quarta-feira, 31 de maio de 2023

AGRADECIMENTOS


AGRADECIMENTOS

Depois do que já ouvimos hoje, resta-me agradecer as palavras generosas dos dois amigos que me honraram ao terem aceitado fazer a apresentação deste meu livro que é o resultado de um trabalho coletivo em que estiveram envolvidos cerca de uma centena de antigos alunos meus, uma meia dúzia de colegas professores e mais de duas centenas de respondentes aos questionários que foram aplicados em várias freguesias da ilha de São Miguel.

O meu agradecimento a todas as pessoas que perderam o seu precioso tempo, depois de um dia de trabalho, para estarem presentes nesta sessão.

O meu muito obrigado, a quem, mais diretamente, contribuiu para que este livro visse a luz do dia. Aqui vão os seus nomes, esperando não me ter esquecido de ninguém:

Maria Helena Câmara, pelo prefácio, pelas fotografias que cedeu e pela disponibilidade para tornar possível a edição do meu trabalho, caso não fosse acolhida pela Letras Lavadas.

Raimundo Quintal pela leitura atenta do texto, pelas sugestões apresentadas e pelas fotografias que disponibilizou.

Gilda Pontes, pela cedência de fotografias e pela leitura do texto.

Segismundo Martins e Helena Medeiros pela leitura das provas tipográficas e pelas sugestões apresentadas.

Jorge Cardoso, Lúcia Ventura, José Pedro Medeiros e José Guilherme Couto Siva pela cedência de fotografias. No caso da Lúcia Ventura, não foram apenas as fotografias é também todo o trabalho que ela retira das minhas mãos o que me permite ter tempo para passar muitas horas no computador, nas bibliotecas e no campo a observar e a recolher imagens das plantas.

José Guilherme Machado pelas informações relativas ao uso das plantas medicinais na ilha de São Jorge.

Museu Carlos Machado, na pessoa do seu diretor João Paulo Constância, pela cedência de fotografias do álbum de Joaquim Cândido Abranches.

Editora Letras Lavadas, na pessoa do seu timoneiro Ernesto Resendes, que prontamente acedeu publicar este trabalho. Este agradecimento é extensivo a todos os que lá trabalham e estiveram envolvidos na produção deste livro, nomeadamente ao paginador Pedro Melo e ao autor da capa Jaime Serra.

Termino, citando duas pessoas que admiro: um filósofo e um matemático.

Agostinho da Silva não cobrava direitos de autor porque não tinha a certeza de ser o autor daquilo que escrevia e não tinha a certeza de que as ideias de alguém nasciam da cabeça desse alguém. Este livro como já afirmei no início, é um livro, de muitos autores. Contudo, todas as falhas, omissões e erros são da minha inteira responsabilidade. Mas, tal como o grande matemático Bento de Jesus Caraça afirmava, não receio o erro porque estou sempre disposto a corrigi-lo.

Quem tem amigos (e amigas) tem tudo. Muito obrigado.

(texto lido na apresentação do livro As plantas na medicina popular nos Açores)

sábado, 27 de maio de 2023

Faz sentido apresentar, nos Açores, um livro sobre a repressão no Estado Novo?


az sentido apresentar, nos Açores, um livro sobre a repressão no Estado Novo?

Se tivéssemos em conta o que se ouve cada vez mais, isto é, que “antigamente é que era bom”, havia mais respeito e que agora é que estamos mal e que nos Açores não houve perseguições políticas e que até a PIDE por cá usava meios mais suaves, apenas dava conselhos aos que tentavam contestar, não fazia qualquer sentido apresentar um livro sobre uma jovem estudante que foi detida por aquela polícia política, levada para a prisão de Caxias e torturada barbaramente, tendo sido impedida de dormir durante cerca de 450 horas
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Faz todo o sentido estarmos a apresentar o livro “Gente comum uma história na PIDE”, da autoria de Aurora Rodrigues porque não podemos deixar que apaguem a memória e porque tem sido branqueada a história da repressão durante o regime fascista de Salazar e Caetano.

