domingo, 23 de outubro de 2016
AINDA SOBRE FERRO ALVES
AINDA SOBRE FERRO ALVES
Um texto da minha autoria com uma visão sobre os Açores de Ferro Alves, jornalista e advogado deportado nos Açores durante oito meses, que foi um dos participantes na Revolta que ocorreu nos Açores e na Madeira, em 1931, despertou muita curiosidade em vários leitores que me contactaram pelos mais diversos meios.
Uns queriam ter acesso ao livro para o ler na íntegra, outros queriam saber se era muito grande o número de deportados nos Açores e que influência tiveram os mesmos na vida social e política do arquipélago e outros, ainda, queriam ter acesso a outras fontes que abordassem o tema da oposição à ditadura militar, nomeadamente para conhecer quem, nos Açores, se manteve fiel aos ideais democráticos da Primeira República e que reações terão havido à publicação do livro de Ferro Alves “A Mornaça- A Revolta nos Açores e Madeira em 1931”, editado, em 1935, pela Parceria António Maria Pereira.
Neste texto, por não ser a pessoa mais indicada para o fazer, não vou responder a todas as questões levantadas. Assim, antes de apresentar algumas sugestões de leitura e de dar a conhecer uma forte crítica ao referido livro, farei referência às opiniões de Ferro Alves sobre algumas pessoas influentes na sociedade micaelense.
Segundo Ferro Alves, algumas leis de 1911 ainda não se aplicavam em 1930 pois “a gerontocracia que domina a política local, impede que os governos, sejam quais sejam, de se inteirem das ilegalidades praticadas pelos feudais micaelenses”.
Sobre a evolução da vida política ao longo dos tempos, Ferro Alves escreve o seguinte: “Convém esclarecer que em São Miguel não há opiniões doutrinárias. Existe simplesmente uma oligarquia que através de diversas pessoas manda sempre. Com a Monarquia, com a República, com a Ditadura, o mesmo grupo segue dando leis e impondo a sua hegemonia. Os figurantes mudam, conforme os quadrantes, mas o espírito permanece inalterável”.
Ferro Alves não se limita a emitir a sua opinião e apresenta casos de alguns cidadãos que aquando da revolta e pensando que esta poderia ser vitoriosa “viraram a casaca”. Aqui vai um extrato: “…Como este cidadão procederam alguns outros destacados conservadores que durante a minha efémera passagem pela referida gazeta aproveitavam o mais descabelado pretexto, para me visitarem prodigando frases desdenhosas para os deuses, que adoravam antes, e de francos encómios, para o sol, que na sua miopia julgavam nascente”.
No que diz respeito a bibliografia que poderá ser consultada, entre outos, recomendo a leitura do livro “A Revolta da Madeira e Açores (1931) ”, de Célia Reis, da editora “Livros Horizonte” e o artigo “Autoritarismo e Resistência nos Açores – O Papel do Delegado Especial do Governo da República nos Açores, 1927-1931”, da autoria de José Olívio Rocha, publicado, em 2008, no Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira.
Não conhecendo qualquer reação açoriana ao livro de Ferro Alves, limito-me a referir a que foi publicada, no dia 16 de novembro de 1935, na revista quinzenal “Gazeta dos Caminhos de Ferro”, com o sugestivo título: “A propósito de um livro miserável. Murraça ou Mornaça?
Na apreciação ao livro, entre outras considerações, podemos ler o seguinte:
É claro que, ante a enérgica decisão das tropas do Governo e a ação heroica dos oficiais e soldados da Ditadura Nacional, e embora o Senhor Alves e os seus Companheiros tivesse desembarcado, nos Açores, pletóricos de energia, animosos de fortes desejos animais, prenhes de seiva e dinamismo havia de acabar na tal morrinha que lhes fez ver que a vida não tem beleza.
…
E como aquele senhor já espera contra si as duras flechas envenenadas, cá ficamos na linha dos atiradores para ver se com uma boa dose de murraça o Senhor Alves acorda da Mornaça em que caiu.”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31059, 19 de outubro de 2016, p.16)
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