quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Dr. Lúcio Miranda


Sobre o Dr. Lúcio de Miranda

O Dr. Lúcio de Miranda, natural de Goa, foi professor de matemática no Liceu de Ponta Delgada. Foi casado com a senhora Fedora de Miranda, que foi presidente da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, após a morte de Alice Moderno, e foi pai de Sacuntala de Miranda, historiadora e militante política antifascista.

Em 1954, fruto da pressão exercida por Salazar para que por todo o país as mais diversas entidades manifestassem o seu repúdio pelo movimento gandhista que pretendia libertar os territórios ocupados por Portugal na Índia, o Dr. Lúcio de Miranda que desde muito novo era admirador de Gandhi, viu-se forçado a pedir a demissão de professor e a partir para Inglaterra, onde acabou por falecer em 1962.

Sobre o perfil de Gandhi, o Dr. Lúcio Miranda escreveu: “Aquela figura grotesca que tombou para sempre, varada pelas balas assassinas de um fanático, era o símbolo vivo da bondade e modelo de coerência do espírito, num mundo varrido pelos ventos desvairados da insânia” e acrescentou: “A sua palavra, calma e serena, galvanizava milhões de homens e pregava o evangelho da resistência não violenta contra a injustiça humana. No seu coração de oiro ardia a chama criadora de um culto diáfano da Verdade. E do seu corpo, débil e franzino, irradiava uma aura de imenso prestígio moral, reflexo de uma vida longa de pureza e sacrifício, inteiramente devotada ao serviço da pátria e dos humildes, com os olhos fixos num ideal de paz e liberdade”.

Bruno da Ponte, no livro “A oposição ao salazarismo em São Miguel e em outras ilhas açorianas (1950-1974)”ao referir-se ao Dr. Lúcio Miranda menciona a sua “personalidade marcante por causa da sua postura ética muito particular e das suas referências culturais diferentes das que eram habituais na sociedade açoriana”.

Em 1945 por iniciativa do Dr. Lúcio Miranda foi fundado o “Centro de Estudos de Matemática e Física do Liceu Nacional de Antero de Quental” que teve como fim “proceder a uma revisão sistemática da Matemática e da Física Clássicas, como base indispensáveis a quem quiser entrar no estudo da Ciência Moderna”. De acordo com uma nota publicada na revista Insulana, do Instituto Cultural de Ponta Delgada, o referido Centro funcionaria através de “conferências semanais, sob a forma de lições criticadas”, permitindo “um trabalho de conjunto, mais eficaz do que qualquer estudo isolado, dada a grande extensão daquelas ciências”.

Portador de uma cultura muito vasta, o Dr. Lúcio Miranda era conferencista em várias sessões não só sobre temas diretamente relacionados com a sua formação universitária, mas também sobre temas muito diversos de que é exemplo uma conferência que proferiu na Academia Musical de Ponta Delgada, em 1948, intitulada “O Romance de Chopin”.

Numa altura em que o Governo Regional dos Açores anda obcecado com os números do (falso) sucesso e estabelece metas para as escolas, que é uma maneira disfarçada de pressionar os docentes para exigirem cada vez menos, sobretudo nos primeiros anos, seria aconselhável a leitura de um texto da autoria do Dr. Lúcio Miranda publicado no Correio dos Açores, onde a dado passo ele escreveu: “ Em primeiro lugar, parece-nos ser absolutamente necessário que o professor abandone toda a atitude de exagerada benevolência, que, em vez de beneficiar o aluno só o prejudica, incutindo-lhe uma falsa consciência de si mesmo, cujos resultados são em regra contraproducentes”.

Sobre o terror que é para muitos alunos a disciplina de Matemática o Dr. Lúcio de Miranda proferiu uma oração de “sapientia” intitulada “O encanto das Matemáticas” na abertura solene das aulas do Liceu Antero de Quental que foi transcrita na íntegra no Correio dos Açores de 8 de outubro de 1932.

No final do texto que merecia ser reproduzido na íntegra, o Dr. Lúcio Miranda escreveu que pretendeu “contradizer a opinião corrente de que o mundo dos números é árido e obscuro, eriçado de dificuldades e destituído de atrativos” e por último, dirigindo-se aos alunos afirmou: “Não sei se V.V. acreditaram nos encantos que acabei de descrever. Se não acreditaram, estudem a Matemática e verão que laboraram num erro; e se acreditaram, estudem a Matemática para verem quanto ela encerra de Perfeição, de Harmonia e de Beleza”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30820, 30 de dezembro de 2015, p.10)


terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Sobre o “canil” de Vila Franca do Campo



Sobre o “canil” de Vila Franca do Campo


“O grau de civilização de uma sociedade pode ser medido pela forma como trata os seus animais” (Ghandi)

Se é verdade que não adianta chorar sobre o leite derramado, não é menos certo que devemos tirar lições dos erros cometidos, no passado, e isto só pode acontecer se os conhecermos e sem preconceitos refletirmos sobre os mesmos, sem qualquer necessidade de cruxificarmos os envolvidos.

Vem esta introdução a propósito da situação desumana e terceiro-mundista existente, até há pouco tempo, em Vila Franca do Campo, relativamente aos animais de companhia, mais concretamente aos cães.

Como era do conhecimento geral, em Vila Franca do Campo existia um espaço, sem quaisquer condições, que para os responsáveis não era um canil mas que na realidade funcionava como canil de abate.

Uma pessoa que conhecia bem o local, pois visitava-o com muita frequência para salvar animais, denunciou o facilitismo com que eram recebidos os animais sem qualquer penalização para os donos e a situação degradante em que esperavam a morte certa que se traduzia na sua colocação em cubículos minúsculos, por vezes mais do que um e o facto de viverem durante muito tempo sobre as próprias fezes.

Em 2011, o deputado da Assembleia da República do CDS-PP, João Rebelo, questionou as 308 Câmaras Municipais existentes em Portugal, perguntadno se as mesmas possuíam canis, qual a lotação das instalações, quanto tempo é que os animais ficavam nos canis, qual a percentagem de animais que acabavam por ser adotados, quantos regressavam aos seus donos, etc.

Tivemos acesso às respostas de várias autarquias, umas mais pormenorizadas, demonstrando transparência e preocupação com a situação que tinha tendência a agravar-se, pois os abandonos estavam a crescer ano após ano e outras nem tanto, procurando tapar o sol com uma peneira.

No caso de Vila Franca do Campo, a resposta da autarquia, datada de 12 de agosto de 2011, assinada pelo seu presidente, foi bastante elucidativa do modo como as questões do bem-estar animal eram tidas em consideração na altura.

Para memória futura, transcreve-se na íntegra o texto enviado, ao deputado João Rebelo, pela Câmara Municipal de Vila Franca do Campo:

“Em resposta ao vosso ofício, tenho a honra de comunicar a Vexas que este Município nunca teve nenhum gatil ou canil”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30819, 29 de dezembro de 2015, p.13)

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O percurso pedestre Poços- Calhetas


O percurso pedestre Poços- Calhetas

No passado dia 8 de dezembro tivemos a oportunidade de, na companhia de mais cinco pessoas, voltar a fazer o percurso pedestre entre a zona Balnear dos Poços, na freguesia de São Vicente Ferreira, e a Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, na freguesia das Calhetas.

O trilho mencionado é plano, possui uma extensão de pouco mais de 6 km e, sem paragens, pode ser feito em aproximadamente duas horas. Assim sendo, é recomendado a todas as pessoas das mais diversas idades, não exigindo preparação física especial. Pela diversidade da paisagem, da flora e de elementos geológicos, também recomendamos a grupos escolares.

Nos Poços localizou-se a única fábrica de transformação de cetáceos da ilha de São Miguel, construída em 1934, que, em virtude do desleixo de quem devia zelar pela memória dos nossos antepassados e pelo património industrial da região, foi deixada cair, restando apenas uma chaminé.

A atividade baleeira ter-se-á iniciado, em São Miguel, no final da década de 80 do século XIX. Com efeito, em 1885 chegaram a esta ilha, provenientes do Faial, dois botes baleeiros e, no ano seguinte já se caçava nos quatro portos da costa norte e em Vila Franca do Campo.

Nos Poços há também o que resta de um moinho de vento, construído nos finais do século XIX e que pertenceu ao Eng. Santos Simões, que o adquiriu aquando da sua permanência em São Miguel e onde escreveu o seu monumental livro Azulejaria nos Açores e na Madeira, editado pela Fundação Calouste Gulbenkian, em 1963.

Entre a localidade dos Poços e a freguesia dos Fenais da Luz é possível encontrar, entre outras, as seguintes espécies da flora dos Açores: diabelha (Plantago coronopus), vidália (Azorina vidalii), tintureira (Phytolacca americana), usai-dela (Chenopodium ambrosoides) murta (Myrtus communis) e feto marítimo (Asplenium marinum). Também, entre as duas localidades, é possível encontrar algumas rilheira, sulcos deixados pelas rodas das carroças e carros de bois no basalto, que são a memória de um tempo em que o esforço humano e dos animais de tiro eram descomunais.

Uma nota digna de registo é a presença de algumas vidálias em flor no mês de dezembro, quando a bibliografia em geral aponta o período de floração entre abril e setembro.

Já nos Fenais da Luz, chamamos a atenção para o local designado por Buraco de São Pedro, de onde se pode observar a linha da costa que vai desde a Ponta da Agulha até à Ponta do Cintrão. Na paisagem, a Sul, sobressaem os cones de escórias do Complexo Vulcânico dos Picos.

O Morro de São Pedro, foi descrito por Gaspar Fructuoso, nas Saudades da Terra, do seguinte modo: “... de calhau e biscoito, que todo se corre, (onde pescam também de tarrafa e de cana), sai pouco ao mar uma ponta de terra, mais grossa que a outra chã, que se chama o Morro de Jácome Dias Raposo, por ser seu, onde está uma ermida de S. Pedro, que ali mandou fazer o mesmo Jácome Dias, homem nobre e poderoso ...”.

