sexta-feira, 20 de maio de 2022

Instalação da IRIS nos Açores

 


1 – A Associação Nacional de Ambiente Iris vai passar a ter um núcleo nos Açores. Como surgiu a ideia de alargar a sua atividade à Região?

 

Com estatutos aprovados a 27 de fevereiro de 2021, a IRIS- Associação Nacional de Ambiente é constituída por cidadãos livres que estão unidos em torno de uma causa comum que é a de voluntariamente contribuir para a construção de um mundo mais justo que passa também pela alteração das políticas de ambiente em todo o país e no Mundo.

A nível internacional a IRIS irá juntar o seu querer e meios disponíveis a organizações congéneres, a nível nacional a associação tem plena consciência de que o seu âmbito de atuação não se pode cingir ao território localizado na Península Ibérica, mas deve ser alargado aos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Nesse sentido, fui contatado por um amigo e companheiro de lutas ambientalistas para, com total autonomia e apoio dos órgãos sociais nacionais, colaborar na criação/implantação do Núcleo Regional dos Açores que agora está a dar os primeiros passos.

 

2 – O que distingue a Iris das restantes associações ambientalistas?

 

Seria indelicado da minha parte fazer comparações com outras associações ambientalistas com quem queremos e devemos colaborar, por isso abaixo apresento, ainda que parcialmente, a nossa visão e alguns valores.

A IRIS é sensível, preocupa-se e combate a degradação da Natureza e do Ambiente e luta pela alteração das práticas políticas responsáveis por ela, mas não ignora o flagelo das guerras, da fome, da miséria em que sobrevivem muitos seres humanos, sobretudo os mais frágeis, como os idosos, as mulheres e as crianças que coabitam connosco na Terra.

 

A IRIS é independente do poder político e económico, por isso não solicitará subsídios ao Estado português ou aos governos regionais e não aceita subvenções de entidades privadas com práticas ambientais e sociais reprováveis.

 

A IRIS irá, dentro das suas possibilidades e de forma imune a todas as tentativas de controlo por parte de grupos económicos, partidários e sectários, intervir e colaborar na discussão e resolução dos problemas ambientais, mas não descurará a denúncia de atentados ao nosso património natural e cultural.

 

3 – Quais são as prioridades da vossa associação no que se refere às ações a concretizar nos Açores?

Sendo uma associação jovem e sem descurar a intervenção social a grande prioridade, de momento, está na organização de núcleos em todo o país. Nos Açores, a aposta é na organização do Núcleo Regional, que passa em primeiro lugar pela adesão ao mesmo de mais ativistas.

Em simultâneo, porque não estamos cá para competir com as demais organizações formais e não formais que já existem, a nossa tarefa, que já começou, é contatá-las no sentido de nos apresentarmos e conversarmos sobre o nosso interesse em colaborar com elas, respeitando a individualidade de cada uma. Assim, estamos, numa primeira fase, a propor a troca de informações, documentação e apoio técnico, o desenvolvimento de ações conjuntas, nomeadamente de informação, sensibilização, formação e educação ambiental, bem como tomadas de posição sobre assuntos de interesse comum.

 

4 – Qual a avaliação faz a Iris dos principais problemas e desafios que se colocam nos Açores no âmbito ambiental?

Como consideramos que os problemas ambientais são problemas sociais e que só poderão ser debelados pela sociedade no seu todo, achamos que a grande aposta tem de passar pela educação ambiental que tem sido descurada entre nós.

Assim, a grande aposta da IRIS nos Açores é a informação e a educação ambiental, pois urge uma sociedade conhecedora dos problemas e com formação que a torne capaz de uma intervenção cívica ativa.

Outra área em que a nossa intervenção se fará sentir é a da defesa da biodiversidade ameaçada quer pelas espécies invasoras, quer por práticas agrícolas incorretas. Intimamente relacionada com a questão da biodiversidade estão as áreas protegidas, terrestres ou marinhas, que merecerão a atenção da IRIS para que não o sejam apenas no papel.

A efetiva proteção do arvoredo urbano tão maltratado, quer por serviços públicos que por privados muitas vezes por falta de formação dos trabalhadores, nomeadamente os que manobram as roçadoras e os que fazem as podas é outra das áreas em que a IRIS atuará.

Como os Açores são mais mar do que terra, a IRIS estará atenta aos impactos associados à extração de recursos energéticos e minerais do mar profundo e aos impactos das alterações climáticas nas zonas costeiras.

