terça-feira, 3 de maio de 2016


Em memória de Paulo Varela Gomes

“Que será preciso para acabar com a tradição da tourada? Que sobressalto do coração será necessário para despertar em nós a piedade pelos animais?” (Paulo Varela Gomes)

No passado sábado, dia 30 de abril, faleceu o historiador, escritor e jornalista Paulo Varela Gomes que nasceu em 1952. Era filho de João Varela Gomes e Maria Eugénia Varela Gomes, dois combatentes pela liberdade e opositores ao Estado Novo.

Enquanto lutava contra um cancro, escreveu um magnífico texto que merece uma reflexão de todos nós que, transitoriamente, habitamos neste planeta, tão maltratado, intitulado “Morrer é mais difícil do que parece”.

Do referido texto, publica-se, abaixo, um excerto:

«A vida é muito menos cheia de prosápia do que a morte. É uma espécie de maré pacífica, um grande e largo rio. Na vida é sempre manhã e está um tempo esplêndido. Ao contrário da morte, o amor, que é o outro nome da vida, não me deixa morrer às primeiras: obriga me a pensar nas pessoas, nos animais e nas plantas de quem gosto e que vou abandonar”.

De entre os vários combates que travou ao longo da vida, integrado em organizações estudantis, políticas, sindicais ou individualmente, não podemos esquecer a defesa dos animais, sendo de destacar a sua clarividente opinião relativa à tauromaquia.

Num texto publicado no jornal Público intitulado “Morrer como um touro”. Paulo Varela Gomes manifesta-se contra a criação por parte do Ministério da Cultura de uma seção de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura, alegando que se tratava de uma tradição que devia ser mantida.

De entre os argumentos dos defensores das touradas, Paulo Varela Gomes refere-se ao da tradição nos seguintes termos:

“Mas a tradição é mais antiga, do tempo em que humanos e animais lutavam na arena para excitar os nervos da multidão com o sangue e a morte anunciada. A piedade, que é um valor mais antigo do que Cristo, veio, na sua interpretação cristã, salvar disto os humanos. Esqueceu-se, porém, dos animais”.

E acrescenta:

“…Por desespero, coragem ou raiva (não é o mesmo?), o touro arremete pela última vez. Em Espanha morre. Aqui, neste país de maricas, é levado lá para fora para, como é que se diz? ah sim: ser abatido. A multidão retira-se humanamente, portuguesmente, de barriga cheia de cultura portuguesa, na tradição milenar à qual nenhuma piedade chegou.”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30925, 4 de maio de 2016, p.13)

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