Tanto no Morro de São Pedro como ao longo do percurso é possível observar algumas espécies da nossa avifauna, com destaque para o pombo da rocha (Columba livia atlantis), o pardal (Passer domesticus), o canário da terra (Serinus canaria), a gaivota (Larus cachinnans), o garajau comum (Sterna hirundo), o milhafre (Buteo buteo rothschildi) e o estrorninho (Sturnus vulgaris).

O percurso termina junto à igreja paroquial das Calhetas, a mais pequena e a menos populosa freguesia do concelho da Ribeira Grande, depois de termos caminhado sempre junto à costa, onde há a possibilidade de ver as bonitas piscinas naturais bem como os efeitos da erosão que afetam aquela freguesia

Ao longo do percurso, infelizmente, ainda se podem encontrar pequenos focos de lixos, com destaque para resíduos de construção e demolição perto do Buraco de São Pedro e resíduos domésticos na zona habitacional dos Fenais da Luz.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30815, 23 de dezembro de 2015, p.11)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O Padre Ernesto Ferreira e os animais


O Padre Ernesto Ferreira e os animais

O Padre Manuel Ernesto Ferreira nasceu, em Vila Franca do Campo, a 28 de março de 1880 e faleceu na mesma localidade a 4 de janeiro de 1943.

Para além das atividades a que estava obrigado como sacerdote, primeiro nas Furnas e depois em Vila Franca do Campo, toda a sua vida foi dedicada ao jornalismo, ao ensino e ao estudo.

De acordo com o tenente-coronel José Agostinho, o seu campo de estudo foi “principalmente, a Ilha de S. Miguel, onde a natureza é pródiga em manifestações que prendem os sábios, e a vida assume aspetos que empolgam e fascinam - tanto a vida animal e vegetal, como a vida, muito mais interessante, dos seres humanos. A geologia, a botânica, a zoologia, mereciam por igual a sua atenção, a par da etnografia e da geografia humana.”

O seu trabalho foi elogiado por diversas personalidades, tendo a vila-franquense Dra. Lúcia Costa Melo escrito o seguinte: “A sua valiosíssima obra científica é um marco que nenhum investigador pode ignorar.”

De entre o muito que escreveu, destaco dois textos: “A viagem nupcial dos “eirós” dos Açores” que foi publicado no primeiro número da revista “Açoreana”, em 1934, e “The Gender Puffinus in the Azorean Islands”, em 1938, impresso em Vila Franca do Campo na tipografia do jornal “O Autonómico”. Dado o interesse do trabalho, uma tradução do mesmo foi publicada, em 1996, pela associação Amigos dos Açores, com uma nota explicativa da autoria do coronel António José Mello Machado

No seu livro “A Alma do Povo Micaelense”, reeditado em 1993, pela “Editorial Ilha Nova”, da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, os leitores poderão encontrar um interessante texto intitulado “Os animais na tradição”, onde o autor depois de chamar a atenção para a importância dos animais, apresenta algumas “graciosas lendas ou estultas crendices que apesar de absurdas, têm muito valor para a determinação das origens étnicas do povo.”

Para aguçar o apetite, terminamos o texto apresentando algumas relacionadas com as aves, as quais segundo o Padre Ernesto Ferreira “quebram a monotonia dos ares com curvas airosas de seus voos e a solidão das serras com a música dos seus gorjeios.”

Aqui vão elas:
- Galinha a espiolhar-se é sinal de chuva;
- O pio da coruja e o da cagarra, por cima de uma casa, prognostica morte próxima;
- O papinho (sant’antoninho) quando poisa perto de uma pessoa é sinal de boas notícias para esta.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30814, 22 de dezembro de 2015, p.14)

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Notas sobre ouriços-cacheiros


Notas sobre ouriços-cacheiros

Em 1949, o tenente-coronel José Agostinho escreveu que os Açores “não receberam do Criador o castigo de quaisquer espécies de animais nocivas” e quando começaram a ser povoados não existiam animais prejudiciais ao homem.

Com o decorrer dos tempos voluntária ou involuntariamente, com consciência do ato ou “por falta de cuidados e precauções, muitas espécies tanto animais como vegetais têm sido introduzidas. Se algumas têm sido prejudiciais a quem cá vivia, na altura José Agostinho deu o exemplo dos ratos e da mosca inglesa, outras não têm causado qualquer dano ou poderão ser consideradas úteis, como será o caso do ouriço-cacheiro.

Sobre a sua introdução nos Açores temos poucas informações disponíveis. Com efeito apenas conhecemos dois textos em que o assunto é abordado, um publicado no jornal Correio dos Açores e outro no jornal “A União”.

Segundo o jornal Correio dos Açores de 21 de Julho de 1939, a introdução do ouriço-cacheiro na ilha de São Miguel foi voluntária, mas a sua disseminação pela ilha é que não, pois apesar de “inofensivos e tímidos, pouco dados a afoutezas românticas” aquela só aconteceu depois de “meia dúzia” deles se terem escapado “do Relvão há cerca de 15 anos”, portanto por volta de 1914.

Sobre a introdução na ilha Terceira, num texto publicado a 29 de outubro de 1975, o engenheiro Fernando Cordeniz Fagundes escreveu: “o ouriço-cacheiro foi introduzido nesta ilha de longa data e fixado, sobretudo nas zonas de Pico da Urze, S. Carlos, Terra Chã e Bicas”.

Injustamente considerados nocivos para o homem, entre nós, os ouriços-cacheiros foram desde sempre perseguidos e mortos, a golpe de foice ou de sacho, à paulada ou atropelados pelos veículos motorizados. Sobre isto, Fernando Fagundes escreveu: “Pelo que nos foi dado concluir, abeiramo-nos de uma insensatez, considerada involuntária por desconhecimento, dos condutores de veículos automóveis que, por os julgarem animais nocivos, propositadamente tentam e quase sempre conseguem, a sua destruição.

A importância do ouriço-cacheiro na agricultura é enorme, embora seja menosprezada pois está ativo de noite, não sendo portanto observada. De acordo com o livro “As Bases da Agricultura Biológica- Tomo I- Produção Vegetal”, editado em 2012 pela EdiBio, Edições, Lda, o ouriço-cacheiro come grande variedade de insetos, grande quantidade de moluscos e também se alimenta de ratos.

Alice Moderno (1867-1946) também se interessou pela situação dos ouriços-cacheiros e para evitar que os mesmos fossem mortos, em 1940, publicou um anúncio no Correio dos Açores, onde manifestou o interesse em os comprar, tendo aparecido pouco depois um indivíduo com dois que ela comprou e soltou no seu jardim.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30808, 15 de dezembro de 2015, p.14)

Mudar de sistema não de clima


Clima: Vinte anos a empurrar com a barriga?

As preocupações com as alterações climáticas terão começado com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro.

Na referida conferência, os responsáveis políticos admitiram que era urgente alterar o modo como era até então encarada a relação do homem com o planeta e que era importante conciliar o desenvolvimento socioeconómico com os recursos finitos da Terra. Também foi reconhecido que o estilo de vida consumista do mundo ocidental, baseado na sobre-exploração dos recursos naturais e no uso dos combustíveis fósseis, estava a alterar o clima.

Em 1995, reuniu pela primeira vez em Berlim, a COP- Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre alterações climáticas, onde teve inicio a negociação de metas e prazos para a redução da emissão de gases com efeito de estufa.

Desde aquela data até hoje, anualmente o clima está (ou devia estar?) na agenda das “preocupações” dos líderes mundiais.

Este ano, tal como tem acontecido em anos anteriores, os acordos alcançados têm sido considerados para uns como a salvação do planeta e para outros, mais pessimistas ou mais realistas, como insatisfatórios.

De entre as organizações insatisfeitas com os resultados da Conferência de Paris, refiro os “Ecologistas en Accion” (Ecologistas em Ação), uma confederação de mais de 300 grupos ecologistas espanhóis defensora do ecologismo social, que entende que os problemas ambientais são originados pelo modelo atual de produção e consumo. Segundo eles, o acordo alcançado foi “dececionante que ignora os cidadãos”.

Para além de dececionante, segundo os Ecologistas em Ação, o acordo também é insuficiente por não apresentar as ferramentas necessárias para combater com eficácia o aquecimento global. Segundo a mesma organização, perdeu-se uma oportunidade de reforçar e internacionalizar uma mudança de modelo baseado no uso das energias renováveis, que mantenha no subsolo 80% dos recursos fósseis, detenha a indústria extrativa e se ajuste aos limites do planeta. Pelo contrário, optou-se pela consagração da mercantilização do clima e pelas “falsas soluções”.

Ainda segundo a mesma fonte, que estamos a citar, o texto adotado é perigosamente vago e aberto, onde os compromissos para a redução de emissões não são vinculantes. Além disso, a meta da descarbonização das economias acabou por ser transformada numa vaga referência, onde se dá primazia à compensação das emissões com efeito de estufa em vez de se apostar claramente na sua redução significativa que só é possível através da alteração da forma de produzir e de consumir.

Para os Ecologistas em Ação não há razões para os cidadãos ficarem de braços cruzados, pois se se fechou uma janela a porta da cidadania, está mais aberta do que nunca. Assim, segundo eles há que implementar e divulgar ao máximo experiências como a agroecologia, a soberania alimentar, a mobilidade sustentável, etc.

Sobre as falsas soluções para o clima, outras organizações já se pronunciaram contra a falácia da energia nuclear como alternativa aos combustíveis fósseis e contra o “financiamento climático para a incineração”, pois consideram que se trata de uma energia suja que contribui para o efeito de estufa e para a contaminação do ar.

Outras organizações consideram que o acordo alcançado não passou de um rol de boas intenções, pois não é possível reduzir as emissões sem por em causa a essência do capitalismo já que ele, dizendo-se de estado ou liberal, é o verdadeiro responsável pela crise global que afeta todo o planeta.

