quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

As minhas Leituras de 2024

 





As minhas Leituras de 2024

 

Apontamentos para uma sessão promovida pelo Clube de Leitura da Associação de Solidariedade Social dos Professores realizada em Ponta Delgada no dia 29 de janeiro de 2025

I

 

Rachel Carson 60 anos- A Criança. A ciência. A natureza”

 

A primeira obra que escolhi foi “Rachel Carson 60 anos- A Criança. A ciência. A natureza”, um caderno editado por uma pequena (grande) associação com sede na cidade de Porto que visa debater e promover o exercício da cidadania no domínio do ambiente, sobretudo nas suas dimensões natural, rural e urbana. Denomina-se Campo Aberto (nome de um livro do poeta Sebastião da Gama).

 

Nota- A LPN foi fundada em 1948, Carlos Manuel Baeta Neves, em resposta ao apelo do poeta Sebastião da Gama, aquando da destruição da mata do Solitário na Arrábida.

 

O caderno, aborda o pensamento de Carson (1907-1964) no domínio da educação da criança em contacto com a natureza bem como o conjunto da sua obra, uma trilogia sobre biologia marinha, Maravilhar-se: Reaproximar a Criança da Natureza e, sobretudo, Primavera Silenciosa, livro que deixou profunda marca no que se refere aos problemas da agricultura moderna, dos pesticidas e da saúde humana e da vida selvagem.

 

Para aguçar o apetite, afinal não é apenas a poesia que é para comer, aqui ficam quatro citações (as três primeiras do caderno):

 

“Hoje encontramos o nosso mundo repleto de agentes cancerígenos. Um combate ao cancro que se concentre totalmente ou mesmo sobretudo em medidas terapêuticas (mesmo assumindo que seja possível encontrar uma “cura”) … falhará porque deixa intactos os grandes reservatórios de agentes cancerígenos que continuariam a exigir novas vítimas mais rapidamente ainda do que poderia a fugidia “cura” aplacar a doença.”

 

“Não temos que saber os nomes das plantas e dos animais se queremos alimentar o sentido do maravilhoso numa criança. Saber não tem nem metade da importância de sentir”.

 

“No tempo de Rachel Carson era usado o DDT (1) mas julgo que sem subsídios. Agora pesticidas ainda mais tóxicos, como os neonicotinoides (2) ou os piretroides (3) muito ou extremamente tóxicos para insetos auxiliares como as abelhas, ou o glifosato também tóxico para as abelhas e causador de várias doenças crónicas graves em animais e no ser humano, têm subsídios agrícolas e ambientais/ecológicos. Uma vergonha nacional!”

 

"A beleza da natureza que eu tentava salvar sempre foi o mais importante para mim — além da raiva que eu tenho, daqueles que são insensíveis e fazem coisas brutais contra ela, sinto uma obrigação solene de fazer aquilo que posso. E sei que ajudei um pouco, ainda que essa ajuda tenha sido pequena. Não seria muito realista pensar que um livro poderia mudar tudo”.

 

(1)          DDT- sigla de diclorodifeniltricloroetano

(2)             classe de alguns inseticidas derivados da nicotina

(3)            composto químico sintético similar às substâncias ,naturais piretrinas produzidas pelas flores do "gênero" Pyrethrum “

II

 

In Memoriam do Doutor Teófilo Braga 1843-1924

 

Desde que me lembro sou interrogado acerca de uma possível relação com Joaquim Teófilo Braga, o professor universitário que foi presidente da República.

 

A semelhança dos nomes tem levado a algumas confusões ou situações caricatas. Refiro-me a duas:

 

Na Escola Roberto Ivens a professora de Português que ia ler aos alunos um conto de Teófilo Braga, perguntou se alguém sabia quem era. Um sobrinho meu prontamente respondeu: É o meu tio.

 

Durante a preparação de umas recentes comemorações em que Teófilo Braga foi homenageado, recebi um telefonema em que o interlocutor com muito receio de me ofender perguntou se eu seria familiar de um alegado filho ilegítimo daquela figura da História Nacional.

