluno repeti~la, pois em aulas anteriores costumava fazer questões não relacionadas com os conteúdos que estavam a ser trabalhados, como por exemplo quando o docente está a explicar uma lei física ele pergunta se o mesmo gostou do jogo do Sporting ou do Benfica.

Algum tempo depois, o aluno ligou o telemóvel na aula, o que não é permitido pelo Regulamento Interno da Escola, para possivelmente ver as horas. Recorda-se que na aula anterior, o mesmo aluno, depois de várias vezes advertido pelo comportamento inadequado, sem qualquer respeito pelas regras, havia ligado o telemóvel e passado um vídeo com o som muito alto.

Depois, continuando a interromper os outros que estavam a trabalhar, ele que não abriu o caderno e não fez nada durante a aula, disse a um colega: deixa de conversar e faz os exercícios”.

Quase a terminar a aula, alguém no corredor gritou “AOOO”, o aluno tal como um eco repetiu na sala “AOOO”. Este mau comportamento de repetir sons é habitual da parte dele, apesar de ter sido inúmeras vezes advertido para o não fazer. Assim, é habitual ele repetir tudo o que ouve, desde máquinas a funcionar, alunos a gritar no recreio ou até o som emitido pelos pavões existentes numa propriedade próxima da escola.

Hoje, para aquele aluno e para muitos outros. não há qualquer diferença entre uma sala de aula, um quarto de cama ou o recreio.

Teófilo Braga

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Manuel Medeiros Cabral (2)


Manuel Medeiros Cabral (2)

Em texto anterior, demos a conhecer um pouco da participação cívica de Manuel de Medeiros Cabral, nomeadamente a sua forte ligação à Banda “Rival das Musas”, ao associativismo operário e ao jornal “O Estandarte”, de que foi administrador.

Hoje, damos a conhecer mais algumas facetas da sua vida, com destaque para sua participação escrita no referido jornal.

Depois do 28 de maio de 1926, Manuel de Medeiros Cabral foi durante muitos anos regedor da freguesia de São José, onde residia.

Sem fazer qualquer alarde, Manuel de Medeiros Cabral ajudava os mais necessitados. Com efeito, sempre que ia ao mercado de peixe e este estava barato comprava-o e enviava-o para instituições de caridade.

As várias instituições que apoiou não se esqueceram dele e no seu funeral lembraram a todos a sua dedicação. Assim, para além das coroas que acompanharam a urna com diversas dedicatórias, num ramo de flores encontrava-se um cartão com os seguintes dizeres: “Sociedade Feminina de S. Vicente de Paulo; Conferência de Santa Maria de Belém; Eterna Saudade das crianças do Infantário ao seu querido “Amiguinho””.

Embora muito limitada, a contribuição escrita de Manuel de Medeiros Cabral no jornal “O Estandarte” revela uma enorme dedicação a uma causa, a luta por melhores condições de vida dos operários e a solidariedade face aos injustiçados.

No nº 2 daquele jornal, de 15 de março de 1926, Manuel de Medeiros Cabral escreveu um texto intitulado “Em defesa d’uma vítima”, onde manifesta a sua solidariedade para com o tipógrafo João Duarte, que era editor de “O Estandarte”, pelo facto deste ter sido expulso “pelos mandatários das Artes Gráficas”.

A propósito daquela injustiça praticada com aquele trabalhador, Manuel de Medeiros Cabral escreveu o seguinte:

“…Mas que tenham paciência porque Deus quando formou o mundo foi para todos gozarem do mesmo, deixando a terra, a água e o ar livre ao homem, porquanto temos todos o mesmo direito da Igualdade, Liberdade e Fraternidade, o que bastante outrora se pregou e ainda não tiveram a felicidade de a ter…”

Depois de referir que o jornal não acabaria fizessem o que fizessem, dedicou as seguintes palavras ao trabalhador despedido: “… e um dia que te visses na ruína da tua vida, o que alguém muito desejaria, ainda nesta terra há gente boa e amigos que te não deixariam morrer de fome e nós cá estamos para apontar os falsos e traidores”.

No nº 16 do mencionado jornal, publicado a 22 de outubro de 1926, Manuel de Medeiros Cabral apela à participação dos operários nas suas associações para melhor lutarem pelos seus direitos. No seu texto, a dado passo podemos ler o seguinte:

“Uni-vos para sacudir as aves de rapina que vos bicam.
Uni-vos para livrarmo-nos da maldita ganância que nos explora, e que, à sombra das lágrimas dos que trabalham, amontoam-se imensas fortunas.

Unimo-nos, para o progresso da nossa vida e preparar a educação dos nossos filhos…São os novos dirigentes do mundo, porque as escolas são o primeiro factor da vida, e com um povo analfabeto, que é o que o explorador e o açambarcador gosta, nada se poderá fazer…”


Teófilo Braga
(Correio dos Açores 31780, 27 de novembro de 2019, p. 14)

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Manuel Medeiros Cabral (1)



Manuel Medeiros Cabral (1)

Manuel de Medeiros Cabral, natural da freguesia de São José, concelho de Ponta Delgada, nasceu a 19 de fevereiro de 1884 e faleceu a 22 de junho de 1956.

Profissionalmente, Manuel de Medeiros Cabral terá começado por ser carpinteiro/marceneiro e mais tarde teve uma oficina de carpintaria e uma agência funerária. Sobre a profissão de Manuel Cabral, um documento de identificação datado de 1979 refere que foi “industrial de carpintaria e agente funerário”.

Manuel Cabral residiu na Rua da Vila Nova de Baixo, nº 13, e possuía a Agência Funerária localizada na rua Manuel da Ponte, no prédio pertencente a Alice Moderno, mesmo ao lado do escritório daquela escritora, mulher de negócios e protetora dos animais.

Durante algum tempo, a Agência Funerária localizou-se na Travessa de Santa Bárbara e a oficina de carpintaria na rua Manuel da Ponte, nº 38. Antes de se estabelecer por conta própria Manuel de Medeiros Cabral chegou a prestar serviços de marcenaria, nomeadamente a restaurar imagens, a um senhor Manuel António que foi o primeiro preparador do Museu Carlos Machado.

O nome de Manuel Medeiros Cabral está associado à história da Banda “Rival da Musas, filarmónica fundada em Ponta Delgada, em 1871. Joaquim Maria Cabral no seu livro “Filarmónicas da Ilha de São Miguel” refere-se à sua dedicação à banda de música do seguinte modo:

“…Por entre muitas dificuldades assegurou-lhe a existência o recém-falecido proprietário duma Agência Funerária, sr. Manuel de Medeiros Cabral.
Incontestáveis foram, todavia, os seus esforços abnegados para reconduzir a “Rival das Musas” ao seu antigo prestígio!
Não os viu, porém, frutificados!... Consta mesmo, no público, que os seus dias se abreviaram com os desgostos que ela lhe causou!...”
Manuel Medeiros Cabral foi um dos subscritores dos estatutos da Associação de Classe dos Operários Tipógrafos e Artes Correlativas de Ponta Delgada, criada em 1912. Foi relator dos Estatutos, outro dirigente operário micaelense, Francisco Soares Silva que na altura era diretor do jornal “Vida Nova” e que em 1911 presidia à Federação Operária.