Termino, referindo que “mudar o sistema, não o clima” tem de deixar de ser apenas um “slogan” e passar a ação e, embora ache que é sempre possível mudar de opinião, recordo uma frase de Albert Einstein: “Nenhum problema pode ser resolvido pela mesma consciência que o criou”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30809,16 de dezembro de 2015,p. 14)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

SOS eucalipto-limão de Vila Franca


A 18 de junho de 2014, num texto intitulado Jardins de Vila Franca do Campo, chamei a atenção para o estado de alguma degradação em que se encontravam os jardins Antero de Quental e Dr. António da Silva Cabral, que se traduzia, sobretudo, na existência de placas identificativas sem planta associada, a presença de plantas sem os azulejos com a identificação, a plantação de espécies em locais inapropriados e sinais de algumas podas mal executadas.

Hoje, apenas irei fazer referência ao Jardim Dr. António da Silva Cabral, localizado em frente à Igreja dos Frades que deve o seu nome ao presidente da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo que “revolucionou” o concelho, tendo sido ele o responsável por muitos melhoramentos, com destaque para o traçado da entrada poente da Vila, com a Avenida da Liberdade e o Jardim, o mercado de peixe, o cemitério e a primeira instalação da luz elétrica pública nos Açores.

Das várias espécies presentes nesse jardim, distingue-se pelo seu porte monumental o eucalipto-limão (Corymbia citriodora) que infelizmente se encontra doente, precisando de ser devidamente tratado para que a incúria humana não seja responsável pelo seu desaparecimento prematuro.

Originário de regiões de clima temperado e subtropical do nordeste da Austrália, o eucalipto-limão encontra-se hoje espalhado pelas mais diversas regiões do mundo, estando presente em África, no Brasil, na China, na Índia, nos Estados Unidos e em Portugal, onde a sua presença é residual e quase circunscrita a jardins.

Não sabemos quem terá fornecido o eucalipto-limão à Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, nem temos dados suficientes para apontar o nome de José do Canto como o introdutor da espécie na ilha de São Miguel. Contudo, sabe-se que José do Canto plantou-o no seu jardim, em Ponta Delgada, em 1867, vindo de França.
O eucalipto-limão adaptou-se bem, em São Miguel, de modo que em 1868 já fazia parte de uma listagem de plantas existentes no Jardim José do Canto para doação ou permuta. Esta questão suscita-nos uma interrogação: por que razão hoje o eucalipto-limão quase desapareceu em São Miguel?

O eucalipto-limão também conhecido por eucalipto-cheiroso é uma árvore de médio a grande porte, podendo atingir, atendendo às condições dos solos e climas, 50 metros de altura e 1,2 m de diâmetro à altura do peito, apresentando uma folhagem rala, com folhas estreitas e com um forte aroma a limão, daí uma das suas designações comuns.

A sua madeira, dura mas fácil de trabalhar, é muito utilizada na construção civil, no fabrico de móveis, na arborização de caminhos e estradas em áreas rurais, como combustível e no fabrico de carvão. As suas flores são melíferas e o óleo essencial dele extraído tem muito interesse em virtude de possuir um teor elevado em citronedal que é utilizado, tanto em perfumaria como repelente de insetos.

Para além do tratamento adequado que merece o eucalipto-limão, consideramos que à semelhança de outros exemplares existentes na Região Autónoma dos Açores, é urgente a sua classificação em virtude do seu porte e raridade e por constituir um monumento vivo que enriquece o património natural e paisagístico de Vila Franca do Campo.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30804, 10 de dezembro de 2015, p.15)

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Os animais também sentem


Os animais também sentem

Numa parceria entre duas direções regionais, a da Educação e a da Agricultura, em boa hora foi lançado o concurso escolar “Os animais também sentem” que se vai desenvolver no âmbito do Plano Regional de Leitura e da Campanha contra o abandono dos animais.

Destinado a alunos do 4º ano do ensino básico dos Açores, o concurso tem, entre outros, os seguintes objetivos:
- Sensibilizar os alunos para a defesa dos direitos dos animais e o combate ao abandono e a todas as formas de maus-tratos;
- Promover competências de literacia de leitura e de escrita;
- Fomentar o desenvolvimento de uma cidadania regional e local;
- Sensibilizar para a importância do tratamento digno devido aos animais;
- Divulgar e partilhar com a comunidade educativa os recursos educativos desenvolvidos nas várias escolas.

Embora esteja subentendida a abertura a “todas as formas de maus tratos”, os temas do concurso estão dirigidos para os animais de companhia, nomeadamente para as questões do abandono e das adoções responsáveis, como se pode concluir do seguinte texto do regulamento:

“… Adotar um animal implica estabelecer uma relação duradoira de cumplicidade e satisfação das necessidades do animal. Os cuidados que um bicho requer - alimentação adequada, consultas ao veterinário, passeios e carinho -, significam tempo, dedicação e investimento financeiro. Muitas vezes as pessoas cativam-se com a graciosidade dos filhotes e não se dão conta de que eles crescerão, tornando-se, para alguns, menos atrativos e até um fardo.

Do mesmo modo, e no momento da adoção, as pessoas ignoram o tempo de vida do animal - cerca de 12 anos para cães e 20 anos para gatos. Com o passar do tempo, e o avolumar dos problemas, a tentação de abandonar o animal à sua sorte aumenta. Os trabalhos devem, portanto, promover pelo menos uma destas questões: a adoção responsável, o combate ao abandono dos animais e /ou a todas as formas de maus tratos.

Infelizmente, a oportunidade poderia ter sido aproveitada para uma campanha que abrangesse um leque mais alargado de situações de que são vítimas outros animais e não apenas os de companhia. Assim, seria de todo o interesse chamar a atenção para o sofrimento de alguns animais ditos de produção, como bovinos que vivem parte do ano na lama, em algumas explorações pecuárias, os cavalos famintos e maltratados, os bovinos que são torturados nas diversas modalidades tauromáquicas, com destaque para as ferras desnecessárias, as cruéis tentas e as touradas de praça, que alguns insistem em chamar tauromaquia artística, os animais selvagens enjaulados em parques zoológicos, etc.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30803, 8 de dezembro de 2015, p. 14)

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Plátanos, podas e afins



Plátanos, podas e afins

Este ano está a terminar e já começaram as podas de várias árvores pelas mais diversas razões, de que se destacam a segurança das viaturas e seus ocupantes, para evitar trabalhos com a limpeza das folhas, embora abunde a mão-de-obra, para ocupar a mão-de-obra que nada mais tem para fazer e, por último, porque sempre se fizeram.

A falta de preparação de alguns podadores, associada à insensibilidade de quem os dirige, levou a que trabalhos tecnicamente mal feitos fossem transformados em modelos a seguir ou tradição arraigada que dificilmente será mandada para as urtigas, nem mesmo quando das ditas podas resulta aberrações que ferem a vista e fazem doer o coração dos mais sensíveis ou sensatos.

A denúncia dos atentados ao bom senso e ao bom gosto e à paisagem perpetrados contra as árvores não tem surtido qualquer efeito e tem vindo a repetir-se, ano após ano, não sabemos desde quando e até quando.

Depois desta introdução que já vai longa, no restante espaço que me é disponibilizado irei dar a conhecer o debate que ocorreu acerca do embelezamento das nossas estradas em 1953, ano em que pelos vistos já existiam podadores podões.

No mês de Abril de 1953, um colaborador do Correio dos Açores, num texto intitulado “O embelezamento das estradas de turismo”, defendeu que devido às grandes manadas de gado as estradas não poderiam ser ajardinadas com plantas de pequeno porte, frágeis e de crescimento lento e que “o atraso de educação do nosso povo, criado sem o exemplo e sem a noção do respeito devido às plantas e às flores, torna quase impossível a defesa de todas as espécies, que se não defendam por si próprias, crescendo e tornando-se depressa duras ao corte e ao arranque”.

Hoje, através das observações que temos feito e que são do conhecimento público, por mais projetos para o sucesso escolar que se implementem, a deseducação que vem do berço e que a escola não colmata por mais que se esforce, facilmente se chega à conclusão de que as vacas são mais respeitadoras do património que é de todos do que muitos humanos que continuam a roubar pequenas plantas e a partir árvores, algumas das quais localizadas em frente às suas portas para aumentar a área de estacionamento disponível.

O autor referido também manifestou a sua discordância com o uso de algumas espécies que não se adaptaram ao regime de ventos fortes e ao rocio do mar e que depois acabaram por ser substituídas por plátanos. Além disso, também, condenou a mutilação dos plátanos que eram, e pelos vistos continuam a ser, podados “barbaramente” ou mesmo arrancados para plantação de “flores e arbustos numa terra, onde nem na cidade, se cuida sempre dos recantos ajardinados”.

No mês de maio, do mesmo ano, outro colaborador do Correio dos Açores escreveu sobre o embelezamento das estradas, nos seguintes termos: “não sou “contra” o plátano nas estradas. Mas também não sou só pelo plátano; “nem sempre galinha”!”

Este último colaborador não se ficou pela defesa da diversidade, tendo apresentado algumas sugestões de plantas a serem usadas, como ulmeiros, eucaliptos, castanheiros, vulgares ou da Índia, carvalhos, nogueiras, tílias, ligustros, faias, cedros, freixos, azinheiras e cameleiras.

Para acompanhar as árvores e para evitar a monotonia, a sua sugestão era a de alternar as hortênsias com outras plantas de menor porte, como primaveras, azáleas, rododendros, sabugueiros, dálias, boninas, jarros, cravos da Boa Esperança e pervincas.

Concluo, afirmando que, apesar de todo o conhecimento que se adquiriu desde então até agora, nunca é tempo perdido conhecer o que pensava quem viveu antes de nós e que desinteressadamente deu o seu contributo para que a nossa terra fosse melhor.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30799, 2 de dezembro de 2015, p.15)

Sobre golfinhos


A propósito de golfinhos

No passado mês de Outubro, a comunicação social deu a conhecer que o pioneiro na observação de cetáceos nos Açores, Serge Viallelle, havia decidido que a sua empresa sediada no Pico iria acabar com a prática da natação dos seus clientes com os golfinhos.

