sábado, 25 de agosto de 2012
sábado, 18 de agosto de 2012
Ainda a Escola do passado: ordenados e crucifixos
Continuando
a minha consulta aos documentos que pertenceram à professora do primeiro ciclo
do ensino básico, Maria Ana Carreiro, encontrei dois cadernos onde ela
registava as suas despesas e receitas: um relativo ao ano letivo de 1944-1945 e
outro respeitante ao ano de 1946-1947.
Através
de uma análise aos dois cadernos, verifica-se que, no primeiro ano letivo
referido, o ordenado era de 766$30 e no segundo 869$30, no mês de outubro,
tendo sido aumentado para 1008$50, no mês de Novembro de 1946. Tendo o cuidado
de, com pormenor, analisar as despesas e as receitas, facilmente se chegará à
conclusão que naquela época os professores não tinham uma vida desafogada. Com
efeito, se a professora Maria Ana Carreiro não desse explicações, ela chamava
lições, nomeadamente ao 1º, 2º e 3º anos e de admissão ao liceu, o seu ordenado
mal daria para cobrir as suas despesas em alguns meses e noutros ficaria muito
aquém daquelas.
Hoje,
se continuarem os cortes salariais, incluo o não pagamento do subsídio de
férias e do de Natal, a situação de muitos professores, que já não é boa, irá
degradar-se tanto que muitos terão de recorrer a outras fontes de receitas,
para equilibrar os seus frágeis orçamentos familiares.
O
segundo aspeto que queria divulgar, hoje, está relacionado com a presença ou
não de crucifixos nas escolas.
Antes
de prosseguir, queria registar o facto de, para mim, ser indiferente a sua
presença ou não. Considero que as crenças ou a fé, para além de não se
encontrarem em qualquer parede, não se medem pelo
número de crucifixos nas paredes de qualquer edifício. Contudo, também acho que
sendo a escola pública laica e sendo o estado português laico não faz qualquer
sentido a presença de cruxifixos e outras imagens religiosas nas escolas
públicas, por isso aceito perfeitamente a afirmação do sociólogo Moisés
Espírito Santo quando considera “sinal de civismo e
maturidade” a sua não presença em escolas não cristãs.
Na
década de quarenta do século passado, as circunstâncias eram outras e a
polémica acerca dos crucifixos não se colocava. Pelo contrário, terá sido uma
conquista para a professora Maria Ana Carreiro ter conseguido adquirir um para
a escola do isolado local das Gramas, na Ribeirinha, o que só foi possível com
a colaboração do “bom povo” da localidade.
No
seu discurso proferido perante algumas autoridades, colegas e alunos, a
professora Maria Ana Carreiro, depois de manifestar o seu embaraço por usar da
palavra, justificou por que o fazia, dizendo que era grande a alegria por ver
na sua escola alçada a Cruz de Cristo.
Para
ela, “sendo a criança a mais carinhosa promessa da humanidade e a sua mais
ridente esperança” era necessário envidar “todos os esforços na sua preparação
para a vida” e acrescentou:
“Mas, nós, os
professores primários, prepará-la-emos convenientemente, não só instruindo-a,
porque a instrução só por si não basta. É até capaz de produzir monstros. É
necessário aliar à instrução a educação, mas a educação cristã e tradicional do
nosso querido Portugal.”
Depois
de se referir a vários episódios da história de Portugal, sempre “à sombra da
Cruz”, como a batalha de Ourique, os descobrimentos que tiveram um “duplo fim:-
propagar a fé e dilatar o império”, a oradora ter-se-á referido à primeira
república nos seguintes termos: “no entanto, durante algum tempo uma rajada de
indiferentismo obscureceu o céu límpido da nossa Pátria e arrancou a tradição
gloriosa de tantos séculos de existência cristã” e lembrou o que se estava a
passar na Rússia e em Espanha.