De acordo com os seus estatutos, Associação de Classe dos Operários Tipógrafos e Artes Correlativas de Ponta Delgada tinha por fins o estudo e a defesa dos interesses económicos e comuns dos seus associados, através da criação de escolas e gabinetes de leitura, da promoção de conferências e outras reuniões educativas e da instrução profissional dos seus membros.

Em 1922, Manuel Medeiros Cabral e Francisco Soares Silva voltaram a estar juntos na criação de outra organização, a Associação de Classe dos Operários e Artes Correlativas de Ponta Delgada., curiosamente com os mesmos fins.

Em 1926, Manuel Medeiros Cabral continuava ligado ao associativismo operário, sendo presidente das Associações das Classes Operárias e a 15 de março daquele ano passa a figurar como administrador do jornal “O Estandarte” que era o órgão dos obreiros micaelenses. Este jornal que começou a ser publicado a 1 de março de 1926, com sede na Federação Operária, na 2ª Travessa dos Mártires da Pátria, 13-D, terá durado até 31 de maio de 1927, desconhecendo-se as razões do seu fim: dificuldades financeiras ou outras dos seus promotores ou mandado encerrar pela ditadura militar?

Tendo em conta a orientação do jornal que nas suas páginas transcrevia textos do jornal “A Batalha”, ligado à CGT- Confederação Geral do Trabalho, de orientação anarquista, e o facto do mesmo ter sido encerrado pela ditadura militar no dia 26 de maio de 1927, tudo leva a crer que “O Estandarte” terá tido a mesma sorte, já que o último número a que tivemos acesso, o 31, é de 31 de maio daquele ano.

No próximo número daremos a conhecer um pouco mais da vida de Manuel Medeiros Cabral, nomeadamente a sua intervenção no “Estandarte”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31774, 20 de novembro de 2019, p.14)

domingo, 17 de novembro de 2019

Chã da Alegria

40 anos depois voltei à Chã da Alegria, onde ia com meu avô Manuel Soares ajudá-lo a dar água aos gueixos. O meu agradecimento a João Manuel Carreiro Oliveira.

16 de novembro de 2019

Teófilo Braga

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Manhãs de Páscoa




Manhãs de Páscoa

Numa conhecida rede social tenho vindo a divulgar algumas espécies existentes nos Açores, dando a conhecer o seu nome científico, o nome comum, a origem, a família e o local onde podem ser encontradas.

Uma das espécies que mais despertou a atenção dos leitores foi a Euphobia pulcherrima, a qual apresenta, entre outros, o nome comum de Manhãs de Páscoa. A maioria estranhou aquela designação, pois floresce por altura do Natal (neste momento está em flor) e houve um que disse que a conhecia pelo nome de Repúblicas.

Neste texto, para além de tentar esclarecer a questão dos nomes comuns, que variam de terra para terra e que são atribuídos pelas mais diversas razões, darei a conhecer um pouco mais a espécie referida que é oriunda do México.

O roubo de plantas da espécie mencionada dos Jardins de Ponta Delgada, monstra que o vandalismo continua a ser prática corrente na nossa ilha, e prova que a planta tem interesse económico, pois quem o faz, fá-lo porque quer embelezar a sua casa sem gastar dinheiro ou para ganhar dinheiro fácil, através da sua venda.

Não tendo dados sobre a importância económica da espécie nos Açores, menciono, abaixo, a informação recolhida num artigo publicado na “Revista Mexicana de Biodiversidad”, em junho de 2015. De acordo com os autores do artigo citado, a espécie é uma das plantas ornamentais de maior importância económica em todo o mundo, superando as suas vendas anuais os 100 milhões de dólares, nos Estados Unidos da América.

Não conhecemos qualquer utilização, nos Açores, da Euphobia pulcherrima para além da ornamental, mas há bibliografia que menciona diversos usos medicinais sobretudo relacionados com doenças de pele. Por outro lado, o livro Segredos e Virtudes das Plantas Medicinais, inclui a espécie na lista de plantas ornamentais exóticas, tóxicas ou alergizantes.

Luís Franquinho e António da Costa, no seu livro “Madeira Plantas e Flores”, apresentam três nomes comuns para a Euphobia pulcherrima: Manhãs de Páscoa, Poinsétia e Eufórbia Cardeal. Raimundo Quintal, na lista de plantas do Jardim José do Canto, por seu turno, apresenta os seguintes nomes comuns: Poinsétia e Estrela-de-Natal. Ainda sobre os nomes comuns da espécie que vimnos referindo, a página Web “Paisagismo Digital”, apresenta os seguintes: Estrella-federal, Pascuero, Poinsetia , Flor-de-pascua , Flor-de-nadal, Pascuero , Árvore-república , Poisetia , Flores-de-páscoa , Manhãs-de-páscoa , Folha-de-sangue , Flor-de-páscoa , Poinsétia e Bico-de-papagaio .

Os nomes comuns dados nos Açores à espécie são, pelo menos tudo leva a crer, importados. Por razões de economia de espaço e tempo, e por alguns nos parecerem óbvios, apresentamos a seguir uma explicação ou uma tentativa de explicação para dois deles.

O nome Manhãs de Páscoa poderá ser devido ao facto de, em Espanha, “Felices Pascuas!” ser uma “forma tradicional de felicitar la Navidad” e o de Poinsétia é uma forma de homenagear o médico, botânico e estadista dos Estados Unidos da América, Joel Roberts Poinsett (1779 - 1851).

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 319768, 13 de novembro de 2019, p. 14)

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

A HORTA NAS ESCOLAS


A HORTA NAS ESCOLAS

Horta como o lugar
onde crescem as
coisas que, no
momento próprio,
viram saladas,
refogados´, sopas e suflés.
Também isso. Mas não só.
Gosto dela, mesmo
que não tenha nada
para colher.
Ou melhor: há sempre
o que colher, só que
não para comer.
(Rubem Alves, em “O quarto do Mistério”)

Durante algum tempo, e pensamos que ainda hoje, a agricultura, não incluo a pecuária, foi e continua a ser desvalorizada por quem acha(va) que aos Açores o que interessava era aumentar o sector terciário, pois era possível obter os alimentos do exterior a preço mais baixo do que os produzidos cá.

A Escola Secundária das Laranjeiras, bem como outras, que chegou a ter no currículo disciplinas que serviam para a formação dos futuros engenheiros agrónomos e afins, foi forçada, pela legislação nacional a que a Região não se opôs, a acabar com elas.

O ensino da agricultura não despareceu por completo, tendo ficado destinado a alunos fora do ensino chamado regular: com necessidades educativas especiais, dos cursos do PROFIJ e outros.

