terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Festas do Santo Cristo manchadas e a loucura das touradas em 1961


Com os pés na terra (397)

Festas do Santo Cristo manchadas e a loucura das touradas em 1961

Em 1961, as festas da cidade de Ponta Delgada, as maiores festas religiosas dos Açores, realizadas em honra do Senhor Santo Cristo dos Milagres foram manchadas pelo derramamento de sangue de animais (touros) para pura diversão de alguns sádicos que se dizem humanos. Com efeito, a Agência de Publicidade SPAL voltou a colaborar com um grupo de terceirenses na organização de dois festivais tauromáquicos que se realizaram nos dias 8 e 11 de maio, respetivamente segunda-feira e quinta-feira do Santo Cristo.
Nesta segunda investida da indústria tauromáquica terceirense, em 1961, recorde-se que a primeira ocorreu pela Páscoa, para além de touros das ganadarias de José de Castro Parreira e José Diniz Fernandes, vieram da ilha Terceira os amadores Henrique Parreira e Amadeu Simões e o grupo de forcados chefiados pelo cabo Osvaldo Simões que na sua estreia terá feito uma pega de costas. Para as duas touradas de praça, veio “expressamente de Madrid” o famoso matador espanhol Luís Lucena.
Na segunda tourada realizada o cabo dos forcados foi levado pelo touro de um extremo ao outro da praça até embater num muro. Levado ao hospital pela ambulância dos bombeiros voluntários foi-lhe diagnosticada “uma simples comoção sem fracturas”.
Para além das duas touradas, realizou-se uma garraiada onde atuaram oito “neófitos micaelenses”.
De acordo com o jornal Correio dos Açores os três novilhos foram lidados por António Manuel da Câmara Cymbron, Luís Ricardo Vaz Monteiro de Vasconcelos Franco e Henrique Machado Soares e como forcados atuaram Victor Manuel Rebelo Borges de Castro, Luís Fernando da Câmara Cymbron e João de Sousa Duarte com o auxílio de Luís Manuel Athayde Mota e António Manuel Rebelo Borges de Castro.
Na altura, o entusiasmo pelas touradas era tanto que foi muito falada a construção de uma Praça de Touros em Ponta Delgada, tendo sido aventados um terreno pertencente à Câmara Municipal de Ponta Delgada na rua da Mãe de Deus, em frente ao Foral da Misericórdia, e um outro pertencente a particulares localizado em São Gonçalo.
A adesão de alguns micaelenses às touradas em 1961 causou algum pânico na ilha Terceira como se poderá confirmar através de alguns textos publicados nos jornais daquela ilha.

Assim, a 20 de Abril de 1961, a ANI transcreveu uma notícia do Diário Insular onde se afirmava que uma subscrição para a construção de uma praça de touros em São Miguel já havia recolhido cerca de 2000 contos. Na mesma notícia ainda se pode ler o seguinte: E a piada reside exactamente, desde que se confirme a notícia da tal subscrição, no facto de S. Miguel ameaçar desviar da Terceira o centro tauromáquico do arquipélago com a construção de uma praça que, naturalmente, destronaria a velha Praça de S. João” e continua: “Podem não achar-lhe qualquer piada os aficionados terceirenses, mas a verdade é que o facto não deixa de a ter. Ou não terá?”
De igual modo, o Jornal A União, citado pelo Correio dos Açores, de 4 de Maio de 1961, também publicou um texto intitulado “Virou-se o feitiço…” onde a dado passo pode ler-se:

“Por bem fazer…mal haver. A embaixada académica (Liceu) que foi a S. Miguel e quis levar até aos nossos irmãos micaelenses um pouco daquela descuidada alegria que as Touradas emprestam à mocidade terceirense, deve estar agora convencida de que, indo “por bem”, o seu esforço redundou num péssimo serviço prestado à ilha Terceira. Lançando em Ponta Delgada o “vírus” da Festa Brava, mudaram possivelmente o “eixo” desse atractivo até há pouco “exclusivamente terceirense” em terras Açorianas, criando-se mais uma situação “subsidiária” de que não será fácil furtar-nos dentro de pouco tempo”.

Ainda a atestar o interesse pelas touradas, o Correio dos Açores noticiou a organização de uma excursão de micaelenses à Terceira para assistirem a uma tourada de gala que se realizou a 3 de julho de 1961 e que contou com a participação do toureiro português António dos Santos e do “matador” espanhol Orteguita, onde foram corridos touros vindos do continente português.

Felizmente a barbaridade descrita hoje não existe na ilha de São Miguel, apesar dos incentivos dados por governantes sem escrúpulos e a conivência de parte da Igreja Católica.

Pico da Pedra, 18 de dezembro de 2018
Teófilo Braga

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