Imagem: Tarrafal
Antigamente, no tempo de
Salazar, é que era bom?
Este texto foi elaborado
a partir de apontamentos que recolhemos para dinamizar uma conversa sobre o
salazarismo, promovida pela livraria Letras Lavadas, de Ponta Delgada, no dia
24 de abril de 2024.
Depois de uma curta nota
biográfica de António de Oliveira Salazar, abordamos as condições impostas para
quem queria ser funcionário público e em particular as imposições impostas aos
professores, em particular às professoras, a purga dos professores
universitários, a discriminação das mulheres, os escândalos, a guerra colonial,
a repressão e as prisões, o favorecimento a determinadas empresas e a
corrupção.
Apesar de alguns dos
acontecimentos referidos terem ocorrido após a morte de Salazar, durante o governo
de Marcelo Caetano, decidimos manter o título, pois foi aquele político quem
governou mais tempo durante os 48 anos de ditadura.
António de Oliveira
Salazar (1889-1970) foi professor
catedrático de Economia Política, Ciência das Finanças e Economia Social da
Universidade de Coimbra. Entre outros cargos, foi Ministro das Finanças
entre 27 de abril de 1928 e 28 de agosto de 1940, Ministro da Defesa Nacional
entre 13 de abril de 1961 e 4 de fevereiro de 1962 e Presidente do Conselho de
Ministros de 5 de julho de 1932 a 27 de setembro de 1968.
O regime político por ele
criado, o Estado Novo (1933–1974)
foi autoritário, conservador, nacionalista, corporativista de inspiração
fascista, antiliberal, antiparlamentarista, anticomunista e colonialista.
Ausência de liberdade
política/ Obrigatoriedade de adesão à ditadura
Durante
a Ditadura Militar e o Estado Novo estavam proibidos os partidos políticos e a
liberdade de associação estava bastante restringida. Apenas podiam existir as
organizações criadas pelo próprio regime, como sindicatos, ou associações que
não tinham qualquer intervenção política, como por exemplo, a Liga para a
Proteção da Natureza, em Lisboa, ou Os Montanheiros, na ilha Terceira.
Não
era possível manifestar ideias contrárias ao do regime. Assim, pelo Decreto nº
20 314, de 16 de setembro de 1931, “podem ser
temporariamente afastados do serviço, reformados, aposentados ou demitidos os
funcionários de todos os serviços do Estado que, por manifestações a que se
tenham entregado, no exercício das suas funções, ou fora dele, demonstrem
espírito de oposição à política nacional, ordeira e reformadora, do Governo da
República, não dando suficientes garantias do leal cumprimento dos deveres do
seu cargo”.
Mais tarde, por imposição do disposto no decreto-lei
nº 27 003, de 14 de setembro de 1936, era obrigatório assinar uma
declaração a repudiar o comunismo.
O caso mais curioso foi o do filósofo Agostino da
Silva que se recusou a assinar a declaração ao afirmar que embora não fosse
comunista, não sabia se poderia vir a ser no futuro.
A purga dos professores universitários
De acordo com Rosas e Sizifredo (2013) entre 1927 e 1973,
cerca de cinquenta professores universitários foram perseguidos e
afastados do ensino, muitos deles não desenvolviam qualquer atividade política
ativa de oposição ao regime, apenas por expressarem as suas opiniões ou se
solidarizarem com colegas ou alunos.
Entre os demitidos figuram Afonso Costa, o primeiro,
em 1927, Abel Salazar, Bento de Jesus Caraça, Ruy Luís Gomes, Luís Dias Amado,
Vitorino Magalhães Godinho, Francisco Pereira de Moura, último em 1973, e
Cesina Bermudes. Da lista, fazem parte dois açorianos, naturais da ilha
Terceira: Aurélio Quintanilha (biologia) e Mário de Azevedo Gomes (agronomia).
A residência, o comportamento e o casamento do(a)s professore(a)s
Os professores primários não podiam residir onde
queriam. O Estado Novo manteve a obrigatoriedade de residência no local onde a
escola ficava sedeada e mesmo os casados só podiam viver juntos se as suas
escolas não se distanciassem mais de 5 km.