Nos últimos tempos, parece que a situação está a ser ligeiramente alterada, pelo menos em termos da criação de hortas escolares, infelizmente apenas para alunos problemáticos e ou não integrados nas turmas do ensino regular. Além disso, não se sabe se as escolas que já possuem hortas estão a tirar o máximo proveito da sua existência, isto é, desconhece-se se as hortas se destinam apenas a “entreter” as criancinhas ou adolescentes que não são capazes de estar 45 min numa sala de aula (por vezes também não fazem nada nas hortas) e se, para além da função de “guarda”, se limitam à produção de alimentos, não sendo usadas e trabalhadas em todo o processo pedagógico.

Dadas as potencialidades das hortas ou em terrenos adjacentes ou próximos daquelas, o maior número possível de escolas deveria ter como prioritário nos seus projetos educativos a sua criação e manutenção, ao invés de estarem agarradas a programas que na maioria das vezes não passam de mera cosmética, como o é o programa Ecoescolas (ou a sua concretização), tão acarinhado pelas nossas autarquias especialistas em “greenwashing” (“esverdeamento”, branqueamento ou encobrimento).

Através das hortas escolares há um sem número de atividades que podem ser implementadas não só pelos docentes das disciplinas que as usam como “sala de aula”, mas também por todos os outros. Não pretendendo esgotar o assunto, abaixo indica-se alguns exemplos de como a horta poderá ser usada com fins pedagógicos.
Para além dos alunos ficarem a conhecer as diversas plantas e as suas possíveis utilizações, na alimentação, na medicina tradicional, para fins ornamentais, etc., com os produtos recolhidos é possível tornar mais motivadora o ensino da culinária e da educação alimentar, podendo o uso daqueles incentivar o seu consumo por parte de crianças e adolescentes empenhados no seu cultivo.
As hortas escolares também devem ser utilizadas para o ensino de uma agricultura mais respeitadora do ambiente e para o ensino da gestão correta de resíduos, nomeadamente os orgânicos que deverão ser usados em primeiro lugar e sempre que possível na compostagem doméstica.
A questão das relações entre a cidade e o campo, o consumo de energia nos transportes de adubos e dos próprios produtos da terra, como hortaliças, frutas, etc. que são importados ou as alterações climáticas são temas que também não deverão ser esquecidos.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31972, 6 de novembro de 2019, p.14)

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Recordando Gualter Pereira Cordeiro


Recordando Gualter Pereira Cordeiro

Faleceu recentemente em Ponta Delgada o mariense, nascido a 14 de setembro de 1929, Gualter Pereira Cordeiro que foi durante vários anos Despachante de Operações ao serviço da SATA, onde começou a trabalhar em 1958. Antes desta data, foi funcionário da Fazenda Pública durante 6 anos e trabalhou durante dois anos na delegação de Santa Maria do Serviço Meteorológico Nacional.

Interessado por tudo o que dizia respeito aos Açores Gualter Cordeiro possuía uma rica biblioteca de temática açoriana, tendo, entre outros, a maioria das obras de Alice Moderno, de que destaco Os Mártires, de 1904, A Apoteose, de 1910, peça escrita para uma homenagem a João de Melo Abreu, Na Véspera da Incursão, de 1913, A Voz do Dever, de 1915, peça dedicada a Afonso Costa e Trevos, de 1930.

Os segredos da natureza, que sempre o fascinaram, fizeram com que Gualter Cordeiro trocasse correspondência com o cientista Tenente Coronel José Agostinho. Guardo religiosamente uma cópia das referidas cartas, algumas inéditas, trocadas entre eles.

Em 1992, a associação Amigos dos Açores publicou a brochura “Cartas Inéditas 1961-1971” que incluiu 6 cartas de José Agostinho e uma carta dirigida àquele por Gualter Cordeiro.

O tema principal das cartas era noticiar a presença de animais que eram raros ou desconhecidos ou disponibilizar informações sobre a presença dos mesmos, nomeadamente aves, em Santa Maria.

A título de exemplo aqui deixo um extrato da Carta de Gualter Cordeiro:

“Da concha pendia uma espécie de rendilhado muito alvo.
Por debaixo dos olhos azuis, saiam dois apêndices mais rijos e que me pareceram cartilagíneos. A ponta da causa terminava também em apêndice em forma de agulha (rabo espécie do rato do mar). O desenho apresenta o achado no seu tamanho natural. Para mim, como já disse, é muitíssimo estranho, mas para V. Exª pode ser já conhecido. O meu propósito é apenas dar-lhe o conhecimento deste achado e o meu interesse em saber do que se trata, pois apenas sou um entusiasta das coisas da Natureza”.

Como recordação do senhor Gualter Cordeiro tenho o livro que ele me ofereceu “Aeroporto de Santa Maria 1946-1996”, da autoria de Laurinda Sousa, em que o seu nome aparece na ficha técnica como colaborador na pesquisa. Para o referido livro também cedeu fotografias.

Gualter Pereira Cordeiro foi uma pessoa que lutou por uma melhor sociedade, quer através da sua participação cívica, quer através do seu envolvimento político.

No que diz respeito à proteção da natureza e conservação do ambiente, Gualter Cordeiro aderiu aos Amigos dos Açores a 14 de setembro de 1984 e durante nove anos fez parte dos seus órgãos sociais. Assim, em 1987, foi membro da direção daquela associação, em 1988 e 1989, fez parte da Mesa da Assembleia Geral e, de 1990 a 1995, pertenceu ao seu Conselho Fiscal.

No que toca à atividade política, Gualter Cordeiro, em 1973, foi Presidente da Comissão Concelhia de Vila do Porto da Ação Nacional Popular e em 1989, era membro da Comissão Política do PDA-Partido Democrático do Atlântico, tendo sido candidato a presidente da Junta de Freguesia da Matriz, Ponta Delgada.

Conheci Gualter Pereira Cordeiro, o senhor Gualter como nós o tratávamos, em 1984, quando ele aderiu à associação Amigos dos Açores que estava, então, a dar os primeiros passos e com ele participei em várias reuniões daquela associação.

Hoje, 18 de outubro de 2019, escrevo este texto com muita tristeza por termos perdido um homem bom e com ele muito da história da nossa terra, nomeadamente da sua ilha natal, Santa Maria.

Até sempre!

Teófilo Braga
(Correio dos Açores 31967, 30 de outubro de 2019, p.14)

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

As alterações climáticas vistas por alunos do 7º ano de escolaridade



As alterações climáticas vistas por alunos do 7º ano de escolaridade

Com o objetivo de conhecer o que sabiam sobre a questão das alterações climáticas, tão faladas nestes últimos tempos, um professor do 3º ciclo do ensino básico decidiu inquirir os seus alunos sobre o assunto, apresentando as seguintes cinco questões:

- O que é o efeito de estufa?
- O que são alterações climáticas?
- Quais são as causas das alterações climáticas?
- Quais são as consequências das alterações climáticas?
- O que é possível fazer para combater as alterações climáticas?

