quarta-feira, 23 de outubro de 2013



A Propósito de Homenagens

Um pouco por todo o lado, como forma de homenagear pessoas dá-se o seu nome a ruas, ruelas, canadas e becos. Também se usa escolher algumas pessoas que se tenham distinguido no campo da pintura, da ciência, da pedagogia, etc. para figurarem como patronos das escolas.
No caso das ruas, por vezes substituem uns nomes por outros ao sabor das vontades de quem governa, dos regimes políticos, neste caso para eliminar personalidades que serviram o apeado e substituí-las por outras. Também acontece atribuírem nomes de familiares ou recuperar nomes que se tivessem caído no esquecimento não viria mal ao mundo.
Há muitos casos caricatos, mas o que me vem à memória é o do presidente de uma Junta de Freguesia da ilha de São Miguel que propôs o seu nome para uma rua da sua terra. Felizmente o bom senso imperou e a brilhante intenção não passou disso.
Não sei como se processa a atribuição do nome das ruas em Vila Franca do Campo, mas nunca ouvi falar na existência de uma Comissão Municipal de Toponímia e caso exista desconheço a sua constituição.
De qualquer modo, com ou sem comissão, refiro a minha discordância para com a ânsia de atribuir nomes, a determinadas artérias do concelho, de “personalidades” que pouco ou nada fizeram para o merecer e que praticamente nada fizeram em prol do bem comum. O mencionado também se estende à atribuição de medalhas por ocasião do São João da Vila já que ao querer fazê-lo anualmente corre-se o risco de banalizar o ato e a certeza de distinguir quem nada fez para o merecer.
Estejam descansados porque não vou aproveitar o espaço disponível para apresentar os nomes das pessoas que já foram homenageadas e que, do meu ponto de vista, não o deviam ter sido. Não vou manchar a folha do jornal nem perder o meu tempo com isso.
Neste texto, vou retomar uma causa que já abracei há muitos anos e que não mereceu a devida atenção por parte do Secretário Regional da Educação e Cultura. Com efeito, em 1994, fui o primeiro subscritor de um abaixo-assinado que apelava para que fosse revista a decisão de atribuir o nome de Teotónio Machado de Andrade, que já havia sido homenageado e que já possuía uma rua com o seu nome, à Escola do Primeiro Ciclo da Ribeira Seca.
Não vou expor argumentos contra a opção que foi tomada, mas gostaria de perguntar se a simples passagem de um professor por uma escola é suficiente para que seja atribuído o seu nome à mesma?
Penso que está na altura de dar o seu a seu dono, pelo que a Escola Básica Escola Básica e Secundária de Vila Franca do Campo, a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia da Ribeira Seca deviam estudar seriamente o assunto e atribuir o nome da escola a quem efetivamente foi pioneiro na dinamização de uma comunidade.
No mencionado abaixo-assinado os subscritores solicitavam que à escola fosse atribuído o nome do professor Eduardo Calisto Amaral, que “pelo seu trabalho e dedicação marcou profundamente não só os seus alunos e as várias gerações que por aquele estabelecimento passaram mas também a comunidade local que tão bem soube servir”.
Como o apelo caiu em saco roto e como não sou pessoa de desistir à primeira, volto outra vez ao assunto esperando que desta vez tenha mais sorte.
Passados quase vinte anos mantenho a proposta, mas com uma preocupação que tenho partilhado com uma colega minha, a de não ser injusto para com os restantes professores que tornaram possível que a Escola da Ribeira Seca tenha sido pioneira na tão falada, mas cada vez mais esquecida, ligação escola-meio.
Embora possa estar a cometer um erro que espero corrigir, fizeram parte da equipa do professor Eduardo Calisto Amaral, os seguintes docentes:
- D. Adelaide da Conceição Soares
- D. Ilda Cesarina Borges
- D. Ildebranda Matias
- Valter Soares Ferreira
- D. Zulmira Teixeira
Por último, deixo uma menção especial ao professor Valter Soares Ferreira que foi meu professor nos últimos dois anos da então denominada escola primária e que muita matemática me ensinou. O que sou hoje, também, a ele o devo.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 2930, 23 de Outubro de 2013, p.16)