Quantos nesta sala conhecem a história da oposição ao Estado Novo nos Açores? Quantos conhecem os nomes dos açorianos que foram perseguidos e presos por discordarem da ditadura?

Quem foi António Luís Lourenço da Costa? Quem foi Carlos Eugénio Ferreira? Quem foi João Guilherme Rego Arruda? Quem foi José Machado e Melo?

António Luís Costa, natural de Angra do Heroísmo, fotógrafo, morreu com 58 anos de idade na Prisão daquela cidade.
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Carlos Eugénio Ferreira, estufeiro na Fajã de Baixo, natural de São Roque, vítima de maus-tratos, morreu com 33 anos de idade, na Casa de Saúde de São Rafael, depois de ter passado pelo Depósito de Presos da Fortaleza de São João Batista de Angra do Heroísmo.

João Guilherme Arruda, natural da freguesia de Santo António, morreu com a idade de 20 anos, no dia 25 de abril, baleado na cabeça por uma das balas disparadas pela PIDE.

José Machado e Melo, sapateiro, de Ponta Delgada, morreu aos 45 anos de idade quando se encontrava sob prisão no Hospital Militar de Angra do Heroísmo.

Felizmente, foram muitos os resistentes ao Estado Novo que sobreviveram às prisões e torturas e que têm ou tiveram oportunidade para contar as barbaridades cometidas por um regime que dizia seguir os valores do cristianismo, como é o caso de Aurora Rodrigues.

Quem é Aurora Rodrigues?

Aurora Rosa Salvador Rodrigues, nasceu a 20 de janeiro de 1952, em Vale da Azinheira, Minas de São Domingos e é magistrada jubilada do Ministério Público.

Após o seu ingresso na Faculdade de Direito de Lisboa, que ocorreu em 1969, juntou-se ao MRPP, em 1972, no seguimento do assassinato, pela PIDE, do estudante Ribeiro Santos.

A 3 de maio de 1973, com 21 anos de idade, foi presa pela PIDE, tenho sido libertada a 28 de julho do mesmo ano, depois de ter sido submetida a 450 horas de tortura de sono, tortura de estátua, tortura de afogamento e a espancamentos.

Curiosamente voltou a ser presa pelo COPCON a 28 de maio de 1975 na sequência da proibição do MRPP participar nas eleições para a Assembleia Constituinte.

Em 1977, abandonou toda a militância partidária.

Entre 2009 e 2012, foi presidente de secção de Évora do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

O livro que hoje é apresentado, em Ponta Delgada, é uma reedição, da Edições Parsifal, enriquecida com um apenso documental aumentado, foi editado pela primeira vez em 2011, tendo sido apresentado na prisão de Caxias no dia 2 de fevereiro daquele ano.

Por que razão, decidiu Aurora Rodrigues, contar parte da sua vida, nomeadamente as suas prisões antes e depois do 25 de abril de 1974?

“Precisava de o fazer, porque há deveres de memória, para que não se construa sobre o esquecimento uma sociedade comum, para que não se desbarate a dimensão da esfera pública e para que não se perca o sabor da vida.”

26 de maio de 2023
Teófilo Braga

quarta-feira, 24 de maio de 2023

No Dia Nacional dos Jardins (25 de maio): homenagem aos pioneiros


No Dia Nacional dos Jardins (25 de maio): homenagem aos pioneiros

Na sequência de uma petição criada pelos alunos da Turma 10.º L da Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes, de Portimão, dinamizados pelo seu professor de Filosofia e Cidadania e Desenvolvimento, Carlos Café, a Assembleia da República, através da Resolução n.º 65/2022, criou o Dia Nacional dos Jardins a celebrar anualmente no dia 25 de maio, data do nascimento do Arquiteto Paisagista Gonçalo Ribeiro Teles (1922-2020).