Na ocasião, Serge Viallelle denunciou que diversas empresas de observação de cetáceos não cumprem a legislação em vigor e que as autoridades que tutelam a atividade não fazem qualquer fiscalização no mar.

A louvável decisão de Serge Viallelle, que terá sido bem acolhida por alguns dos seus clientes estrangeiros, surge numa altura em que algumas organizações internacionais, como a Fundação FAADA criou uma campanha que tem como objetivos, entre outros, expor as problemáticas relacionadas com o uso de animais no setor turístico e que pretende oferecer alternativas éticas para turistas e profissionais do sector que queiram melhor conhecer os animais de forma responsável.

Longe vão os tempos em que alguns deputados regionais, sempre a tentar impedir o progresso civilizacional, não mexiam uma palha para acabar com a caça de que eram alvo os golfinhos, quando não arranjavam argumentos para que aquela se perpetuasse.

Dos grupos que se reclamavam da defesa do ambiente, lembro-me de terem levantado a sua voz pelo fim da caça o grupo “Luta Ecológica”, da ilha Terceira, o Grupo de Ecologistas de Santa Maria, o Núcleo Português de Estudos e Proteção da Vida Selvagem- Delegação dos Açores, sediado em Vila Franca do Campo e os Amigos da Terra (hoje Amigos dos Açores).

No caso dos Amigos dos Açores, recordo-me da edição de um desdobrável com informação sobre golfinhos e de uma brochura destinada às crianças, com textos da doutora Leonor Galhardo, com várias edições, que no total terão atingido mais de dez mil exemplares.

Fora do fraquíssimo movimento de proteção do ambiente, poucas, muito poucas, pessoas tiveram a coragem de dar a cara pelo fim do abate injustificado de golfinhos para a alimentação humana. De entre estas vozes que defenderam a evolução, recordo-me a do Dr. Luís Miguel R. Martins que escreveu um texto intitulado “Baleias e golfinhos, morte certa?”, publicado no jornal “A Ilha”, no dia 25 de junho de 1984.

No seu artigo, que também abordava a caça ao cachalote, o Dr. Luís Rodrigues a dado passo escreveu: “acho ser demasiado perigoso isto sob uma perspectiva política, pôr-se os problemas referentes ao património natural da região numa concepção económica, pois não é autorizando o massacre de alguns golfinhos que se vai pensar em solucionar os problemas económicos e sociais dos pescadores”.

Infelizmente a lógica dos decisores políticos de hoje continua a ser a mesma, isto é, tudo o que não se traduza em euros de nada vale.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30798, 1 de dezembro de 2015, p.16)

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Rómulo de Carvalho/António Gedeão



Rómulo de Carvalho, a Cultura Científica e a Poesia

Ontem, 24 de novembro, passou quase despercebido, entre nós, a comemoração do Dia Nacional da Cultura Científica, instituído para celebrar o nascimento de Rómulo de Carvalho (24 de novembro de 1906-19 de fevereiro de 1977) e homenagear o seu trabalho ímpar na divulgação científica e no ensino da ciência, mais concretamente da Física e da Química.

Por ocasião do seu nonagésimo aniversário Rómulo de Carvalho/António Gedeão foi homenageado a nível nacional, tendo recebido do presidente da república, Jorge Sampaio, a Grã Cruz da Ordem Militar de Santiago e Espada e visto ser atribuído o seu nome ao laboratório de Física do Liceu Pedro Nunes, escola onde fez o seu estágio, foi professor durante 14 anos e depois professor metodólogo do grupo de Físico-Químicas.

Na ocasião e por sugestão da minha colega Maria Leonor Bastos Rego Costa, o grupo disciplinar de Física e Química da Escola Secundária das Laranjeiras enviou um cartão de aniversário, tendo Rómulo de Carvalho acusado a receção nos seguintes termos: “agradece, muito reconhecido, os parabéns que o Grupo de Físico-Químicas da Escola Secundária das Laranjeiras, em Ponta Delgada, teve a amabilidade de lhe enviar”.

Com a sua morte, em 19 de fevereiro de 1997, Rómulo de Carvalho não caiu no esquecimento, pois as suas obras, tanto na área das ciências como na da literatura, continuam a despertar a curiosidade de muitos leitores e sobre ela têm sido publicados vários trabalhos. Mas, tal como escreveu A. Nunes dos Santos, a maior homenagem que se pode fazer é: “ler e reler a sua obra, é sentir o uso, a força e a excelência da sua linguagem, as imagens claras, a alacridade às novas ideias que converterão, sem dúvida, os leitores a apaixonarem-se pela ciência.”

Para quem quiser conhecer melhor a sua biografia recomenda-se a leitura das suas “Memórias”, livro que foi editado pela Fundação Calouste Gulbenkian e cujo título completo é: “Memórias que para instrução e divertimento de seus tetranetos escreveu certa pobre criatura que, entre milhares de milhões de outras, vagueou por este mundo na última centúria do seguindo milénio da era de Nosso Senhor Jesus Cristo”.

Neste livro, Rómulo de Carvalho, com muito humor, faz uma descrição do que foi a sua longa vida de 91 anos. De entre os vários episódios que ele relata recordo-me da ironia com que escreveu sobre o PREC, tendo ao mesmo dedicado alguns exercícios/problemas de cinemática “revolucionária”.

No final do livro e da vida, Rómulo de Carvalho, alvo de uma doença que o martirizou, escreveu: “O mundo é repugnante e a vida não tem sentido. É uma luta permanente e feroz em que cada um busca a satisfação dos seus interesses exatamente como outros quaisquer seres vivos, animais ou plantas, que se espreitam e atacam”.

Sobre a relação morte/vida, também escreveu. “A vida nunca me seduziu. Entre o viver e o morrer sempre preferi morrer. Se não tivesse nascido, ninguém daria pela minha falta. Reconheço que estou a ser indelicado com todos aqueles que gostam de mim, mas peço-lhes que me desculpem. É preciso ter vocação para viver…”

Discordamos destas últimas palavras de Rómulo de Carvalho/António Gedeão, já que a sua vida e obra foi riquíssima e sem o seu contributo o nosso país seria mais pobre. Sem ele não existia o magnifico poema que abaixo transcrevo:
Lágrima de preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

Teófilo Braga


(Correio dos Açores, 30793 de 25 de novembro de 1975 p.14)

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Divergências na SMPA


Divergências na SMPA sobre a função de uma associação protetora de animais

A nota de hoje surge dada a necessidade de esclarecer que as associações protetoras dos animais agrupam pessoas com opiniões muito diversas sobre a vida em sociedade e mesmo sobre a proteção animal pelo que no seio delas a diversidade deve ser respeitada e ninguém deve submeter-se a qualquer pensamento único. Além disso, as associações não podem transformar-se em seitas, seguindo putativos “mestres”, devendo, pelo contrário, funcionar com o máximo de democraticidade interna, o que no mínimo exige a realização de assembleias gerais ordinárias anuais e extraordinárias sempre que a vida interna assim o exija.

Para além da democraticidade interna que implica a prestação de contas a todos os que de uma maneira ou outra contribuem para a manutenção das associações, não vejo qualquer problema no surgimento de mais associações ou grupos de afinidade já que assim será mais rico e diversificado o contributo para o combate para uma sociedade mais humana.

A questão sobre o que deve fazer uma associação e as divergentes respostas à mesma, não é de agora, tendo também surgido na SMPA-Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, onde apareceram duas opiniões diferentes, mas não incompatíveis, a de Alice Moderno e a do Marquês de Jácome Correia.

O senhor Marquês de Jácome Correia, tanto em alguns textos publicados no Correio dos Açores como numa reunião da direção da SMPA, defendeu que a proteção dos animais devia incidir na divulgação de práticas de preceitos higiénicos e sanitários, auxiliando assim as autoridades sanitárias locais.

Alice Moderno discordou, tendo afirmado que, embora não desmerecendo a iniciativa do Sr. Marquês de Jácome Correia, cujas qualidades ela por diversas vezes já tinha elogiado, a orientação da sociedade não poderia ser alterada sem que houvesse primeiro uma alteração dos seus estatutos.

E qual era, para Alice Moderno, a orientação da SMPA?

“Estabelecer um Posto Veterinário, para início do qual se encontram depositados 2000$00 escudos na Caixa Económica da Associação de Socorros Mútuos de Ponta Delgada, evitar que os animais domésticos sejam martirizados, desenvolver no público o sentimento da piedade para com os seres que não podem apelar para as leis que os protegem, porque não sabem falar nem escrever, deve, ser segundo o meu critério e de vários membros da Sociedade com quem tenho trocado impressões o fim da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, como é, aliás, a finalidade de todas as associações congéneres.

Apesar de ter sido escrito em 1937, continua atual.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30792, 24 de novembro de 2015, p.14)

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Assien a petição



Assine aqui: http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=tcordanaoepatrimonio


Em Defesa das Crianças, do Bem-estar Animal e dos Açores - Tourada à Corda não é Património Cultural Imaterial

Para: UNESCO, Comité dos Direitos da Criança da ONU, Parlamento Europeu, Governo dos Açores, Governo de Portugal.

Está em curso, na ilha Terceira (Açores), uma tentativa de candidatura da tourada à corda a Património Cultural Imaterial da UNESCO.

