quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Oliveira


A oliveira (Olea europaea L.) é uma planta pertencente à família Oleaceae originária da Região Mediterrânica.

Embora haja oliveiras em várias ilhas dos Açores, a sua presença é mais significativa na ilha do Pico e na Terceira.

Sobre a presença de oliveiras na Terceira, há quem afirme que “remonta, muito possivelmente ao período do povoamento, mas foi no final do século XVIII, sobe a influência de um grupo de frades da Ordem de S. Francisco, originários da península itálica que o cultivo da azeitona se tornou numa cultura de referência nesta ilha do grupo Central do arquipélago dos Açores.” (https://www.youtube.com/watch?v=nWHpTES7Ly8)

Alfredo da Silva Sampaio, na sua obra “Memória sobre a Ilha Terceira”, sobre a oliveiar escreveu o seguinte: A sua cultura é assaz extensa.”

Na ilha Terceira, o cultivo da oliveira está localizado na zona do Porto Martins, destinando-se as azeitonas colhidas para autoconsumo e para venda a restaurantes sobretudo da ilha.

De acordo com um texto da Agência Lusa publicado no jornal “Açoriano Oriental”, de 20 de novembro de 2016, na ilha terceira existiam 26 produtores de azeitonas que cultivavam uma área de cerca de 13 hectares, quando em 1999 esse número ascendia a 35 produtores.

Segundo o texto referido, a produção de azeitonas na Terceira corre o risco de acabar, devido à elevada idade dos produtores e ao desinteresse pelos mais jovens por aquela cultura que exige muita dedicação e não é muito rentável. Além do mencionado, “desde 2004/2005 que a produção se tornou ainda mais trabalhosa, com o aparecimento da mosca da azeitona, que se não for combatida atempadamente pode danificar olivais inteiros.”

A oliveira é uma árvore perenifólia, que pode atingir uma idade de mais de 2 mil anos, com copa arredondada, mas pouco densa. O seu tronco é grosso, irregular e contorcido, nos indivíduos velhos.

As folhas são opostas, simples, oblongo-lanceoladas, coriáceas, de cor verde-acinzentado na página superior e prateado na inferior. As flores são pequenas, esbranquiçadas a amarelo-esverdeadas e os frutos são drupas, conhecidas por azeitonas.

Castro (1981) sobre a oliveira escreveu o seguinte:

“o óleo é alimentar e medicinal e emprega-se como colagogo, laxante ligeiro, etc.

Exteriormente, emprega-se, com cânfora, em fricções anti-reumáticas.

O óleo (azeite) faz parte de certos medicamentos, em uso interno e externo.

As folhas, em cozimento, empregam-se para dilatar as artérias e fazer baixar a tensão arterial. Também têm propriedades antidiabéticas.”

Cunha, Silva e Roque (2003) apresentam como principal indicação o combate à hipertensão arterial, mas chamam a atenção para a seguinte contraindicação: “Não utilizar o azeite, como colagogo, quando exista obstrução das vias respiratórias.”

Em 1989, na cidade de Ponta Delgada, o “chá” de folhas de oliveira, verdes ou secas, era usado para “baixar a tensão arterial.”

Na ilha de São Jorge, segundo informação colhida em 2023, o “chá” de folhas de oliveira era também usado para regular a tensão arterial.

Sobre a azeitona há uma adivinha que abaixo se transcreve.

Verde foi meu nascimento

Eu de luto me vesti

Para dar a luz ao Mundo

Mil tormentos padeci
Teófilo Braga

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Feto-do-cabelinho


Feto-do-cabelinho

O feto-do-cabelinho, cabelinho ou feto-abrum, na Madeira (Culcita macrocarpa C. Presl.), que pertence à família Culcitaceae, é uma espécie nativa dos Açores, existindo em todas as ilhas, exceto na Graciosa. O feto-do-cabelinho, que pode ser encontrado até aos 1100 m de altitude, é raro em Santa Maria e no Corvo. Também existe na Madeira, nas Canárias e no norte de Portugal continental e oeste de Espanha.

O feto-do-cabelinho possui o rizoma coberto por escamas castanho-avermelhadas, pecíolo glabro e frondes tufadas, medindo de 80 cm a 2 m. As suas lâminas triangulares são verde-luzidias.

Gaspar Frutuoso, no capítulo XLVIII do livro IV das Saudades da Terra, ao descrever o interior da ilha de São Miguel faz referência a algumas plantas cultivadas ou espontâneas, entre elas o feto-do-cabelinho, do seguinte modo:

Mas, por estar muito descoberta a estes e a outros ventos, é mui escaldada, posto que por antre as serras tem alguns vales e baixos de grotas abrigados, e nas faldras das serras, algumas ladeiras e terras chãs, onde os moradores fazem suas sementeiras, principalmente de trigo pelado, centeio, cevada e pastel; e nos altos pastam seus gados em bons pastos, que havia dantes e há em toda ela, porque no lugar a que não chegou a pedra pomes e cinzeiro que caiu no tempo do segundo terremoto, ainda os pastos são como sempre foram de muita erva milhã, pé de galinha, balanco, azevém, sargaço, que outros chamam saragaço, trevo e trevina, para os porcos, alfacinha, feito, dentabrum e cabelinho, que serve como lã para colchões e o pé para comer, como palmitos e outras muitas sortes de diferentes ervas, musgo e grama, que é erva pequena, baixa e rasa com o chão”.

O médico madeirense Guilherme João de Fraga Gomes (1875-1952) que criou, na Maia, no lugar do Outeiro Redondo, um jardim, hoje conhecido como Mata do Dr. Fraga, onde possuiu uma coleção de fetos, entre eles o feto-do-cabelinho, não concorda com a afirmação de Gaspar Frutuoso, pois dadas as características deste, isto é, não possuir “propiamente rizoma, mas somente uma radículas que, comparadas ao porte das suas bonitas palmas, parecem insignificantes”, etc., considera que “dificilmente se compreenderá e admitirá a possibilidade de se aproveitar qualquer parte deste feto que, cozida seca ou torrada no forno, se torne farinável, panificável ou, por qualquer forma, comestível”. Segundo ele, a espécie usada na alimentação terá sido o feito, feiteira ou feteira (Pteridium aquilinum).

O feto do cabelinho, segundo Acúrcio Garcia Ramos (1871), possui “apêndices sedosos, de um amarelo carregado, que revestem o rizoma” que são usados “para encher colchões e travesseiros”.