terça-feira, 15 de outubro de 2013



Bento de Jesus Caraça
“Se não receio o erro é porque estou sempre disposto a corrigi-lo” (Bento de Jesus Caraça)
Deve se muito reduzido o número de pessoas que, entre nós, saberá que foi Bento de Jesus Caraça o que é uma pena, pois não estamos, apenas, perante um ilustre matemático, mas também face a um cidadão que lutou contra a ditadura que durante quase meio século governou Portugal e que desenvolveu esforços para que a ciência fosse entendida por quem menos instrução tinha.
Bento de Jesus Caraça, que nasceu em 1901, em 1924, licenciou-se pelo Instituto Superior de Ciências económicas e financeiras da Universidade Técnica de Lisboa e seis anos depois passou a catedrático. Em 1938 funda, com outros colegas, o Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia que dirige até 1946, ano em que o referido centro foi fechado pelo Ministério da Educação.
Preocupado em fazer com que a ciência e a cultura não ficassem restritas a uma elite, Bento de Jesus Caraça, filho de trabalhadores rurais, promoveu um ímpar programa de divulgação que contou com dois grandes instrumentos: a Universidade Popular Portuguesa e a Coleção Cosmos, editada por aquela instituição, a qual editou “114 livros com uma tiragem global de 793 500 exemplares”.
A sua oposição à ditadura fez com que pertencesse a várias organizações, com destaque para a Liga Portuguesa Contra a Guerra e o Fascismo, a Frente Popular Portuguesa e o Movimento de Unidade Democrática (MUD).
Por ter sido um dos signatários do manifesto “O MUD perante a admissão de Portugal à ONU”, onde era exigida a democratização de Portugal como condição para a sua admissão naquele organismo, foi-lhe instaurado um processo disciplinar que levou à sua expulsão da Universidade, a 5 de Outubro de 1946, e à proibição de ensinar tanto em escolas públicas como em escolas privadas. Para sobreviver viu-se forçado a dar lições em casa.
Da sua vasta obra, que conheço apenas uma ínfima parte, destaco o livro “Conceitos Fundamentais da Matemática” que li e reli, com muito gosto, por mais de uma vez.

Recomendo, também, a leitura do texto da sua mais conhecida palestra intitulada “A Cultura Integral do Indivíduo, Problema Central do Nosso Tempo”, proferida em 25 de Maio de 1933, em Lisboa.
A mencionada conferência, bem como outras, como “Galileo Galilei, Valor científico e valor moral da sua obra”, “Escola Única”, “A Arte e a Cultura Popular” e “Aspectos do problema cultural português”, bem como outros textos, como “A luta contra a Guerra”, “A evolução da Física”, de Albert Einstein e Leopold Infield”, “Galileo e Newton” e “A matemática na vida dos homens” estão reunidas no livro “Conferências e Outros Escritos” editado pela primeira vez em 1970 e reeditado em 1978, aquando da passagem do trigésimo aniversário da sua morte.
Não tendo espaço suficiente para expor o seu pensamento, limitar-me-ei a apresentar alguns excertos de textos sobre vários assuntos.
Num texto, de 1932, sobre a guerra e sobre o estado do mundo, Bento de Jesus Caraça escreve o seguinte: “O mundo está, como estava em 1914, governado por homens inferiores, caricaturas de homens, e o que eles governam não é uma sociedade humana – é uma caricatura de sociedade humana. E será assim, enquanto homens novos não tomarem a direção do mundo para fazerem dele uma sociedade de homens livres.” Será, hoje, a situação muito diferente?
A seguir, sobre “odiada” matemática, Bento Caraça, em 1944, escreveu que a mesma estava a ganhar importância pois, encontrava-se a invadir a vida moderna e assistia-se a “uma matematização das ciências que dia a dia se tornam mais imprescindíveis aos homens” e acrescentava que a “rainha das ciências” estava a “tornar-se numa companheira democratizada e querida de todos nós”.
Por último, em 1946, Bento de Jesus Caraça, numa palestra intitulada “Aspectos do Problema Cultural Português” falou sobre o medo que se havia apoderado da “quase totalidade da população portuguesa” e que parece estar de volta ou então nunca nos abandonou por completo. Segundo ele, “a primeira coisa a fazermos para sermos gente é extrair o medo dos corações dos portugueses, fazendo deles homens generosos e fortes, libertos das grilhetas da mais aviltante das escravidões”.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 2924, 16 de Outubro de 2013, p.16)

quarta-feira, 9 de outubro de 2013


Cinco anos sem Veríssimo Borges

Ontem, dia 8 de Outubro, fez cinco anos que Veríssimo de Freitas Borges nos deixou.