Nós, pessoas individuais e coletivas, abaixo assinadas, entendemos que a tourada à corda não pode nem é digna de figurar como Património Cultural Imaterial pelas seguintes razões:

1- É uma tradição associada à crueldade contra animais que ao contrário do que é afirmado pelos promotores, frequentemente, se traduz em ferimentos e mesmo na morte dos mesmos. Assim sendo, é contrária a vários documentos internacionais que condenam os maus tratos aos animais e colide frontalmente com os princípios definidos na Declaração Universal dos Direitos dos Animais;

2- É uma prática que anualmente é responsável pela morte de alguns participantes humanos e de uma média de cerca de trezentos feridos, alguns com bastante gravidade;

3- A presença de crianças e adolescentes como participantes ou simples assistentes nas touradas à corda contraria a recomendação, de 2014, do Comité dos Direitos da Criança da ONU, que pede para afastar as crianças da tauromaquia e que, entre outras medidas, recomenda também a promoção de campanhas de informação sobre “a violência física e mental associada à tauromaquia e ao seu impacto nas crianças”;

4- É uma atividade não consensual na sociedade açoriana, e em todo o mundo, onde parte significativa da população açoriana não só não se identifica como repudia as diversas modalidades tauromáquicas, não sendo por isso “um elemento vivificador da identidade cultural comum”.

Face ao exposto, solicitamos a intervenção das várias entidades a quem é destinada esta petição de modo a ser rejeitada qualquer proposta de candidatura sobre este assunto, bem como que desenvolvam todos os esforços no sentidos de proteger as crianças açorianas e não permitir que uma prática violenta, bárbara e anacrónica seja classificada como Património Cultural Imaterial.


Proponentes

Regionais:
CAES - Coletivo Açoriano de Ecologia Social
GCAT - Grupo Central Anti-Tourada
MATP-DA - Movimento Abolicionista da Tauromaquia de Portugal - Delegação dos Açores
MCATA - Movimento Cívico Abolicionista da Tauromaquia dos Açores

Nacionais:
ABRIGO - Associação de Proteção à Fauna e à Flora (Vale do Paraíso-Azambuja)
ADAPO - Associação de Defesa dos Animais e Plantas de Olhão
AEZA - Associação Ecologista e Zoófila de Aljezur
AGIR pelos Animais
Alaar - Associação Limiana dos Amigos dos Animais de Rua
AMIAMA - Amadora
ANIMAL
Animais de Rua
Associação AGIR pelos Animais
Associacao dos Amigos dos Animais Abandonados de Loulé
Associação Cantinho dos Animais Évora
Associação Gato de Rua
Associação Patas Errantes
Campanha Esterilização Cães e Gatos
Cedar Center for Animals
Évora Anti Tourada
Mafranimal - Associação de Ajuda Animal
MAT - Marinhenses Anti Touradas
MATP - Movimento Abolicionista da Tauromaquia de Portugal
MIAR Évora (Movimento para a Integração de Animais de Rua)
MIAT - Movimento Internacional Anti-Touradas
Quebra do Silêncio (Blogue)
Senhores Bichinhos

Internacionais:
AnimaNaturalis - Ecuador
ARCA BRASIL - Associação Humanitária de Proteção e Bem-Estar Animal
ARCA - Fundacion Protetora de Animales – Equador
Asociación Potosina por la dignidad animal A.C. (APDA) - México
CAS International (Comité Anti Stierenvechten) - Holanda
Crac Europe
Perú Antitaurino
Plataforma La Tortura no Es Cultura - Espanha


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ESPAÑOL

En Defensa de la Infancia, del Bien Estar Animal y de las Islas Azores – Toros Ensogados no son Patrimonio Cultural Inmaterial

Está en curso, en la isla Terceira (Azores), un intento de candidatura de los toros ensogados a Patrimonio Cultural Inmaterial de la UNESCO.

Nosotros, personas individuales y colectivos, abajo firmantes, entendemos que los toros ensogados no pueden ni son dignos de figurar como Patrimonio Cultural Inmaterial por las siguientes razones:

1- Es una tradición asociada a la crueldad contra los animales que, al contrario de lo que es afirmado por los promotores, frecuentemente se traduce en heridas e incluso en la muerte de los mismos. Siendo así, es contraria a varios documentos internacionales que condenan los malos tratos a los animales y se opone frontalmente a los principios definidos en la Declaración Universal de los Derechos de los Animales;

2- Es una práctica que anualmente es responsable por la muerte ocasional de algunos participantes y por una media de trescientos heridos, algunos com bastante gravedad;

3- La presencia de niños y adolescentes como participantes o simples asistentes en los toros ensogados contraría la recomendación de 2014 del Comité de los Derechos del Niño de la ONU, que pide alejar a los niños de la tauromaquia y que además, entre otras medidas, recomienda la promoción de campañas de información sobre “la violencia física y mental asociada a la tauromaquia y su impacto en la infancia”;

4- Es una actividad no consensual en la sociedad azoreña, como en todo el mundo, y una parte significativa de la población no sólo no se identifica sino que repudia las diversas modalidades de la tauromaquia, no siendo por eso “un elemento vivificador de la identidad cultural común”.

Frente a lo expuesto, solicitamos la intervención de las varias entidades a quien se destina esta petición de modo a ser rechazada cualquier propuesta de candidatura sobre este asunto, bien como que desarrollen todos los esfuerzos en el sentido de proteger a la infancia azoreña y a no permitir que una práctica violenta, bárbara y anacrónica sea clasificada como Patrimonio Cultural Inmaterial.


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ENGLISH

In Defense of the Children, Animal Welfare and of the Azores – Street Bullfights can not be Immaterial Cultural Heritage

On Terceira Island (Azores) there is now an attempt to make street bullfighting an Immaterial Cultural Heritage of UNESCO.

We, individual and collective persons undersigned, believe that street bullfighting is not, nor can be worthy of being considered Immaterial Cultural Heritage for the following reasons:

1- It is a tradition of cruelty against animals that on the contrary to what is affirmed by the organizers frequently causes wounds and even the death of the same. This being so, it is contrary to many international documents that condemn ill treatment of animals and is totally opposed to all principles defined in the Universal Declaration of Animal rights;

2- It is a practice that is annually the cause of the death of some human participants and an average of about three hundred injured, some seriously;

3- The presence of children and adolescents as participants or watchers of street bullfights is contrary to the recommendation of 2014, of the Comity of Children Rights of the United Nations that recommends that children should be removed from bullfighting and also that campaigns for the promotion of information about physical and mental violence associated with bullfighting and its impact on children;

4- It is not a consensual activity in Azorean society and all over the world, where a significant part of the Azorean population not only repudiates but also condemns the various kinds of bullfights and therefore cannot be considered as a “living element of a common cultural identity”.

For these reasons, we request the intervention of the various entities to whom this petition is destined, to reject any proposal for candidature of this matter, to make every effort to protect the Azorean children and not allow a violent, barbaric and anachronic practice to be classified as Immaterial Cultural Heritage.


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FRANÇAIS

En Defense des Enfants, pour le Bien-Être des Animaux et des Azores - “Taureau à la corde” n’est pas un Patrimoine Culturel Immatériel

On essaye, à l’île Terceira des Açores, la candidature du " Taureau à la corde" de façon qu'elle puisse devenir patrimoine culturel immatériel de l'UNESCO.

Nous sommes des personnes individuels et colléctifs soussignés, et a notre avis la “tourada à corda” ne peut pas et ne mérite pas le classement comme patrimoine culturel immatériel, pour les raisons suivantes:

1- Il s’agit d’une tradition associée à la cruauté envers les animaux que, contrairement à ce qui est indiqué par ses promoteurs, se traduit souvent par des blessures et même la mort des taureaux . Par conséquent, il est contraire à plusieurs documents internationaux condamnant la maltraitance des animaux, et en collision frontale avec les principes énoncés dans la Déclaration Universelle des Droits de l'Animal;

2- Cette pratique est actuellement responsable de la mort de certains participants humains et environ trois cents blessés chaque année, dont certaines très graves;

3- La présence des enfants et des adolescents en tant que participants ou seulement comme des assistants dans les “touradas à corda” est contraire à la recommendation, de 2014, du Comité des Nations Unies sur les droits de l'enfant, dans le but de garder les enfants de la tauromachie et que, entre autres choses, recommande la promotion de campagnes d'information sur la «violence physique et mentale liée à la tauromachie et son impact sur les enfants»;

4- Il s’agit d’une activité non consensuelle dans la société des Açores, comme dans le monde, où une partie importante de la population n’est pas d’accord avec la tauromachie en général, q’elle rejette, et comme ça ce n’est pas vrai que cette activité puisse “vivifier la l'identité culturelle commune”.

Compte tenu de ce qui précède, nous demandons l'intervention des diverses entités à qui est destiné cette pétition afin d'être rejeté toute proposition de candidature sur ce sujet, ainsi que de faire tous les efforts dans le but de protéger les enfants des Açores, ne permettant jamais que une pratique violente, barbare et anachronique soit classé comme patrimoine culturel immatériel.


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Mais informação:
http://iniciativa-de-cidadaos.blogspot.pt/p/tourada-nao-e-patrimonio-cultural.html

terça-feira, 17 de novembro de 2015

O intransigente Francisco Soares Silva


O intransigente Francisco Soares Silva

A 16 de junho de 1921, começou a publicar-se em Ponta Delgada o semanário “O Intransigente”, órgão do Centro de Ponta Delgada da Federação Nacional Republicana, agremiação política de muito curta duração. Com efeito, aquela organização apenas existiu de outubro de 1920 a outubro de 1921, tendo terminado com o assassinato do seu líder António Machado dos Santos, na noite sangrenta de 19 de outubro desse ano.

Foi seu diretor e editor Francisco Soares Silva, um irrequieto pintor de construção civil que também dirigiu, entre 1908 e 1912, o jornal anarquista “Vida Nova” e esteve envolvido em diversas iniciativas do movimento operário micaelense durante a Primeira República.

Pela consulta dos escassos números publicados facilmente se chega à conclusão de que o jornal era feito, quase na íntegra por Francisco Silva, já que são muito poucos os artigos assinados, sendo alguns deles do próprio Machado dos Santos.