Os objetivos da criação do dia são, de acordo com a resolução referida, celebrar “a importância e a vivência destes espaços, bem como o legado de Gonçalo Ribeiro Telles na proteção do ambiente, na defesa da paisagem e na promoção da qualidade de vida dos cidadãos, através de ações tendentes a fomentar o conhecimento e a proteção da biodiversidade, a sensibilizar sobre a necessidade de preservação dos espaços verdes, a assegurar a arborização e renaturalização e a realização de cadastros verdes nas escolas.”

O Núcleo Regional dos Açores da IRIS-Associação Nacional do Ambiente, neste Dia Nacional dos Jardins, homenageia todos os que, nos Açores, criaram jardins e outros espaços verdes. Assim, entre outos recordamos:

- João Carlos Scholtz (1741-1823), apaixonado pela botânica que aclimatou nas suas propriedades diversas árvores exóticas;

- Tomaz Hickling (1745-1834) que deu início à construção do que é hoje o Parque Terra Nostra, nas Furnas;

- Simplício Gago da Câmara (1808-1888) que esteve na Austrália e que de lá trouxe plantas e sementes e que oferecia centenas ou milhares de plantio que cultivava nos viveiros localizados no seu prédio do Convento, em Vila Franca do Campo;

- António Borges da Câmara Medeiros (1812-1879) que foi o criador do seu jardim em Ponta Delgada, do jardim pitoresco nas Sete Cidades, bem como um dos responsáveis pelo surgimento do atualmente conhecido Parque Dona Beatriz do Canto, nas Furnas;

- José Jácome Correia (1816-1886) que criou o jardim do Palácio de Santana;

- José do Canto (1820-1898), apaixonado pelas plantas, que foi responsável pela criação do Jardim que ostenta o seu nome, em Ponta Delgada, pela Mata-ajardinada da Lagoa do Congro e pela Mata-jardim José do Canto, na margem da Lagoa das Furnas.

- Ernesto do Canto (1831-1900), naturalista que foi o principal responsável pela criação do Parque das Murtas (hoje Parque Dona Beatriz do Canto).

- Guilherme João de Fraga Gomes (1875-1952), médico madeirense, que criou a “mata do Outeiro Redondo”, hoje designada Mata do Dr. Fraga.

- Vasco Elias Bensaúde (1896-1967) que adquiriu o Parque Terra Nostra, o restaurou e o ampliou;

Neste dia, o Núcleo Regional dos Açores da IRIS-Associação Nacional do Ambiente também saúda todos os que, hoje, cultivam o respeito pelos jardins e outros espaços verdes, públicos ou privados, e apela aos responsáveis para valorizarem a profissão de jardineiro, nomeadamente através da disponibilização de formação adequada.

Dia Nacional dos Jardins, 25 de maio de 2023

sexta-feira, 5 de maio de 2023

Entrevista ao Açoriano Oriental


1 - Quais são as suas principais preocupações quando se fala em ambiente nos Açores?

Como cidadão do mundo, não posso falar nos Açores sem falar na situação do nosso planeta. Não posso viver indiferente num mundo onde a pobreza e a fome em vez de diminuírem têm aumentado, onde para além de palavras bonitas pouco se tem feito para combater ou evitar as alterações climáticas. Também não posso ficar sossegado quando muito se fala de paz e as guerras persistem, quando a ameaça do uso de armas nucleares voltou a estar na ordem do dia.

Como defendo que os problemas ambientais são problemas sociais, nos Açores, aflige-me o facto de não termos sido capazes de eliminar a pobreza, acabar com a exclusão social e elevar significativamente o grau de escolarização da nossa população. Por cá também me preocupa o desrespeito pelo nosso património natural e cultural, não só por parte de cidadão comum, mas sobretudo por entidades que deviam ter a obrigação de zelar por ele.

No que diz respeito à componente natural do ambiente atormenta-me as ameaças às áreas protegidas terrestres e marinhas, que existem mais no papel do que no terreno, a sobre-exploração dos recursos marinhos e o desrespeito que é dado à árvore vítima da incompetência de alguns responsáveis e da falta de preparação dos executantes de podas e dos operadores das roçadoras.

