terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Estaturos dos Amigos dos Açores (Amigos da Terra Açores)

Estive a digitalizar cópia da escritura de legalização dos Amigos dos Açores (antes Amigos da Terra/Açores) e curiosamente, ou não, já não me lembrava quem a tinha assinado. Aqui vão os nomes por ordem alfabética: Eduardo Lopes (falecido), Francisco Botelho, Gualter Cordeiro (falecido), Humberto Furtado Costa (falecido) Lúcia Ventura, Luís Cordeiro, Mário Melo, e Teófilo Braga.

Apontamentos sobre a introdução de plantas exóticas em São Miguel

Apontamentos sobre a introdução de plantas exóticas em São Miguel A introdução de plantas exóticas na ilha de São Miguel começou com o povoamento, pois aquela não possuía recursos que pudessem suprir a alimentação dos primeiros povoadores que começaram logo a trazer espécies agrícolas como cereais e legumes. A par das espécies referidas também vieram as árvores de fruto e com estas as de uso florestal e ornamental. De entre os responsáveis pelas diversas introduções, merece especial destaque José do Canto, no século XIX, que, em 1856, elaborou uma listagem das principais plantas existentes no seu jardim em Santana, onde registou a presença de “1028 géneros e aproximadamente 6000 espécies”. Hoje, é difícil afirmar se foi ele o introdutor em São Miguel de algumas das espécies por ele mencionadas, apenas com base nas suas listagens, pois é bem possível que algumas delas já por cá estivessem trazidas por outros. De qualquer modo não temos qualquer dúvida em afirmar que ele foi de todos os que o fizeram, quem mais espécies introduziu, tendo o grande mérito de registar o nome de todas elas. Neste texto, complementamos as informações apresentadas pelos autores do livro “Árvores dos Açores- Ilha de São Miguel”, lançado publicamente, na Biblioteca Pública de Ponta Delgada, no passado dia 15 de janeiro. A tamareira-do-Senegal (Phoenix reclinata) que pode ser observada nos três grandes jardins de Ponta Delgada, terá sido introduzida em 1793, sendo a primeira plantada em Ponta Delgada num pátio ajardinado onde hoje se localiza o Clube Micaelense. O cedro-do-Bussaco (Cupressus lusitanica) foi introduzido por Nicolau Maria Raposo no final do século XVIII, a partir de sementes que lhe foram enviadas por D. Rodrigo de Sousa Coutinho. De entre as inúmeras espécies introduzidas por José do Canto no seu jardim em Ponta Delgada, destacamos a bananeira-da-Abissínia (Ensete ventricosum), vinda do Jardim Botânico de Argel. Depois de se ter perdido, há poucos anos voltou a ser introduzida no referido jardim. A criptoméria (Cryptomeria japonica), hoje muito abundante em toda a ilha, terá sido introduzida, em 1848, por José do Canto. O botânico Rui Teles Palhinha escreve num Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores que ouviu falar pela primeira vez naquela espécie numa carta de José do Canto a José Jácome Correia, datada de novembro de 1863. A espadana (Phormium tenax), que havia chegado a Portugal em 1798 por intermédio do Abade José Correia da Serra, foi introduzida em São Miguel graças a Francisco Lopes Soares Amorim, em 1828. Em 1930, a espadana forneceu matéria-prima para sete fábricas de desfibração. Embora não haja referência à data da introdução do cafeeiro (Coffea sp.), sabe-se que por volta de 1844 alguns micaelenses já o cultivavam “deles colhendo os preciosos grãos com certa abundância”. O cipreste (Cupressus macrocarpa?) foi introduzido em São Miguel por Thomaz Anglin, tendo as primeiras plantas vindo da América. Em 1847, a mesma pessoa semeou, com sucesso, algumas sementes da mesma espécie. O freixo (Fraxinus sp.), de acordo com “O Agricultor Micaelense”, nº 19, de julho de 1849, foi introduzido na Grená, vindo de Inglaterra, por Eduardo Nourse Harvey que também introduziu outras espécies ainda não existentes em São Miguel. Francisco Alves Viana Serra, foi o responsável pela introdução da casuarina (Casuarina equisetifolia), nativa da Austrália, através de sementes que trouxe do Rio de Janeiro e as entregou ao sr. Jorge Nesbitt. Em Ponta Delgada é possível encontrá-la no Jardim do Palácio de Santana, no Jardim da Universidade e no Jardim Botânico José do Canto. Teófilo Braga (Correio dos Açores, 32321, 30 de dezembro de 2020, p. 19)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Podas de árvores ornamentais: fala quem sabe