Embora, os problemas ambientais não se esgotem nas questões que são enumeradas ao longo desta entrevista, a IRIS também considera prioritária a efetiva classificação e proteção das árvores e conjuntos arbóreos de interesse público.

 

(Entrevista publicada no jornal “Diário Insular”, 20 de maio de 2022)

quarta-feira, 11 de maio de 2022

Crenças, verdades e não verdades sobre abelhas

 


Crenças, verdades e não verdades sobre abelhas

 

A frequência de um “Curso de Introdução à Apicultura”, da responsabilidade da CASERMEL- Cooperativa de Apicultores e Sericicultores de São Miguel, levou-me a pesquisar sobre a introdução de abelhas nos Açores, sobre a existência ou não de abelhas nativas e sobre as crenças existentes na cultura popular relacionadas com as abelhas.

 

Além do referido, aproveitei a oportunidade para averiguar se faziam sentido algumas afirmações relacionadas com os prejuízos que as abelhas causavam em algumas culturas, nomeadamente nas vinhas.

 

Os primeiros historiadores açorianos, como Gaspar Frutuoso, António Cordeiro ou Diogo de Chagas, nos seus escritos mencionavam a existência de abelhas desde os primeiros tempos do povoamento dos Açores. Além disso, referem que o mel por elas produzido era de boa qualidade e mencionam a existência de colmeias e de enxames nas florestas primitivas.

 

No que diz respeito a crenças/superstições, Carreiro da Costa refere, num Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, que a entrada de uma abelha numa casa significava que uma desgraça estava para acontecer. A razão apontada era a seguinte: “É da cera das abelhas que se fazem os círios com que se alumiam os mortos”.

 

Por seu turno, o padre Manuel Ernesto Ferreira, num texto intitulado “Os animais na tradição”, apresenta uma visão diferente. Assim, segundo ele a entrada de uma abelha numa casa “é sinal de boas novas”.

 

No mesmo texto, aquele padre vila-franquense dá a conhecer uma “história”, “impregnada de aromas cristãos”, que abaixo transcrevo:

 

“Estava a Santíssima Virgem para dar à luz o seu Bendito Filho quando pediu à vespa que a acompanhasse. Não quis esta aceitar o convite e disse: “Tenho o meu pão amassado; não posso ir”. Convidou a Senhora abelha que, agradecida, respondeu prontamente: - Perca-se ou não o meu pão, vou acompanhar-te”. Então amaldiçoou a Senhora a vespa, dizendo-lhe: - O teu pão nunca levedará”. E, dirigindo-se à abelha, acrescentou: “O teu pão nunca se perderá: será levedado por todas as flores do mundo, o seu fermento servirá para alumiar o meu Bendito Filho”. O fermento é a cera, de que se fazem os círios que ardem nas igrejas. Em virtude das palavras da Virgem Maria, a vespa não produz mel, que é o melhor dos remédios, e a abelha ficou sendo um animal quase sagrado, portador de saúde, de felicidade e de alegria.”

 

Sobre a importância do mel para as populações, no século XVII, a Câmara Municipal de Vila Franca do Campo ordenou que todos os lavradores que possuíssem canas-de-açúcar e mel declarassem as quantidades que tinham para venda, para evitar que a mesma fosse feita fora do concelho, pois se assim acontecesse ficavam “os pobres desta Vila sem remédio para as suas doenças e necessidades.”

 

Uma ideia errada que terá perdurado alguns séculos foi a do prejuízo causado pelas abelhas nas vinhas.

 

Uma deliberação da autarquia de Vila Franca do Campo, de 1642, surgida após queixas de que as abelhas prejudicavam os engenhos de cana-de-açúcar e as vinhas, exigia que ninguém tivesse “colmeias dentro na Vila e que quem as quiser ter as tenha meia légua da Vila e meia légua fora das vinhas”.

 

Hoje, sabe-se que em vez de prejudicar as vinhas, as abelhas são muito úteis pois, de acordo com Carolina Schoof Centola, como “polinizadoras primárias das plantas que existem nos vinhedos e ao redor, elas criam um ecossistema saudável para elevar a qualidade das uvas.”

 

Outra ideia errada é a de que as abelhas causam danos nas uvas, picando-as. Sobre o assunto, a autora citada acima é clara quando escreve: “Sim, as abelhas bebem o suco da uva, mas, só se essa já estiver sido bicada por um passarinho, inseto ou abertura natural da pele. Ela não fura a uva para beber o líquido!”