Outra conclusão que se poderá tirar é que o pensamento de Francisco Soares Silva sofreu grandes alterações desde a altura em que dirigia o Vida Nova bem como uma escola para ensino de operários analfabetos. Com efeito, longe estava a época em que ele acreditava que a sociedade só melhoraria a partir da participação dos cidadãos esclarecidos e sem intermediários, distante estava das ideias que combatiam o clericalismo e o militarismo, ao defender um partido que segundo alguns autores combinava “ideias económicas avançadas com um programa conservador” e um líder que se bateu, pelo menos no fim da vida, “por uma república reformista autoritária, antipartidocrática, antiparlamentarista, nacionalista, federalista, colonialista, corporativista, protecionista, transigente em relação à Igreja Católica e de tendência presidencialista”.

Num texto publicado no primeiro número do jornal, Francisco Soares Silva justifica a sua adesão à Federação Nacional Republicana ou Partido Reformista e estar ao lado de Machado dos Santos “porque ele está ao lado do povo onde ele e nós sempre estivemos”. Sobre o mesmo assunto, pode ler-se que o jornal vem dar a conhecer o referido partido, “chefiado pelo fundador da Republica cuja bandeira jamais serviu ou servirá para encobrir latrocínios e negociatas vergonhosas que nos arrastaram ao abismo”.

Através do jornal também se fica a saber que Francisco Soares Silva não renegou completamente as suas ideias e manteve a sua preocupação com causas por que se bateu toda a vida.

A título de exemplo, refere-se a publicação de um texto de Kropoktin que pugnava por um mundo “sem violência e sem o poder do Estado e concebia a sociedade como uma cooperação voluntária entre pessoas livres”, onde o anarquista russo exorta a quem sente em si a força da juventude para ser forte, grande, enérgico em tudo o que faça e apela à ação nos seguintes termos: “Luta! A luta é a vida, e tanto mais intensa quanto aquela for mais viva…Luta para permitir que todos vivam esta vida rica e exuberante, e está seguro de que encontrarás nesta luta gozos tão grandes como não os encontrarás em nenhuma outra atividade”.

De entre as causas que abraçou, Francisco Soares Silva manteve-se fiel à da proteção dos animais, tendo no primeiro número d’“O Intransigente” chamado a atenção para a inatividade da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais nos seguintes termos: “Tanto que a imprensa local falou nesta benemérita associação para no fim de contas nada de útil se ter feito em benefício dos nossos irmãos irracionais” e acrescentou: “Maldito costume que temos nesta terra de começar com muito entusiasmo numa empresa e depois nem ao de leve nela se fala”.

Francisco Soares Silva não só no jornal que vimos referindo, mas também noutros, lutou contra a escassez crónica de artigos de primeira necessidade com que se debatiam os micaelenses. Assim, sempre que pode denunciou a escassez de milho, a falta de açúcar, o elevado preço do pão e as aldrabices feitas por algumas padarias que vendiam o pão com peso abaixo do que devia ter.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30787, 18 de novembro de 2015, p.16)

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A propósito da campanha “SOS Cagarro”



A propósito da campanha “SOS Cagarro”

Desde 1993 que me encontro, com mais ou menos intensidade, envolvido tanto na campanha “SOS Cagarro” como na que lhe deu origem, a campanha “A Escola e o cagarro”, por ter sido na altura a pessoa que nos Amigos dos Açores mais contatava com o Eng. Luís Monteiro, do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, o criador de ambas.

Com a minha saída da direção dos Amigos dos Açores e sobretudo após a governamentalização da campanha, onde para além do número crescente de voluntários passou a existir a participação de funcionários públicos ou de empresas criadas pelo Governo Regional, achei que estava na altura de diminuir a minha colaboração, dando lugar a outros.

Mas como um ativista nunca está bem consigo próprio se ficar inativo, sempre que posso ou me é solicitado nunca nego o meu contributo, quer através da sensibilização dos mais novos, quer na recolha de cagarros e na sua devolução ao mar.

Tal como tem acontecido em anos anteriores, este ano, no passado dia 12 de novembro, voltou a cair um cagarro na Escola Secundária das Laranjeiras, o qual, tal como é habitual, me foi entregue para posterior libertação, no dia seguinte.

Não perderia tempo a relatar este caso se a presença do cagarro numa sala de aula não despertasse a curiosidade de alguns alunos que nunca tinham visto um, o medo de outros e a manifestação de muito desconhecimento acerca do seu comportamento, de que é exemplo a ideia, muito espalhada, de os cagarros não conseguirem ver de dia.

Na ocasião, alguns alunos informaram que ao tentarem fazer com que um cagarro voasse lançaram-no ao ar num lugar alto e ele acabou por cair e morrer e também fiquei a saber que outros achavam uma boa ideia a domesticação do cagarro.

Face ao exposto, achei que deveria utilizar cinco minutos da aula para dar a conhecer um pouco da campanha “SOS cagarro”, para explicar que seria um disparte domesticar um cagarro e para divulgar o que fazer quando se encontra um cagarro em terra e todos os passos a dar até à sua libertação.

Na ocasião também tive a oportunidade de referir que uma das formas de poluição é a luminosa e que esta constituiu uma grande ameaça para as aves marinhas, sendo a atração dos cagarros pela iluminação pública, dos campos de futebol, etc. uma das principais causas da queda dos cagarros em terra.

Espero que o que se perdeu em química se tenha ganho em participação cívica e que a semente lançada germine.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30786, 17 de novembro de 2015, p.16)

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

A Voz dos outros


Cães são cães

Para mim cães são cães, não me importa a raça ou a falta dela. Assim sendo, todos devem ser respeitados e bem tratados.

Também acho bem que o Governo Regional dos Açores tenha criado legislação com vista à promoção da saúde e bem-estar animal e à proteção dos animais de companhia.

O que discordo em absoluto é que os apoios sejam concedidos a quem, regra geral, detém um animal como detém uma espingarda, isto é como uma arma para matar outros animais, a grande maioria das vezes não por necessidade alimentar, mas para mero lazer ou divertimento, como é o caso do apoio acima concedido.

No caso dos caçadores, para não chocar ninguém diria que muitos caçadores, para além de manterem os seus animais em condições deploráveis, sem os alimentar como deve ser porque acham que esqueléticos e amarrados é que correm mais no dia da caça, que os abandonam ou dão-lhes um tiro na cabeça se não caçarem bem ou se a idade já os impedir de caçar em condições, a concessão de um subsidio é uma afronta a todas as pessoas que por razões da sua vida pessoal ou do desgoverno do país/região estão com dificuldades para cuidarem dos seus animais de estimação.

De acordo com o veterinário municipal de Ponta Delgada, este ano por causa da “ ausência de coelhos e da caça” levou “a que os caçadores entregassem muitos cães de caça no canil” o que prova que para aquela gente os animais são coisas e a sua preocupação com o seu bem-estar é uma treta que dizem da boca para fora para poderem também comer à custa do orçamento regional ou melhor dos impostos dos contribuintes.

José Furão da Silva

terça-feira, 10 de novembro de 2015

História da SMPA


Fedora Miranda


Apontamentos para a história da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais (7)

Tendo conhecimento de que a Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada ia “habilitar-se ao recebimento dos bens de que era usufrutuária o sr. Victor Moderno, há tempos falecido em New York”, a presidente da SMPA, Fédora Serpa de Miranda, redige a 6 de Março de 1954, um ofício dirigido ao Presidente da Comissão Executiva da Junta Geral, onde faz o ponto da situação e apela à construção do Hospital.
Dado o interesse da carta, aqui fica um extrato: “Está já edificado um pavilhão, destinado à recolha e tratamento de cães e gatos, mas faltam as instalações para outros animais e mesmo para consultas a dar pelos veterinários, e por esse motivo vimos respeitosamente patentear a V. Exª o nosso desejo de que, por essa Exma. Comissão Executiva, seja considerada a efetiva construção do Hospital Veterinário “Alice Moderno”, estabelecimento de grande interesse para esta Sociedade e para quantos cuidam da dignificação do homem, através do bom tratamento dos animais”.
Desconhece-se por quanto tempo Fédora Miranda esteve à frente dos destinos da SMPA, mas sabe-se que em 1954 ela teve de acompanhar o marido, o professor do Liceu Antero de Quental, Dr. Lúcio Miranda, que se exilou em Inglaterra, tendo, no seu regresso, em 1964, para assistir à morte da mãe sido presa no aeroporto de Santa Maria.
A 1 de fevereiro de 1963, a SMPA estava inativa como se pode ler pelo depoimento do Comandante dos Bombeiros Voluntários Roberto Zagalo Cardoso a propósito de uma descida ao Caldeirão para resgatar alguns cães que para lá eram atirados por desumanos. Segundo ele aquela ação surgiu na sequência de um apelo de Manuel Inácio de Melo e “à recordação de uma antiga vizinha deste Quartel- D. Alice Moderno – cuja campanha zoófila recordo ainda com enternecimento, pois fiz parte da antiga Associação Protetora dos Animais, infelizmente, julgo que extinta”.
Através do cartão de uma associada que nos foi apresentado, ficamos a saber que em agosto de 1982 era presidente da SMPA Victor Pedroso e à direção pertencia Gilberto Olegário Baptista que assinou o referido cartão pelo secretário da direção.
No final da década de oitenta do século passado, a sociedade possuía cerca de 600 sócios com as quotas em dia, tendo-se a partir daí assistido ao seu declínio.
Em maio de 1993, o jornal Correio dos Açores, num artigo intitulado “Para os matar?? Câmara à espera de cães vadios”, deu a conhecer a preocupação da Câmara Municipal de Ponta Delgada com o grande número de cães vadios existentes no concelho, tendo a autarquia informado que estava a tomar medidas “em sintonia com outros organismos, concretamente a Sociedade Protetora dos Animais e a PSP”.
A última aparição pública da SMPA terá sido em Maio de 2009, através de um comunicado a condenar “a iniciativa de alguns deputados regionais no sentido de introduzirem nos Açores as chamadas “corridas picadas”, uma vez que tal espetáculo, degradante e medieval, nada tem a ver com a nossa cultura e tradições, para além de constituir um péssimo cartaz turístico para a região”. No mesmo texto a SMPA apelava “aos senhores deputados para não aprovarem uma tal legislação, utilizando o seu tempo e energias na resolução de assuntos mais prementes para a maioria dos Açorianos”.
Desaparecidos os problemas associados ao transporte de cargas, hoje a atenção deverá recair sobre o abandono de animais domésticos, o tratamento dos animais de produção e o retrocesso civilizacional que se está a assistir com a tentativa de introduzir touradas onde não são tradição e de agravar a tortura dos touros bravos.
Face ao exposto e em virtude da prática demonstrar que as associações animalistas não têm capacidade de crescer, agregando mais vontades, e estender a sua atividade para outros animais para além dos de companhia não é descabido o ressurgimento ou a reativação da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais.
Com este texto e por falta de informações disponíveis, termino a série dedicada à Sociedade Micaelense Protetora dos Animais. Espero, um dia, voltar ao assunto.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 30781 de 11 nov 2015, p.17)