Quase
a terminar o seu discurso, como era costume na altura, a professora Maria Ana
Carreiro falou na obra de António de Oliveira Salazar que foi Presidente do Conselho de Ministros,
entre 1932
e 1968,
nos seguintes termos:
“Foi por isso que o
governo português sob a direção do grande estadista Dr. Oliveira Salazar, que
muito se preocupa (com a preparação da juventude) com a educação das crianças,
futuros homens, determinou que se colocasse a imagem de Jesus Cristo na escola,
para lhes servir de modelo pela vida adiante, daquele Jesus que foi o maior
pedagogo e só praticou o bem”.
Teófilo
Braga
(Correio
dos Açores, 15 de Agosto de 2012)
Roteiro Ecocultural de São Roque
Açoriano Oriental, 17 de Agosto de 2012
Texto da
Apresentação do roteiro Eco cultural de
Rosto do Cão - São Roque, de Miguel Fontes Cabral
Não venho, aqui, fazer perder o vosso
tempo a ouvir-me falar sobre um roteiro pedestre numa freguesia, São Roque, que
muitos dos presentes, como o senhor presidente da Junta de Freguesia, Gilberto
Rodrigues, meu conterrâneo de Vila Franca do Campo, ou o próprio Miguel Fontes,
autor do roteiro, conhecem melhor do que eu.
Também não vou fazer uma análise ao seu
conteúdo, texto ou ilustrações, pois considero que este roteiro não é, nem deve
ser, um cais de chegada mas sim um ponto de apoio para despertar futuras
investigações sobre o património cultural e natural da freguesia de São Roque.
Também considero que este ou qualquer outro
roteiro não é para ser lido no sofá à lareira, no inverno, ou na esplanada no
verão. Abro aqui um parêntese para afirmar que nada tenho contra a leitura, nas
situações descritas anteriormente, que sou um leitor compulsivo e para declarar
que subscrevo o seguinte pensamento do poeta e filósofo norte-americano Henry
David Thoreau: “Quantos homens têm datado o início de uma nova era das suas
vidas a partir da leitura de um livro”.
Mas o que fazer com um roteiro e com
este em especial?
Ler não chega. O mais é importante é
socorrendo-se da proposta de trajeto apresentada, fazer o percurso, parar em
cada posto, ler as descrições constantes nos roteiros e, eventualmente,
descobrir pormenores que escaparam ao autor ou que este, voluntariamente, optou
por não mencionar.
O já citado Thoreau dizia no seu livro
“A arte de caminhar” que não conseguia preservar a sua saúde e o seu espírito
se não passasse quatro horas por dia a caminhar e estranhava o facto de em
algumas profissões existirem pessoas que passavam todo o dia “sentados de
pernas cruzadas – como se as pernas fossem feitas para nos sentarmos sobre elas
e não estarmos de pé ou caminharmos sobre elas.
Para além da utilidade em termos de
saúde já mencionada, o caminhar com sentido é de vital importância em termos de
transmissão de conhecimentos. Assim, como é por demais sabido, sobretudo para
os mais novos, é mais motivadora uma imagem do que mil palavras escritas.
Espero que este roteiro escrito, pelo
Miguel Fontes, para além da sua importância para dar a conhecer São Roque a
quem nos visita seja um contributo para despertar os mais novos para a
necessidade de melhor conhecerem a sua terra e o seu património e para
motivá-los para colaborar na sua conservação.
Termino, felicitando o Miguel pela
iniciativa e dando os meus parabéns à Junta de Freguesia por ter patrocinado
este projeto de carácter cultural numa altura em que o que mais se vê por aí, mesmo
em momento de sufoco financeiro, são apoios a projetos de interesse no mínimo
duvidosos.
Como sei que o Miguel não é pessoa para
ficar parado de braços cruzados, fico à espera da sua próxima
iniciativa/projeto.
São Roque, 14 de Agosto de 2012
Teófilo Braga
quinta-feira, 16 de agosto de 2012
A Escola do Passado - Lembrando a profª Maria Ana Carreiro
Depois
de uma recente visita à Oficina Museu de Manuel João Melo, localizada nas
Capelas, e de ter visto a reconstituição de uma sala de aula que se assemelhava
à que encontrei quando, em 1964, comecei a frequentar a então denominada escola
primária, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, lembrei-me de remexer em
“papéis velhos”.
