quinta-feira, 27 de maio de 2021

Apontamentos sobre o Padre João José de Amaral (2)

 


Apontamentos sobre o Padre João José de Amaral (2)

 

Em texto anterior, escrevemos sobre o Padre João José de Amaral, nomeadamente sobre a sua dedicação ao ensino. No de hoje, a temática principal é a sua preocupação com a florestação e a agricultura em São Miguel.

 

O padre João José de Amaral teve uma vida preenchida com atividades de diversa índole. Assim, pertenceu a várias instituições, como o partido cartista, a Sociedade de Beneficência, que presidiu, a Sociedade dos Amigos das Letras e Artes e a SPAM-Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense.

 

Para além das entidades referidas, tal como grande parte dos principais dirigentes das diversas organizações do seu tempo, como José do Canto, José Jácome Correia, António Feliciano de Castilho ou José Pereira Botelho, o padre João José de Amaral pertenceu à maçonaria.

 

De acordo com António Lopes, autor do livro “A maçonaria portuguesa e os Açores, 1792-1935”, o padre João José de Amaral “foi provavelmente iniciado na Loja existente em Ponta Delgada no início da década de vinte, vindo posteriormente a ser obreiro da Loja União Açoreana”.

 

O contributo do padre João José de Amaral para o desenvolvimento da agricultura micaelense foi enorme, sobretudo através da sua dedicação à SPAM, quer enquanto membro da sua direção, recordo que em 1850 foi o sócio mais votado para aquele órgão, quer enquanto colaborador do seu órgão de informação “O Agricultor Micaelense”.

 

No que à agricultura diz respeito, um dos temas mais abordados pelo padre João José de Amaral foi o das laranjeiras e os seus problemas. Assim sobre o assunto há textos dele no “Agricultor Micaelense”, no “Cartista dos Açores” e no “Almanaque Rural dos Açores.

 

Ainda no que diz respeito às laranjeiras o padre João José de Amaral presidiu a uma comissão da SPAM que teve por encargo examinar a ação de um “remédio” proposto por Domingos Torres para exterminar o inseto destruidor das mesmas.

 

A preocupação do padre João José de Amaral foi também relativa à desflorestação da ilha de São Miguel, tendo sobre o assunto escrito um texto publicado, em 1843, no jornal “O Monitor”, de Ponta Delgada, onde abordava as vantagens da plantação de árvores, apresentando, entre as principais, o “gozo de madeiras de carpintaria, e construção, o aumento de combustíveis, os abrigos dos terrenos, a salubridade dos ares”.

 

Abaixo, transcreve-se algumas das suas propostas:

 

“Parece-nos que com a semeadura de giesteira pelas sumidades dos montes, e depois, ou ao mesmo tempo, com a da semente da nossa faia, ou doutras árvores, a arbítrio de cada um, se conseguiria o que pretendemos. As aves, os ventos, e as chuvas fariam depois o resto. Toda a dificuldade está, diz Rosier em caso análogo, na germinação da semente, e na conservação da planta do primeiro ano. Por pouca, porém, que nasça e por pouca que se conserve, repetindo-se, a operação nos anos consecutivos, teremos a final povoados de árvores os montes, com imediato proveito dos donos, com utilidade geral e pública, com beleza e aumentos da riqueza insulana. Assim o praticaram muitas nações europeias... proibindo ao mesmo rotear, e cultivar os cumes das montanhas, até uma certa distância.

 

Resta desfazer uma objeção. Os montes da ilha são pela maior parte, pertencentes a vínculos, cujos terrenos andam arrendados, servindo esses montes de pastos às rezes dos rendeiros. Como poderá, pois, praticar-se no plano indicado, ou outro, que tenda ao mesmo fim? Em duas palavras responderemos.

 

Se os Administradores dos vínculos quiserem entender os seus interesses no aumento da fertilidade dos terrenos, e, por conseguinte, no do preço das rendas, deverão até premiar a quem povoe de árvores os montes. Se os rendeiros forem suscetíveis de melhores ideias, do que as que em Agricultura possuem, deverão por uma vez acabar de persuadir-se que a quantidade do gado e também a qualidade cresce na razão da cultura das terras.”