Podas de árvores ornamentais: fala quem sabe Se qualquer árvore pode muito bem viver sem a intervenção humana, por que razão se podam as árvores? De acordo com o engenheiro florestal Rui Tujeira, num texto publicado na revista “Jardins”, nº 203, de novembro de 2020, as razões para as podas são várias, mas estão relacionadas com a necessidade de condicionar o desenvolvimento da planta, tendo em conta o espaço onde foi plantada, para a obtenção de uma frutificação mais abundante ou por motivos sanitários. No mesmo texto, Rui Tujeira explica que “sempre que se efetua uma poda, está-se a desequilibrar os fluxos energéticos que a planta criou e com os quais está a contar para o seguinte período vegetativo. Cumulativamente, reduz-se ainda a capacidade fotossintética da árvore por supressão da área folear disponível”. Podar uma árvore apenas para não ter de varrer as folhas ou porque é tradição anual é um erro que sai caro aos contribuintes e que prejudica grandemente as árvores. Num texto publicado no jornal “O Público” de 12 de janeiro de 2020, o paisagista Manuel de Carvalho e Sousa, depois de lamentar a incultura que continua a ser uma ameaça para as árvores afirma que uma árvore podada vive, em média, um terço do que viveria se não o fosse. Francisco Coimbra, Consultor em Arboricultura Ornamental e antigo vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Arboricultura, num texto publicado no “Jornal da Mealhada” a 27 de março de 2002, desmistifica um conjunto de “preconceitos que continuam arreigados na população” e que são responsáveis pelos “autênticos «massacres de motosserra» que destituem de dignidade e valor estético as árvores – ditas ornamentais – que marginam os nossos arruamentos e estradas.” De entre os preconceitos referidos o autor rebate os seguintes: as «rolagens» rejuvenescem e fortalecem as árvores” e as rolagens “são a única forma económica de controlar a sua altura e perigosidade” Os tão homenageados e citados, mas não ouvidos nem seguidos, arquitetos paisagistas Francisco Caldeira Cabral e Gonçalo Ribeiro Teles, no seu livro “A árvore em Portugal” afirmam perentoriamente que “A poda não é uma operação cultural normal das árvores de ornamento ou florestais. A poda só é uma operação normal em fruticultura. A poda de árvores de sombra ou de alinhamento, destina-se apenas a fazer face a situações de emergência…” Mas o grande mal é, de acordo com vários especialistas, entre os quais Francisco Coimbra a “ainda quase absoluta ausência de sensibilidade para o papel da Árvore em Meio Urbano” que anda intimamente associada à falta de planeamento e esta leva a podas aberrantes que acontecem um pouco por todo o lado e de que é exemplo uma ocorrida recentemente na Avenida da Paz, no Pico da Pedra, onde foram decapitadas várias Grevíleas (Grevillea robusta), árvores, oriundas da Austrália que podem atingir 35 metros de altura e que foram plantadas em local desadequado. Sobre o assunto referido no parágrafo anterior, Cadeira Cabral e Ribeiro Teles escreveram no já citado livro “… mas não vale a pena frisar senão que é indispensável no projeto atender às necessidades de cada coisa e saber prescindir do que se considera menos importante. Se não há espaço para a árvore é preferível plantar só o arbusto, ou mesmo só a flor e não contar depois com a tesoura para manter com proporções de criança o gigante que se escolheu impensadamente” Para terminar esta questão e para evitar más interpretações, afirmo que não estou contra todas as podas e muito menos defendo as árvores contra as pessoas, como alguém falho de argumentos e ignorante já tentou insinuar. No que a podas diz respeito, partilho a opinião de quem sabe, como a do Engenheiro Vieira Natividade que escreveu que «o podador domina porque enfraquece, vence porque suprime… em boa verdade a vitória não é brilhante»! E de facto, devia dizer-se de uma poda o mesmo que de um árbitro: tanto melhor quanto menos se der por ela!” ou a dos arquitetos Caldeira Cabral e Ribeiro Teles que escreveram que “o maior elogio que se pode fazer a um podador de árvores ornamentais é que não se perceba que a árvore foi podada”. Teófilo Braga (Correio dos Açores, 32315, 23 de dezembro de 2020, p. 19)

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Apontamentos sobre António Feliciano de Castilho