2 – Os Açores estão a crescer turisticamente e já se nota muita pressão sobre o seu espaço natural. O modelo de desenvolvimento turístico que temos nos Açores respeita o seu maior ativo, a natureza, ou a prazo - com a tendência de massificação – poderão ser-lhe infligidos danos irreversíveis?

Sinceramente, tenho esse receio. Há alguns anos, os Amigos dos Açores promoveram uma conferência em Ponta Delgada com a presença do arquiteto paisagista Fernando Pessoa. Na altura, o arquiteto falou nos prós e contras do turismo e destacou a importância que este poderia ter para o desenvolvimento dos Açores, desde que fosse controlado e as receitas obtidas fossem aplicadas na conservação da natureza e equitativamente distribuídas.

A denominada aposta no turismo sustentável parece que não está a ser feita. Se o conceito de desenvolvimento sustentável já é de si vago, permitindo que em seu nome se cometam as maiores barbaridades, parece-me que nos Açores o mesmo é “perneta”, isto é, dos seus três pilares (pés, se fosse uma banca) é valorizado apenas o económico e esquecido o social e o ambiental. Não podemos continuar a deixar degradar a qualidade do ambiente nos Açores, pois estaremos a matar a nossa galinha dos ovos de ouro. A grande riqueza dos Açores está no seu património natural e cultural. Mas, se destruirmos o património natural e cultural, tornamo-nos numa Região igual a tantas outras, em que seremos invadidos por turistas sem qualquer consciência ambiental e a degradação não terá fim.

3 – De forma concreta e objetiva, o que se pode fazer de melhor e diferente para proteger pontos de visitação centrais, como são o caso das lagoas do Fogo e das Furnas e as Sete Cidades?

A pressão humana sobre os espaços referidos é muito grande, sendo necessário haver, de algum modo, um controlo para evitar a concentração de muitas pessoas, em simultâneo, naqueles locais.

Nas Furnas, preocupa-me o “falhanço” na reflorestação que havia sido iniciada pela Azorina, nas Sete Cidades, nomeadamente junto à Lagoa do Canário, é excessiva a concentração de viaturas e tenho dúvidas sobre se houve ou não a diminuição da presença de gado bovino junto da lagoa ou em terrenos que desaguam ainda que indiretamente na mesma.

Sendo a Lagoa do Fogo uma Reserva Natural e sendo os principais objetivos de uma reserva natural a conservação da fauna e flora e de outros atributos naturais considero que as visitas até ao espelho de água deviam ser muito restritas, apenas para fins educativos e científicos.

4 - A pecuária tem uma grande relevância no nosso contexto económico, mas é também um setor de lóbis, responsável por grandes emissões de gases com efeito de estufa, com as consequências maléficas que isso acarreta em termos de aquecimento global e alterações climáticas. Esta realidade não compromete a imagem ambiental imaculada dos Açores como um dos poucos destinos turísticos sustentáveis do mundo?

Tal como o pensamento único, todas as monoculturas são contraproducentes. A agricultura nos Açores deverá ter sempre como meta, mesmo que inalcançável, a autossuficiência alimentar da região, apontar para a máxima diversificação das culturas e ter em conta as características dos solos de cada ilha. Para além disso, é absurda a aquisição de produtos alimentares do outro lado do mundo devido às emissões poluentes oriundas do seu transporte, por isso a grande aposta deverá ser na produção de hortícolas, frutícolas, mel e flores e na experimentação de novas culturas, primeiro para consumo interno e só depois para exportação.

Para evitar os inegáveis efeitos perniciosos para o ambiente da pecuária e se se quer um arquipélago verdadeiramente sustentável, nos Açores terá de haver redução da criação de gado e a criação de pequenas agroindústrias para aproveitamento das produções não consumidas ou não exportadas e associar as explorações agrícolas ao agroturismo.

5 – Aposta-se o suficiente na (re)florestação como forma de evitar a escassez de água e as derrocadas, assim como para a absorção de dióxido de carbono e promover a replantação de plantas nativas?

Se a pergunta fosse feita a algum responsável dos Serviços Florestais, talvez a resposta fosse tem-se apostado o suficiente tendo em conta os meios disponíveis.