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32442, 27 de maio de 2021, p. 14)

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Apontamentos sobre o Padre João José de Amaral (1)

 


Apontamentos sobre o Padre João José de Amaral (1)

 

A 19 de julho de 2016, publiquei neste jornal um texto intitulado “O Padre João José do Amaral e a perseguição às aves”, onde o mesmo pôs em causa o combate aos “pássaros daninhos” promovido pela Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense que o mesmo ajudara a criar em janeiro de 1843.

 

Através de leituras posteriores, fiquei a conhecer melhor a biografia daquele sacerdote e por ter sido exemplar decidi tornar públicos alguma da sua obra e pensamento.

 

João José de Amaral, nasceu, em Água de Pau, no dia 1 de outubro de 1782 e faleceu, na Fajã de Baixo, a 19 de julho de 1853.

 

Filho de modestos proprietários naturais da Povoação, foi através da proteção de uma “família ilustre” que conseguiu efetuar os estudos que o levaram a ser sacerdote e a professor da instrução secundária.

 

João José de Amaral, depois de ordenado presbítero foi nomeado vice vigário da Paróquia de São José, em julho de 1818, permanecendo lá até julho de 1813, por ter sido nomeado professor de Filosofia Racional.

 

O vila-franquense Urbano de Mendonça Dias, na sua obra “Literatos dos Açores” refere que toda a vida do Padre João José do Amaral foi orientada para o ensino, tendo afirmado que o mesmo “preferiu ser Mestre a ser Vigário, porque mais lhe sorria o ensino literário que a paroquiação”.

 

Segundo o autor referido, o Padre João José de Amaral era original nas suas aulas, pois começava sempre as mesmas contando uma anedota e só depois partia para a lição propriamente dita. Segundo ele: “Anedota …é o melhor meio de despertar o interesse e atrair a atenção dos rapazes.”

 

Sobre a sua singularidade como pedagogo, Francisco Maria Supico, nas suas “Escavações”, escreveu o seguinte:

 

“…. Falemos claro. João José de Amaral devia ser professor de instrução secundária, e o modelo dos Professores; e foi-o efetivamente. As cadeiras que por largos anos exerceu foram as de Filosofia, Retórica e Poética. No aturado ensino destas disciplinas, mostrou-se conhecedor da ciência do seu tempo, amenizando suas lições com uma infinidade de anedotas e passagens de autores clássicos antigos e modernos de diferentes nacionalidades que ou serviam de distração ao abstrato das doutrinas, ou, e era este o seu principal intuito, infundiam nos ânimos dos seus discípulos noções práticas de ciências e de moral. “

 

No âmbito do ensino, em 1932, o padre João José de Amaral, por carta-régia de 18 de junho, foi colocado na regência das cadeiras de Filosofia e Retórica, em Ponta Delgada, onde se manteve até à sua reforma ocorrida a 5 de fevereiro de 1850.

 

A 30 de agosto de 1851, o Padre João José de Amaral foi nomeado para o cargo de Comissário dos Estudos e enquanto tal foi incumbido, por Decreto de 2 de setembro do mesmo ano, da reitoria do Liceu que seria criado em Ponta Delgada. Por ter falecido, não esteve muito tempo como reitor daquela instituição de ensino.

 

De entre os escritos da sua autoria ou traduções que efetuou, destacamos, por estarem relacionadas com o ensino, as seguintes publicações, editadas pela Sociedade Auxiliadora das Letras Açorianas:

 

- “Elementos ou primeiras lições de Geografia e Astronomia de J. A. Commings; traduzidos do inglês, reformados e consideravelmente aumentados para uso das escolas nacionais, servindo como introdução aos estudos geográficos e astronómicos” (1852).

 

- “Glossário Retórico”, destinado aos alunos do curso de Retórica e Poética do Liceu Nacional de Ponta Delgada (1854).