Gabriel de Almeida (1893), jornalista e escritor micaelense, depois de considerar o feto do cabelinho como “um dos mais belos vegetais da sua ordem nos Açores”, escreve que “as raízes do rhizoma são escuras, sedosas, brilhantes e muito leves, e por isso mui próprias para almofada ou enchimento de coxins”. O mesmo autor refere que o feto-do-cabelinho “constitue artigo de commercio para Portugal e Brazil: a perseguição que por esse motivo se faz à espécei , dá logar a que se vá tornando rara sem querer ver-se, que por esse caminho se extinguirá nas ilhas num futuro próximo uma das mais formosas plantas.”

O seu desaparecimento da ilha Graciosa, segundo o botânico Erik Sjogren, poderá ter sido devido ao uso excessivo para os fins mencionados.

O feto do cabelinho até há pouco tempo era utilizado na medicina popular madeirense e chegou a ser vendido, no Porto, como planta ornamental. Na freguesia da Fajã da Ovelha, na Madeira, de acordo com Freitas e Mateus (2013), colocavam-se “os pelos do rizoma nas chagas para estas não infectarem, tendo uma “ação antibiótica”.”

Nos Açores, não é conhecida qualquer utilização atual, mas poderia se usado como planta ornamental em alguns jardins localizados a maior altitude.
Teófilo Braga

domingo, 28 de janeiro de 2024

Cana


Cana

A cana ou cana-viera, na Madeira (Arundo donax L.), é uma erva perene que pode atingir até 6 m de altura, rizomatosa, com caules cilíndricos ocos, pertencente à família Poaceae. Apresenta folhas de cor verde-pálido a verde-azulado, de forma lanceolado-linear e glaucas. As flores, que surgem de setembro a novembro encontram- se reunidas em panículas.

Originária da Região Mediterrânica, a cana está espalhada por todas as ilhas dos Açores, podendo ser encontrada em falésias, zonas costeiras, locais abandonados, margens de ribeiras, etc., normalmente até 600 metros de altitude.

De acordo com Gabriel (2019) as canas que “foram introduzidas no arquipélago para a estabilização de terrenos e taludes e a separação de parcelas de terreno”, são consideradas hoje uma espécie invasora.

Para além dos fins mencionados, as canas foram também usadas como suporte para as videiras, nomeadamente na costa sul da ilha de São Miguel, utilizadas na construção de gaiolas ou de armadilhas (alçapões) para a apanha de pássaros e ainda como brinquedo para as crianças, nas chamadas buzinas.

Sobre a cana e os seus usos, em 1953, o Eng. Agrónomo Arlindo Cabral, no boletim nº 17, da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores escreveu o seguinte:

“Por toda a parte ela aparece, mais que não seja para fornecer matéria-prima para tutores, latadas, caramanchões, fabrico de objetos caseiros, etc., ou por conquista natural de terrenos incultos. Porém, onde a vemos mais generalizada a sua cultura ordenada e uso intenso é, sem dúvida, na ilha do Faial, especialmente na freguesia dos Cedros. Realmente, vemo-la aí a guarnecer praticamente todas as terras de cultura, em sebes educadas. Além da preciosa defesa que representa como cortina de abrigo, ela veda, fornece a folhagem para alimentação do gado (antes do desbandeiramento do milho e depois da colheita deste) e, com os seus colmos, são construídas sebes mortas e caniçados (são cilindros feitos com uma esteira de cana rachada) para conservar o milho em grão.”

José Brandão de Oliveira, no texto “Espécies vegetais usadas nos Açores na formação de sebes, publicado em 1985, inclui a cana no grupo das espécies usadas como cortinas de abrigo e/ou divisórias em pastagens. Sobre a planta escreveu o seguinte: “Frequente em sebes junto à costa (até à beira da rocha) muitas vezes em parcelas que outrora foram de vinha ou de cultura arvense. Maior utilização em S. Miguel e Faial.”

No seu livro “Plantas Medicinales El Dioscórides renovado”, publicado em 1988, Pio Font Quer, sobre a cana refere que segundo a crença popular ela apresenta propriedades diuréticas e lactífuga.

Maria Manuela Silva, numa dissertação intitulada “Plantas Medicinais dos Açores”, apresentada à Universidade dos Açores, em 1992, menciona que a cana “possui uma acção hipotensiva e antiespasmódica, que se deve aos alcalóides indólicos como a bufotenidina…” e acrescenta que “em medicina popular atribuem a esta planta propriedades diuréticas e anti-galactagogas, mas estas propriedades ainda não foram demonstradas…”

Nos vários questionários aplicados durante vários anos, na ilha de São Miguel, com vista a conhecer as plantas usadas na medicina popular, nenhum respondente mencionou o uso da cana e na bibliografia sobre plantas medicinais dos Açores apenas Corsépius (1997) menciona que “a própria cana e o rizoma fresco cortado às rodelas” apresenta propriedades diuréticas e antigripais”.

21 de janeiro de 2024
Teófilo Braga

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Goiabeira


Goiabeira

A goiabeira, goiaba ou goiavão, em Vila Franca do Campo, (Psidium guajava L.), pertencente à família Myrtaceae, é uma das fruteiras tropicais mais difundidas em todo o mundo, sendo originária da América Central e do Sul.

Segundo alguns autores, a planta foi conhecida pela primeira vez pelos europeus, a partir de descrições de cronistas espanhóis, em 1526, e terão sido os portugueses que a levaram para África e para o Oriente.

É bem provável que a goiabeira tenha surgido, nos Açores, no século XIX, mas o único dado que possuímos é o de que já existia no Jardim José do Canto em 1856. Além disso, sabe-se que por cá são cultivadas duas variedades, uma de polpa branca e outra, a mais comum, de polpa rosada.

A goiabeira é um arbusto ou árvore de pequeno porte, que pode atingir 6 metros de altura, com tronco tortuoso, com casca muito lisa. As suas folhas são ovais ou cordiformes na base e grossas com nervuras bem vincadas e as flores, que são brancas ou ligeiramente rosadas, solitárias na axila das folhas surgem nos meses de junho e julho. Os seus frutos são bagas de forma ovoide, verdes que se tornam amarelas quando maduras.

A goiabeira adaptou-se perfeitamente aos terrenos e clima dos Açores, não necessitando de muitos cuidados, embora prefira terrenos soltos e ricos e lugares soalheiros.

A frutificação, que acontece normalmente a partir do terceiro ano, ocorre de dezembro a abril.