Foram inquiridos cerca de meia centena de alunos, uma grande parte deixou o questionário em branco, alegando que não sabia nada sobre o assunto, a grande maioria não estava bem informada, muito poucos já tinha ouvido falar, mas faziam algumas confusões com outros fenómenos atmosféricos e apenas uma aluna mostrou que estava atenta ao tema e possuía conhecimentos muito bons.

Para os leitores ficarem com uma ideia sobre os conhecimentos dos alunos, abaixo, dou a conhecer algumas respostas às questões referidas.

Sobre a primeira questão, de entre as respostas, a maioria relacionava o fenómeno com as estufas para cultivo de plantas ou de ananases. Assim, um aluno respondeu que o efeito de estufa servia para cultivar o ananás, outro respondeu que era o aumento das temperaturas e que ajudava os vegetais, uma aluna explicou que o efeito de estufa ocorria “quando o Sol bate em vidraças num espaço fechado e fica abafado que não se consegue respirar”, outro referiu que era a diminuição da camada de ozono e outra apresentou uma resposta mais elaborada, tendo dado a seguinte explicação: “Quando a luz entra no planeta só uma parte dela sai. O efeito de estufa faz com que no seu interior fique com temperaturas mais altas do que a temperatura ambiente

Relativamente às alterações climáticas, as diversas respostas mostram que raros são os alunos que acompanham as discussões sobre o assunto e outros que as confundem com as normais mudanças de temperatura. Assim, houve quem respondesse que as mesmas serviam para comer, quem dissesse que eram as mudanças de estação, outros que as alterações climáticas ocorriam quando o tempo mudava “de chuva para sol” e houve quem respondesse que eram “as alterações que o planeta está a sofrer com a poluição”.

No que diz respeito às causas das alterações climáticas, a maioria dos alunos referiu que eram as estações do ano, o vento, o Sol e a chuva. Apenas duas alunas apontaram como causa a poluição.

A questão sobre as consequências das alterações climáticas foi a que teve mais respostas. Houve quem respondesse que as alterações climáticas provocavam constipações, doenças e alergias, que prejudicavam a camada de ozono e que podiam originar incêndios. O aumento do nível do mar devido ao descongelamento do gelo do Ártico também foi mencionado, tal como o desaparecimento de espécies e o surgimento de mais tempestades e furacões. Uma aluna, depois de ter referido o aparecimento de mais tempestades escreveu: “cada vez haverá menos condições para habitarmos neste planeta”.

Relativamente à última questão, o que fazer para combater as alterações climáticas, tal como aconteceu nas questões anteriores, as respostas foram muito diversas e coerentes com as que os alunos deram às anteriores. Assim, houve quem respondesse que era preciso ficar de vigia nas estufas e evitar incêndios, estar longe das flores, fruir a natureza, tratar bem o ambiente, diminuir a poluição atmosférica, por o lixo na caixa para não ir parar ao mar. A resposta mais elaborada partiu, como é óbvio, da aluna que nas questões anteriores mostrou que acompanhava mais o assunto. Segundo ela, deviam ser tomadas as seguintes medidas: “Reciclar o lixo, não andar muito de automóvel, não colocar o lixo no chão ou para o mar, não consumir muita carne e peixe, não consumir muito papel. Para que não abatem mais árvores, produzir a sua própria energia, ou seja, painéis solares.”

Face aos resultados obtidos, está aberta a possibilidade de os alunos fazerem um trabalho de projeto para aprofundarem os seus conhecimentos, cabendo ao docente orientar as pesquisas dos alunos que escolherão os subtemas em incidirá a sua investigação.
Teófilo Braga
Correio dos Açores, 31961, 23 de outubro de 2019, p.14

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

O Dr. Guilherme Poças Falcão e o São João na Lagoa do Congro


O Dr. Guilherme Poças Falcão e o São João na Lagoa do Congro

Até à presente data não encontrei nenhum documento que me ajudasse a datar o início da tradição de comemorar o dia de São João, 24 de junho, nas margens da Lagoa do Congro, o mesmo se passando com a data em que a mesma terminou, nem as razões para que tal acontecesse.

Enquanto não encontrar prova em contrário, penso que o São João na Lagoa do Congro só terá começado depois de José do Canto ter comprado, em 1853, 9 moios de terra onde estava implantada a Lagoa do Congro, aberto vários caminhos, construído as casas e criado a sua mata ajardinada, com a ajuda do jardineiro inglês George Brown.

Em relação às casas, nos primeiros meses de 1855, foram postos vidros nas janelas, foi lajeado o seu interior e retelhadas, tendo José do Canto e a família passado alguns dias lá no verão daquele ano.

Sabe-se também que os caminhos abertos por José do Canto para além de se destinarem às plantações e à criação de pastos, também eram usados para proporcionar passeios aos seus familiares e visitantes.

Em toda a bibliografia consultada o nome que aparece associado às festas de São João na Lagoa do Congro é o do seu proprietário Guilherme de Poças Falcão (1855-1942) que sempre autorizou a utilização do espaço por parte dos vila-franquenses e de vários habitantes da costa norte que para lá convergiam a 24 de junho de cada ano.

Guilherme de Poças Falcão, natural de Ponta Delgada, formou-se em direito na Universidade de Coimbra, tendo sido advogado e exercido funções de oficial do Governo Civil do distrito de Ponta Delgada.

Para além da sua generosidade para com os vila-franquenses, o Dr. Guilherme de Poças Falcão distinguiu-se por ser sócio benemérito da Sociedade Afonso Chaves, apoiar diversas instituições de caridade bem como ajudar muitos estudantes pobres a prosseguir os seus estudos e a proteger viúvas e órfãos, de tal modo que o seu falecimento foi sentido em toda a ilha de São Miguel.

A propriedade da Lagoa do Congro, que não incluía a Lagoa dos Nenúfares que pertencia ao Conde Botelho, foi herdada pela filha de José do Canto Maria Guilhermina que era casada com o Dr. Guilherme de Poças Falcão que numa visita à mesma pensou recuperar a casa para servir de recreio.

Tudo levar a crer que terá sido no tempo Dr. Guilherme de Poças Falcão, que por vezes também participava, que começaram as festividades de São João na Lagoa do Congro. Sobre este assunto o professor José Cabral, num depoimento publicado no livro “São João da Vila”, de Eduardo Furtado, mencionou o seguinte: …Assim juntavam-se famílias que iam para a Lagoa do Congro, quando era ainda propriedade do Dr. Guilherme Poças Falcão. Toda a zona era um relvado bem cuidado onde se organizavam balhos populares e onde as pessoas se divertiam de manhã à noite”.

Terão sido alguns dos herdeiros do Dr. Guilherme de Poças Falcão, que não seguiram o seu generoso exemplo, e que pela proibição do acesso à propriedade levaram a que o São João na Lagoa do Congro terminasse.