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

GILBERTO OLEGÁRIO BATISTA


GILBERTO OLEGÁRIO BATISTA

Durante o período de atividade da SMPA - Sociedade Micaelense Protetora dos Animais foram várias as pessoas que se dedicaram de alma e coração quer em manter viva a instituição quer em trabalhos diretamente relacionados com a proteção dos animais, recolhendo os abandonados e feridos, denunciando os maus tratos às autoridades ou mesmo atuando junto dos abusadores.

É do conhecimento público que antes dos transportes serem motorizados, a deslocação de mercadorias e outros bens era feita com recurso a animais que transportavam as cargas ou que puxavam carroças. Assim, foram os animais de tiro, vítimas de maus tratos diversos, como transporte de cargas muito superiores às suas forças, má alimentação, não tratamento das suas feridas e muita pancadaria, sobre quem recaiu grande parte das preocupações, durante os primeiros anos da existência da SMPA.

De entre os sócios da SMPA que atuarem em defesa dos animais de tiro, destacou-se o senhor Gilberto Olegário Batista (Ponta Delgada,1911- Caldas da Rainha,1993) que como habilitações possuía o 2º Curso das Escolas Regimentais; o 4º ano de Desenho Profissional na Escola de Artes e Ofícios "Velho Cabral” e o Curso de Subchefes da P.S. P.

A sua atuação no terreno em prol de uma sociedade mais compassiva para com os animais foi reconhecida pela SMPA que em ofício datado de 28 de julho de 1942 louvou “a actuação do guarda nº 29, Gilberto Olegário Baptista, na repressão do uso de aguilhões, maus tratos a animais e sua defesa".

Dois anos mais tarde, através de ofício, datado de 31 de dezembro de 1944,a ele dirigido ficamos a saber que uma vez mais a SMPA reconhece o seu ímpar contributo à causa animal nos seguintes termos: “…Gilberto Olegário Baptista, vem exercendo uma prestimosa vigilância contra os maus tratos a animais...já muito apreciáveis os serviços por ele prestados à causa zoófila...»

Desconhecemos quando Gilberto Batista começou a dar o seu contributo aos órgãos sociais da SMPA e por quanto tempo o fez. Com efeito, até ao momento apenas conseguimos apurar, através de um cartão de uma associada, que em 1982 Gilberto Batista foi membro da direção, presidida por Vitor Pedroso, pois assinou o mesmo pelo secretário.

Mas não foi apenas na causa animal que Gilberto Olegário Batista se distinguiu pois para além da medalha de prata que recebeu da SMPA, também foi distinguido com a medalha de prata (Filantropia e Caridade) de Socorros a Náufragos; com a medalha de cobre de Assiduidade à Cruz Vermelha; com a medalha de Exemplar Comportamento Militar e com a medalha de Assiduidade à Polícia.

PS- Este texto não seria possível sem a colaboração da pessoa que me deu a conhecer o cartão de sócio da SMPA e sem a ajuda preciosa de sua filha, Ugolina Margarida Ferreira Baptista, que me disponibilizou muita informação. O meu agradecimento.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30780, 10 de novembro de 2015, p.10)

domingo, 8 de novembro de 2015

Sobre a dificuldade em abandonar tradições: o caso das touradas



Sobre a dificuldade em abandonar tradições: o caso das touradas

As tradições, quer sejam boas quer sejam más, exercem uma indiscutível influência sobre as pessoas, de tal modo que, apesar de toda a evolução científica e cultural existente, tolhem os pensamentos e levam por vezes a que sejam mantidas práticas bárbaras e anacrónicas. Sobre este assunto, a seguinte frase de Karl Marx* é bastante elucidativa: “ A tradição das gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”.

Mas se o peso das tradições é plúmbeo, por que razão na nossa terra há tradições que desaparecem e outras que persistem e expandem-se?

Para tentar responder à questão, vamos dar dois exemplos: as batalhas de flores que eram comuns pelo menos em São Miguel no início do século passado e que caíram no esquecimento e as touradas que estiveram confinadas à ilha Terceira e que se expandiram para outras ilhas.

Tal como outras tradições que foram desaparecendo, as batalhas das flores não tinham a montante nenhuma indústria organizada que necessitava que o seu “consumo” aumentasse para poder viver, daí terem caído no esquecimento sem que houvesse alguém que lutasse pela sua continuidade.

No caso das touradas, vamo-nos restringir às touradas à corda, para além do vício que cria o dito espetáculo, que anda intimamente associado ao consumo de álcool, há a indústria tauromáquica que para sobreviver precisa que a tradição se mantenha e, por causa da concorrência entre ganadarias, necessita que a tradição se expanda. Para exemplificar o exposto, com o apoio indireto da hipócrita Comunidade Europeia e direta dos Governos Regionais e das autarquias, em quarenta anos o número de touradas à corda quase duplicou na ilha Terceira, passando de 121, em 1975, para 226, em 2015.

Para além do referido, se não se tratasse de um negócio “sujo”, pois envolve maus tratos a animais e ferimentos e mortes a outros animais que se dizem superiores e racionais, que interesse teria o lóbi das touradas na sua expansão para outras ilhas?

Por que razão os aficionados terceirenses das touradas não se esforçam por alargar as famosas danças e bailinhos da sua ilha ao resto do arquipélago? Por que razão não se esforçam por classificar as danças e bailinhos como Património Cultural e Imaterial e andam a pressionar para que sejam as touradas classificadas como tal?

Por último, uma nota de humor. Embora sabendo que há outros critérios para a classificação de uma tourada como tradicional, o que obriga a que a mesma se realize há pelo menos 15 anos leva-me a pensar se deve ser tradicional tudo o que se repete.

Assim, é mais do que provado que desde que foi construído o edifício dos Paços do Concelho de Vila Franca do Campo há a tradição de durante os arraiais das festas religiosas utilizar as traseiras do mesmo como mictório.

Será que por já ocorrer há algumas centenas de anos, o urinar contra as paredes daquele edifico poderá ser considerado tradição e como tal, embora a contragosto dos moradores, uma ação a ser devidamente protegida e acarinhada?

*Como se trata de um autor polémico e com muitos críticos sobretudo entre os que nunca o leram, aqui vai uma citação de um autor mais consensual, Albert Einstein: “A tradição é a personalidade dos imbecis”.

José Serrote da Vila

Fonte: https://www.facebook.com/347851085382734/photos/a.352518938249282.1073741828.347851085382734/552548114913029/?type=3&fref=nf

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Dou a cara


Nasci na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo no seio de uma família de camponeses e lavradores. Vivi a minha infância e juventude num meio bastante humilde, onde a pobreza extrema afetava algumas famílias que foram obrigadas a emigrar em busca de uma vida melhor.

Com 17 anos assisti ao 25 de Abril que, para além de ter determinado o fim de um regime autoritário, terá suscitado a esperança de uma vida melhor para todos.

Pertenci a partidos políticos, colaborei com outros como independente, nas eleições autárquicas votei na esquerda, no centro ou na direita. Neste momento encontro-me completamente desiludido, pois cheguei à conclusão de que os partidos servem essencialmente os seus dirigentes, que para além de procurarem protagonismo, usam o poder para encontrar soluções para os seus problemas pessoais, os da sua família ou os dos seus amigos.

Desde a minha juventude, participo no movimento sindical, cooperativo e associativo ambiental e animalista porque acredito que só com a participação cívica de todos é possível a construção de um mundo mais justo, limpo e pacífico.

Hoje, decidi apoiar a candidatura de Paulo Boges à Presidência da República porque embora acreditando na democracia direta acho que mesmo a representativa não deve nem pode ser exclusiva dos desacreditados partidos políticos ou de candidatos ligados a grandes interesses económicos.

Também apoio a candidatura de Paulo Borges porque, na generalidade, me identifico com a sua declaração de princípios, valores e objetivos.

Pico da Pedra, 22 de agosto de 2015

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Teotónio da Silveira Moniz, um vila-franquense desconhecido na sua terra


Teotónio da Silveira Moniz, um vila-franquense desconhecido na sua terra

Teotónio da Silveira Moniz, que se distingui como botânico, nasceu em Vila Franca do Campo, a 13 de dezembro de 1894, e faleceu na mesma localidade, a 5 de maio de 1953.

Após ter terminado os seus estudos no Liceu de Ponta Delgada, rumou à Suíça, onde terminou um curso superior na área da agronomia.

Como corolário das suas habilitações literárias e do seu saber em assuntos relacionados com as plantas, foi nomeado diretor da Secção de Botânica do Museu Carlos Machado, que havia sido criado em 1876, com a designação de Museu Açoreano, tendo-se dedicado à recolha e estudo de briófitos e organizado um herbário para aquela instituição.