A propagação faz-se por semente e planta-se no inverno ou início da primavera, com compasso não inferior a 4 metros.

Apenas quando necessário fazem-se podas de limpeza que não podem ser muito fortes e pode-se também rebaixar a copa, para facilitar a colheita dos frutos.

Embora exista em alguns jardins, como no Jardim do Palácio de Santana, no Jardim do Piquinho, nas Furnas, ou no Jardim Botânico José do Canto, a planta é cultivada nos Açores devido aos seus muito apreciados frutos que são muito ricos em vitamina C, os quais podem ser comidos diretamente ou transformados em doces, compotas, etc.

Arlindo Cabral, no número sete do Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, publicado em 1948, apresenta dois processos para fabricar goiabada que abaixo se transcrevem:

1º - “Depois de lavado e descascado o fruto, são retiradas as sementes e cozida a polpa em pequena porção de água, posto o que se peneira. Em seguida, prepara-se um xarope em ponto de pérola, com água de cozedura e 1,5 kg de açúcar, por cada quilograma de polpa passada. Finalmente, junta-se o xarope, assim preparado; à polpa, obtendo-se o doce, que convém voltar ao lume, para enxugar um pouco mais com vantagem para a conservação e para o paladar.”

2º - “As goiabas, depois de lavadas e cortadas a meio, são levadas ao lume, em pouca água, para cozer; depois de peneirada, a polpa é pesada, juntando-se-lhe 1 a 1,2 kg de açúcar por quilograma daquela; volta ao lume até adquirir a consistência própria da marmelada.”

Augusto Gomes, na sua Cozinha Tradicional da Ilha Terceira (1982), por seu lado, apresenta a seguinte receita de doce de goiaba ou goiabada:

“Coze-se a goiaba em um tacho, e depois de estar cozida, passa-se por um passador. Uma vez passada a goiaba, pesa-se e vai ao lume com o mesmo peso de açúcar. Conhece-se quando está no ponto pelo facto de, ao mexer-se, se ver o fundo do tacho. Antes de se guardar é conveniente expô-lo ao sol.”

Teófilo Braga

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Pitangueira


Pitangueira

A pitangueira, cuja designação científica é Eugenia uniflora L., é uma planta pertencente à família Myrtaceae nativa do Brasil, sendo cultivada em regiões tropicais e subtropicais.

Não conhecemos quando e quem introduziu a planta nos Açores, mas sabemos que já existiam pitangueiras, na primavera de 1856, no Jardim José do Canto, em Ponta Delgada. Em 1868, a pitangueira era uma das plantas reproduzidas, por José do Canto, em grandes quantidades que constavam de uma lista que estava disponível para oferta ou permuta.

A pitangueira é uma árvore de folha persistente que pode atingir 5 metros de altura, com tronco tortuoso e com casca descamante. As folhas jovens são róseas, tornando-se verdes, coriáceas e glabras e apresentam forma ovado-lanceolada. As flores, que podem ser encontradas todo o ano, são hermafroditas e possuem pétalas brancas. Os frutos são bagas globosas que quando maduras são de cor alaranjada a vermelho-escuro.

É muito fácil a reprodução da pitangueira por sementes, levando as mesmas cerca de 2 meses para germinar.

De acordo com Maria da Graça Freitas Aguiar, da Direção Regional da Agricultura da Madeira: “O compasso de plantação aconselhado num pomar é de 3 por 2 metros, o que origina uma densidade de plantação de 167 plantas por mil m2 e uma produção média de 2 500 kg por ano. Da plantação ao início da produção leva três anos.”

A pitangueira é uma planta que pode ser usada para os mais diversos fins. Com a madeira podem ser fabricados instrumentos usados na agricultura, as folhas são usadas com fins medicinais, para debelar a febre, combater as gripes, a diarreia, etc.. Os frutos podem ser consumidos em fresco ou usados para a preparação de doces, geleias, tartes, gelados licores ou sumos.

Não sendo usada na medicina popular nos Açores, na ilha da Madeira, mais propriamente na Freguesia da Fajã da Ovelha, a infusão das folhas da pitangueira é utilizada para combater a diabetes e o colesterol.

Para além do referido, as pitangueiras, por suportarem muito bem as podas, podem ser usadas para formar sebes. Os apicultores, por seu turno, têm nas pitangueiras um grande aliado, pois as suas flores são muito procuradas pelas abelhas que com elas produzem um mel muito saboroso.

A pitangueira, também pode ser usada como planta ornamental, existindo exemplares muito interessantes, em quintas particulares e em jardins públicos e privados, como no Jardim José do Canto, no Jardim da Universidade dos Açores, na cidade de Ponta Delgada, e na Quinta da Torre, nas Capelas.

No livro “Segredos de Cozinha Madeira e Porto Santo”, a sua autora, Zita Cardoso, dá a conhecer o modo de fazer licor de pitanga e uma receita de um pudim, que abaixo se transcreve:

“Ingredientes

1 kg de pitanga ralada

1 lata de leite condensado

3 pacotes de natas

10 folhas de gelatina

Modo de fazer

Tirar os caroços às pitangas e ralá-las. Bater as natas, o leite condensado, o puré de pitangas e por fim a gelatina derretida num pouco de água morna.

Misturar tudo e deitar numa taça para gelar no frigorífico, de um dia para o outro.

Guarnecer a gosto.”

Teófilo Braga

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Jambeiro


Jambeiro

Hoje, ainda poucas pessoas conhecem o jambeiro, jambo ou jambreiro e as mais idosas que a conhecem referem imediatamente o seu “sabor a rosas” do seu fruto.

O jambeiro, cuja designação científica é Syzygium jambos L. (Alston), é uma planta pertencente à família Myrtaceae nativa do Sul da China e Sudeste da Ásia até à Austrália, sendo cultivado em quase todos os países tropicais.

Não conhecemos quando e quem introduziu a planta nos Açores, mas sabemos que já existiam jambeiros, na primavera de 1856, no Jardim José do Canto, em Ponta Delgada.

Arbusto ou árvore que pode atingir até 15 metros de altura, mas que entre nós é geralmente muito mais baixa, e que frutifica nos Açores nos meses de dezembro e janeiro, normalmente a partir do sexto ano. As folhas são persistentes, coriáceas, elípticas e terminam em ponta, as flores são cremes e os frutos são globosos e quando maduros são amarelados. As sementes são esféricas.

É muito fácil a reprodução do jambeiro por sementes, contudo, segundo Arlindo Cabral, também é possível reproduzi-lo por estaca em estufa.

