quinta-feira, 29 de outubro de 2020

O Padre Manuel Vicente e a paixão pelas flores

 



O Padre Manuel Vicente e a paixão pelas flores

 

Em textos anteriores associamos o padre Manuel Vicente à recuperação do Jardim António Borges, em 1922. O tema de hoje é a sua paixão pelas flores.

 

Não conhecendo qualquer escrito da sua autoria, este texto tem por base o livro de Breno de Vasconcelos, intitulado “Paz cinzenta …os Açores através de algumas figuras e episódios de uma época”, publicado em Lisboa, em 1979, e alguns jornais da época.

 

O Diário dos Açores de 17 de fevereiro de 1938 quando faz uma retrospetiva da vida do Padre Manuel Vicente recorda “as exposições de lindos crisântemos no Palácio Fonte Bela, atualmente Liceu Antero de Quental, e que marcaram duma forma bem vincante, com seu aspeto ao mesmo tempo de Jogos Florais”. De acordo com a mesma fonte, “eram certames a que acorria tudo quanto a Ilha tinha de mais distinto no campo intelectual e no meio social, sendo acolhidos com palpitante interesse pelo público”.

 

A paixão do padre Manuel Vicente pelas flores não foi esquecida no poema da autoria do poeta micaelense Francisco Espínola de Mendonça (1891-1944) escrito por ocasião do funeral daquele sacerdote e publicado no Correio dos Açores, do dia 17 de fevereiro de 1938. Abaixo transcreve-se um extrato:

 

Amou a Arte, as flores, a Poesia,

Votando-lhes profunda idolatria,

Um acendrado amor.

Sacerdote bondoso, tolerante.

Na família um exemplo edificante:

-Amigo e Protetor

Amarilis, crisântemos, as flores

A que mais consagrou os seus amores,

Cobriam-lhe o caixão.

E, curvadas, pendendo enternecidas,

Pareciam dizer-lhe agradecidas,

A sua gratidão.

 

Depois de referir que embora vivesse modestamente, sem fortuna própria, e que o padre Manuel Vicente “foi figura da alta sociedade micaelense, não propriamente pelos seus pergaminhos genealógicos, mas muito mais pelo seu espírito e afabilidade no trato”, Breno de Vasconcelos, no livro já mencionado, relata o seguinte:

 

“Não posso precisar em que local organizou uma primorosa exposição de flores, com entradas pagas.

 

Muitas pessoas afluíram a visitar a exposição e a admirar não só as raras espécies, como a elegância com que as mesmas se encontravam dispostas.

 

O Bispo da diocese, nessa altura, estava de visita em São Miguel. Convidado a visitar esta exposição, o Bispo apreciou devidamente o bom gosto do padre Vicente e também as espécies florícolas. Ao despedir-se perguntou a que se destinava o produto daquela exposição. O expositor, muito diplomaticamente e com um sorriso reverenciado, respondeu que a receita revertia exclusivamente a favor da cozinha económica do padre Manuel Vicente …da sua própria e bem necessitada cozinha”.

 

Não se fique com a ideia de que todas as iniciativas do Padre Vicente eram realizadas para benefício do próprio. Com efeito, entre outras ações, organizou com fins caritativos “A Coroação da Menina do Asilo” para apoio ao Asilo da Infância Desvalida.

 

Com os seus projetos, o Padre Vicente conseguia mobilizar a comunidade para ajudar os mais necessitados, tendo sido a Cozinha Económica, de que foi secretário, a instituição que mais beneficiou da sua dedicação.

 

Teófilo Braga

 

(Correio dos Açores, 32269, 28 de outubro de 2020, p.14)

 

terça-feira, 20 de outubro de 2020

José Henrique Borges Martins, o Ferreirinha das Bicas e o Bravo

 



José Henrique Borges Martins, o Ferreirinha das Bicas e o Bravo

 

Hoje, faço uma singela homenagem ao poeta terceirense José Henrique Borges Martins e a dois improvisadores da ilha Terceira que ele tão sabiamente acarinhou e de algum modo os imortalizou, Francisco Ferreira dos Santos (o Ferreirinha das Bicas) e Manuel Borges Pêcego (o Bravo).

