quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Maximiliana de Deus Sousa


Maximiliana de Deus Sousa

No passado dia 27 de janeiro, faleceu a senhora Maximiliana de Deus Sousa que morou na rua do Jogo, localizada na freguesia da Ribeira Seca, no concelho de Vila Franca do Campo.

Com o seu falecimento, a rua da minha infância e juventude quase desapareceu, restando dos seus moradores, se não estou em erro, apenas o Vitorino Furtado, meu colega de escola, embora um pouco mais velho, e o senhor Augusto Mansinho que é da idade de meu pai, já falecido, e que como ele foi emigrante no Canadá.

A senhora Maximiliana era a pessoa que lá na rua mais me fazia lembrar a minha mãe, pois eram da mesma idade, tendo sido colegas na escola primária, o que ela sempre recordava quando com ela falava, o que aconteceu pela última vez há poucos meses, quando lá fui para buscar a minha tia Zélia Soares que a visitava sempre que ia à sua Ribeira Seca.

Sobre a senhora Maximiliana Sousa e o seu marido, o senhor José Lima Carvalho, muito poderia recordar, pois durante muitos anos frequentei a sua casa., onde, tal como outros amigos, sempre fui muito bem acolhido.

Numa altura, final da década de 60 e inícios da de 70, do século passado, em que os livros não abundavam e em que era grande o número de pessoas que não sabiam ler, recordo que ela pertencia a uma família cujos membros não deviam ter mais do que a escolaridade obrigatória mas que eram cultos e cultivavam o gosto pela leitura. Com efeito, lembro-me de ver o seu pai a ler um livro, sentado à soleira da sua porta e a sua irmã, Maria, que residia em frente à minha casa, também a ler um dos clássicos da literatura portuguesa, Alexandre Herculano ou Camilo Castelo Branco, sentada do lado de dentro da janela.

Hoje, o sucesso escolar não é o pretendido pois a par de um conjunto de atividades que ocupa os jovens e os desvia dos estudos, levando a que não abram livros ou o cadernos diários fora das salas de aula, quando o fazem nelas, ou estude apenas nas vésperas dos testes, o que não é suficiente para obterem boas classificações. A par destes, há alunos, uma minoria, que depois das aulas têm todas as condições para o sucesso quer devido ao acompanhamento dos pais, pelo menos numa primeira fase dos estudos, quer por terem apoios, através de explicadores particulares ou dos diversos centros de explicações existentes.

Na altura em que estudei no Externato de Vila Franca do Campo, entre 1968 e 1973, não conheci nenhum centro de explicações em Vila Franca do Campo e na Ribeira Seca penso que não havia explicadores.

Para colmatar a falta de explicadores e como forma de motivar nos estudos, a cozinha da casa da senhora Maximiliana Sousa e do senhor José de Lima transformava-se durante algumas horas do dia em centro de estudo, onde os participantes desenvolviam trabalho autónomo, estudo das diversas disciplinas ou realização de trabalhos de casa. As dúvidas eram tiradas por quem já havia percebido a matéria ou pelos colegas que frequentavam anos mais avançados.

Para além de ter beneficiado desta forma cooperativa de estudar, recordo também os nomes dos seus dois filhos, António José e Emanuel, do Emanuel Batista (penso que o Mário também) e do Paulo Jorge Ferreira. Além destes, penso que o seu filho Urbano e o meu irmão Daniel, mais novos, também participaram nestas sessões de estudo.

Na época em que a televisão ainda não tinha chegado aos Açores, tinham grande audiência entre os ouvintes das várias emissoras de rádio os folhetins radiofónicos. Em data que não consigo precisar, a mesma cozinha, em alguns dias, transformava-se em sítio de escuta coletiva de uma das radionovelas mais famosas, “Simplesmente Maria”.

Com a sua partida, a rua do Jogo para mim já não é a mesma. Os símbolos vivos da minha infância e juventude vão desaparecendo, restando apenas algumas recordações, não sei por quanto tempo.

Esperando que a memória não me tenha atraiçoado, apresento, aos seus familiares, os meus sentidos pêsames.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 30850, 3 de fevereiro de 2016, p.14)

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