As
professoras não eram livres de casar com quem quisessem. Assim, de acordo com o
Decreto-Lei nº 27 279, de 24 de novembro de 1936,
a autorização de casamento das professoras era concedida por despacho do
Ministro após requerimento acompanhado de atestado de bom comportamento do
pretendente e de documento(s)
comprovativo(s) de que o seu vencimento ou rendimento era de harmonia
com o vencimento da professora.
O
comportamento dos professores primários era também escrutinado, havendo
legislação ou recomendações para o efeito. Fernandes (1961) refere que de
acordo com o Decreto-Lei nº 27 279, de 24 de novembro de 1936, era
“exigido um “comportamento moral irrepreensível para o exercício do magistério
primário” e seria destituído quem desse escândalo público permanente ou
assumisse atitude contrária à ordem social estabelecida pela Constituição de
1933.” O mesmo autor refere a recomendação “às professoras e regentes dos
postos escolares toda a compostura nos trajes e proibido o uso de pinturas.
Três exemplos de discriminação das
mulheres
Viagens
De acordo com o Código do Processo Civil
de 1939, as mulheres não podiam viajar para fora do país a não ser que tivessem
autorização dos maridos. Esta proibição acabaria três décadas mais tarde, já
com Marcello Caetano no poder.
Exercício de algumas atividades/ profissões
Até 1967, as mulheres também tinham
de ter o consentimento dos maridos se quisessem exercer atividades ligadas
ao comércio, assinar contratos ou tomar decisões sobre bens (casas ou
propriedades) que lhes pertenciam.
As Telefonistas da Anglo Portuguese
Telephone, as enfermeiras dos Hospitais Civis, as funcionárias do Ministério
dos Negócios Estrangeiros e as hospedeiras de ar da TAP não podiam casar. A
proibição para as telefonistas acabou em 1939, mas continuou mais umas décadas
para as outras profissões.
A nacionalidade de quem nascia no estrangeiro
De acordo com o jurista Arnaldo Ourique
(Diário dos Açores, 9 de abril de 2024), de segundo a lei 2098, de 29 de julho
de 1959, “a nacionalidade de criança nascida no estrangeiro não era reconhecida
à mãe, era-o apenas ao pai português.
Tal aconteceu a Rime de Jácome Correa El
Lozzy nascida na Suíça, em 1952, filha de Margarida Jácome Correia e que, em
1973, ainda possuía o bilhete de Identidade de “cidadã estrangeira, apátrida.”
Naquele tempo respeitavam-se determinados
valores morais. Não existiam escândalos
No
ano de 1967, veio a público um escândalo que viria a ser conhecido como “o
processo das virgens/Ballet Rose”. Durante vários anos diversos homens dos mais
importantes do Estado Novo participavam em orgias com crianças, algumas das
quais com idades entre os oito e os doze anos que levaram à morte de pelo menos
uma mulher.
O
que fez o Regime/Salazar?
Segundo
Moita Flores, “Salazar obriga os visados a pararem os seus comportamentos e
manda controlar a investigação. No escândalo estava envolvido o seu homem de
confiança que supostamente era o seu sucessor indigitado, o ministro de Estado
Correia de Oliveira. […] Havia outros homens que frequentavam este circuito,
ligados à União Nacional, gente ligada à administração da Companhia Nacional de
Navegação e até o dono do Casino do Estoril. […] Havia tanta gente ligada ao
regime que Salazar mandou controlar a investigação à distância pela PIDE e a
certa altura o caso começa a parar. A PJ fica sem meios e acaba por só levar a
tribunal um caso de atentado ao pudor e pouco mais. Sentam-se no banco dos réus
várias mulheres e poucos homens. Acaba com a condenação da maioria das mulheres
e com a multa a um dos homens.”
A
Guerra Colonial
Os
jovens, sobretudo os mais bem informados, viviam atormentados com a questão da
guerra colonial.
Alguns
percebiam a injustiça que havia, pois quem tinha algum dinheiro safava-se, isto
é, pagava para lá não ir. Através das chamadas cunhas ou por meio de trocas,
isto é um soldado ia no lugar de outro a troco de uma determinada quantia em
dinheiro.