Apontamentos sobre António Feliciano de Castilho Nascido em Lisboa, em 28 de janeiro 1800, António Feliciano de Castilho, em consequência de ter adoecido com sarampo cegou aos 6 anos de idade. Com o apoio dos irmãos, sobretudo de Augusto fez os seus estudos, tendo-se licenciado aos 26 anos na Universidade de Coimbra. Faleceu, em Lisboa, no dia 18 de junho de 1875. Desgostoso com o ambiente político nacional, Castilho decidiu vir para São Miguel, no dizer do dr. Agnelo Casimiro, “menos por convite de bons amigos, do que por necessidade de voluntária emigração política”. António Feliciano de Castilho chegou a São Miguel, na escuna “Micaelense”, acompanhado da mulher e dos filhos, em agosto de 1847 e regressou definitivamente ao continente português em julho de 1850, tendo-se ausentado da ilha três meses, de fevereiro a maio de 1849, por ter ido a Lisboa tratar de assuntos relacionados com a associação que havia fundado, a SALA- Sociedade de Amigos das Letras e Artes. A SALA, que teve uma atividade notável enquanto Castilho esteve em São Miguel e depois dele, sob a presidência do Dr. José Pereira Botelho, organizou, no Natal de 1848, uma grande exposição de artefactos micaelenses que durou mais de 15 dias. Durante o período em que a exposição esteve aberta, a SALA promoveu diversos serões artísticos e literários. Para além de outras iniciativas que estavam previstas, como uma aula de música, uma de caligrafia e uma de história, uma de torno, etc., de acordo com o dr. Agnelo Casimiro a SALA “abriu e manteve escolas: três de leitura; uma de doutrina cristã; uma de aritmética; uma de geometria aplicada às artes; uma de desenho de figura e paisagem; uma de poética e declamação; uma de higiene; uma de francês para senhoras e outra de inglês para homens; uma de geografia; uma de encadernação”. Mas a principal razão da vinda de Castilho para São Miguel, pelo menos para quem o convidou, foi para colaborar na redação da revista da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense, “O Agricultor Micaelense”. Na referida revista, Castilho publicou um conjunto de crónicas em que, de acordo com Cecília Barreira, é transmitida uma ideia base: a aversão à política., como se pode ver através da frase: “Só quando deixarmos de ser políticos, principiaremos a ser bons”. Para aquela autora, “Castilho constrói um paraíso terrestre baseado na lavoura. Protagoniza, em primeiro lugar a constituição de sociedades agrícolas. […] Essas sociedades existiriam em cada capital administrativa ou sede episcopal. O governador civil ou o bispo dignificavam com o seu cargo, cada uma das coletividades. Com elas desapareceriam a mendicidade e o desemprego…”. Vale a pena a leitura completa para percebermos as propostas de Castilho para a informação e formação técnica dos agricultores e como seria feito o financiamento das coletividades Outro assunto, abordado por Castilho é o do exército que “é um mal, complexo de males sem número, e que só por uma necessidade absoluta se pode tolerar”. Vejamos as razões apresentadas por Castilho para a sua inutilidade: “Podemos nós ser conquistadores? Não. Logo se temos Exército, não é para a conquista. Temos que nos defender de estranhos? Não. Razões de mais alta política são as que por si nos defendem, e hão-de defender; e, quando elas cessassem, ou fossem vencidas, não haviam de ser estas nossas fileiras que nos salvassem, mas sim o Povo todo; os fortes, os fracos, os decrépitos, as crianças, as mulheres…. Será, portanto, para obviar a tumultos? Para coibir sedições? Para conservar boa ordem e regimento no Estado? A esta pergunta não precisamos de responder; bem respondida que ela está numa página de cinquenta léguas de largo e cem de alto, que há cinquenta anos temos cem vezes escrito, respançado e tornado a escrever com sangue de irmãos. Logo, se com um Exército nos consumimos, não é para bem da paz doméstica.” Teófilo Braga (Correio dos Açores, 32309, 16 de dezembro de 2020, p. 14)

sábado, 12 de dezembro de 2020

No tempo em que as vacas comiam erva

A Vila 1-15 de julho de 2010

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Os Maios na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo

A Vila, 1 de maio de 2010

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Aires Jácome Correia, Tolstói e a Educação

