quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Duas Feministas Libertárias na Revista Pedagógica

 


Duas Feministas Libertárias na Revista Pedagógica

 

Entre 1909 e 1915, publicou-se, em Ponta Delgada, a “Revista Pedagógica”, que se apresentava como órgão do professorado oficial açoriano, iniciativa da professora primária e feminista Maria Evelina de Sousa, companheira inseparável de Alice Moderno, também esta professora do ensino particular e feminista.

 

Com distribuição a nível nacional, a “Revista Pedagógica”, que esteve ao serviço dos professores e da educação, contou na sua redação com colaboradores como Alice Moderno, Aires Jácome Correia (Marquês de Jácome Correia), Luís Leitão, José Fontana da Silveira e Ulisses Machado.

 

De entre os colaboradores da revista, encontramos duas feministas que perfilhavam ideias libertárias: Ermelinda Rodrigues da Silveira e Lucinda Tavares, ambas também professoras primárias.

 

Lucinda Tavares, que foi casada com o médico Afonso Manaças, frequentou a Escola Normal do Calvário e foi membro do Grupo “Nova Crença”, tendo mais tarde abandonado o movimento libertário e passado a colaborar com os socialistas reformistas.

 

Defensora da educação racional, num texto escrito no nº 2 da revista “Amanhã”, de 15 de junho de 1909, de que eram proprietários e diretores Grácio Ramos e Pinto Quartim, Lucinda Tavares, discordou de Gustave Le Bon que afirmou que “a aquisição de conhecimentos é a melhor maneira de fazer revoltados” e explicou o seu ponto de vista do seguinte modo:

 

“ A instrução é, sem dúvida, um fator importante, uma alavanca poderosíssima para levantar no espírito do homem a ideia de revolta, mas é preciso que essa instrução não lhe seja imposta como um dogma; é preciso que se deixe raciocinar livremente desde criança; que se habitue a acreditar ou deixar de acreditar, a seu bel-prazer, sem sugestões ou imposições de espécie alguma; é preciso, enfim, que uma educação racional venha auxiliar essa instrução, que muitas vezes mal dirigida, se converte num elemento de retrógrada reação.”

 

No número 179 da Revista Pedagógica, publicada a 29 de junho de 1911, num texto intitulado “A mulher portuguesa na Jovem República”, depois de saudar a implantação da República defendeu a necessidade de educar as mulheres para que as mesmas possam “educar os seus filhos em princípios de Liberdade e Solidariedade, de forma a poderem fazer da República portuguesa uma república rasgadamente liberal e progressiva … uma sociedade sem preconceitos, sem fanatismos e sem padres…uma sociedade perfeita, de Amor, de Abundância, de Paz e de Fraternidade Universal.”

 

Ermelinda Rodrigues da Silveira, que casou com o escritor José Fontana da Silveira, também colaborador assíduo da Revista Pedagógica, militou na Associação de Propaganda Feminista e integrou a Loja Carolina Ângelo do Grande Oriente Lusitano Unificado.

 

Na Revista Pedagógica, Ermelinda da Silveira publicou dez textos, entre 12 de fevereiro de 1914 e 25 de março de 1915, com os seguintes títulos: Generalidades, Bases de Orientação Pedagógica, Crianças normais, Crianças anormais, Anormais intelecto-físico-morais, A infância criminosa, Pais e educadores, Pedologia, Tarados físico-intelectuais e A emancipação da mulher virá da sua educação moral e intelectual.

 

No último texto referido, publicado no nº 311 da Revista Pedagógica, Ermelinda da Silveira escreve que a situação da mulher, “ a escrava do homem, o autómato que ele maneja a seu belo prazer, um ente a quem a mais pequena contrariedade, o mais pequeno escolho desanima, uma vítima da própria família que a impede de agir e pensar, consoante o seu critério”, se deve à educação que recebe numa “escola dogmatizada pelos compêndios e programas, feitos para tudo menos para a educação.”

 

Para Ermelinda da Silveira a solução dos problemas com que se defronta a mulher está no “campo do feminismo”. Assim, segundo ela, não descurando “por completo os cuidados ao “Eu físico” e “conseguida que seja a nossa emancipação moral, bem depressa advirá a emancipação social, porque os homens vendo-nos mais sensatas e menos fúteis…levados pela força da Razão, que nós poderemos ser, e somos, tão sensatas, refletidas e inteligentes como eles, e, portanto, tão bem como eles poderemos, sem auxílio, desempenhar qualquer papel na sociedade. E isto é, creio eu, o único fim das aspirações feministas.”

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32648, 2 de fevereiro de 2022, p.15)

 

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