quarta-feira, 11 de maio de 2016

Coisas do Ponta Delgada


Coisas do Ponta Delgada

O senhor António Ponta Delgada era uma pessoa que tinha uma lata muito grande, tanto para enganar os seus concidadãos como para convencer os juízes de que a razão estava sempre de um lado, que por acaso era sempre o dele.

Ainda hoje, as pessoas, sobretudo as de idade mais avançada da freguesia onde vivia, lembram-se de episódios da sua vida atribulada e quando se encontram recordam alguns deles.

Assim aconteceu, no passado dia 26 de março, quando, por acaso, encontraram-se quatro pessoas cuja idade anda por volta dos 60 anos, tendo na ocasião recordado antigos habitantes da localidade, sobretudo os que emigraram e os que pela sua vida deixaram histórias que ainda não caíram no esquecimento.

No texto de hoje vou tentar reproduzir duas das histórias que poderão ser ou não invenção das mentes dos que as contaram. À primeira decidi atribuir o título de “Cega para andar” e à segunda “No Tribunal”.

1- Cega para andar

O senhor António Ponta Delgada era um negociante famoso no que toca a enganar quem tinha a ousadia de comprar-lhe seja o que for.

Certo dia, uma pessoa queria comprar uma égua que lhe servisse para os seus trabalhos na lavoura e decidiu falar com o senhor António Ponta Delgada que possuia um animal à venda.

Alguns dias depois, ao encontrar o António. Ponta Delgada perguntou-lhe: António., já sei que tu és capaz de enganar meio mundo, mas quero que sejas sincero comigo e diz-me lá se essa água que tu tens para vender e que tem bom aspeto anda bem.

A resposta não tardou: Oh Manuel, já me conheces há muitos anos, mas a ti que és meu amigo não te engano. Podes levar esta égua à vontade pois ela é cega para andar.

No dia seguinte, o senhor Manuel encontrou o senhor António Ponta Delgada e disse-lhe: Lá me enganaste, esta égua anda aos trambolhões, não se desvia de nada e se me distraio bate contra tudo o que lhe aparece pela frente.

Resposta pronta de António Ponta Delgada: Com os outros minto, contigo falei a verdade, então não te disse que a égua era cega.

Antes de contar a segunda história, quero explicar que na localidade, não sei se noutras também, cego para andar significava andava bem e ou depressa.

2- No Tribunal

O senhor António. Ponta Delgada comprou um carro de bois numa freguesia da costa norte da ilha de São Miguel e como não havia maneira de pagar ao antigo dono, este apresentou queixa e o caso foi levado a tribunal.

No dia do julgamento o senhor António. Ponta Delgada dirigiu-se à casa do vendedor do carro e alegando que não estava bem vestido pediu-lhe, a título de empréstimo, uma camisa, o que veio a acontecer.

No julgamento, a situação parecia não sair do impasse com o senhor António. Ponta Delgada a dizer que já havia saldado a dívida e o vendedor a dizer o contrário.

Até que o senhor Antonio Ponta Delgada para convencer o juiz afirmou. “Senhor doutor juiz, este senhor é um grande mentiroso, saiba Vossa Excelência que, se continuarmos aqui, daqui a pouco ele vai ter o descaramento de dizer que esta camisa que trago vestida é dele”.

Diz-se que terá convencido o juiz e não teve de pagar nada a quem realmente devia.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 30931, 11 de maio de 2016, p. 13)

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