Entre
os vários documentos que tenho em minha posse sobre a escola/ensino do passado,
deparei-me com alguns pertencentes às professoras Maria Emília Pereira e Maria
Ana Bento Carreiro.
Dadas
as limitações de espaço, hoje, apenas farei referência a parte do espólio da
professora Maria Ana Carreiro que era natural de Vila Franca do Campo, tendo
estudado no Instituto de Vila Franca, mais tarde Externato de Vila Franca, onde
fui aluno no final da década de sessenta e início da de setenta do século
passado.
Terei
conhecido a professora Maria Ana Carreiro nos primeiros anos da década de 60 e
lembro-me de a ter visitado, julgo que pela primeira vez, em sua casa, na rua
dos Manaias, aquando da realização do meu exame do 2º ano do ciclo preparatório,
na
Escola
da Arquinha.
Aquando
do seu falecimento, fiquei com alguns móveis da sua casa e alguns livros,
cadernos e outros materiais ligados à sua vida como docente.
Através
de um horário que consultei, no início da década de trinta do século passado,
no Magistério Primário a carga horária semanal era de vinte e oito horas,
distribuídas por seis dias (segunda-feira a sábado), começando as aulas às nove
horas e terminando pelas quinze horas, com um intervalo para almoço das doze horas
às treze horas, exceto às segundas-feiras que começavam às dez horas e às
sextas-feiras que terminavam às catorze horas.
No
que respeita à distribuição da carga horária pelas diversas disciplinas,
verifica-se que as duas disciplinas com maior carga horária eram a Pedagogia e
os Trabalhos Manuais, com quatro horas semanais. As disciplinas de Costura,
Higiene, Psicologia, Didática, Música e desenho tinham uma carga horária de
três horas semanais e a Educação Física, apenas duas.
A
leitura de uma palestra intitulada “Instrução e Educação”, feita pela
professora Maria Ana Carreiro, a 19 de Maio de 1932, na Escola do Magistério
Primário de Ponta Delgada, elucida-nos acerca do que se entendia na época por
educação e instrução e sobre o papel do professor na escola e na sociedade.
Segundo
a autora “devido à instrução, o progresso é ilimitado e a Humanidade tende
continuamente à perfeição”, mas a instrução não é tudo se não for acompanhada
pela educação, pelo que o professor deverá ter as duas funções, a de instrutor
e a de
educador.
Para
a professora Maria Ana Carreiro, para educar com eficácia o professor não pode
ficar apenas pelas palavras, é necessário que ele seja “um modelo perfeito onde
a cada hora e a todos os momentos, o aluno copie fielmente os atos que lhe
servirão de norma na sua conduta social”.
Para
uma educação das crianças, a professora Maria Ana Carreiro considera
fundamental a preparação das mães pelo que devem ser instruídas e educadas
convenientemente e a dado passo afirma: “tornemos a mulher perfeita, não a
desviando das funções de esposa e mãe, transformando-a no anjo do lar para que
saiba prender e unir ao seu coração todos os entes que lhe são caros, porque a
família é o ninho onde se esboçam os caracteres dos homens do porvir”.
Depois
de ter referido a necessidade de serem criadas escolas infantis e de ter
elogiado o que se passava em vários países, sugeriu que Portugal imitasse a
Bélgica, onde em 1927 existiam 3734 escolas infantis que eram frequentadas por
245 186 alunos, de três a seis anos de idade.
Por
fim, deixo aqui o ponto da situação do ensino, feito pela professora Maria Ana
Carreiro, na altura, que embora não se compare com a atual poderá ter algum
interesse pois muitas vezes é necessário recorrer a ideias antigas para
responder às necessidades do presente: “Faltam-nos escolas, uma boa organização
escolar, uma regular administração do ensino e uma assistência escolar bem
desenvolvida, pois a que há, salvo exceções honrosas, não passa de papel; é por
isso que se não pode tornar real a obrigatoriedade e gratuitidade do ensino em
Portugal”.
Teófilo
Braga
(Correio
dos Açores, 1 de Agosto de 2012)
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