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32436, 19 de maio de 2021, p.14)

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Bruno da Ponte: um editor micaelense (quase) desconhecido

 


Com os pés na terra (504)

 

Bruno da Ponte: um editor micaelense (quase) desconhecido

 

Bruno Domingues da Ponte, formado em Economia pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, nasceu em Ponta Delgada a 28 de agosto de 1932 e faleceu na mesma cidade a 14 de dezembro de 2018.

 

Embora tenha exercido várias profissões ou trabalhado em diversas áreas, como tradutor, jornalista, professor universitário em Edinbourg, Escócia, diretor de uma escola de jornalismo, em Maputo, Moçambique, galerista, etc., destacamos a sua atividade como editor.

 

Para além de ter trabalhado, enquanto viveu no estrangeiro, na editora DEFA, o nome de Bruno da Ponte está ligado às seguintes editoras: Minotauro, Estampa, Teorema e Salamandra.

 

A editora Estampa foi criada, em 1960, por António Carlos Manso Pinheiro e segundo Flamarion Maués era de esquerda da área política do PCP e a Teorema surgiu em 1974 pelas mãos de Carlos Araújo e Carlos da Veiga Ferreira e, de acordo com o autor referido, não apresentava uma posição política definida.

 

Bruno da Ponte foi um dos fundadores da Editorial Minotauro que funcionou entre 1960 até ao final de 1966, altura em que foi encerrada pela PIDE e ele foi sujeito a longos interrogatórios por parte daquela polícia política.

 

De acordo com Bruno da Ponte, numa entrevista dada à revista “A Ideia”, a Minotauro nasceu com “dois propósitos: a publicação de obras importantes do passado que não haviam sido divulgadas entre nós e dar conhecimento de movimentos e obras inovadoras, já firmados no estrangeiro, mas de que permanecíamos alheados”.

 

De entre as obras publicadas, destacámos “Surrealismo/Abjeccionismo” e “Peças em um Acto”. A primeira pelo número de autores dado a conhecer e a segunda por ter levado ao fim da editora.

 

A antologia “Surrealismo/Abjecionismo” foi organizada por Mário Cesariny e contou com textos e ilustrações de trinta e dois autores, como Alexandre O’ Neill, António José Forte, António Maria Lisboa, Cruzeiro Seixas, José Sebag, Luiz Pacheco e Mário Henrique Leiria.

 

O livro “Peças em um Acto”, de Luís Sttau Monteiro, que, entre outras, incluía duas peças de teatro, “A Guerra Santa” e “A Estátua”, foi considerado pelo Ministério da Defesa Nacional uma afronta às tropas portuguesas que estavam a combater em África. O autor acabou por ser detido e a editora viu as suas instalações serem seladas e depois inundadas, pois os agentes da PIDE que lá se deslocaram esqueceram-se de fechar as torneiras da água, fazendo com que livros e quadros fossem destruídos.

 

Em 1985, Bruno da Ponte e Carlos Veiga Pereira criaram as “Edições Salamandra” que recuperam parte do legado da Editorial Minotauro, através da reedição de algumas das suas publicações, como “Surrealismo/Abjeccionismo” ou “O rapaz de bronze”, de Sofia de Mello Breyner.

 

Das muitas obras publicadas pelas “Edições Salamandra”, destaco os livros “Para Além da Revolução” da autoria do genial e visionário arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Teles, “Nacionalismo, Regionalismo e Autoritarismo nos Açores durante a Primeira República”, de Carlos Cordeiro e “Uma Mulher pioneira: Ideias, Intervenção e Ação de Alice Moderno”, de Maria da Conceição Vilhena.

 

A divulgação da obra de escritores açorianos também foi feita por Bruno da Ponte, através da Coleção Garajau, das Edições Salamandra. Com efeito, segundo Daniel Melo, naquela coleção foram publicados 121 títulos de 52 autores, entre os quais destacamos Daniel de Sá, Cristóvão de Aguiar, Borges Martins, José Martins Garcia, Onésimo Teotónio Almeida, Álamo Oliveira e Urbano Bettencourt.