 

José Henrique Borges Martins que comigo esteve presente em diversas reuniões, onde um grupo de cidadãos preparou a criação, em Angra do Heroísmo, de um jornal independente dos poderes instalados, o “Directo”, que foi dirigido pelo meu colega da Escola Secundária Padre Jerónimo Emiliano de Andrade, António Neves Leal, foi um poeta de mérito e um destacado investigador da cultura popular, tendo, entre outos, publicado trabalhos sobre os cantadores e improvisadores populares e sobre crendices e feitiçarias.

 

Para além de dar o seu contributo ao “Directo”, Borges Martins, que combateu o Estado Novo com a sua poesia, colaborou com o extinto jornal “A União” e com o “Jornal da Praia”.

 

Com os livros “Cantadores e improvisadores da ilha Terceira”, de 1984, e “Improvisadores da Ilha Terceira. suas vidas e cantorias”, de 1993, Borges Martins homenageou alguns heróis do povo, os cantadores populares.

 

De entre eles, destacamos o Ferreirinha das Bicas que terá sido, segundo alguns, o maior de todos e o Bravo que foi um homem livre e que por isso teve problemas com as autoridades por dizer verdades que as incomodavam.

 

Sobre o Ferreirinha das Bicos, existe uma brochura que foi editada pela Cooperativa Semente, em agosto de 1978, no âmbito de uma homenagem que lhe foi prestada. Segundo aquela organização, a “cultura popular está em perigo” por isso “é necessário e urgente não deixar esquecer, não deixar que matem, que apaguem o que de mais belo temos. O que é verdadeiramente nosso património.”

 

O Ferreirinha das Bicas nos seus improvisos mostrou preocupações sociais e denunciou as desigualdades e a sociedade hipócrita onde vivia.

 

As duas quadras abaixo ilustram bem o pensamento do seu autor:

 

Vai preso quem rouba um pão

Por sua necessidade,

Mas quem rouba meio milhão

Passeia pela cidade

 

Eu conheço falsos sábios

Que pregam religião

Que mostram Cristo nos lábios

E o diabo no coração

 

A temática das desigualdades sociais também foi por diversas vezes abordada por Manuel Borges Pêcego. Para além de ilustrar a sua condição social, a quadra abaixo revela o seu espírito crítico:

Fui pagar a contribuição,

Mas não foi com dinheiro falso,

P’ra calçar tanto ladrão

Que por mim, ando descalço

 

O Bravo teve problemas com a polícia que o mandou internar na casa de saúde de São Rafael. A causa terá sido uma quadra dita em frente à cadeia, onde denunciou as injustiças existentes neste mundo:

Oh, como esta vida é feia

Presos, meditai a fundo.

Só nunca vão à cadeia

Os maiores ladrões do mundo.

 

Teófilo Braga

                                                                        (Correio dos Açores, 32263, 21 de outubro de 2020, p.17)

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Maria Mendonça

 



Sobre Maria Mendonça

 

Já há algum tempo havia pensado conhecer melhor a vida e a obra da escritora e jornalista Maria Mendonça, mas só agora decidi fazê-lo, depois de uma pessoa residente no Nordeste me ter chamado a atenção para o facto dela nas suas conversas fazer referência à obra e vida da multifacetada Alice Moderno que continuo a investigar.

 

Maria da Trindade de Mendonça, natural de Nordeste, nasceu a 16 de fevereiro de 1916 e faleceu na mesma localidade no dia 28 de fevereiro de 1997, depois de ter vivido uma parte significativa da sua vida, 35 anos, na Ilha da Madeira.

 

Tal como Alice Moderno, Maria Mendonça foi mulher que “tocou vários instrumentos” ou que teve “sete ofícios”, pois para além de se dedicar ao jornalismo e à cultura, foi também uma mulher de negócios.