 

De Teófilo Braga, consulto com alguma frequência os “Cantos populares do arquipélago açoriano”. Sobre ele tenho lido alguns textos, alguns muito críticos da sua personalidade (recordo que o mesmo foi acusado de alterar o conteúdo de cartas publicadas no livro “Mocidade de Teófilo” (1920) que foi publicado sob o nome de Francisco Maria Supico, seu amigo.)

 

Num texto do jornalista Tomás Quental intitulado “Teófilo Braga: valor e polémica” publicado recentemente pode ler-se o seguinte:

 

“Teófilo Braga saiu dos Açores aos 17 anos de idade para não mais voltar. Consta que ele quando encontrava alguém dos Açores no Continente perguntava: "Também é da terra onde até os mortos dão coices?".

 

Sendo uma personalidade de enorme relevância em Portugal, merece todas as homenagens, nomeadamente na terra natal, mas, como eu disse com base no que sempre ouvi e li, Teófilo Braga deixou uma marca polémica. Era amistoso com os seus pares professores universitários e áspero com os alunos, diz-se também.”

 

Este texto levou-me a tentar saber mais sobre Teófilo Braga, o que se concretizou com a aquisição deste livro por um euro no Bazar organizado pela Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada.

 

Do livro, constam o testemunho de várias pessoas que com ele conviveram, não só professores, mas também alunos, são relatados vários episódios da sua vida simples, isto é, sem riquezas e as suas dificuldades para singrar na vida. De entre as pessoas que colaboraram no livro destaco Alice Moderno que trocou correspondência com ele e o visitou na sua casa em Lisboa.

 

Dos pontos em comum entre Alice e Teófilo destaco o republicanismo, a desilusão com o comportamento dos republicanos depois de chegarem ao poder e a oposição às touradas.

 

Recordo que Teófilo Braga, em 1880, foi candidato republicano pelo Círculo de Ponta Delgada, tendo na altura sido considerado pelo Diário dos Açores como “anarchista” e “atheu” e “defensor da revolução sangrenta”. O vencedor foi Caetano d’Andrade Albuquerque, candidato do Partido Popular Progressista, apoiado pelo referido jornal.

Termino com um extrato de uma carta de Teófilo Braga sobre maus momentos passados em Coimbra.

Uma imagem com texto, papel, Tipo de letra, preto e branco

Descrição gerada automaticamente

 

Uma imagem com texto, carta, papel, Tipo de letra

Descrição gerada automaticamente

 

 

III

A Nação das Plantas

 

Este é talvez para mim o livro dos livros, escrito por Stefano Mancuso, uma autoridade de renome mundial na área da Neurobiologia Vegetal.

 

Algumas lições que se tiram da leitura do livro:

 

1-“Qualquer organização centralizada e hierarquizada é inerentemente frágil. As plantas são construídas com base num modelo difuso, oposto ao modelo centralizado dos animais, uma organização que permite ao mesmo tempo liberdade e solidez.”

 

2- Está na ordem do dia o combate às espécies invasoras, sobretudo as vegetais. “Contudo é urgente ter consciência de que, em comparação com a capacidade invasora do Homo sapiens, a perigosidade de todas as outras espécies é apenas uma brincadeira de crianças.”

 

3- “Estarmos conscientes do desastre que os nossos consumos estão a gerar deveria tornar-nos mais atentos relativamente aos nossos comportamentos individuais, mas também mais furiosos com um modelo de desenvolvimento que, para premiar apenas alguns, destrói a nossa casa comum.”

 

4- “A grande aposta a nível mundial devia ser na defesa das florestas. Sem um número suficiente de florestas não existe nenhuma possibilidade real de inverter a tendência de crescimento do CO2. A desflorestação devia ser considerada um crime contra a humanidade e punida em conformidade.”

 

5- “A cooperação é a força através da qual a vida prospera, e a Nação das Plantas reconhece-a como o primeiro instrumento do progresso das comunidades.”

Bibliografia

Campo Aberto, Moore, K. (2024). Rachel Carson-60 anos. A Criança. A Ciência. A Natureza. Porto, Campo Aberto. 118 pp.

Comissão Teófilo Braga (1934). In Memoriam do Doutor Teófilo Braga 1843-1924. Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa. 518 pp.

Mancuso, S. (2020). A Nação das Plantas. Lisboa, Pergaminho. 138 pp.



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