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32432, 12 de maio de 2021, p.12)

quarta-feira, 5 de maio de 2021

José Maria Álvares Cabral: a ornitologia e a botânica

 




José Maria Álvares Cabral: a ornitologia e a botânica

 

Ouvi falar, pela primeira vez, em José Maria Álvares Cabral quando na qualidade de presidente dos Amigos dos Açores-Associação Ecológica fui contatado por uma sua filha que pretendia oferecer um livro que havia pertencido ao pai e que, segundo ela, seria mais útil a uma associação que também se dedicava ao estudo das aves do que se ficasse numa estante de uma biblioteca qualquer.

 

A doação concretizou-se e o livro “Guide des oiseaux”, a que recorri várias vezes para identificar algumas aves, está disponível para consulta de todos os membros na sede da referida associação, no Pico da Pedra.

 

Mas quem foi José Maria Álvares Cabral?

 

José Maria Álvares Cabral nasceu em Ponta Delgada no dia 11 de novembro de 1911 e faleceu na mesma cidade a 4 de fevereiro de 1988.

 

Depois de ter estudado em Ponta Delgada e na Suíça, em 1937, na Bélgica, obteve o bacharelato em Filosofia Tomista e, em 1951, completou o curso de engenharia agronómica na Universidade Católica de Lovaina.

 

Profissionalmente, foi professor de Filosofia na Escola Industrial e Comercial de Ponta Delgada e foi funcionário do Museu Carlos Machado. Primeiro foi diretor da Secção de Botânica e mais tarde do próprio Museu, tendo atualizado a nomenclatura das espécies existentes no departamento de Zoologia.

 

José Maria Álvares Cabral dedicou-se ao estudo das aves, tendo colaborado com ornitólogos estrangeiros. Sobre esta sua faceta, na revista “Açoreana”, de junho de 1989, pode ler-se o seguinte: “A ornitologia mereceu-lhe carinho particular, sendo os seus dotes de observador atento e incansável investigador de campo imensamente úteis no complemento de obras de vulto sobre os Açores, entre as quais se destaca "Birds of the Atlantic Islands", de David Bannerman.”

No Museu Carlos Machado, de entre os inúmeros trabalhos que efetuou, destaca-se na área da ornitologia, a elaboração, em 1959, da primeira lista das aves presentes nas coleções daquela instituição, agrupando-as pelas seguintes categorias: residentes, migradoras e migradoras ocasionais.

 

No que diz respeito à botânica, a revista mencionada refere que o eng. Álvares Cabral “realizou ainda a determinação nomenclatorial das espécies vegetais do Jardim António Borges, trabalho particularmente difícil pelo número de espécies exóticas que ali se encontram.”

 

Em relação ao mencionado jardim, José Maria Álvares Cabral elaborou uma “Lista das Plantas existentes no Jardim António Borges”, não datada, onde faz referência às diversas espécies lá existentes, indicando se fazem ou não parte da lista mandada elaborar por António Borges, propõe novas designações, considera algumas duvidosas ou mesmo afirma que para a determinação do nome da espécie necessita de mais tempo.

 

No que ao Jardim José do Canto diz respeito, José Maria Álvares Cabral foi o autor da compilação e crítica científica do “Catálogo por ordem alfabética das espécies plantadas entre maio de 1865 e setembro de 1867 no Jardim José do Canto” que pode ser consultado, por todos os interessados, na Biblioteca Pública de Ponta Delgada.

 

O eng. Álvares Cabral foi autor de, entre outros, diversos artigos publicados na revista Insulana, do Instituto Cultural de Ponta Delgada, de que se destaca o texto intitulado: “Importância dos estudos de ciências naturais nos Açores e papel que os mesmos podem

desempenhar as bibliotecas e museus existentes no arquipélago, principalmente o de Carlos Machado, em Ponta Delgada».