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32730, 11 de maio de 2022, p. 8)

quarta-feira, 4 de maio de 2022

Plantas usadas em sebes (2)

 


Plantas usadas em sebes (2)

 

No texto anterior, fiz referência a algumas espécies usadas nas sebes altas de proteção de frutícolas, neste mencionarei algumas espécies utilizadas, em São Miguel, em sebes mais baixas que têm por principal função a compartimentação dos terrenos, embora também sirvam para proteção de culturas ou embelezamento.

 

Os exemplos que a seguir apresento, são essencialmente da Ribeira Seca de Vila Franca de Vila Franca do Campo, minha terra natal.

 

Sobretudo em terrenos próximos do mar, como nos situados por cima da Praia da Leopoldina, usava-se a cana (Arundo donax) para separar as várias parcelas cultivadas com vinha. Nativa do sul e este da Ásia e da bacia do Mediterrâneo, a cana que se encontra em todas as ilhas dos Açores, era anualmente cortada para ser usada para suportar as videiras.

 

Conheci uma pequena sebe de cardeal-roxo ou hibisco-da-síria (Hibuscus rosa-sinensis) na Rua do Jogo. Nativo da Ásia oriental, o cardeal-roxo é cultivado nos Açores sobretudo com fins ornamentais. Hoje, são mais comuns sebes de outra espécie, o Hibiscus rosa-sinensis.

 

Na Ribeira Nova, era o buxo ou buxeiro (Buxus sempervirens) a espécie usada como sebe ao longo da ribeira. Ainda hoje lá existem alguns pés, um deles com mais de 5 m de altura quando alguma literatura menciona que cresce até 2,5 m.

 

Nativo da Europa, norte do Irão e norte da África, o buxo é também usado como planta ornamental e com fins medicinais. Em 2002, na Ribeira Seca da Ribeira Grande, usavam a infusão das folhas para tratamento de problemas intestinais e na década de 60 e 70 do século passado, as crianças da Ribeira Seca de Vila Franca do Campo sentiam-se “orgulhosas” por possuírem seus piões feitos de madeira de buxo, por serem os mais resistentes ao choque.

 

Em alguns quintais da Rua do Jogo  era uma sebe de sabugueiro (Sambucus nigra) que fazia as divisórias.  Também conhecido por sabugo ou rosa-de-bem-fazer, a planta é natural da Europa e norte de África e é usada para os mais diversos fins. Assim, com os seus caules que são ocos as crianças faziam uns brinquedos que eram conhecidos por “estalos” e que surgiam na época da apanha das laranjas. O seu miolo, hoje substituído pela esferovite, era usado na construção dos pêndulos elétricos

 

O Padre Ernesto Ferreira no seu livro “A Alma do Povo Micaelense” fala numa crença associada ao seu uso. Assim, acreditava-se que um rosário, feito com cinco ou sete rodelas de sabugueiro posto ao pescoço das crianças, tinha o condão de preservá-las do garrotilho, doença comum na infância causada por um vírus que provocava “inchaço nas vias respiratórias superiores, envolvendo a laringe e a traqueia.

 

A ginja, groselha, braguinha ou tamarinos (Elaegnus umbellata) é outra das espécies ainda usadas hoje como sebe, de que é exemplo uma existente na Ribeira Nova. Oriunda da Ásia, embora seja uma espécie fixadora de azoto tem a desvantagem de ser invasora.

 

Os seus frutos apresentam propriedades antioxidantes e podem ser comidos frescos ou em compotas.

 

O ligustro ou alfinheiro (Ligustrum henryi) era usado sobretudo para separar pastagens, havendo alguns vestígios no Caminho do Mato. Hoje, em São Miguel, conhecemos muitas sebes de ligustro sobretudo na Covoada, nos Arrifes e no Pico da Pedra.

 

O ligustro, originário da China, é também cultivado como planta ornamental e como planta melífera. Tem a vantagem de pegar muito bem de estaca e a desvantagem das suas raízes superficiais poderem prejudicar as culturas.

 

O mióporo (Myoporum acuminatum) é uma espécie originária da Austrália, que servia de sebe na minha Escola Primária, hoje desativada.

 

Embora seja de crescimento rápido, de se adaptar bem a vários tipos de solo e tolerar bem a salinidade, tem as desvantagens de ser pouco tolerante aos ventos e ser hospedeiro da mosca do Mediterrâneo. Talvez por estas razões ou por serem muito raras nunca mais vimos sebes com esta espécie na ilha de São Miguel.

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32724, 4 de maio de 2022, p.13)