Já por diversas vezes escrevi sobre os nossos encontros e desencontros, sobre as batalhas que travámos juntos e sobre a enorme falta que faz à manta de retalhos que era o movimento ambientalista que, depois de um período de núpcias com o Governo Regional dos Açores, acabou por (quase) desaparecer do mapa.

Hoje, não pretendo repetir-me, mas aproveito a oportunidade para recordar algumas das questões que eram levantadas/contestadas por ele e que ainda não perderam atualidade, com destaque para a incineração de resíduos sólidos urbanos que contra ventos e marés parece que está a avançar com a cumplicidade/financiamento da EU, sempre hipócrita a “enviar” fundos sem se preocupar se os mesmos são ou não utilizados em investimentos reprodutivos. Também não poderia deixar cair no esquecimento a obra faraónica, pelos gastos envolvidos, cujo montante nunca se chegará a conhecer, da estrada para a Fajã do Calhau que parece não resistir à erosão de nem uma mão cheia de anos e que ele, em devido tempo, tão bem soube contestar.

Neste texto, tentarei recordar um pouco a intervenção política do Veríssimo Borges que não começou com a implantação da democracia a 25 de Abril de 1974. Para isso recorri-me a informações retiradas do livro “A oposição ao Salazarismo em São Miguel e em outras ilhas açorianas” e ao que me lembro das conversas que com ele mantive ao longo de alguns anos, sobretudo depois da sua integração no movimento SOS-Lagoas, de que já fazia parte desde o início, e mais intensamente durante alguns meses em que frequentamos o mestrado de educação ambiental, na Universidade dos Açores.

Já Salazar havia caído da cadeira quando se realizaram eleições para o parlamento nacional, em 1969. Neste ano foi elaborada a “Declaração de Ponta Delgada”, da candidatura Independente às eleições para deputados, tendo como redator principal Ernesto Melo Antunes. Veríssimo Borges, então estudante, foi um dos subscritores da Declaração e durante as férias participou “em muitos actos de pré-campanha”. No mesmo ano, Veríssimo Borges, havia sido detido pela PIDE, no dia primeiro de Maio, no Rossio, por estar a distribuir panfletos sobre uma manifestação comemorativa do Dia do Trabalhador.

De esquerda, mas sem complexos, Veríssimo Borges era convidado e aceitava participar em iniciativas das mais diversas organizações partidárias, independentemente do seu posicionamento ideológico. Para ele, a ecologia não estava à esquerda nem à direita, estava em primeiro lugar.

 Um dia numa aula ministrada pela Doutora Ana Moura Arroz, quando estava em debate a participação cívica e política, os vários alunos expuseram as suas ideias e posicionaram-se face às várias correntes políticas e ideológicas, tendo o Veríssimo Borges dito que se considerava “anarquista autoritário”, o que não deixa de ser uma contradição para quem defende que a anarquia não é a desordem, mas a “ordem sem a coação”.

Já com a doença devidamente identificada, o Veríssimo quis participar em mais uma batalha, a de uma campanha eleitoral para a Assembleia Regional dos Açores, integrado numa lista do Bloco de Esquerda. A este propósito, cito abaixo uma sua “justificação” para o facto e para a aceitação de um convite por parte do Correio dos Açores:

“O diagnóstico de cancro incurável abriu-me o apetite para, no curto prazo, me dedicar à luta política pelo Ambiente e Desenvolvimento Sustentável no âmbito da Assembleia Legislativa e respectivas Comissões. Para tal basta ser eleito, à boleia de açorianos suficientes, já que o Bloco de Esquerda honrosamente me cedeu o 2º lugar das suas listas, com total garantia de independência.
Com esta mesma independência aceitei, sem interferência partidária, o convite do Correio dos Açores para ir publicando (à margem das campanhas eleitorais) uma sucessão de artigos representativos de outras tantas iniciativas a que pretendo dar prioridade na minha acção parlamentar.”

O Veríssimo não venceu a batalha eleitoral, nem a batalha da doença, mas nunca desistiu. Por isso está sempre ao meu lado e estará sempre presente entre nós.


Teófilo Braga


(Correio dos Açores, nº 2918, 9 de Outubro de 2013, p.16)