terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Algumas notas a propósito das Narrativas Insulanas


Com os pés na terra (399)

Algumas notas a propósito das Narrativas Insulanas

Com um prefácio de Avelino de Freitas Meneses que não acrescenta nada à obra, a “Letras Lavadas Edições” publicou, em março de 2018, o livro “Narrativas Insulanas” da autoria de Sebastião Carlos da Costa Brandão e Albuquerque, visconde do Ervedal da Beira, por decreto do mal-amado Rei D. Carlos.

Embora não se trate de um livro que se compare ao que de melhor um não natural escreveu sobre a ilha de São Miguel, como foi o caso dos irmãos Buller, recomendamos a sua leitura a quem quer conhecer um pouco mais a vida na nossa ilha em 1894. De entre o que o autor escreveu, sem a pretensão de publicar, destacamos uma visita ao Pico da Cruz, a sua ida às Furnas e às Sete Cidades e a descrição das visitas aos três jardins de Ponta Delgada: António Borges, Jácome Correia e José do Canto. No que diz respeito às tradições, destaco o relato de uma coroação do Espírito Santo e das Festas do Santo Cristo dos Milagres.

Neste texto apenas vou fazer referência a alguns aspetos que por algum motivo achei por bem dar a conhecer a quem não teve, ainda, a oportunidade de ler o livro referido.

Sobre a minha terra de nascimento, Vila Franca do Campo, o autor relata uma ida à Lagoa do Fogo, não muito bem-sucedida devido ao mau tempo, a partir da Prainha de Água d’Alto. Como o autor apenas esteve de passagem pela vila, no regresso das Furnas a caminho de Ponta Delgada, sobre a mesma apenas escreveu o seguinte: “Passámos em Vila Franca do Campo às quatro horas da tarde, só pudemos ver galinhas, e eram tantas que a mim e ao Matos deu-nos para fazer a estatística delas, no espaço de cem metros e só à volta do carro contámos, eu noventa e oito e ele oitenta e sete, os galos não entravam na conta.”

Quando se diz hoje que a preocupação com os direitos dos animais é uma moda recente, o autor mostra-nos que tal afirmação está errada, pois já no século XIX ele escreveu sobre o assunto. Com efeito, na descrição da visita às Sete Cidades que foi feita com o apoio de burros e de um macho, o autor refere o seguinte: “Despedi-me, primeiro do macho, e depois do acessório, ao Sr. José Jacinto Raposo, industrial moageiro de Feteiras, satisfiz os honorários combinados, dei-lhe ainda uma gorjeta, e pedi-lhe em seu nome que por aquele dia desse férias ao bom animal, e não fosse prendê-lo de novo à moenga, ele assim o prometeu, mas quem sabe se cumpriria!”.

A descrição dos jardins de Ponta Delgada é fabulosa, pelo que só por ela não me arrependi de ter adquirido o livro. Não vou transcrever o que sobre cada um deles o autor escreveu, limito-me, apenas, a referir a introdução que ele fez. Assim, segundo ele “há três parques em Ponta Delgada que por forma alguma não devem deixar de ver-se, pois são admiravelmente belos e alguns deles ricos em plantas, arbustos e primores. …O primeiro, que fica do lado poente é do Sr. António Borges, o segundo é do Sr. Conde Jácome, e o terceiro do Sr. José do Canto. O primeiro revela um artista e poeta; o segundo um fidalgo; o terceiro um sábio inteligente amante adorador da natureza em toda a realidade das suas forças e expansões.”

Termino este texto, com uma referência a dois aspetos que não agradaram ao visconde do Ervedal da Beira. Segundo ele, “a gente da ilha em geral é boa e afável, muito atenciosa e dedicada ao trabalho, acolhe muito bem as pessoas que por ali passam. Tem, contudo, defeitos que lhe não posso perdoar. Os homens comem canários e as mulheres não só comem os canários, o que é mais agravante da parte de quem deve ter maior sensibilidade no coração, mas além disso envolvem-se nuns medonhos e horríveis capelos (capotes) ou capuzes que as transformam em bruxas ou feiticeiras.”

Uma vez mais recomendo a leitura do livro e dou os meus parabéns à editora.

Pico da Pedra, 26 de dezembro de 2018

Teófilo Braga

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