Arlindo Cabral, no número sete do Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, sobre o fruto escreveu o seguinte:

É doce, um pouco farinhento, e com suave aroma a rosas. Pode, todavia, afirmar-se não ser fruto de grande valia, pessoas havendo que o acham enjoativo e seco. Não é muito estimado nos Açores, raramente constituindo motivo de comércio.”

Sobre a existência de jambeiros nos Açores. o mesmo autor menciona o seguinte:

“Encontram-se apenas árvores isoladas em quintas ou jardins, mais como curiosidade do que como fonte de produção de fruta com que contar para a alimentação ou para venda, embora esta se observe uma vez por outra.”

Hoje, passados 76 anos após a publicação do texto de Arlindo Cabral, a situação não se alterou, isto é continua a ser cultivado essencialmente por ser uma bonita planta ornamental, existindo em várias quintas particulares e em jardins públicos e privados, como o Jardim José do Canto, o Jardim António Borges, o espaço ajardinado da Escola Secundária das Laranjeiras, em Ponta Delgada, o antigo Jardim de Sebastião do Canto, em Vila Franca do Campo, e o Parque Terra Nostra, nas Furnas.

Sobre o jambeiro e a sua utilização na página amelia/palmela (https://www.ameliapalmela.pt/) pode ler-se o seguinte:

“Possui um forte apelo ornamental especialmente na época da floração, onde se cria um visual espetacular. É muito indicado para ser plantado em calçadas, pois além de ficar muito bonita quando florida, proporciona uma bela sombra para proteger os carros do sol. No seu tamanho adulto pode atingir até 15 metros de altura e 60 cm de diâmetro do tronco, porém para chegar a este tamanho deve demorar mais de 20 anos após a plantação. Apresenta grande plasticidade às condições ambientais adversas (ex. alta resistência ao vento e tolerância ao sal), e fácil adaptação aos ambientes de florestas tropicais húmidas.

Apresenta diferentes utilidades ao uso humano. Sendo usados como corta-ventos e para controle de erosão (embora existam restrições). Sua madeira é amplamente usada como combustível (lenha) (um dos principais motivos da sua ampla disseminação pelo mundo) e para extração de tanino. Embora apresente baixa qualidade, a sua madeira também é usada na construção civil e confecção de artesanatos. Os seus frutos são bastante apreciados para consumo humano e usados para produção de doces e geleias. Nalgumas regiões, madeira, raízes, frutos e sementes costumam ser utilizadas na medicina popular.”

Para os interessados, abaixo, publicamos uma receita de doce de jambo (http://www.andreaquitutes.com/2013/11/doce-de-jambo.html)

Ingredientes:

500g de jambo amarelo, 1 e 1/2 xícara (chá) de açúcar, 1/2 xícara (chá) de água, 5 cravos da Índia.

Modo de fazer:

Lave os jambos, corte-os ao meio, retire os caroços.

No liquidificador, coloque o jambo e a água, bata por alguns minutos.

Transfira a polpa para uma panela, junte o açúcar e os cravos, leve ao fogo médio mexendo de vez em quando até engrossar.”

Teófilo Braga

domingo, 14 de janeiro de 2024

Inhame


Inhame

Alguns autores consideram que o inhame é originário das florestas do Gana, na África Ocidental, enquanto outros afirmam que o mesmo provém do continente asiático, da Índia, do Bangladesh e de Myanmar.

O inhame é cultivado nos Açores desde o início do seu povoamento, havendo referência ao mesmo no Livro Saudades da Terra, de Gaspar Frutuoso. No livro VI, referindo-se há ilha Terceira, Frutuoso escreveu:

“É esta ilha abundantíssima de trigo de várias castas, anáfil, barbela, tremês, pelado, canoco, que ora responde a doze, catorze e vinte moios por moio de terra. No tempo antigo respondiam a sessenta moios por moio, e o mesmo a cevada, centeio, milho miúdo e zaburro. E dá todo o género de ligumes (sic), grãos, chíchoros (sic), lentilhas, favas, ervilhas, junça, inhames e betatas (sic), e toda a sorte de hortalice muito boa, em grande abundância, como melões, pepinos, rábãos, couves murcianas, nabos, abobras de muitas castas, e cardos.”

O Dr. Carreiro da Costa, no número oito do Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, publicado em 1948, afirma que a cultura do inhame era já praticada nas nossas ilhas na segunda metade do século XVI.

De acordo com o mesmo autor, nos Açores, eram cultivadas três variedades de inhame (branca, roxa e vermelha) e o cultivo podia ser a seco ou em água. Sobre o cultino a seco, escreveu:

“…costuma iniciar-se em Fevereiro, abrindo-se primeiramente na terra, à distância de 60 a 70 centímetros, “covoletas” de 10 centímetros de profundidade e outro tanto de diâmetro, nas quais se coloca em seguida um pouco de estrume e sobre este a corôa, isto é, a parte superior da soca tuberosa do inhame.”

O inhame (Colocasia esculenta (L.) Schott), também conhecido por coco, soca, minhotos (inhames pequenos), que pertence à família Araceae, é cultivado em todas as ilhas dos Açores., mas também pode ser encontrado escapado de cultura.

O inhame é uma planta herbácea de pequeno porte, raramente ultrapassando 1 metro de altura. As folhas verde-escuras são bastante grandes e em forma de coração, apresentando um longo pecíolo. O caule é subterrâneo e apresenta uma forma arredondada ou oval de cor parda ou arroxeada, sendo branca no interior. As flores podem ser encontradas entre os meses de setembro e dezembro.

O Dr. Carreiro da Costa no texto já mencionado afirma que o inhame é “muitíssimo apreciado pela gente pobre das freguesias rurais que o come geralmente cozido em água e sal e, por vezes, depois de cozido, frito, às rodelas e pulverizado com açúcar e canela”.

Referindo-se a São Jorge, Manuel Teixeira Brasil , no seu livro “Algumas notas sobre a cultura do inhame em São Jorge”, publicado em 1989, escreve que “o inhame era comida de escravo e das classes desfavorecidas” e que na casa das classes abastadas só era usado em períodos “de crises alimentares ou como prato apetitoso, em cuja ementa dos mais tradicionais em São Jorge, citamos os inhames com linguiça, e, inhames com torresmos de cabinho.”

