quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

A propósito de escravos nos Açores

 

A propósito de escravos nos Açores

 

Com muita curiosidade e atenção assisti à gravação do 7º Encontro com História, promovido pela Históriasábias-Associação Cultural, sobre a “Escravatura nos Açores (séculos XV-XIX).

 

O tema da escravatura nos Açores ou mesmo no todo nacional, não é ou não foi devidamente tratado nas nossas escolas. Ao longo de 11 anos de escolaridade, primária, segundo ciclo, terceiro ciclo e ensino secundário, nunca ouvi falar no assunto.

 

O meu interesse recente pelo tema deve-se ao facto de, como professor da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, os Direitos Humanos serem um dos domínios a desenvolver no 9º ano de escolaridade.

 

A história não pode ser apagada, nem julgada com os olhos de hoje, tanto mais que a escravatura continua existindo, havendo nos nossos dias mais pessoas em situação de escravidão do que no passado. De acordo com a associação ACEGIS-Associação para a Cidadania, Empreendedorismo, Género e Inovação Social, no mundo existem 40,3 milhões de pessoas vítimas da escravatura moderna, sendo um quarto delas crianças.

 

Ao ouvir a Professora Doutora Margarida Vaz do Rego Machado falar sobre o testamento de Nicolau Maria Raposo do Amaral, onde este pedia que uma sua escrava fosse mantida e bem tratada pelos seus filhos nas suas enfermidades, lembrei-me que possuía alguns textos onde o assunto era abordado.

 

Num documento intitulado “Do 4º Copiador de NICOLAU MARIA RAPOSO DO AMARAL (PAI) cópia em 25 de Julho de 1782) a propósito das instalações do “Colégio que foi dos denominados Jesuítas da ilha de São Miguel”, aquele homem de negócios queixava-se de que “vem a ficar dos sobreditos 18 cubículos, 12 para acomodação da minha família”.

 

E para ele o que era a família?

Aqui fica a resposta: “minha mulher, cinco filhas, quatro filhos, uma ama, duas criadas, quatro escravas, e criados e três escravos…”

 

Numa carta datada de 20 de março de 1796, dirigida a José Inácio de Sousa Melo, a dado passo pode-se ler o seguinte:

 

“Remeto mais a V.M. uma Negra minha escrava, por nome Rosa, que se criou de pequena nesta Casa donde aprendeu todo o serviço, cuja Negra comprei a uma filha de Dionísio da Costa o Marchante, como consta da Escritura que remeto a V.M.  com a certidão da sua idade, e Procuração para que faça esta Venda, ou na Praça, ou por ajuste particular o mais breve que V.M. puder, e logo que ela chegar.

 

Esta escrava não teve vício algum até agora: mas eu a mando vender porque me consta que ela se desonestou com um escravo desta Casa de que penso vai pejada, e a não lhe acontecer esta desgraça, eu a não venderia por todo o dinheiro que, por ela me oferecessem, e seria forra por minha morte, e de minha Mulher.

 

O que eu digo a V.M. é a mesma verdade, e estimarei que ela ache uma boa Casa que a compre.

 

O seu líquido rendimento empregará V.M. na receita que peço, podendo mandar-me tudo por este Navio, ou por outro que fique a partir para esta Ilha: aliás: o remeterá V.M. em letras para Lisboa como lhe recomendo. Se V.M. quiser ficar com esta Escrava, o pode fazer por menos dez mil reis do maior preço que por ela lhe oferecerem: isto é, no caso que ela lhe agrade.”

 

Numa outra carta datada de 6 de agosto de 1785, dirigida a João Filipe da Fonseca, Nicolau Maria Raposo de Amaral (pai) volta a referir-se à escravatura na ilha de São Miguel, do seguinte modo:

 

“Sinto a notícia que V.M. me deu, que o espírito da Lei deve ser conservado nestas Ilhas para a liberdade dos Negros conduzidos da nossa América.

 

É incomparável o incómodo que aqui se padece com a falta dos Escravos: a minha casa não pode servir-se doutro modo, e visto que V.M. me diz, parece que estou na rigorosa obrigação de dar liberdade a uns poucos que me acompanharam do Brasil há 17 anos debaixo de boa fé.”

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32608, 15 de dezembro de 2021, p.14)

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