Para quem como eu tem calcorreado a ilha de São Miguel a resposta é que a aposta está muito longe do desejável, pois há muitos espaços sobretudo a altitudes mais elevadas que deviam ser reflorestados especialmente com espécies nativas e endémicas que são as mais adaptadas às condições do solo e meteorológicas.

Contudo, seria injusto se não referisse que nos últimos anos os Serviços Florestais têm produzido muito plantio de endémicas e nativas que têm sido usados por várias entidades e por particulares em replantações.

No meu caso, este ano, no mês de fevereiro, cedidas pelos Serviços Florestais de Ponta Delgada, plantei, em Vila Franca do Campo, mais de 1500 plantas nativas e endémicas (urzes, azevinhos, paus-brancos, faias e sanguinhos).

6 - O controlo de espécies invasoras está a ser bem feito na Região?
As espécies invasoras são uma das principais ameaças ao património natural dos Açores, sobretudo por competirem com as espécies nativas e endémicas. O seu controlo nunca foi levado muito a sério pelos detentores do poder. Nunca foram usados os recursos humanos necessários para um combate eficaz e as ações de combate têm sido pontuais quando deviam ser contínuas.
Por exemplo, o gigante (Gunnera tinctoria) está largamente espalhado na ilha de São Miguel quando no início da década de 80 do século passado estava confinado à zona oriental da ilha e existia um pequeno núcleo na zona da Serra Devassa, junto à Lagoa do Carvão. Um apelo dos Amigos dos Açores para a erradicação deste núcleo caiu em saco roto. Hoje, não sei se a sua erradicação será possível!

Se bem que algumas das invasoras chegaram aos Açores no século XIX vindas para os jardins de São Miguel numa altura em que ainda não se tinha consciência dos seus efeitos perniciosas, outras já foram introduzidas mais recentemente por vezes por ou com a conivência das entidades oficiais. Quem introduziu a cletra (Clethra arbórea) em São Miguel? Quem mandou plantar lantana (Lantana camara), em 1987/88 nos “taludes” do aeroporto de Ponta Delgada? Quem mandou (felizmente depois retirou) plantar a erva-confeiteira (Persicaria capitata) nos canteiros das Portas do Mar? Quem mandou plantar os penachos (Cortaderia selloana) ao longo das chamadas SCUT?

7 – Concorda com a construção de uma incineradora de resíduos em São Miguel?

Não concordo, tendo sido uma das primeiras pessoas que, quer a título individual, quer em nome dos Amigos dos Açores, criticou aquela opção de suposto tratamento de resíduos, por ser uma forma de delapidação de recursos que poderiam ser reutilizados e reciclados, por ser ambientalmente danosa e por ser economicamente uma desgraça que só é viável através do recurso às taxas e aos impostos pagos pelos contribuintes.

Sobre o assunto, algumas associações ambientalistas já demonstraram que a incineradora a construir em São Miguel é desnecessária e que nem as metas europeias da reciclagem serão cumpridas.

No que diz respeito aos resíduos sólidos urbanos, nota-se que nos Açores nunca se investiu a sério, tanto pelas autarquias como pelos sucessivos governos.

8 – Nunca mais se ouviu falar de lagoas eutrofizadas em São Miguel, pelo menos com gravidade. Tem a perceção que as nossas lagoas estão no caminho da verdadeira recuperação?

Não tenho e penso que não têm sido divulgados dados sobre a qualidade das águas das nossas lagoas nos últimos tempos, por isso não me posso pronunciar sobre o assunto. De qualquer modo acho lamentável o que se passa com o já referido insucesso na reflorestação na bacia hidrográfica da Lagoa das Furnas. Registo que acusar os responsáveis anteriores não basta, o que é preciso fazer é intervir no local quanto antes e no caso do combate às infestantes que terão invadido o local, o mesmo não se faz alargando compassos nem com o uso de tratores.

9 – Os açorianos já desenvolveram uma consciência ambiental que garanta um maior respeito pelos recursos naturais e aposta na reciclagem?