 

Tendo começado a escrever para os jornais aos 16 anos, Maria Mendonça foi correspondente de vários jornais portugueses.

 

Na área do jornalismo, destacamos a sua passagem pelo jornal “Eco do Funchal” de que foi chefe de redação e depois diretora. Maria Mendonça introduziu alterações no jornal, como a inclusão de novas seções culturais e recreativas o que levou a que o mesmo passasse de semanal a trissemanal.

 

Sobre os escritos de Maria Mendonça no “Eco do Funchal”, João Carlos Abreu, no Correio dos Açores, de 7 de junho de 2020, escreveu o seguinte: “enfrentado a censura da altura, ela chamava a atenção dos governos de Lisboa de sofrerem de amnésia em relação às duas ilhas atlânticas, criando-lhes claustrofobia, promovendo-lhes o atraso.”

 

Maria Mendonça esteve também ligada ao jornal o “Re-Nhau-Nhau” que, de acordo com informação constante da página web da Direção Regional do Arquivo e Biblioteca da Madeira, “marcou presença na imprensa regional madeirense pelo seu carácter caricaturista e humorístico. As caricaturas, bem como o conteúdo satírico, pretendiam denunciar as diferenças existentes nas várias camadas sociais e o período político conturbado que se vivia nessa altura”.

 

Na área dos negócios Maria Mendonça foi sócia da escritora Natália Correia e do marido Alfredo Machado numa empresa que explorava um estabelecimento comercial de nome “Rodapé” que, na Rua do Salitre, em Lisboa, vendia móveis e antiguidades.

 

Na Madeira, em 1972, Maria Mendonça comprou o estúdio de uma família de fotógrafos que em 1979 foi adquirido pelo Governo Regional da Madeira que, em 1982,  o transformou no Museu Vicentes.

 

No quintal do estúdio referido, localizado na Rua da Carreira, durante alguns anos funcionou o restaurante-esplanada “O Pátio”, onde Maria Mendonça promoveu encontros literários e tertúlias que contaram com a presença de algumas personalidades da oposição ao regime político da altura, não agradando à Censura e à PIDE, como a escritora Maria Lamas que era próxima do Partido Comunista Português ao qual aderiu depois de 25 de Abril de 1974, e da escritora  Etelvina Lopes de Almeida, colaboradora de Maria Lamas em alguns projetos, opositora ao Estado Novo que mais tarde foi deputada na Assembleia Constituinte e na Assembleia da República pelo Partido Socialista.

 

Sobre o papel de Maria Mendonça na promoção da literatura e dos livros, Thierry Proença dos Santos escreveu o seguinte: “Depois de realizada a “Semana do livro Açoriano”, no Funchal, em 1951, pelo impulso de Rogério Correia e de Maria Mendonça, os mesmos organizam a “Semana do Livro Madeirense”, em 1953. É também nesse período que é criada a primeira Casa Editora na Madeira, a “Eco do Funchal” por iniciativa da açoriana Maria Mendonça. A mesma agente ergue em Lisboa, em 1954, aquando da 24.ª Feira do Livro, o pavilhão do “Livro Insular” que ocupou lugar de destaque”.

 

Autora de várias obras, destacamos “A Madeira Vista por Intelectuais e Artistas Portugueses”, de 1954, e “Férias nos Açores- Ligeiros Apontamentos”, sem data, “A Personalidade Multifacetada do Jornalista Manuel Inácio de Melo”, de 1984, e “Os Açores através da Saudade”, de 1991,

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32257, 14 de outubro de 2020, p.17)

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

O Jardim António Borges ontem e hoje

 


Com os pés na terra (473)

O Jardim António Borges ontem e hoje

Em textos anteriores sobre o Jardim António Borges tenho escrito sobre o papel do Padre Manuel Vicente na sua recuperação em 1922.  Por esclarecer, está ainda o papel que desempenharam na altura o mestre Manuel de Oliveira (Panela) e seus irmãos.