 

É também da sua autoria a brochura “Observations ornithologiques dans l'île de São Miguel (Açores): 1960-1963”, publicado em 1964, pela Tipografia Andrade, de Angra do Heroísmo.

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32427, 5 de maio de 2021, p.12)

sábado, 1 de maio de 2021

SOBRE AGRICULTURA


 


SOBRE AGRICULTURA

1 – O Governo dos Açores anunciou a elaboração de um estudo sobre a Agricultura e deu um prazo de um ano para a sua conclusão. Este será um estudo que atenderá a outros que já existem e terá em atenção os novos desafios que se colocam ao sector agrícola. Em seu tender para que objetivo deve apontar este estudo tendo em atenção que cada ilha é uma realidade agrícola própria?

 

O desenvolvimento da agricultura nos Açores deverá ter sempre como meta, mesmo que inalcançável, a autossuficiência alimentar da região, apontar para a máxima diversificação das culturas e ter em conta as características dos solos de cada ilha. O estudo em questão também não pode ignorar a história da ocupação do solo desde o povoamento e a tradição agrícola de cada ilha.

 

Todos os estudos sobre o futuro da agricultura também deverão ter em conta o respeito pelas áreas naturais e não esquecer que existem pastagens implantadas em zonas de altitude ou declivosas que deveriam ser ocupadas por matas ou mesmo por vegetação indígena e que seria de todo o interesse proceder à sua recuperação.

 

Qualquer estudo e este em especial não pode ser feito à margem dos interessados, pelo que é importante o envolvimento de todos os agricultores em todas as fases do mesmo.

 

2 – A Agricultura açoriana está a entrar numa nova fase, com reajustamentos que indiciam um decréscimo na fileira do leite e, em contrapartida, um aumento da fileira da carne e da horticultura e fruticultura. Em sua opinião como se devem processar estes reajustamentos? Que área de terra deve ser ocupada por cada uma destas fileiras? Porquê?

 

A tendência mundial, pelo menos nos países mais desenvolvidos tem sido a da redução gradual, ainda que lenta, do consumo de carne e de leite, por razões ambientais ou por opções alimentares relacionadas com a saúde dos consumidores. Assim sendo, a grande preocupação deverá ser como reduzir as fileiras da carne e do leite e que alternativas para as mesmas, haverá sem reduzir os rendimentos dos que hoje se dedicam à agropecuária.

 

No que diz respeito às áreas ocupadas por cada uma das fileiras, penso que já dei a resposta antes. Apenas não referi que em cada área deverão ser usadas as melhores práticas agrícolas para obter o máximo rendimento sem degradar os solos.

 

3 – A fileira da carne tem potencial para crescer nos Açores. Como se deve desenvolver esse potencial e que raças se deve usar na fileira da carne?

 

Embora esteja atento a tudo o que se passa na nossa terra, não estou suficientemente informado sobre que raças devem ser usadas para melhor rentabilizar a fileira da carne.

Lembro-me que há alguns anos, o arquiteto paisagista Ribeiro Teles ter mencionado o facto de as raças de gado bovino existentes nos Açores para a produção de leite não serem as mais adequadas, tendo em conta o seu peso e tamanho para as características das pastagens. Será que este é um não problema ou um problema que já foi resolvido nos Açores?

 

4- Há quem defenda que uma das soluções para a “necessária” redução da produção de leite é transformar as pequenas explorações de leite em explorações de carne. Concorda com esta medida e como deve ser aplicada? Que programa de incentivos deve acompanhar este importante reajustamento?

 

Para não se andar aos ziguezagues como tem acontecido em várias áreas da vida económica açoriana tudo deverá ser bem pensado. Como já referi anteriormente, para mim a grande aposta deverá ser na produção de hortícolas e frutícolas, flores, na experimentação de novas culturas, primeiro para consumo interno e depois para exportação.