Infelizmente não, a esmagadora maioria dos açorianos não tem quaisquer preocupações com a conservação da natureza e com a proteção do ambiente em termos globais. Como razões principais apontava o desinvestimento por parte dos governos na educação ambiental e alguma desinformação por parte de pretensos educadores que depois é expandida através da comunicação social e das redes sociais. Além disso, muitas famílias passam por dificuldades em termos económicos de modo que os seus esforços são dirigidos para a sua sobrevivência, em termos materiais: habitação, alimentação, etc.. É muito triste vermos que o número de pobres ou de pessoas em risco de pobreza, mesmo entre os que exercem uma profissão é muito elevado.

Por último é um erro que penso que é propositado praticamente só se falar em reciclagem, quando a aposta devia ser na redução. O melhor resíduo não é o reciclável, mas sim o que não é produzido.

10 - É o histórico líder da Associação Amigos dos Açores e está agora à frente do Núcleo Regional da IRIS – Associação Nacional de Ambiente. Os movimentos ambientalistas têm desempenhado bem o seu papel na defesa ecológica do arquipélago ou a sua voz não costuma a ser considerada pelas autoridades?

O movimento ambientalista é um reflexo do que se passa na sociedade onde está inserido e nos Açores foi e continua a ser muito fraco. Há algumas ilhas onde nunca existiram associações de defesa do ambiente, e nas onde ainda existem a atividade, pelo menos a mais visível junto do público, da maioria das associações está relacionada com a organização de percursos pedestres.

Estaria a mentir se dissesse que a voz das associações tem sido ignorada de todo pelas autoridades.

Como exemplos refiro que foram os Amigos dos Açores que propuseram a classificação das seguintes áreas protegidas: Monumento Natural da Caldeira Velha, Monumento Natural da Gruta do Carvão, Monumento Natural da Ferraria- Pico das Camarinhas e Área Protegida para a Gestão de Habitats ou Espécies da Lagoa do Congro.

Recordo também que foi o movimento informal “SOS-Lagoas” que alertou a opinião pública para o problema da eutrofização das lagoas e se tal não tivesse sido feito as intervenções oficiais mais ou menos bem conseguidas nas bacias hidrográficas da Lagoa das Sete Cidades e da Lagoa das Furnas não teriam ocorrido pelo menos na altura em que ocorreram.

Creio que se não fosse a intervenção de muitos cidadãos, de algumas associações formais e do grupo de cidadãos ACT-Azores já teriam ocorrido intervenções desastradas na Reserva Natural da Lagoa do Fogo.

Por último, se não fosse a intervenção de membros do recente Núcleo Regional dos Açores da IRIS- Associação Nacional de Ambiente, nos Açores e de alguns deputados não existiria o “Regime Jurídico de Classificação do Arvoredo de Interesse Público”, ainda incompreensivelmente ainda não regulamentado.

Teófilo Braga

Nasceu em Vila Franca do Campo, a 22 outubro de 1957.

É professor do 3º Ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário de Física e Química.

Possui o Bacharelato em Ciências Físico-Químicas / Matemática, pela Universidade dos Açores, o Curso de Estudos Superiores Especializados em Administração Escolar, pelo Instituto Superior de Educação e Trabalho, do Porto, e o Mestrado em Educação Ambiental, pela Universidade dos Açores.

Desde 1982, está ligado ao movimento ecologista e ao de defesa dos animais, tendo sido um dos fundadores e Presidente da Direção dos Amigos dos Açores - Associação Ecológica. Coordena o Núcleo Regional da IRIS- Associação Nacional de Ambiente.

Não se considera ambientalista, embora tenha pontos comuns com aquele movimento. Inspira-se no conceito de ecologia social de Bookchin, bem como na vida e obras de Mahatma Gandhi, Tolstoi e Lanza del Vasto e dos portugueses António Sérgio, Agostinho da Silva e Gonçalves Correia.

Foi Diretor da Agência Regional da Energia e do Ambiente da Região Autónoma dos Açores.