Sobre o fim daquela salutar prática, Manuel Inácio de Melo, num texto publicado no jornal “A Vila”, em 1969, depois de escrever que ainda estava “aberta uma dívida a pagar a esse Bom Homem que foi o Sr. Dr. Guilherme Poças Falcão”, acrescentou:

“Repito, pois, Santos tempos aqueles em que se contam às dezenas as raparigas que balhavam sem haver rogos, trajando vestes garridas e chapéus de palha do nosso trigo com flores campestres. E ficamos por aqui, faleceram aqueles ricos proprietários e tudo morreu na Borda da Lagoa, que passou de um extremo a outro!”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31955, 16 de outubro de 2019, p.14)

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Ferreira Deusdado e os Educadores Portugueses


Ferreira Deusdado e os Educadores Portugueses

Manuel António Ferreira Deusdado (1857-1918), natural de Rio Frio, Bragança, teve uma vida dedicada ao ensino, tendo, depois concluído o Curso Superior de Letras, em 1881, sido professor liceal e lente auxiliar do Curso Superior de Letras.

A sua carreira científica foi reconhecida no estrangeiro, tendo sido alvo de várias homenagens, de que se destaca a atribuição do grau de doutor honoris causa pela Universidade Católica de Lovaina, em Filosofia e Letras.

Da vasta bibliografia de Ferreira Deusdado, destaca-se “Bosquejo Histórico de Puericultura. Educadores Portugueses”, um livro de consulta obrigatória para quem quiser conhecer a História da Educação em Portugal.

Há alguma razão para a escrita de um texto sobre Ferreira Deusdado para um jornal dos Açores?

Antes de responder à questão, esclareço que a primeira vez que ouvi falar em Ferreira Deusdado foi num livro sobre o terceirense Adriano Botelho, publicado pela Direção Regional dos Assuntos Culturais.

No livro referido, o grande cientista Aurélio Quintanilha, numa carta de 3 de dezembro de 1980, dirigida a Adriano Botelho, recordou-lhe alguns episódios da sua juventude. Assim, depois de referir que Ferreira Deusdado quando se referia à imperatriz da Rússia “dizia sempre – a minha amiga a imperatriz da Rússia… Mas nós, os miúdos, já estávamos convencidos que a imperatriz se estava nas tintas para esse grande pavão e à socapa fazíamos troça dele”.

Aurélio Quintanilha e Adriano Botelho foram alunos do Liceu de Angra e Ferreira Deusdado professor no mesmo, tendo tomado posse a 10 de junho de 1901.

Como ninguém é capaz de agradar simultaneamente a gregos e a troianos, alguns alunos detestavam-no e a ele dedicaram uma quadra que segundo Aurélio Quintanilha era assim: “Dado a Deus por ser casmurro, cá na terra um rifado, lá no céu um alugado, porque Deus não quer um burro!”.

Vitorino Nemésio, por seu turno, conta que correu um boato sobre a transferência de Ferreira Deusdado para o Liceu de Ponta Delgada e que alunos e professores do Liceu de Angra do Heroísmo manifestaram o seu descontentamento e repudiaram a ideia.

No livro referido, Ferreira Deusdado apresenta algumas notas biográficas de educadores que viveram do século XII ao século XIX.

No que diz respeito ao século XIX, Ferreira Deusdado faz referência a cinco educadores açorianos: Padre Jerónimo Emiliano de Andrade, natural de Angra do Heroísmo, João José da Graça, natural da Horta, Manuel Francisco de Medeiros Botelho, natural de Água Retorta, Teófilo Ferreira, natural da ilha das Flores, e Antero de Quental, natural de Ponta Delgada.

De todos os citados, o menos conhecido, pelo menos para mim, é Manuel Francisco de Medeiros Botelho, pelo que termino este texto com a menção ao seu contributo para a educação.

Em 1871, Manuel Medeiros Botelho escreveu um Projeto de Reforma Geral de Instrução Primária e Secundária e no ano seguinte publicou o livro intitulado “O que é e o que deve ser a instrução nacional”.

Para além do mencionado, Manuel Medeiros Botelho foi autor de um compêndio de Geografia que foi usado em várias escolas.

De acordo com o pedagogo Adolfo Lima, Manuel Medeiros Botelho “era partidário do ensino obrigatório, da sua gratuitidade e da sua descentralização. Quanto à liberdade do ensino admitia-a, somente para a instrução superior”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31949, 9 de outubro de 2019, p. 14)

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Algumas confusões sobre as alterações climáticas


Algumas confusões sobre as alterações climáticas

Numa altura em que muito se fala e escreve sobre as alterações climáticas verifica-se que existe alguma confusão sobre o fenómeno, muitas vezes por desconhecimento outras vezes para tentar tapar o sol com a peneira.

Uma das questões que é muitas vezes levantada é a de que não existem alterações climática e que o facto não está comprovado cientificamente.

Se é verdade que há sempre alguém, mesmo na comunidade científica, que tem opiniões contrárias, sobre a questão das alterações climáticas há um grupo de 2000 cientistas de todo o mundo, denominado Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), que faz investigações há mais de 25 anos e que em vários relatórios aponta para a influência da atividade humana sobre o clima e que o aquecimento global é inequívoco.

Se há quem diga que os que se preocupam com as alterações climáticas estão ao serviço ou são manipulados por algumas empresas “verdes”, que estão por aí e a fazer pela vida, podemos dizer que quem as nega ou não possui conhecimentos científicos adequados, está mal informado ou têm interesses diversos para negar a sua existência.

Uma confusão que aparece recorrentemente é associar o buraco da camada de ozono às alterações climáticas, muitas vezes considerando que estas são causadas por aquele.

Embora ambos sejam problemas relacionados com a atmosfera, as causas das alterações climáticas estão relacionadas com o excessivo aumento das emissões de gases com efeito de estufa, como o dióxido de carbono, o metano, o óxido nitroso, os clorofluorcarbonetos, etc.

O aumento das emissões de gases com efeito de estufa, deve-se, de acordo com o que se pode ler na página web da Agência Portuguesa do Ambiente, aos seguintes fatores:

“Queima de carvão, petróleo ou gás que produz CO2 e N2O;

• Abate de florestas (desflorestação): as árvores ajudam a regular o clima absorvendo o CO2 presente na atmosfera. Quando são abatidas, esse efeito benéfico desaparece e o carbono deixa de ser armazenado e permanece na atmosfera, reforçando o efeito de estufa;

• Aumento da atividade pecuária: as vacas e as ovelhas produzem grandes quantidades de CH4 durante a digestão dos alimentos;

• Utilização de fertilizantes que contêm azoto, estes produzem emissões de N2O;

• Os gases fluorados têm um efeito de aquecimento muito forte, que chega a ser 23 000 vezes superior ao do CO2. Felizmente, são libertados em pequenas quantidades e estão a ser gradualmente eliminados ao abrigo da regulamentação da UE.”

Outra confusão que ainda persiste é considerar o efeito de estufa como um problema ambiental.

De facto, ao contrário do que por vezes se afirma, o efeito de estufa é um fenómeno natural que permite que a temperatura média da terra seja de 15º Celsius. Se não houvesse efeito de estufa a temperatura seria de -18 º Celsius o que não tornava possível a vida na terra tal como ela existe.