Tal como outro vila-franquense, o Padre Manuel Ernesto Ferreira, Teotónio da Silveira Moniz foi, a 12 de março de 1932, um dos fundadores da ainda hoje ativa Sociedade Afonso Chaves - Associação de Estudos Açoreanos que tem por “objetivo de dar continuidade aos estudos sobre temática açoriana iniciados pelo coronel Afonso Chaves, nas áreas da Meteorologia, Geologia, Botânica, Zoologia, História, Etnografia e Artes Plásticas”.

Da sua autoria conhece-se dois trabalhos que publicou, o primeiro, em 1937, na revista Açoreana, da Sociedade Afonso Chaves, e o segundo publicado, em 1948, na Insulana, órgão do Instituto Cultural de Ponta Delgada.

No primeiro texto, intitulado “Flora briológica – Espécies novas para os Açores”, o autor não só apresenta uma listagem de novas espécies para o arquipélago, mas também apresenta “algumas omissões na lista do Prof. Luisier ou dúvidas que necessitam ser esclarecidas, esperando assim contribuir para o conhecimento verdadeiro dos nossos musgos e hepáticas”.

Uma parte das espécies citadas foram colhidas pelo autor, em Ponta Delgada, no Pico da Vara, na Lagoa do Congro, nas Sete Cidades, na Lagoa das Furnas, em Água de Pau, nas Lagoas Empadadas e em diversos locais não identificados. em Vila Franca do Campo.

No segundo texto, intitulado “Naturalistas Estrangeiros nos Açores- M. Adanson”, o autor escreve um curto texto biográfico sobre o botânico francês Michael Adanson (1727 – 1806) que entre outros trabalhos publicou “As Famílias das Plantas”, “História Natural da Bretanha e Normandia” e “História Natural do Senegal”. O texto termina com a tradução de um excerto desta última publicação, onde o naturalista francês faz um relato de uma visita à ilha do Faial.

Mas não foi só às ciências naturais que se dedicou. Segundo o professor. M. J. Andrade, Teotónio da Silveira Moniz “possuía uma invulgar cultura artística, tendo-se consagrado, desde muito novo, à arte musical e teatral, marcando, de maneira notável, na elaboração de espetáculos de amadores no meio micaelense”. Na vertente artística e em Vila Franca do Campo, Teotónio Moniz foi o responsável pelo arranjo arquitetónico da implantação do busto do Padre Ernesto Ferreira que como se sabe é da autoria do escultor Francisco Costa.

Teotónio da Silveira Moniz, ainda de acordo com M.J. Andrade, deixou o seu nome “ligado à causa pública de São Miguel, quer como Procurador à Junta Geral do Distrito Autónomo, quer na Direção do Grémio da Lavoura, quer, ainda, como Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca do Campo”. A sua dedicação ao Hospital da Misericórdia, foi digna de registo de tal modo que, de acordo com uma nota publicada aquando do seu falecimento, era dado destaque ao mesmo, considerando a “obra a todos os títulos meritória”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30775, 4 de novembro de 2015, p.17)

Le Grand


Gérald Le Grand

Sempre que se quiser fazer uma história da conservação da natureza nos Açores e se se quiser mencionar personalidades que deram o seu contributo para tal o nome do ornitólogo e ecologista francês Gérald Le Grand não pode ser esquecido.

Gérald Le Grand, ao contrário de muitos outros, não se limitou aos seus estudos teóricos na Universidade dos Açores e aos seus trabalhos de campo para melhor conhecer o património natural do nosso arquipélago. Com efeito, sempre que lhe era possível fez intervenções junto do grande público, através da comunicação social, e participou ativamente no movimento associativo de defesa do ambiente, sobretudo através da Delegação dos Açores do Núcleo Português de Estudos e Proteção da Vida Selvagem.

Hoje, em São Miguel, poucas pessoas, sobretudo entre as mais novas, não saberão o que é o priolo, ave endémica dos Açores conhecida desde os tempos mais remotos do povoamento da ilha de São Miguel e que durante algum tempo foi perseguido e abatido, o que terá ajudado a levá-lo à beira da extinção. Mas, quase ninguém sabe que a Gérald Le Grand, se deve o despertar do interesse pela sua proteção.

No que diz respeito ao associativismo, ele e o Eng. Duarte Furtado, foram os principais dinamizadores da Delegação dos Açores do Núcleo Português de Estudos e Proteção da Vida Selvagem, associação que teve sede em Vila Franca do Campo e que entre outras iniciativas publicou o boletim “Priôlo”.

No referido boletim, Gérald Le Grand foi autor de textos sobre a avifauna em geral e sobre o priolo, em particular e contra o uso “pacífico” da energia nuclear que produz resíduos que eram lançados “em pleno oceano longe de zonas habitadas…cujo condicionamento está muito longe de tomar em conta a nossa ignorância”.

Ainda no que diz respeito ao associativismo, Gérald Le Grand prestou grande apoio aos Amigos dos Açores, através da autorização que concedeu para a utilização dos seus textos e sobretudo dos seus desenhos, sendo ele o autor do seu logotipo.
Sobre a sua participação na imprensa, a título de exemplo, menciono a sua colaboração, em 1981, no jornal Açores, onde questionou as autoridades, nos seguintes termos: ”Pedimos uma vez mais aos Açorianos e ao Governo Regional para abrir o debate sobre a caça à baleia, para discutir sobre a reconversão de fábricas baleeiras e dos seus empregados, para discutir a promoção turística, caça fotográfica, regatas de baleeiras, festas de baleia… para discutir a criação de santuário para os mamíferos, as aves e tartarugas marinhas na ZEE dos Açores”.
Em 1980, em depoimento ao jornal a Ilha, o Prof. Doutor Vasco Garcia deu a conhecer a (re) descoberta do priolo, na vertente sul do Pico da Vara e informou que iriam “ser acionados todos os mecanismos a fim de aquela zona ser considerada protegida para a recuperação da ave rara”.
Terá sido na sequência daquela descoberta que foi elaborada uma proposta de classificação da área intitulada “Pico da Vara- uma zona de valor internacional a preservar”, da autoria de Géral Le Grand, Erik Sjogren e Duarte Soares Furtado.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30774, 3 de novembro de 2015, p.19)

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Recordando a Dr.ª Natália de Almeida


Recordando a Dr.ª Natália de Almeida

No passado dia 14 de setembro, faleceu a minha antiga professora de Introdução à Política, no ano letivo 1974/75, na Escola Secundária Antero de Quental e mais tarde minha colega no mesmo estabelecimento de ensino.

A disciplina de Introdução à Política surgiu, após o 25 de Abril de 1974, para substituir uma intitulada Organização Politica e Administrativa da Nação que se destinava a dar a conhecer aos alunos, entre outros conteúdos, a Constituição, o Código Administrativo e o Estatuto do Trabalho Nacional do Estado Novo.

Se as aulas de Organização Politica e Administrativa da Nação eram muito maçadoras e verdadeiramente desinteressantes, acredito que não por inteira culpa do professor, as de Introdução à Politica, eram completamente diferentes, não só devido aos tempos de esperança que então se viviam, mas também, ou sobretudo, fruto das qualidades didáticas da docente que a todos entusiasmava, apelando à participação ativa de todos os alunos.

Alguns anos mais tarde, como já referi, voltei a encontrar-me, no mesmo estabelecimento de ensino, com a Dr.ª Natália de Almeida, mas já na qualidade de professor de Física e Química, tendo na altura, colaborado com um projeto que ela manteve durante alguns anos, o suplemento cultural “O Pedagogo”.

O Pedagogo, segundo a Drª Natália de Almeida, tinha como desígnio “criar um espaço em que a cultura tenha lugar privilegiado. Queremos fazer deste suplemento um estímulo vário que ajude cada leitor a saber mais, a refletir melhor, a dialogar mais, a ascender a níveis mais elevados de fruição intelectual”.

Para além do meu pobre contributo com textos sobre a causa ambiental, “O Pedagogo” contou, no ano de 1989, com a colaboração de Eduardo Jorge Brum, Urbano Bettencourt, Dias de Melo, Judite Jorge, António Melo Sousa, Clotilde Cymbron, Maria Angelina Balacó Amaral, Victor de Lima Meireles e Fernando Aires.

Numa altura em que para além da crise económica, social, política e ambiental se assiste a uma perda de valores e a um regresso ao autoritarismo, ler os textos escritos pela Drª Natália de Almeida, para além de ficarmos melhor a conhecer o seu pensamento, poderá ajudar-nos a refletir e a agir nos dias de hoje para a construção de uma sociedade mais livre, democrática e mais justa.

Sobre a liberdade, a Dra. Natália de Almeida escreveu, no suplemento publicado a 14 de outubro de 1989, que a liberdade de pensamento não é a liberdade de pensar mas sim “o direito de exprimir o seu próprio pensamento perante os outros e de procurar com que os outros partilhem dele”. Ainda sobre este assunto, escreveu que “os regimes de força (ditaduras de esquerda e de direita nas suas mais sofisticadas formas) têm a liberdade de pensamento como o primeiro inimigo a abater. É impedindo a livre comunicação de ideias, críticas, denuncias, que os ditadores de todos os tempos se têm conseguido manter de pé”.

No suplemento nº 5, publicado a 25 de novembro de 1989, é abordada a noção de cultura. No seu texto a Dr.ª Natália de Almeida, depois de apresentar vários conceitos chama a atenção para o facto de ser “perigoso usar cultura sem especificar qual o sentido ou significado da palavra” e acrescenta:

“É que RESPEITAR A CULTURA PODE SER UMA FORMA DE DESINVESTIMENTO CULTURAL, ou seja pode-se afogar o que há de novo em nome da manutenção do que é tradicional, mesmo que seja pobre e atrasado (já que há que salvaguardar o que, sendo tradicional, é rico e autêntico).”

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 30769, 28 de outubro de 2015, p.12)

http://www.rtp.pt/acores/cultura/morreu-natalia-almeida_48110