“Prémio QUERCUS 1996”, distinção atribuída a personalidades que se evidenciam de forma relevante na área do ambiente.

É autor e coautor de diversos roteiros de percursos pedestres e de várias publicações sobre energia e património natural.

terça-feira, 2 de maio de 2023

O trevo-de-quatro-folhas: uma falsa planta endémica



O trevo-de-quatro-folhas: uma falsa planta endémica

O trevo-de-quatro folhas, é um pequeno feto herbáceo, de pouco mais de 15 cm de altura que durante alguns anos foi a planta menina-dos-olhos-de-ouro dos endemismos açorianos, tendo sido alvo de muitos estudos e o charco da ilha Terceira onde se encontrava tronou-se ponto de visita obrigatório por parte de cientistas e políticos, afinal nada tinha de endémico.

Num texto publicado por Hansen em 1972 é referido que uma planta descoberta num pequeno charco na Ilha Terceira havia sido classificada como Marsilea strigosa Willd. (Arruda, 2022, p.499).

Edmund. Launert e Jorge Paiva depois de estudarem o material recolhido por Hansen chegaram a uma conclusão diferente, isto é, a espécie encontrada na Terceira seria uma nova espécie tendo-a denominado Marsilea azorica (Arruda, 2022, p.500).

O trevo-de-quatro-folhas, que chegou a estar protegido pela Convenção de Berna e pela Directiva Habitats, esteve incluído na lista de “Algumas das espécies da flora dos Acores consideradas em maior risco”, com a categoria de “Em perigo crítico”.

Em 2019, os biólogos da Universidade dos Açores Mónica Martins, Sandra Câmara e Luís Silva consideravam como principais ameaças a “degradação do habitat, aumento da superfície agrícola útil, perturbação de áreas sensíveis (acesso pelo gado)”, etc. e como limitações biológicas o “isolamento da população, dispersão limitada, superfície de habitat reduzida, possíveis processos de endogamia e empobrecimento genético”(Silva et al, 2019, p.19)

Num texto intitulado “Imposturas Vegetais”, publicado no blogue “Dias com Árvores” ficamos a saber que havia quem desconfiasse daquele estranho endemismo, como se pode constatar através do seguinte extrato:

“É verdade que a singularidade da distribuição deste feto, encontrado nos Açores pela primeira vez em 1971 e descrito como uma nova espécie, endémica do arquipélago, em 1983, tinha já suscitado a estranheza de alguns botânicos. Vale a pena reproduzir o comentário que Carlos Aguiar deixou em dezembro de 2010: A distribuição desta planta nos Açores é surpreendente: uma lagoa na berma de uma estrada movimentada, na ilha Terceira. Não me surpreenderia que um dia alguém descobrisse que se trata de um neófito de origem neotropical.”

Em outubro de 2011, da autoria de Hanno Schaefer , Mark A. Carine , e Fred J. Rumsey, foi publicado o artigo “From European Priority Species to Invasive Weed: Marsilea azorica (Marsileaceae) is a Misidentified Alien “, onde os autores revelam que o trevo-de-quatro-folhas não era uma endémica dos Açores, mas a espécie de origem australiana Marsilea hirsuta com características invasoras no sul dos EUA, donde terá vindo para os Açores. Os autores também recomendam que, apesar de não haver evidências de que a planta ameaça as espécies nativas, a mesma não deva ser propagada no nosso arquipélago.

T.B.

Foto: https://pt.wikipedia.org/wiki/Marsilea_azorica#/media/Ficheiro:Marsilea_azorica_(Habitus).jpg

Bibliografia

Arruda, L. (2022). Descobrimento Científico dos Açores-De 1976 a 1985. Ponta Delgada: Sociedade Afonso Chaves. 882 pp.

Silva, L., Martins, M., Maciel, G., Moura, M. (2019). Flora Vascular dos Açores. Prioridades em Conservação. Ponta Delgada: Amigos dos Açores e CCPA. 116 pp.

https://dias-com-arvores.blogspot.com/