 

Hoje, volto a escrever sobre o mesmo espaço verde, referindo algumas alterações nele introduzidas que mereceram a minha oposição no passado e no final apresento algumas sugestões para a dinamização do mesmo, nomeadamente por parte das escolas que lhe ficam próximas.

 

Um desdobrável editado recentemente informa que a Câmara Municipal de Ponta Delgada, em 1968-70, construiu um aviário, um recinto para macacos e uma cerca para uma zebra.

 

Após uma consulta ao meu arquivo, recordei que 10 anos depois a Câmara Municipal de Ponta Delgada, pretendeu (não recordo se o fez) ampliar as referidas instalações. Na ocasião manifestei a minha oposição, publicada no Correio dos Açores, de 23 de janeiro de 1987, nos seguintes termos: “ A ideia do senhor Presidente da Câmara de Ponta Delgada de “encher” o Jardim António Borges de diversas espécies animais com o objetivo de constituir um polo de atração para a população citadina, que passava a frequentar, com mais assiduidade, aquela zona verde e a gozar os benefícios daí advindos, foi colhida sem aparente oposição no meio local”.

 

No mesmo texto, depois de ter apresentado várias razões para a não manutenção de animais selvagens em cativeiro, defendi que “o Jardim António Borges deveria sofrer todos os melhoramentos possíveis e continuar, como até aqui, como Jardim Botânico. Basta o “espetáculo” degradante que nos é dado pelos “reclusos” que já lá estão.”

 

Em 1999, finalmente a Câmara Municipal de Ponta Delgada, através do vereador Melo Medeiros, numa reportagem publicada no Diário dos Açores, no dia 9 de julho, deu a conhecer que “as principais preocupações da atual vereação em relação a esses espaços verdes [Jardim António Borges, Jardim Antero de Quental, Jardim Padre Sena Freitas e Relvão] são a sua conservação, embelezamento, dignificação e segurança” e  reconheceu “que no passado foram introduzidos elementos estranhos e incompatíveis com a natureza do Jardim António Borges, como a de animais de grande porte” e “o parque infantil”. Na mesma reportagem, o vereador Melo Medeiros garantiu a manutenção do parque infantil “por razões sentimentais, por servir de espaço de divertimento a muitas gerações”.

 

Hoje, o parque infantil continua a ser uma das principais razões para a presença de pessoas no Jardim e por isso a sua manutenção em boas condições é fundamental, pois quanto maior for a presença humana menos espaço há para o vandalismo.

 

Imprescindível é também a tomada de medidas para a dinamização de atividades no jardim, como a realização de “peddy papers”, exposições temporárias ou permanentes, sessões para crianças e jovens, tendo como instalações as do antigo reservatório de água/cisterna que não estão a ser devidamente aproveitadas.

 

Por último, há que envolver as escolas localizadas nas proximidades, algumas das quais ostentam a Bandeira Verde do Projeto Eco-Escolas.

 

Para estas, não menosprezando as ideias dos seus docentes e alunos, sugiro a implementação de um projeto intitulado “Adote uma árvore” que poderia ter como objetivos gerais, entre outros, os seguintes: conhecer a importância das árvores para os ecossistemas e para a vida na Terra e colaborar no esforço de valorização dos espaços verdes da cidade.

 

Como tarefas a realizar, apresento as seguintes sugestões: a seleção de uma árvore e a localização num mapa do jardim, a criação de um “herbário” coletivo com as folhas das várias árvores escolhidas pelos alunos, a fotografia ou o desenho da árvore em diferentes estações do ano, a realização de uma pesquisa sobre cada planta que inclua a sua designação científica, o nome comum, a sua origem geográfica e a sua utilização.

 

Os trabalhos dos alunos, sob a forma de textos, cartazes, pequenas apresentações em “powerpoint” ou filmes, deverão ser sempre apresentados à comunidade, na escola ou no próprio jardim.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32252, 8 de outubro de 2020, p. 17)