De acordo com um texto publicado no âmbito do projeto AgricoMAC (http://www.agricomac.eu/2portug/inhameazores2.htm) “o inhame para ficar bem cozido e saboroso, deve ser cozinhado durante várias horas, fica assim preparado para ser utilizado cozido ou frito, como acompanhamento da maioria dos pratos da cozinha açoriana. Pode também ser servido com açúcar e sumo de limão, ou simplesmente com mel, tornando-se numa excelente sobremesa.”

Alguns autores apontam como indicações medicinais dos inhames, entre outras, as seguintes: desnutrição, convalescença, falta de energia, anemia, edema reumático.

Teófilo Braga

Cana-de-açúcar


Cana-de-açúcar

A cana-de-açúcar é uma planta proveniente do sul e sudeste asiático, sendo cultivada em diferentes países, com destaque para o Brasil, Cuba, África do Sul e Moçambique.

A cana-de-açúcar já era conhecida, em Portugal, desde os primeiros reis, tendo sido introduzida pelos portugueses na Madeira, nos Açores, em Cabo Verde, em São Tomé e Príncipe, na costa ocidental africana e no Brasil, que hoje é o maior produtor mundial.

Nos séculos XV e XVI foi uma das principais culturas existentes nos Açores, tendo tido maior desenvolvimento na ilha de São Miguel.

De acordo com Gaspar Frutuoso, as primeiras plantas vieram da ilha da Madeira, de onde terão vindo, mais tarde, algumas pessoas conhecedoras do processo de fabrico do açúcar.

Ao descrever a ilha de São Miguel, aquele cronista menciona a existência de vários engenhos de açúcar em Vila Franca do Campo e refere uma causa para o fracasso do cultivo da cana-de-açúcar nos seguintes termos:

“Da Ponta de São Pedro corre uma rocha baixa, onde há muitos pessegueiros, por espaço de uma octava parte de uma légua, até à ribeira de Água de Alto, que se chama assim por cair a sua água de um lugar alto; naquela ribeira estiveram quatro engenhos de açúcar, no tempo que as canas dele floresciam, um de Baltasar Pardo, da ilha da Madeira, com companhia de Sebastião Gonçalves, natural da mesma Vila, o qual foi o primeiro engenho de água que houve nesta ilha, porque o primeiro sem água foi de mó de engenho; e acima dele outro de António Fernandes, o Gramático, que fez com companhia de Baltasar de Armenteiros e doutros; mais acima, outro de Gabriel Coelho, em companhia de António de Pesqueira, burgalês, e de Simão da Mota e doutros; estes todos estão desfeitos de tudo, sem haver sinal deles, depois que o bicho das canas prevaleceu; está outro, que foi de Pero da Costa e outros companheiros, e agora é parte dos Crastos, que está desaparelhado e não se usa dele, ainda que as oficinas estão inteiras, em uma fajã mui alegre, cercada de uma rocha baixa, onde houve muitas árvores de figueiras e pereiras e de deleitosas sombras, de que ainda hoje ficou algum sinal …”

Nas restantes ilhas pouca informação existe sobre o cultivo ou tentativas de cultivo da cana-de-açúcar, com exceção para o Faial, onde chegou a ter alguma importância. Assim, de acordo com Marcelino Lima, citado por Carreiro da Costa (BCRCAA, nº 10), “a cultura da cana sacarina foi praticada no Faial, donde se exportava todo o açúcar para o Continente e para a Flandres.”

A cana-de-açúcar ou cana-sacarina (Saccharum officinarum L.), da família Poaceae, é uma planta herbácea com colmos cilíndricos de cor verde amarelado e com folhas lineares.

A cana-de-açúcar, para além da produção do açúcar, é usada para a produção de caldo de cana, bebidas alcoólicas, produtos usados na medicina e biocombustíveis, como o etanol e o biometanol.

O seu uso na alimentação é vantajoso, pois é rica em vitaminas e minerais. No que diz respeito a propriedades medicinais, sabe-se que o melaço de cana-de-açúcar é rico em polifenóis que podem agir como antioxidantes.

No passado, embora não fosse muito fácil encontrar, as crianças, em Vila Franca do Campo, tiravam a casca de pedaços do caule e mastigavam, obtendo um suco adocicado. Recordo que faziam o mesmo com os caules do milho (milheiros).

Na ilha de São Miguel, para a produção de açúcar a cana acabou por ser substituída pela beterraba sacarina que no século XIX era usada para a alimentação do gado bovino. A autorização para a construção de uma fábrica para a laboração da beterraba foi dada em 1903 e a mesma foi instalada em Santa Clara, em 1906.

Em 1969, a fábrica foi comprada pela SINAGA (Sociedade Indústrias Agrícolas Açoreanas), empresa que na década de 60 chegou a transformar 200 mil toneladas de beterraba.

Teófilo Braga

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Tupinambo


Tupinambo

O tupinambo, alcachofra-de-jerusalém ou girassol-batateiro (Helianthus tuberosus L.) é uma planta da família Asteraceae, muito parecida com o girassol, nativa da América do Norte e é cultivada em virtude do seu tubérculo ser comestível.

É uma planta herbácea perene, com caules cilíndricos e direitos que podem atingir dois metros de altura. As suas folhas são alternas e de forma oval ou cordiforme. As suas flores são amarelas e encontram-se dispostas em capítulos.

Trazida para a Europa pelo navegador Samuel Champlain, em 1625, alguns autores consideram que mais do que ser comestível pelos humanos a sua importância está na sua utilização na alimentação do gado.

A plantação do tupinambo faz-se na primavera e a colheita, que deve ser feita anualmente, no fim do inverno. Como os tubérculos conservam-se melhor na terra devem ser retirados à medida das necessidades.

O tupinambo deve ser plantado em linhas, em covas distanciadas entre si de 0,5 m, colocando em cada uma um tubérculo à profundidade aproximada de 0,15 m.

Hoje, a sua cultura nos Açores é quase nula, apenas conhecendo-se, uma quinta em modo de produção biológico existente na freguesia das Capelas, ilha de São Miguel, que cultiva e usa o tupinambo na alimentação.

Não se conhece com precisão a data da introdução do tupinambo nos Açores, mas sabe-se que a sua cultura foi fomentada no século XIX, pela Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense que publicou vários textos sobre o seu cultivo em diversos números do seu órgão periódico, “O Agricultor Micaelense”.