A
outra questão que os afligia eram as mortes de familiares, amigos ou vizinhos
ocorridas nas várias colónias.
Sobre
o número de mortos, em 2021, o historiador e tenente-coronel do exército português,
Pedro de Sousa, no livro “Os números da Guerra em África” afirmou que haviam
morrido 10 mil militares portugueses e mais de 45 mil civis e agentes
dos movimentos de libertação. Também referiu que terá havido cerca de 9
mil desertores.
Em
relação aos custos, Ricardo Ferraz, no livro “Grande Guerra e Guerra Colonial-custos
para os cofres portugueses”, aponta o valor de 126 milhões de contos (34,8
mil milhões de euros), o que corresponde em média a 22% da despesa do Estado em
cada ano.
Durante
a guerra colonial ocorreram vários massacres de populações indefesas. Abaixo, fazemos referência a dois deles.
O Massacre de
Pidjiguiti
A 3 de agosto de 1959, os marinheiros e estivadores do Porto de
Bissau ao serviço
da Casa Gouveia no cais de Pidjiguiti entraram em greve, exigindo melhores salários e melhores condições de
vida.
A PIDE, o cabo do mar e outras forças abriram fogo sobre os grevistas.
Terão morrido entre quarenta e setenta homens e ficado feridos cerca de cem.
O
Massacre de Tete
Em
Tete, Moçambique, em 1972, terão morrido entre 300 e 500 nativos chacinados
pelas tropas portuguesas
Matava-se
para não ter trabalho
No
livro, de Júlio Oliveira, “O sargento Tavares: as memórias do meu avô” é
relatado o assassinato de um nativo em Angola, em 1963, para o soldado não ter
o trabalho de o vigiar.
A
Repressão e as prisões
Durante a ditadura militar e Estado Novo
passaram pelas prisões portuguesas, por razões políticas, mais de 30 mil pessoas.
Pelo
Tarrafal ou Campo da Morte Lenta entre 1936 e 1956 passaram 340 presos
portugueses, tendo morrido 34 devido a maus-tratos, má alimentação e
falta de assistência médica. Depois da sua reabertura em 1961, após o
início da guerra colonial para receber militantes das antigas colónias,
passaram por lá. 230 anticolonialistas, tendo falecido 2 guineenses e 2
angolanos.
Por Angra do
Heroísmo (Fortaleza de São João Baptista e Forte de São Sebastião), em 12
anos de funcionamento da colónia penal, passaram 645 presos, sendo cerca
de 50 naturais ou residentes nos Açores. Lá, por falta de assistência
médica, má alimentação e maus-tratos morreram 8 presos.
De entre os antifascistas açorianos
que morreram, às mãos dos esbirros do Estado Novo, recordamos António Luís
Lourenço da Costa, Carlos Eugénio Ferreira, José Machado e Melo João Guilherme
Rego Arruda.
António Luís Costa, natural de Angra
do Heroísmo, fotógrafo, morreu com 58 anos de idade na prisão daquela cidade.
.
Carlos Eugénio Ferreira, estufeiro
na Fajã de Baixo, natural de São Roque, vítima de maus-tratos, morreu com 33
anos de idade, na Casa de Saúde de São Rafael, depois de ter passado pelo
Depósito de Presos da Fortaleza de São João Batista de Angra do Heroísmo.
José Machado e Melo, sapateiro, de
Ponta Delgada, morreu aos 45 anos de idade quando se encontrava sob prisão no
Hospital Militar de Angra do Heroísmo.
João Guilherme Arruda, natural da
freguesia de Santo António, morreu com a idade de 20 anos, no dia 25 de abril,
baleado na cabeça por uma das balas disparadas pela PIDE.
A repressão também se fazia sentir
em relação ao associativismo, quer proibindo a existência de
associações/cooperativas, como foi o caso da Cooperativa Sextante, quer vetando
o nome de pessoas eleitas
A
escritura de constituição da Sextante, Sociedade Cooperativa de Consumo, de
Responsabilidade Limitada, foi feita no cartório notarial da Lagoa, no dia 20
de outubro de 1970.
