Teófilo
Braga e Ângelo Jorge
No ano em que se
assinala o centenário do falecimento de Teófilo Braga (1842-1924), uma das
principais figuras do Partido Republicano Português, que chegou a ser
Presidente da República, achamos por bem homenageá-lo, dando a conhecer o seu
relacionamento com o anarquista naturista portuense Ângelo Jorge (1883-1922).
-
Libertas;
- Espírito sereno, com
uma carta do Dr. Teophilo Braga a auctor ácerca da poesia dos poetas modernos;
-
Dôr Humana.
- “Luz e Vida”, nº 3 (revista).
Nas três
publicações não periódicas, Ângelo Jorge escreveu dedicatórias a Teófilo Braga
e no “Espirito Sereno” foi publicado o texto deste que abaixo se transcreve:
“Lisboa, 6 de
Outubro de 1908
PRESADISSIMO
AMIGO:
Recebi a sua
generosa homenagem do livro Dor humana e o folheto Libertas;
devia ter logo agradecido, se complicados trabalhos que tive de dispor para a
minha ausência de Lisboa me não tivessem forçado a acudir ao mais clamoroso.
Pouco depois de tr regressado a casa, recebi a sua carta de 25 de Setembro
mostrando-me que não o tinha melindrado o meu silencio, o que deveras me
cativa, e confessando-me que necessita da minha opinião para continuar o
caminho encetado. Li a Dor humana e o Libertas! Ficando com uma
grata impressão, pela sua emoção de sinceridade, pela aspiração a que se eleva
o seu espirito; tem vigor e ímpetos de alma. Mas a Poesia não se julga só pelos
versos; ha muita gente que faz versos bem feitos, bem rimados, visando só ao effeito
rhetorico, á emphase, ás imagens arrojadas; enfim, fazerem uma coisa que reluz,
que não é oiro. Imitam as correntes dominantes: Victor Hugo, Musset,
Beaudelaire, os Parnasistas, dynamisados em Junqueiro e outros. Mas a Poesia, o
estado de alma de uma época, de uma gração, de uma individualidade, essa não a
suspeitam mesmo de longe, porque para comprehendel-a é preciso ser instruído,
identificar a synthese poética com a philosophica. Como poderão conseguir esta
alta expressão e concepção poética espiritos que tem para si que a absoluta
ignorância é a condição para manter a originalidade poética? D’ahi vém, que os
que querem ser poetas nem disciplinam a intelligencia, nem universalizam o
sentimento, nem se preocupam com o conhecimento da marcha da Poesia para seguir
e realizar a sua evolução. Dá-se na Poesia o mesmo que na Musica: qualquer
musico, Beethoven, Weber ou Wagner, e mesmo os subalternos, Clementi,
Paesiello, Verdi, Puccini, representam uma corrente de que tem mais ou menos a
consciência: uns abrem o caminho e vão adiante, outros seguem atraz, ás vezes
sem saber para onde vão. São assim os nossos poetas: poucos tem individualidade
sua, mas não chegaram á posse plena da sua consciencia esthetica ao serviço da
synthese sentimental.
Passa-se na Poesia
uma revolução: saiu-se do Petrarchismo, que foi uma synthese poética da
Edade média, que atravessou a Renascença e que predominou no Romantismo,
dissolvendo-se em diffusão rhetorica. Deve seguir-se o novo Lyrismo; e essas
correntes de parnasismo, decadismo, nefelibatismo são a desorientação cahotica
dos que não entrevêem a Nova Ordem.
Para ser um Poeta
moderno não basta ir com os outros, mas com a compreensão de espirito do tempo,
fugindo das macaqueações do tolstoismo, do hugoismo, tão fáceis para dar
diplomas de genio ao cabotinismo.
Amigo obrigado,
THEOPHILO
BRAGA”
Teófilo Braga
também colaborou com Ângelo Jorge através da escrita de um texto na revista
mensal “Luz e Vida” por ele dirigida, que se publicou no Porto entre fevereiro
e julho de 1905. “Luz e Vida” era uma revista libertária ou anarquista que
defendia uma sociedade livre, igualitária e fraterna.
No terceiro número
da revista dedicado à Lei de 13 de fevereiro de 1896, datado de abril de 1905,
que punia com deportação para África e Timor quem professasse doutrinas
anarquistas, Teófilo Braga foi autor de um texto de repúdio, que abaixo se
transcreve na íntegra:
“Acções ha, que além de
inflamarem quem as pratica, deshonram todos os que as toleram. É o caso da Lei
de 13 de Fevereiro. Os nomes dos ministros que redigiram e assignaram essa Lei
execranda, sumir-se-hao no limbo do esquecimento d’onde casualmente surgiram,
ficando impunes á sombra da sua propria nulidade; mas a vergonha nacional de
uma Lei que affronta a consciencia humana ficará caracterizando Portugal como
um tracto africano na Europa civilizada.
A Lei de 13 de Fevereiro é um
delirio de covardia, que contradiz todos os progressos realizados no Direito;
estabelece a retroactividade para actos que hoje considera crimes, ainda no
dominio moral, mesmo na intnção subjectiva; e impondo a pena ao acto não
effectuado, não lhe basta a condemnação pelo Poder Judicial, entrega a execução
ao arbitrio do governo para ampliar a pena no tempo e forma que lhe convenha!
É esta a essencia da Lei de 13
de Fevereiro um perigo social, e um documento de degradação nacional.”
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