No nº 1 da referida publicação do ano de 1848, é publicado um anúncio onde é pedido aos interessados em cultivar o tupinambo para se inscreverem na tipografia onde era impressa a revista a fim de receberem depois os tubérculos destinados a tal fim. No texto, pode ler-se o seguinte: “ d’esta útil planta, que substitue as batatas ordinárias, sem ser sujeita ao mal que as tem perseguido, nos últimos anos, possuindo a vantagem de medrar no péssimo dos terrenos, sem auxilio d’estrume…”

No nº 2, relativo ao ano referido, é publicado um texto sobre o modo de cultivo do tupinambo que se transcreve um extrato:

“O tempo da sementeira é no fim de Fevereiro, e o mais tardar, até aos primeiros quinze dias de Março. A todos os terrenos se amolda; nos bons melhor produz; mas nos áridos sujeitos a secas não descontenta. Não carece de estrume, quem o quiser, porém amimar, pode usar de cinza: se a terra for grossa, e fechada, areia ou cascalho é o melhor correctivo. Plantam-se as todas em regos de 6 palmos de intervalo, com distância de 3 palmos de pé a pé, e na fundura de meio palmo.

Em a planta chegando a palmo e meio d’altura, dá-se um sachinho a matar a monda, e alguns dias depois abarba-se bem abarbada. Cortam-se todas as flores amarelas do tupinambo, mal aparecem, quando não, diminuem a colheita…”

Na alimentação de animais são usados os tubérculos crus ou cozidos e os ramos e as folhas verdes.

Na alimentação humana o tupinambo pode substituir a batata, sendo um alimento indicado para diabéticos pelo facto de ser rico em inulina (um frutano, polissacarídeo da frutose). Além disso é pouco calórico e contém as vitaminas A, B, C e D e os minerais ferro, silício e potássio). Os tubérculos podem ser consumidos crus, cozidos, fritos, em conservas ou transformados em farinha.

O tupinambo, também, pode ser usado como matéria-prima para o fabrico de um álcool de boa qualidade.

No livro “Medicina pelas Plantas”, o médico Oliveira Feijão, escreveu que a maceração das folhas em vinho tinto é utilizada como calmante e resolutivo e o infuso das flores como febrífugo e anti oftálmico”.

Teófilo Braga

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024


Amendoim

O amendoim, que é originário da América do Sul, já era cultivado no Brasil quando os portugueses lá chegaram. Do Brasil os portugueses levaram-no para o Oriente e para África, onde no século XVI já era uma cultura com algum relevo.

O amendoim era, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, semeado nos terrenos que tinham sido cultivados com trigo, após a colheita deste. Assim, segundo o regente-agrícola Jaime de Melo Cabido, era “como cultura de restolho, o campeão pelos seus grandes rendimentos económicos”.

Considerada uma cultura tradicional em todo o arquipélago dos Açores, na ilha de São Miguel as zonas mais cultivadas e com bons resultados situavam-se nos concelhos de Vila Franca do Campo e da Ribeira Grande.

Atualmente, nos Açores, o seu cultivo é muito reduzido e destinado, essencialmente, ao autoconsumo, mas no passado teve uma importância significativa. Assim, em 1951, nos Açores existiam 1221 cultivadores e a área cultivada era de 186,05 hectares.

O amendoim (Arachis hypogaea L), planta herbácea pertencente à família Fabaceae, com caule pequeno e folhas pequenas com quatro folíolos de forma elíptica. As suas flores são pequenas e amarelas e os frutos são vagens com, em média, 5cm que crescem debaixo da terra. Os frutos são oblongos, podendo conter de 2 a 5 sementes.

De acordo com Joaquim Barbosa, no seu livro “A Horta” publicado em 1902, o amendoim “deve ser semeado em linhas em terra leve bem exposta ao meio-dia e quando não haja a recear nada das geadas, em fins da primavera. O terreno deve ser bem sachado depois da planta nascida, para que passada a floração, as vagens possam penetrar na terra e ahi completarem o seu crescimento e maduração.”

Sobre o uso do amendoim, Joaquim Barbosa, escreveu o seguinte:

“As sementes do Amendoim frescas e cruas assimilam-se pelo gosto às avellãs, e cozidas às amêndoas da Pistacea vera. Em muitas partes entram na composição de diferentes doces, principalmente nas drágeas. Torradas, esmagadas e pisadas servem para preparar um pastel análogo ao chocolate pela cor e pelo gosto.

D´estas sementes extrahe-se um óleo de empregos económicos muito importantes, que póde substituir o azeite nos seus diversos usos e o óleo de amêndoas doces em certas preparações.”

Nos Açores, há várias receitas que usam amendoim na sua composição. De um caderno da professora Maria Emília Sousa Pereira, professora primária natural de Ponta Delgada, retiramos a de Torrão de Amendoim:

“Um quartilho de leite, 500 gramas de açúcar, 1 colher de manteiga de vaca, 4 paus de chocolate ou 3 colheres de chá de cacau e 100 g de amendoim.

Põe-se o leite ao lume com o açúcar e depois de ferver um bocado deita-se a manteiga e o chocolate e quando começa a engrossar deitam-se os amendoins a ferver até fazer rego no tacho. Quando aparece o fundo do tacho, tira-se do lume e deita-se numa travessa untada com manteiga. Logo que esteja morno, corta-se em quadrados ou losangos e deixa-se ficar na travessa até ficar completamente frio.”

Embora a planta tenha grande interesse alimentar, hoje está muito divulgado o consumo de manteiga de amendoim, a sua cultura só teve grande expansão quando as suas sementes passaram a ser utilizadas na extração do óleo, muito consumido nos países industrializados.

7 de janeiro de 2024

Teófilo Braga

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Açafroa


Açafroa

A açafroa, açaflor ou saflor cuja designação Carthamus deriva do hebraico kartami, que significa tingir, foi uma das plantas tintureiras mais importantes até ao aparecimento dos corantes químicos. Pertencente à família Asteracea, a açafroa (Carthamus tinctorius L.) é originária do Irão.

Nos Açores, a açafora é cultivada em todas as ilhas, mas no Faial, Flores e Graciosa é possível encontrar escapada da cultura sobretudo em terrenos abandonados e com entulhos.

De acordo com o camponês Carlos Agostinho (2024), natural e residente na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, a sementeira faz-se no final de fevereiro, colocando-se 3 sementes em cada caseira que devem estar separadas de 30 a 40 cm umas das outras.

Silvano Pereira (1947) sobre o cultivo da açafroa escreveu o seguinte:

A eclosão das flores realiza-se em Julho e Agosto, saindo primeiramente as periféricas e depois as do centro da inflorescência, por uma estreita abertura do invólucro capitular. Semeia-se em linhas, em Março ou Abril, nas margens das hortas ou dos quintais, perto da casa de habitação do cultivador, para facilitar a colheita.

