segunda-feira, 28 de outubro de 2024

ANTÓNIO BORGES COUTINHO: COOPERATIVISMO, ANTÓNIO SÉRGIO E AGOSTINHO DA SILVA

 


ANTÓNIO BORGES COUTINHO: COOPERATIVISMO, ANTÓNIO SÉRGIO E AGOSTINHO DA SILVA

 

Estou aqui porque partilho com ABC a minha admiração por António Sérgio, por Agostinho da Silva e por Tolstói, a solidariedade para com os mais desprotegidos e o combate pela liberdade.

Dado o tempo limitado que disponho vou apenas relembrar a relação de amizade de António Borges Coutinho com Agostinho da Silva, a sua opção pelo cooperativismo, paixão de António Sérgio, bem como o seu apoio ao movimento cooperativo através do jornal “Farol das Ilhas, depois da sua colaboração com a Cooperativa Sextante

António Borges Coutinho estudou no Colégio Infante de Sagres, onde Agostinho da Silva foi professor. Este, entre outras inovações pedagógicas, não seguia o livro único obrigatório para todos os alunos e segundo ele “organizou-se o Infante de Sagres em Município Escolar, inteiramente dos alunos, com suas eleições livres, a sua Câmara, a sua administração, o seu tribunal, os seus programas culturais, a sua actividade cívica. Em plena ditadura exterior, vivia o colégio democraticamente.”

 A ideia de só na autonomia e pela autonomia ser possível a verdadeira educação de Agostinho da Silva é também de António Sérgio, sendo uma pena que ainda hoje não seja implementada a participação democrática direta dos alunos dentro e fora da sala de aula.

 Ao contrário do que escreveu Manuel Barbosa, António Borges Coutinho não foi alheio  à constituição e ao funcionamento da Cooperativa Sextante.

 António Borges Coutinho foi mantido a par da iniciativa de criação da Sextante, através da correspondência que manteve com Eduardo Pontes,  terá contatado açorianos residentes em Lisboa e adiantava dinheiro para pagamento dos livros às editoras. Aquando do processo de encerramento da(s) cooperativa (s), António Borges Coutinho foi representante da Sextante, na qualidade de observador, em reuniões realizadas em Lisboa, e esteve presente na Assembleia Geral realizada a 28 de agosto de 1972, tendo sido, segundo informações da PIDE, um dos intervenientes mais ativos. Por último, foi da sua autoria o recurso, apresentado pela Sextante, para o Supremo Tribunal Administrativo, com vista a impedir o seu encerramento.

A situação dos rendeiros e dos trabalhadores agrícolas mereceram a atenção de Borges Coutinho, de que é exemplo a sua participação já como Governador Civil na homenagem a Carlos Ferreira, estufeiro morto pela polícia política salazarista em 1937, realizada no dia 3 de fevereiro de 1975, na Fajã de Baixo, por iniciativa do Sindicato dos Trabalhadores da Cultura do Ananás, que contou com a presença de centenas de pessoas.

 

Na ocasião, entre outras palavras, António Borges Coutinho afirmou o seguinte:

 

“Esta é a segunda vez que sinto a entrada do 25 de Abril em S. Miguel A primeira foi quando foram congeladas as rendas e proibidos os despedimentos. Houve uma grande alegria na classe rendeira.

Esta é a primeira vez que vejo o proletariado rural a manifestar-se. É uma grande alegria para mim, e estou certo de que o vosso exemplo se vai estender pela ilha toda.

O entusiasmo pelo cooperativismo por parte de António Borges Coutinho está bem patente no jornal Farol das Ilhas (1977-1980). Com efeito em 44 dos 53 números consultados (83%) há textos sobre o cooperativismo ou sobre a criação e o funcionamento de cooperativas em várias ilhas dos Açores.

 

O interesse de António Borges Coutinho pelo movimento cooperativo deverá estar relacionado com a sua ligação a António Sérgio que considerava o cooperativismo como uma movimento de reforma moral e social.

 

Vejamos quais eram para António Sérgio (1984) as três ideias mestras do cooperativismo:

 

- “Tudo no cooperativismo deve ser voluntario e livre, feito de baixo para cima, sem nenhuma ingerência determinativa do Estado (embora o Estado possa auxiliar, sem nunca mandar coisa alguma)”;

 

- “O povo é capaz de se emancipar a si mesmo; sem ingerência dos políticos e do Estado […] Quando os povos esperam que os governos façam as coisas não há povos verdadeiramente bons nem governos verdadeiramente bons;”

 

— Uma cooperativa de consumo não deve ser só uma empresa, como uma empresa Capitalista: deve ser também ao mesmíssimo tempo, um centro de convivência fraterna e um foco de ascensão moral e cultural.”

 Termino com a recomendação da leitura de dois livros maravilhosos:” O apoio mútuo: um factor da evolução”, de Piotr. Kropotkine e “A Nação das Plantas”, de Stefano Mancuso.

 Através do primeiro, constata-se que “as pessoas tendem espontaneamente para a ajuda mútua, e que é o Estado, com a sua ânsia de regular coletividades e defender privilégios privados, que corrompe esta inclinação natural” e que o verdadeiro motor da evolução é a capacidade de cooperar dos indivíduos. O segundo autor, uma autoridade de renome mundial na área da Neurobiologia Vegetal, corrobora as afirmações do filósofo anarquista russo, ao terminar o seu livro com a seguinte frase: “A cooperação é a força através da qual a vida prospera, e a Nação das Plantas reconhece-a como o primeiro instrumento do progresso das comunidades”.

 Ponta Delgada, 26 de outubro de 2024

Teófilo (Soares) Braga

Fotografia: H. Medeiros

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