Os
sócios fundadores foram: Ernesto Melo Antunes, Manuel Barbosa, Jorge Nascimento
Lopes, José Dias de Melo, João Carlos do Couto Macedo, Hélder Martins da Costa,
João Gil Tavares da Ponte, Eduardo Pontes, Sebastião de Oliveira Vasconcelos e
António Manuel Mendonça da Costa.
A
cooperativa foi encerrada por despacho do Ministro do Interior, datado de 12 de
outubro de 1972.
Não existia a liberdade de eleger e
de ser eleita. Beatriz do Canto foi impedida, em 1948/49, de exerce o cargo de
Presidente da Assistência Maternal e Infantil de Ponta Delgada pelo Governador
do Distrito Aniceto dos Santos.
O
favorecimento a determinadas empresas
Na
brochura “As cinco desgraças do Arquipélago dos Açores”, publicada em 1961,
entre outras situações injustas, Cristiano Frazão Pacheco denuncia o seguinte:
-
Uma empresa comercial, em regime de monopólio, comprava água ao Município de
Ponta Delgada a seis escudos por metro cúbico e vendia a quarenta escudos.
Segundo ele era um caso de especulação que era punido pelas leis;
-
Para beneficiar uma empresa foram proibidos de navegar entre as ilhas dos
Açores os pequenos “iates do Pico”;
-
Para beneficiar uma empresa de São Miguel em regime de monopólio, os açorianos
pagavam por cada quilograma de açúcar mais três escudos do que pagariam se o
mesmo fosse importado das colónias. O pretexto era o lucro de cinco ou seis mil
cultivadores micaelenses, que pelos vistos eram mal pagos.
Salazar
era corrupto?
Na internet li o seguinte: “A corrupção consiste em receber ou oferecer vantagem
indevida para ou de outras pessoas.”
Há dias assisti a um vídeo, onde alguém perguntou a um historiador se Salazar era corrupto e a
resposta foi negativa. Segundo, ele Salazar viveu humildemente e quando morreu
a sua herança, valia, em números atuais, cerca de 50 mil euros.
Mas, não será corrupção favorecer uns grupos económicos
em relação a outros? Não será corrupção permitir lucros exorbitantes a
determinadas empresas ou a criação de monopólios para determinadas atividades?
Não será corrupção arranjar casas, empregos, para pessoas amigas ou do seu
partido? Não será corrupção intervir junto dos tribunais para salvar amigos ou
familiares de amigos?
A leitura do livro de Marco Alves, que recomendamos, dá a
conhecer como “Salazar, apesar da reputação que construiu de ser ético e
rigoroso, não se coibia de usar os privilégios do cargo e a máquina publica
para resolver os seus problemas e os de quem o rodeava.”
Bibliografia
Alves, M.(coord) (1975). O Processo das virgens- Aventuras,
venturas e desventuras sexuais em Lisboa, nos últimos anos do fascismo. Lisboa,
Fernando Ribeiro de Mello/edições Afrodite.357 pp.
Alves, M. (2023). Salazar confidencial. Porto, Ideias de
Ler. 371 pp.
Braga, T. (2024). Resistência e Liberdade-Dicionário de
opositores ao Estado Novo. Ponta Delgada, Letras Lavadas. 89 pp.
Carvalho, I. (2020). Memórias da Luta Clandestina. Cabo
Verde, Edição da família. 355 pp.
Dionísio, J. (2023). Massacres na guerra colonial. Lisboa,
Espaço Ulmeiro. 69 pp.
Fernandes, A. (1961). Elementos Práticos de Legislação
Escolar. Braga, Livraria Cruz.
439 pp.
Júnior, C. (1933). Anuário do Professor 1933-ano I. Fail,
Correio da Horta. 232 pp.
Pacheco, C. (1961). As cinco desgraças do Arquipélago dos
Açores. Ponta Delgada, Edição da Família. 87 pp.
Rodrigues, M. (1974). Tarrafal aldeia da morte- o diário da
B5. Porto, Brasília Editora. 327 pp.
Rosas, F., Sizifredo, C. (2013). A perseguição aos
professores. Lisboa, Tinta da China. 143 pp.
https://quebichotemordeu.com/destaques/as-10-proibicoes-de-salazar/
("Letra a Letra", nº 14, outubro de 1974)
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