Para isso, abrem-se sulcos de 10 a 15 centímetros de profundidade, aduba-se com um pouco de estrume consumido e lançam-se as sementes (aquênios) que se cobrem com uns 10 centímetros de terra. Como amanhos culturais, procede-se a um desbaste e uma ou duas sachas.

Por ocasião da floração, cortam-se as flores (que desabrocham dos capítulos) de dois em dois dias, servindo-se da unha do dedo polegar apoiada no indicador. Esta colheita faz-se de-manhãzinha, quando as folhas estão brandas e os espinhos menos acerados. Retiradas as primeiras flores desabrochadas (corolas e estiletes), outra camada de flores vai eclodir para ser cortada, e assim sucessivamente, por uma ou duas semanas.

A açafroa é uma planta herbácea, anual, que pode atingir 1,5 m de altura. Apresenta caules glabros, folhas serradas e espinhosas e capítulos isolados amarelo-alaranjados. As flores surgem normalmente entre junho e setembro. Os frutos são aquênios brancos, tetragonais, glabros.

Cultivada em alguns países como planta oleaginosa, nos Açores é usada essencialmente para fins culinários e no passado na medicina popular.

Sobre o seu uso nos Açores, Silvano Pereira (1947) escreveu o seguinte:

“As flores colhidas expõem-se ao sol a secar em tabuleiros e, quando secas, são moídas por processos rudimentares, geralmente, amassados dentro dum saco de pano, resultando um pó alaranjado, que se guarda em frascos bem rolhados—a farinha de açafroa. Serve este pó para condimentar e corar molhos e guisados, como substituto do pimentão doce ou colorau. É um condimento fundamental do famoso “molho de vilão”. O o seu emprego típico e tradicional é nas açordas — caldo magro usado pela gente pobre, confeccionado com água, sal, banha, cebola e alho e a competente açafroa, que lhe dá o cheiro e o gosto peculiares.”

Em 1997, Yolanda Corsépius refere o seu uso como digestiva e purgante e acrescenta que as “folhas ou as sementes deitadas no leite servem para o coalhar”.

O terceirense Augusto Gomes, para além de mencionar o seu uso como corante na doçaria, menciona o facto de “alguns antigos livros de casas morgadias” darem-nos “a receita de uma tisana feita com os filamentos amarelos da flor, eficaz para a asma, coqueluche e doenças nervosas”.

O mesmo autor no seu livro “A Alma da Nossa Gente” apresenta a receita de um xarope destinado às crianças na fase da dentição que apresentava a seguinte composição: açaflor (3g), tamarindo (30 g), mel de abelha (200 g) e água (100 g).

No livro “Plantas e produtos vegetais em fitoterapia” é mencionado a utilização do óleo na prevenção da aterosclerose e em micoses. O mesmo livro aconselha a não utilização de “preparações à base de flores, nem sementes, durante a gravidez”.

Teófilo Braga

Silvas


Silvas

A silva, silvado-bravo ou silva-brava (Rubus ulmifolius Schott) que se encontra naturalizada nos Açores, é uma planta pertencente à família Rosaceae, oriunda da Europa e norte de África. Nos Açores, pode ser encontrada em todas as ilhas.

A silva foi trazida para os Açores pelos primeiros povoadores para servir de sebe, sendo também usada para alimentação de gado caprino. Sobre o assunto, Gaspar Frutuoso escreveu que as mesmas foram trazidas para Ponta Delgada por Maria Gonçalves “para com elas fazer tapumes nos pomares, hortas e campos” e que “muitos homens procuram ter esta criação de cabras nesta ilha, por haver muitas silvas nela, que é seu mais principal pasto.”

A silva é um arbusto sarmentoso, prostrado ou trepador, com 2-3 m de comprimento. As folhas são pecioladas de três a cinco folíolos, as flores, que surgem de março a outubro, são rosadas a esbranquiçadas e o fruto é formado por pequenas drupas que ficam negras quando maduras.

Os frutos são usados para o fabrico de licores e do afamado doce de amora, o qual, segundo escreve Augusto Gomes, no livro “Cozinha Tradicional da Ilha Terceira”, faz-se do seguinte modo: “leva-se a cozer em um tacho, quantidades iguais de amoras e açúcar, até atingir a consistência desejada.”

As silvas são também usadas com fins medicinais, sendo também citada como umas das plantas utilizadas na medicina popular dos Açores.

Em 1894, Joaquim Cândido Abranches, no seu livro “Medicina Popular Michaelense”, escreveu o seguinte: “Os rebentos novos da planta mastigados são bons contra a inflamação da garganta; os frutos em calda de açúcar contra a disenteria, e em licor acalmam as dores do ventre”.

Silvano Pereira, por seu lado, em 1953, no Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, mencionou que “as extremidades tenras dos seus rebentos (olhos de silva), bem como as raízes, são empregadas em decocto, como antidiarreico”.

Segundo o inquérito por nós realizado em 1988, na Ribeira Chã, a silva era usada em infusão no tratamento da diarreia e o “mastigar o caule do olho da silva” no tratamento das infeções da boca.

Endémica dos Açores, existe a silva-mansa ou silvado-manso (Rubus hochstetterorum Seub.) que, Segundo Rui Bento Elias, não pode ser encontrada nas ilhas de São Miguel e Graciosa. Esta é usada essencialmente na alimentação, pois os seus frutos também são comestíveis e servem para fazer compotas e licores.

Diogo de Chagas, no século XVII, ao descrever a ilha das Flores já menciona a existência das duas espécies de silvas. Assim, segundo ele, citado por Carreiro da Costa, no BCRCAA, nº 10, naquela ilha existiam “muitas e boas frutas silvestres e em muita quantidade como são árvores de silvas de mato e que lá chamam silvas mansas (por não terem tantos picões, como estas que vieram do Reino, para estas ilhas, as quais naquela Ilha chamam silvas bravas e não fazem caso do fruto) que são tão grandes como de amoreiras e maiores e de tão bom e melhor sabor e quando maduras são de cor negra e quanto mais negro mais perfeita”.

A silva (ou silvado) surge em várias quadras do cancioneiro popular. Teófilo Braga (Ponta Delgada, 24 de fevereiro de 1843- Lisboa, 28 de janeiro de 1924), no livro “Cantos Populares do Arquipélago Açoriano”, transcreve as seguintes quadras:

O silvado na parede

Vae comer à outra banda;

Teus olhos hão-de ser meus,

Ainda que eu corra demanda.

