terça-feira, 3 de abril de 2018

A propósito do nariz partido do Infante D. Henrique


A propósito do nariz partido do Infante D. Henrique

De vez em quando surgem pessoas de Vila Franca do Campo, algumas delas emigrantes, a lamentar o facto da Estátua do Infante D. Henrique (1394 – 1460), existente em Vila Franca do Campo apresentar o nariz partido já há alguns anos sem que as entidades que deviam zelar pela conservação do património local façam alguma coisa.

Desafiado por alguns amigos, decidi dar a conhecer um pouco da história da estátua do Infante existente no meu concelho de nascimento, tendo por base pesquisas que efetuei no Correio dos Açores do ano de 1932.

Quando estudei, tanto na escola primária como no 2º e terceiro ciclos (até ao atual 9º ano), o Infante D. Henrique era apresentado como uma das grandes figuras da História de Portugal. O historiador Oliveira Martins também o considera como um dos grandes vultos nacionais tendo na sua História de Portugal sobre ele escrito o seguinte:

“… Dominado por um grande pensamento, é desumano, como quase todos os grandes homens; mas, no limitado número dos nossos nomes célebres, o de D. Henrique está ao lado do primeiro Afonso e de D. João II. Um fundou o reino, outro fundou o império efémero do Oriente; entre ambos D. Henrique foi o herói pertinaz e duro, a cuja força Portugal deveu a honra de preceder as nações da Europa na obra do reconhecimento e vassalagem de todo o globo”

A estátua do Infante D. Henrique existente em Vila Franca do Campo é da autoria de Simões de Almeida (1880- 1950), escultor natural de Figueiró dos Vinhos que foi casado com a micaelense Margarida Alcântara, escultura amadora.

José Simões de Almeida, que foi o autor da primitiva estátua de Bento de Góis inaugurada em 1906 e substituída por outra em 1963, criou a do Infante D. Henrique em 1915, no âmbito da prova final do seu curso na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa.

Depois de passada a mármore, a estátua do Infante D. Henrique veio para Vila Franca do Campo, tendo sido inaugurada em 1932 no âmbito das Comemorações do V Centenário do Descobrimento dos Açores que em Vila Franca do Canto ocorreram com brilhantismo, no dia 26 de agosto.

Do programa do dia referido, para além da chegada pelas 8 h da manhã do navio cruzador Vasco da Gama que trouxe o Delegado do Governo, de um Te-Deum, na Igreja Matriz, da responsabilidade do Padre José Jacinto Botelho, vigário das Furnas, de uma sessão solene, nos Paços do Concelho, onde falaram o presidente da Câmara Municipal, Cândido José de Medeiros, o Dr. Hermano de Mendonça Dias e o escultor Simões de Almeida, realizou-se um cortejo que percorreu as principais ruas da Vila, terminando no largo do Infante onde foi inaugurada a estátua.

Aquando das comemorações referidas, em Portugal governava uma ditadura militar, antecessora do Estado Novo que tomou conta dos destinos de Portugal de 1933, data da aprovação da Constituição, até ao dia 25 de abril de 1974, pelo que o teor dos discursos proferidos atesta a falta de tolerância para quem vivia pacificamente nas suas terras ou professava outros credos, como se demonstra a seguir.

No seu discurso proferido aquando do descerramento da estátua, o Dr. Urbano de Mendonça Dias (1878-1951), ilustre jurista, pedagogo, escritor e político vila-franquense, sobre o Infante D. Henrique disse o seguinte: “… estamos a glorificar, cinco séculos depois, aquele que encarou o génio português e os nossos Açores que nos enchem de orgulho pelo seu valor, pelo seu arrojo, pelo seu patriotismo”.

Sobre o papel dos portugueses no mundo, o mesmo orador, mencionou que “eram grandes quando se batiam com mouros e infiéis, tomando-lhes as terras e os haveres, fazendo-os fugir em debandada à frente das suas lanças, cobardes, sem pátria, sem rei e sem Deus” e acrescentou o seguinte: “mas eles eram grandes, quando colonizavam, levantando por toda a parte Portugal, aquém e além-mar, na África, na Índia e no Brasil; por toda a parte se sente palpitar o coração de Portugal na língua que se fala, nos usos que tem, nos costumes que se guardam, na fé de Cristo que espalharam, pregaram e defenderam”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31494, 4 de abril de 2018, p.12)

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