 

5 – O cálculo do rendimento do produtor de leite e carne tem sido feito na perspetiva da receita obtida por litro de leite e pouco pelo custo das matérias-primas para o produzir. Quando se defende a produção do leite biológico, do leite com iodo e do leite de pastagem, que impacto terá essa alteração na alimentação do gado e, que impacto isso terá para o rendimento do produtor e para o consumidor?

 

Os apoios à criação de gado serão sempre inevitáveis, não pela vontade dos produtores, mas por “imposição” das políticas de preços da Comunidade Europeia. Gostaria imenso de saber quantas explorações agropecuárias seriam viáveis sem a receção de qualquer subsídio.

 

Creio que as necessárias alterações na alimentação do gado farão com que, para a produção do leite biológico, do leite com iodo e do leite de pastagem, os custos de exploração sejam maiores e que não aumentando os subsídios às explorações o preço do leite terá de subir muito, com consequências desagradáveis para os consumidores.

 

Meu pai que por circunstâncias da vida, “herdou” uma pequeníssima exploração agropecuária, há 30 anos já se indignava com o baixo preço do litro de leite pago pela indústria. Hoje parece-me que a situação se mantém.

 

6 – O mercado da carne ainda tem muito caminho para fazer nos Açores, nomeadamente, em São Miguel, onde se exporta ainda muito gado vivo, e a carne em carcaça. O que é preciso fazer para que a Região possa certificar a carne abatida nos matadouros dos Açores, já com a desmancha feita e embalada em vácuo e, com isso, acrescentar valor e desenvolvendo a agroindústria, e criando mais-valias?

 

Penso que quando há 20 anos foi construído o matadouro da ilha de São Miguel, o objetivo era fazer com que na região ficassem as mais valias da produção de carne e acabar com o transporte de gado vivo para o continente português.

 

Não faço ideia por que razão tantos anos depois continua a haver transporte de gado vivo para fora da região, prática cada vez mais contestada nomeadamente pelas organizações integradas no Eurogroup for Animals, por razões relacionadas com o bem-estar animal.

 

7 – A diversificação agrícola passa por um aumento significativo das produções de hortícolas, frutícolas e flores, de modo a equilibrar o déficit que existe quanto às importações que a Região faz. Tal como se tem feito com os incentivos à plantação das vinhas, que incentivos devem ser disponibilizados para incentivar o crescimento da produção agrícola em todas as Ilhas da Região?

 

Para o combate às alterações climáticas é urgente o fomento da biodiversidade tanto na agricultura, como na pecuária e também nos espaços florestais.

 

Acredito que o futuro dos Açores tem de passar pela redução da criação de gado que tem de ser acompanhada pela diversificação agrícola, através da produção de mais hortícolas, mais frutos, mais flores, mais mel, etc., sempre que possível associada a pequenas agroindústrias de aproveitamento das produções não consumidas na região ou não exportadas. Para potenciar o rendimento dos agricultores, às explorações agrícolas poderá estar associado o agroturismo.

 

Para a manutenção dos rendimentos, são importantes apoios à reconversão das explorações, que deverão ser maximizados nos primeiros anos até às novas culturas atingirem a produção plena. Apoio especial, deverão ter todos os agricultores que optem pelo modo de produção biológico.

 

Mas, os incentivos não se devem limitar aos financeiros. O Governo Regional através dos vários Serviços que possui, isoladamente ou em colaboração com a Universidade dos Açores, deverá incrementar o apoio aos agricultores, quer no aconselhamento das melhores culturas e das técnicas mais adequadas às características dos solos, quer na investigação e desenvolvimento de melhores cultivares e no combate a pragas e doenças.

 

Um grande obstáculo à pequena produção é a comercialização dos produtos obtidos. Embora dependa essencialmente da vontade dos produtores, a criação de cooperativas de consumo/produção poderiam ser uma mais valia para o escoamento das colheitas.

 

Outra medida urgente a ser tomada é o ensino da agricultura nas escolas que não pode ficar pelos alunos que não se adaptam ao ensino dito regular.

 

Pico da Pedra, 25 e 26 de abril de 2021

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 1 de maio de 2021)