Uma silva, duas silvas

Fazem uma silva emmoutada;

Uma pica, outra arranha:

Com silvas não quero nada.

Quem quizer que a silva pegue,

Faça-lhe um fundo valado;

Quem quizer o amor firme,

Traga-o escandalizado.

Teófilo Braga

terça-feira, 2 de janeiro de 2024


Os verbos da disciplina de Francês

Um dos trabalhos da casa (TPC) na disciplina de Francês era escrevermos num caderno que tinha um formato parecido com o rol dos fiados dos merceeiros todos os tempos de determinado verbo, sendo os primeiros o “avoir” e o “être”.

O professor, em cada aula, passava um verbo para casa. Na seguinte, formava-se uma fila de alunos para mostrar o que cada um havia feito em casa.

Por vezes algum aluno esquecia-se de fazer o TPC e outros não o faziam quase sistematicamente. Para não serem penalizados abaixavam-se na fila, o professor não os via e safavam-se. Para não correrem o risco de o professor desconfiar e mandar que voltassem a mostrar o verbo, pediam ou surripiavam a um colega o seu trabalho e ao serem chamados mostravam o alheio. Para o professor bastava ver a sua assinatura.

Alguns dos testes consistiam em conjugar um dos verbos que o professor já havia passado para ser feito em casa. Para não correrem o risco de errar havia quem, em folhas de teste compradas no Externato, fazia o trabalho em casa e levava-o para a sala debaixo da bata branca que era obrigatória. Na sala, fingia que estava a fazer o teste e passado algum tempo, depois de um ou outro colega já ter entregado o seu, arrumava o que estava a fazer e tirava as folhas que estavam por baixo da bata e entregava-as ao professor.

Naquele tempo, não havia inflação de notas e as regras nem sempre eram respeitadas. As classificações eram de zero a vinte, mas a pontuação máxima no teste daquele professor era de 12 valores. Ninguém se queixava, a ditadura ainda não tinha caído.
2 de janeiro de 2024

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Cedro-do-mato


Cedro-do-mato

O cedro-do-mato, cedro-das-ilhas, cedro-da-terra ou zimbro (Juniperus brevifolia (Seub.) Antoine é uma árvore, a única conífera existente nos Açores que não foi introduzida, que pertence à família Cupressaceae.

Endémico dos Açores, existente em todas as ilhas exceto na Graciosa, embora nalgumas delas a sua presença seja muito rara, o cedro-do-mato é uma espécie perenifólia que pode medir até 12 m de altura. O cedro-do-mato tem uma copa larga e geralmente apresenta um tronco recurvado. As folhas são agulhas em grupos fechados, com duas bandas brancas na parte superior.

De acordo com Vieira, Moura e Silva (2020) recentemente foram descritos dois novos taxa endémicos, o Juniperus brevifolia maritima que vive abaixo dos 100 metros de altitude, no passado vimos um exemplar, entretanto já desaparecido, junto ao Campo de Futebol de Rabo de Peixe, muito próximo da famosa gruta onde foi encontrada a Torá (livro sagrado do judaísmo), e o Juniperus brevifolia montanum que vive entre os 850 e os 1500 metros de altitude.

Em algumas ilhas dos Açores, nomeadamente, Faial, Pico, São Jorge, Terceira e São Miguel sobre os ramos dos cedros é possível encontrar uma planta hemiparasita verde-amarelada denominada espigo-de-cedro (Arceuthobium azoricum). De acordo com Rui Elias, a planta é rara no Faial e em São Miguel.

A presença do cedro-do-mato nas várias ilhas dos Açores é mencionada por Gaspar Frutuoso nas Saudades da Terra. Assim, referindo-se à ilha de São Miguel, escreveu o seguinte:

“Chegando aqui às ilhas os novos descobridores, tomaram terra no lugar, onde agora se chama a Povoação Velha, pela que ali fizeram depois, como adiante contarei, e, desembarcando antre duas frescas ribeiras de claras, doces e frias águas, antre rochas e terras altas, todas cobertas de alto e espesso arvoredo de cedros, louros, ginjas e faias, e outras diversas árvores, deram todos, com muito contentamento e festa, graças a Deus, não as que por tão alta mercê se lhe deviam, senão as que podem dar uns corações contentes com o bem tão grande que tinham presente, desejado por muitos dias e com tanto trabalho e enfadamento de importunas viagens por tantas vezes buscado.”

No passado já longínquo, no início do povoamento, terão existido grandes bosques de cedro-do-mato com exemplares de grandes dimensões de tal modo que os seus troncos serviram para a obtenção de vigas e pranchas usadas em igrejas, conventos e outros edifícios. A este propósito Carreiro da Costa, citando Bernardino de Sena Freitas, escreveu o seguinte:

“Realmente, apesar de todas estas calamidades, o mato do interior de S. Miguel continuava a constituir uma grande e apreciável fonte de riqueza, porque destruída coo fora a Igreja Matriz de Vila Franca do Campo com a aludida subversão, em 1522, o capitão donatário Ruy Gonçalves da Câmara, segundo de nome, ordenou o corte, no Vale das Furnas, de grande quantidade de cedros, para o tecto, e de muitas outras madeiras.”

A sua madeira, também, foi usada como combustível, para o fabrico de carvão, na construção de barcos e em marcenaria.

O médico Acúrcio Garcia Ramos, em 1871, mencionou o uso de preparados de cedro-do-mato, na medicina popular, como diuréticos e tónicos.

Na ilha Terceira, conheci Manuel José Dias Júnior (1913-1999), natural de São Miguel, mas que viveu em Angra do Heroísmo durante meio século que, para além de comerciante e jornalista, também foi artesão. Com efeito, ninguém como ele se dedicou à talha em madeira de cedro-do-mato, explorando essencialmente motivos etnográficos.

Hoje, o cedro-do-mato é cada vez mais usado como planta ornamental, em alguns jardins públicos e privados, como o Jardim do Palácio de Santana, o Jardim José do Canto e o Parque Terra Nostra, na ilha de São Miguel.

Em 2019, Raimundo Quintal, especialista em fitogeografia, que desde 1983 tem vindo a estudar a fitodiversidade de parques e jardins dos Açores, sugeriu a classificação do cedro-do-mato do Campo de Golfe das Furnas como árvore de interesse público.
Teófilo Braga