Assim sendo, o problema não está no efeito de estufa, mas sim no seu incremento pelas atividades humanas.

No caso dos Açores, a moda das alterações climáticas está por aí e muita preocupação com as mesmas não vai passar disso mesmo.

A Região não precisa do papão das alterações climáticas para fazer alguma coisa pelo Planeta e pelos seus habitantes, basta optar por uma maior justiça social, por aproveitar melhor os seus recursos humanos e naturais, por tomar medidas eficazes para fazer com que diminuem as importações de produtos alimentares, fomentando a agricultura, nomeadamente a fruticultura e a horticultura, por gerir melhor os seus resíduos, apostando fortemente na redução da sua produção e acabar com a tentativa de criar um monstro comedor de recursos naturais, de energia e de dinheiro que é (vai ser?) a incineradora de São Miguel.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31 943, 2 de outubro de 2019, p. 14)

sábado, 28 de setembro de 2019

PELA RECUPERAÇÂO DA MATA AJARDINADA DA LAGOA DO CONGRO



Ontem, 28 de setembro de 2019, a petição “Pela recuperação da mata ajardinada da Lagoa do Congro", que recolheu 539 assinaturas foi enviada à Assembleia Legislativa Regional dos Açores.

Para além da criação de um Parque Botânico na área pública do maar onde está instalada a lagoa do Congro, pretende-se homenagear a memória de José do Canto que criou a Mata Ajardinada e a do Dr. Guilherme de Poças Falcão que sempre disponibilizou o espaço para os vila-franquenses comemorarem o São João.

Os meus agradecimentos a todos os que assinaram a petição.

Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, 29 de setembro de 2019

Teófilo Braga

Texto da petição

PELA RECUPERAÇÂO DA MATA AJARDINADA DA LAGOA DO CONGRO

Para: Presidente da Assembleia Regional dos Açores; Presidente do Governo Regional dos Açores

As Lagoas do Congro e dos Nenúfares e áreas adjacentes são desde tempos imemoriais locais conhecidos dos habitantes da ilha de São Miguel, tendo sido descritas pelo primeiro cronista dos Açores, Gaspar Frutuoso nas Saudades da Terra.

No século XIX, José do Canto nos terrenos adjacentes introduziu várias espécies vegetais e criou uma mata ajardinada, de que até algum tempo eram visíveis os caminhos bordejados de azáleas.

No passado, não muito longínquo, as margens e os caminhos de acesso e os terrenos confinantes com as Lagoas do Congro e dos Nenúfares eram usados pelos vila-franquenses e pelas populações do norte da ilha para, em conjunto, festejarem o dia de São João, 24 de junho, feriado municipal em Vila Franca do Campo.

No ano 2000, os Amigos dos Açores- Associação Ecológica apresentaram à tutela do ambiente uma proposta de classificação das duas lagoas referidas como área protegida, o que viria a acontecer em 2007, ano em que o espaço foi classificado como Área Protegida para a Gestão de Habitats ou Espécies.

Em 2008, mais um passo foi dado no sentido da valorização das Lagoas do Congro e dos Nenúfares, através da aquisição de uma parte da Bacia Hidrográfica pela Secretaria Regional do Ambiente e do Mar (SRAM).

Também em 2008, foi entregue à SRAM, pelos Amigos dos Açores, uma proposta de recuperação e gestão da área envolvente às Lagoas do Congro e dos Nenúfares, elaborado por Malgorzata Pietrak, no âmbito do Programa Estagiar-L.

Considerando que:

1- Após a aquisição pelo Governo Regional dos Açores quase nula tem sido a sua intervenção no espaço que cada vez é mais visitado, quer pelos residentes, quer pelos turistas;

2- Não podemos desrespeitar a memória dos nossos antepassados que usavam aquele verdadeiro monumento natural como área de lazer, nem o trabalho visionário de José do Canto;

3- O espaço que já é propriedade pública tem potencialidades ímpares, insuficientemente usadas, em termos de interpretação ambiental, zona de lazer ou polo de atração turística.


Face ao exposto, apelamos à Assembleia Legislativa Regional e ao Governo Regional dos Açores para que tome medidas no sentido de no mais curto período de tempo implementar um plano de recuperação e gestão que entre outras ações inclua a recuperação da mata ajardinada criada por José do Canto e transforme o espaço num Parque Botânico.


Vila Franca do Campo, 1 de setembro de 2019



terça-feira, 24 de setembro de 2019

Do arrefecimento da Terra e às alterações climáticas


Com os pés na terra (419)

Do arrefecimento da Terra e às alterações climáticas

Em janeiro de 1975, o Diário Insular, jornal de Angra do Heroísmo, publicou uma notícia provinda da Argentina, segundo a qual “a temperatura do globo terrestre desce lenta, mas gradualmente, desde 1950”.

Segundo a curta nota referida, estava prevista a “deslocação da barreira do gelo que cobriria Leninegrado (na União Soviética), Toronto (Canadá) e Glasgow (Escócia). De acordo com os meteorologistas os efeitos “desafiavam a imaginação” ou seriam “funestos”.

Uma das causas apontadas para o fenómeno era “um maior volume de poeira na atmosfera, o qual absorve o calor, tirando-o à superfície terrestre”. A maior concentração de poeira, por sua vez era atribuída às “quantidades mais elevadas de cinzas vulcânicas e a poluição por emanações procedentes do consumo industrial”.

Hoje, morto o arrefecimento está na ordem do dia a questão do aquecimento global ou melhor a temática das alterações climáticas, não havendo ninguém que não mostre preocupação com o facto, mas que simultaneamente não fique pela conversa ou melhor que esteja disposto a fazer mudanças profundas na sociedade e na vida particular. Melhor dizendo, muitas vezes pretende-se apenas alterar pequenas coisas para que tudo fique na mesma.

Embora continue a haver quem ache que está tudo normal, a esmagadora maioria da comunidade científica e diversas organizações internacionais reconhecem que as alterações climáticas que estão a ocorrer são preocupantes. De acordo com um documento da Comunidade Europeia, de 2007, dirigido a alunos das várias escolas “Ao longo do último século, a atividade humana deixou as suas marcas no ambiente e a concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera, dos quais 80% são CO2, é agora mais elevada do que nos últimos 650 000 anos. O resultado é que a temperatura média global aumentou 0,74°C e na Europa este aumento atingiu 1°C”.

De acordo com a mesma fonte, o consumo de energia, excluindo os transportes, era responsável em 61% para o agravamento do problema, seguindo-se os transportes (21%), a agricultura (10%), os processos industriais (6%) e os resíduos (2%).

Ainda citando o referido documento, os principais impactos das alterações climáticas são: a fusão das calotes polares, o recuo dos glaciares, a subida do nível do mar, a intensificação de fenómenos climáticos extremos, como tempestades, inundações, secas e ondas de calor, e a perda de biodiversidade”.

Relativamente às alterações comportamentais que cada um pode tomar para combater as alterações climáticas, são apresentadas várias, de que destacamos, a título de exemplo as seguintes:
- Toma um duche em vez de um banho de imersão – poupas água e gastas quatro vezes menos energia.

