Os assassinatos do Simba e do cão da louca
O meu
texto de hoje é sobre dois assassinatos de animais distanciados no tempo
aproximadamente noventa e dois anos. O caso mais recente diz respeito ao Simba,
assim se chamava o cão, que foi morto a tiro por parte de um vizinho da família
que dele cuidava e o mais antigo é relativo à morte por envenenamento de um cão
pertencente a uma mendiga que viveu em Ponta Delgada, em 1923.
A morte
do Simba, para além de ter sido noticiada em toda a comunicação social nacional,
tem sido muito comentada nas redes sociais, tendo suscitado um debate onde de
um lado estão os defensores dos animais e do outro os que acham que há um
exagero nos protestos daqueles.
Muito
comentada é uma publicação no “facebook” onde o autor põe em confronto duas
petições, uma de apoio às vítimas de violência doméstica com muito poucas
assinaturas e a que pede justiça pela morte do Simba com mais de 50 mil
assinaturas.
Do meu
ponto de vista não devemos condenar quem clama para que seja feita justiça
perante crimes cometidos contra animais irracionais, o que está mal é que quem
critica os defensores dos animais, quando não é confesso ou encoberto adepto da
tortura daqueles, não faça o mínimo esforço para fazer ouvir a sua voz perante
as injustiças cometidas sobre os humanos mais fracos e indefesos. Considero que
o que existem são causas e não há causas mais nobres do que outras, além disso
qualquer ser humano compassivo pode muito bem abraçar mais do que uma delas.
Quem está
envolvido na luta para que seja feita justiça no caso da morte do Simba está,
não temos dúvidas, a pensar na família que o acolhia que está a sofrer, como
podemos ver pelo depoimento que a seguir se transcreve:
“Ontem perdi o meu melhor amigo nesta vida,
perdi um vizinho que ate permitia que me tirasse água de um poço e que por duas
vezes o esvaziou porque se esquecia da rega ligada, perdi parte da minha mulher
que não consigo consolar, perdi a minha fé no homem, ganhei um novo folego como
crente em Deus porque só Ele me apertou e tranquilizou ontem enquanto soluçava
a enterrar o meu cão rodeado dos meus cavalos que lhe vieram prestar uma ultima
homenagem e do meu irmão também ele destroçado por ver o seu caçula em tamanha
aflição.”
A 25 de
março de 1923, quem passou na baixa de Ponta Delgada teve a oportunidade de
assistir ao seguinte: uma “desgraçada louca” que vendo o seu cão perdigueiro,
que fora envenenado, a contorcer-se em agonias pareceu “ter readquirido toda a
lucidez de espírito, acarinhava-o em extremos de afecto, falava-lhe,
friccionava-o, lavava-lhe a boca, limpava-lhe a língua chorando, chorando,
angustiada por não o poder salvar”.
Depois de
tentar, em vão, arranjar a salvação nas várias farmácias o animal, a única
pessoa da sua família, como costumava dizer, acabou por morrer no cais da
Alfândega e ela perante quem o queria tirar “defendeu-se furiosamente,
ameaçando com dentadas. – E chorava interminavelmente, desoladamente, sobre o
cadáver do seu único amigo no mundo”.
O redator
do Correio dos Açores terminou o seu texto publicado, a 28 de março de 1923, com
uma frase que ainda hoje faz todo o sentido: “Lembrando-nos da forma como tanta
gente trata os animais, perguntamos se aquela desgraçada será realmente louca…”
Uma
leitora do Correio dos Açores lembrou-se de sugerir ao jornal uma recolha de
fundos com o objetivo de “comprar um cãozinho para ser oferecido à desditosa
louca, que assim continuará a ser protegida e querida por um novo amigo, como o
era pelo seu velho companheiro, já que pelos homens é tão abandonada”.
Alice
Moderno foi uma de entre as várias pessoas que deram o seu contributo
monetário, tendo em carta dirigida ao diretor do jornal que vimos citando
sugerido não ser necessário a compra de um cão pois “há tantos que aí andam
abandonados, coitaditos, quase mortos de fome e frio, revolvendo todas as
manhãs, em busca de um osso ou de uma côdea de pão, os caixões de lixo, onde
não raramente encontram a morte”.
Alice Moderno na sua carta, escreveu que
a causa da proteção dos animais continuava a ser tão mal compreendida pela
maior parte da população, acrescento que hoje também o é pela generalidade dos políticos até perceberem
que a causa também lhes poderá dar ou tirar votos, o que não tardará muito.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 30563, 18
de março de 2015, p.14)
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