- Não deixes a televisão, a aparelhagem de som ou o computador em modo de espera. Em média, uma televisão usa 45% da sua energia em modo de espera. Se todos os europeus evitassem utilizar o modo de espera dos equipamentos, poupariam energia suficiente para abastecer um país do tamanho da Bélgica.

- Se tens um jardim, faz a compostagem dos resíduos orgânicos da tua cozinha no jardim.

- Para pequenas distâncias, de poucos quilómetros, evita usar a tua moto ou o teu carro. Em vez disso, anda a pé ou de bicicleta!

- Consome alimentos produzidos localmente, da época. Não só é mais saudável como é melhor para o ambiente, dado que requerem menor quantidade de energia para a sua produção e transporte!

• - Come menos carne. A produção de carne provoca uma enorme quantidade de emissões de CO2.
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Teófilo Braga
Correio dos Açores, 31937, 25 de setembro de 2019, p. 14

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

De Jean Giono aos Amigos dos Parque Ecológico do Funchal



De Jean Giono aos Amigos dos Parque Ecológico do Funchal

Em março do presente ano, a associação Campo Aberto editou um livro para todas as idades intitulado “O Homem Que Plantava Árvores” da autoria de Jean Giono, escritor francês que, segundo o coordenador da edição, José Carlos Costa Marques, “é no seu país de origem um dos maiores prosadores do século XX”.

Ao contrário do que muitas pessoas pensam, o livro referido, traduzido em mais de 13 línguas, não relata a história real de um homem, Elzéard Bouffier, que plantou centenas de milhares de árvores e com isto fez com que uma região árida voltasse a ter água e com que aldeias abandonadas voltassem a ter vida. Com efeito, “O Homem Que Plantava Árvores” é um conto inspirado no facto do autor quando era pequeno acompanhar o pai em passeios, onde recolhiam bolotas que depois ponham na terra com a ajuda de uma vara.

Para além do magnífico texto de Jean Giono, a edição da Campo Aberto é valorizada pela ilustração do texto da responsabilidade de Teresa Lima, pelo posfácio de Paulo Ventura Araújo, intitulado “Plantar Árvores: Porquê, Onde e Quais?” e pela nota do coordenador da edição com o título “Giono: Escritor, Visionário e Precursor- regresso à Floresta, regresso à água, regresso às aldeias”.

Este livro cuja leitura se recomenda nas escolas e não só, segundo José Carlos Costa Marques “pretende contribuir: em primeiro lugar para despertar o amor à árvore e a plantação de árvores; logo a seguir, para incentivar a formulação de uma “política” da árvore, coerente e baseada em conceitos sólidos e justos”.

Se a obra de Giono é de ficção, o trabalho hercúleo da Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal (AAPEF) é uma realidade cujos resultados estão à vista de todos, no Pico do Areeiro, no Campo de Educação Ambiental do Cabeço da Lenha, com uma área de 54 000 m2 e, mais recentemente, no Campo de Educação Ambiental do Santo da Serra-Eva e Américo Durão, que possui uma área de 87200 m2.

A AAPEF, a primeira associação do arquipélago da Madeira a ser reconhecida como ONGA de âmbito local, criada 11 de julho de 1996, tem como fins a conservação da natureza e a manutenção da biodiversidade insular, incidindo, as suas ações principais na conservação dos ecossistemas existentes a maiores altitudes na ilha da Madeira.

Nos primeiros anos a atividade da associação, para além dos tradicionais passeios pedestres, incidiu na criação e manutenção de um viveiro de plantas endémicas. AS primeiras plantações ocorreram em outubro de 2001, numa área totalmente escalvada localizada no Pico da Areeiro, entre os 1700 e 1800 metros de altitude.

Em outubro de 2005, com a compra do Montado do Cabeço da Lenha (5,4 ha) pela associação, a área de intervenção alargou-se. Aqui, houve que retirar as invasoras, eucaliptos, giestas, carquejas, etc. e só depois proceder à plantação de espécies endémicas adaptadas à altitude de 1500 m.

Apesar do revés provocado pelo incêndio de origem criminosa ocorrido, em agosto de 2010, que reduziu a cinzas- calcula-se que 90% das plantações tenham sido destruídas- todo o esforço humano para a recuperação da biodiversidade, os dirigentes da associação e todos os voluntários envolvidos não desanimaram e continuaram, muitas vezes em condições atmosféricas desfavoráveis, a dedicar uma parte dos seus tempos livres a ajudar a natureza a recompor-se.

Hoje, quem visitar as áreas que têm sofrido a intervenção da AAPEF verificará que são verdadeiros oásis de beleza e diversidade quando comparadas com as áreas adjacentes.

Por último, já este ano, a 9 de abril de 2019, a AAPEF recebeu por doação um terreno de 8,7 ha, na freguesia de Santo António da Serra, no concelho de Santa Cruz, onde criou o CAMPO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL DO SANTO DA SERRA - EVA E AMÉRICO DURÃO. Estão em curso trabalhos de limpeza de matos e lenhas, erradicação de invasoras e plantação de espécies endémicas.

Não sabemos se os dirigentes da AAPEF ou se os voluntários que aderem às suas iniciativas se inspiraram no conto de Jean Giono, mas se este fosse vivo, sem dúvida, sentir-se-ia orgulhoso por, para além do seu conto ser lido em todo o mundo, haver quem, tal como ele que abdicou de direitos de autor, em regime de voluntariado trabalhe em prol de um melhor ambiente para a Madeira e para deixar um Mundo melhor a todos os vindouros.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31931, 18 de setembro de 2019, p. 14)

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

A propósito de Decrescimento e Educação



A propósito de Decrescimento e Educação

Em texto anterior dei a conhecer um pouco do movimento internacional que é designado por “decrescimento” e que acredita que a atual crise económica, social e ambiental só pode ser superada fora do sistema capitalista, isto é, através do abandono do atual modelo de desenvolvimento produtivista e da crença cega de que a ciência e a tecnologia serão capazes de resolver os problemas atuais.

Apodado como utopia perigosa, projeto reacionário, coisa de ingénuos, por todos os que seguem o modelo de desenvolvimento atual, mesmo os que o adjetivam como sustentável, o decrescimento é um movimento militante que ganha adeptos em todo o mundo.

Ao contrário de alguns movimentos pedagógicos que acreditam que a escola é uma ferramenta para a mudança da sociedade, bastando para tal mudar as estratégias usadas nas salas de aula, os adeptos do decrescimento consideram que a escola atual tem pouco de democrática e que a sociedade só se muda se as alterações forem feitas dentro e fora dos muros da escola.

Na escola de hoje, pensa-se cada vez menos na formação integral dos indivíduos e mais na preparação para a ocupação de um posto de trabalho. Sobre este assunto Enrique Gutiérrez, no seu texto “Decrescimento e Educacion”, que faz parte do livro “Decrescimientos sobre lo que hay que cambiar em la vida cotidiana”, editado em 2010, por Los Libros de la Catarata, escreveu o seguinte:

“A finalidade não é pensar e ajudar a mudar a sociedade através da educação para torná-la mais justa, mais sábia, máis universal, mais equitativa, mais compreensiva: do que se trata é adaptar a educação para que seja útil às mudanças que se estão produzindo na economia e na sociedade.”

Se é verdade que a escola não pode ignorar o mercado de trabalho, também é verdade que a escola não se pode reduzir a satisfazer os interesses das empresas privadas ou não, através da criação de mão de obra dócil e flexível.
A escola de hoje, não educa para a democracia participativa nem para a formação de cidadãos civicamente empenhados por mais disciplinas de Cidadania que se criem, pois o seu funcionamento em termos democráticos deixa muito a desejar, mesmo se falarmos em democracia representativa, de que são exemplos, a não circulação de informação por parte dos Conselhos Executivos, as deliberações dos Conselhos Pedagógicos, sem que sejam ouvidos os professores, a quase (sempre) ausência dos pais e dos alunos e as Assembleias de Escola em que os seus membros não prestam contas a ninguém. O associativismo estudantil anda pelas ruas da amargura, isto é, ou não existe ou quando existe limita-se aos períodos de campanha eleitoral, onde se copia o que de pior têm as campanhas partidárias, onde por vezes nem uma única ideia se apresenta.

Face ao exposto, como muito bem escreveu Gutiérrez, não pode ser considerado um desperdício de dinheiros públicos o papel da escola como “campo de treino para a democracia e para a cidadania democrática”.

Numa sessão a que assisti recentemente, tive a oportunidade de ouvir uma docente a mostrar a sua satisfação pelo facto de um aluno que se recusava a fazer fosse o que fosse ter mudado um pouco a sua atitude, pois ela descobriu que ele se interessava por notícias sobre touradas ou em que “houvesse muito sangue”, passando a usá-las para o motivar a aprender algo, o que havia conseguido.

Embora à primeira vista, tenha sido um sucesso que todos devemos aplaudir, fiquei muito preocupado pois, durante a apresentação de quase meia hora. nem uma palavra foi proferida sobre valores, isto é, não foram questionadas as touradas, mesmo não tomando qualquer posição a favor ou contra as mesmas e nem uma palavra sobre a violência.

Para os defensores do decrescimento, na escola e na vida diária de cada um há que alterar valores, como, por exemplo, à propriedade e ao consumo ilimitado opor o altruísmo e a redistribuição de recursos, optar pela sobriedade e pela simplicidade voluntária e recusar a manipulação e a criação de necessidades artificias pela publicidade enganosa.

Por último, a escola tem de ser convertida numa comunidade de aprendizagem, onde os alunos não sejam apenas caixas recetoras e onde todos participem na construção de uma sociedade mais justa.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31925, 11 de setembro de 2019, p.14)






quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Em defesa da flora açoriana

O Decrescimento, esse desconhecido




O Decrescimento, esse desconhecido

“Todos os que, à esquerda, recusam abordar por este ângulo a questão duma equidade sem crescimento demonstram que, para eles, o socialismo não é senão a continuação por outros meios das relações sociais e da civilização capitalistas, do modo de vida e do modelo de consumo burguês” (André Gorz)

Há cerca de duas décadas Serge Latouche, professor emérito de Economia na Faculdade de Direito, Economia e Gestão Jean Monnet da Universidade de Paris XI, terá sido quem pela primeira vez formulou a noção de decrescimento.

No texto de hoje, darei a conhecer um pouco do conceito, baseando-me no livro de Serge Latouche, intitulado “Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno”, publicado em 2011 pelas Edições 70, de onde extraí todas as citações,

Ao contrário de outros, como o cada vez mais desacreditado conceito de desenvolvimento sustentável que foi adotado pelos governantes, muitas vezes para justificar a tomada de medidas que constituem verdadeiros atentados ambientais e sociais, o conceito de decrescimento não tem tido grande adesão nem mesmo por parte de ambientalistas. Com efeito, estes limitam-se a repetir a noção vaga do desenvolvimento dito sustentável, a cacarejar o óbvio, isto é que é impossível crescer infinitamente num mundo finito, mas omitem que as “produções e estes consumos devem ser reduzidos …e que a lógica do crescimento sistemático em todas as direções …, bem como o nosso modo de vida, devem, portanto, ser postos em causa.”.

Politicamente onde se situam os adeptos do decrescimento? À esquerda ou à direita do espectro partidário?

Não conhecemos nenhum partido político que tenha no seu programa qualquer referência ao decrescimento. O que podemos dizer é que hoje o decrescimento é um movimento social com um símbolo muito conhecido que é o caracol e que “é forçosamente contra o capitalismo, não tanto por lhe denunciar as contradições e os limites ecológicos e sociais, mas antes de mais porque lhe põe em causa “o espírito”…O capitalismo generalizado não pode deixar de destruir o planeta tal como destruiu a sociedade e tudo o que é coletivo”.

Para Latouche “a sociedade do decrescimento não é nem um retorno ao impossível passado, nem uma acomodação ao capitalismo”. Assim, para o autor não é possível contar com a esquerda não marxista que já se acomodou ao poder/sistema, nem nos que acreditam no socialismo produtivista, pois “são duas variantes dum mesmo projecto de sociedade do crescimento baseado no desenvolvimento das forças produtivas, que se considera favorecer a marcha da humanidade em direção ao progresso”. Ainda sobre o produtivismo Latouche acrescenta que “os maoísmos, trotskismos e outros esquerdismos são tão produtivistas como os comunismos ortodoxos.”

Face ao exposto, isto é, se a direita ou a esquerda “tradicional” defendem variantes do mesmo, quem irá “liderar” a mudança que urge?

O filósofo francês Cornelius Castoriadis, citado por Latouche, receia que face a uma catástrofe mundial, o não surgimento de “um novo movimento, um redespertar do projecto democrático, a “ecologia” pode muito bem ser integrada numa ideologia neofascista”.

Termino este texto apresentando o conjunto de oito mudanças que são necessárias para a construção de uma nova sociedade: “reavaliar, reconceptualizar, reestruturar, redistribuir, relocalizar, reduzir, reutilizar e reciclar”.

Para despertar a curiosidade para a leitura do livro, termino com uma explicação do reavaliar. Sobre o assunto Latouche escreveu: “O altruísmo, a cooperação, o prazer do lazer e o ethos do jogo, a importância da vida social, o local, a autonomia, o gosto pela obra bela, o razoável e o relacional, por exemplo, deveriam substituir, respetivamente, o egoísmo, a competição desenfreada, a obsessão pelo trabalho, o consumo ilimitado, o global, a heteronomia, a eficiência produtivista, o racional e o material”.

Teófilo Braga
Correio dos Açores, 31910, 4 de setembro de 2019, p.14

https://outraspalavras.net/sem-categoria/para-compreender-o-decrescimento-sem-preconceitos/