Aires Jácome Correia, Tolstói e a Educação De acordo com vários autores, entre os quais Gustavo Ramus, o escritor russo Liev Tolstói (1828-1910) ao defender o cristianismo primitivo, que se caracterizava pelo facto de os cristãos viverem à margem do estado romano, praticando a divisão de bens e partilhando alimentos, foi o precursor do anarquismo cristão. Para poder viver segundo os princípios que adotou, Tolstói fundou, em 1859, uma escola destinada aos filhos dos camponeses. Na referida escola, segundo Ramus, “adotou um sistema de ensino horizontal de livre experimentação, fechado pelo regime czarista alguns anos depois”. Edmond-Marc Lipiansky corrobora as afirmações de Ramus dizendo que na escola criada por Tolstói o único critério da pedagogia era a liberdade e o único método era a experiência. Tal como escrevemos em texto anterior, Aires Jácome Correia valorizava o ensino de uma profissão desde a mais tenra idade, isto é, defendia que o trabalho manual e o intelectual deviam ser ensinados paralelamente. Sobre a questão do trabalho manual, em carta escrita em outubro de 1887 a Romain Rolland, Tolstói também dava grande importância ao mesmo, tendo a propósito escrito que “na nossa sociedade viciada (na chamada sociedade civilizada) tem de se falar antes de tudo do trabalho manual, porque a falta principal da nossa sociedade foi e continua a ser hoje o desejo de se libertar do trabalho manual e de utilizar, sem o intercâmbio mútuo, o trabalho das classes pobres, ignorantes e deserdadas”. Aires Jácome Correia escreveu em várias publicações periódicas sobre o tema da instrução/educação, como “O Autonómico” ou a “Revista Pedagógica”. Nesta, manteve durante algum tempo uma rubrica com o título “Educar”, tendo dedicado, no número 202, de 11 de janeiro de 1912, o seu texto a Tolstói. Logo a iniciar o seu escrito, Aires Jácome Correia recorda que Tolstói foi obrigado a fechar a sua escola devido aos “princípios anárquicos que nela eram mantidos, como liberdade de aprender, de trabalho, de exatidão, de assistência à escola”. Tolstói, segundo Aires Jácome Correia, respeitava a individualidade de cada criança e defendia que “incutir uma maneira de ver, a nossa vontade, às crianças, é roubar-lhes uma parte da sua individualidade, falseando o seu gosto próprio, a sua apreciação.” Jácome Correia, depois de ter recordado que Tolstói “deixava as crianças resolver as suas questões conscienciosamente, segundo os seus instintos e os seus temperamentos” e que “não havia programas, os professores eram chamados a ensinar o que sabiam, como as crianças escolhiam o trabalho que preferiam”, escreveu o seguinte: “Tolstói, quanto ao meu espírito, está na verdade pedagógica, num ambiente de trabalho, desde o momento em que se tenha feito a abstração de tudo quanto não está submetido a esse trabalho e aos meios de o elaborar, as tendências dos indivíduos mais ou menos tarde, modificam-se e adaptam-se, submetendo-se às correntes sugestivas desse ambiente, dirigidas pela vontade imponente do mestre. Raciocinando sobre o seu princípio do respeito da liberdade individual, chega-se realmente a notar que os factos, as ações, as coisas, que para nós nos parecem fúteis ou inúteis, para uma outra inteligência que as veja e aprecie por uma forma diversa possam por elas ser transformadas em proveito da vida útil e da produtibilidade.” Aires Jácome Correia, depois de referir que Tolstói se baseou nas ideias libertárias e “na moral de Cristo, como Cristo a pregou e a expôs”, mencionou que se os resultados da escola por ele criada não foram muitos, as suas ideias espalharam-se por toda a parte e os seus livros e panfletos foram bem aceites. Por último, Aires Jácome Correia menciona o facto de Tolstói ter combatido o progresso, que sobrevaloriza o bem-estar material em detrimento das necessidades morais dos homens e para responder “aos seus desejos rústicos e simples, criou as regras da educação natural”. Teófilo Braga (Correio dos Açores, 32304, 10 de dezembro de 2020)

Espírito Santo

A Vila, 15 de maio de 2010

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

São João

A Vila, 1-15 de dezembro de 2010

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Aires Jácome Correia e a instrução popular

Aires Jácome Correia e a instrução popular Aires Jácome Correia, 1º Marquês de Jácome Correia, nasceu, em Lisboa, a 9 de agosto de 1882 e faleceu, em Genebra, na Suíça, a 24 de outubro de 1937. Herdeiro de uma grande fortuna e rico proprietário da ilha de São Miguel, Aires Jácome Correia, para além de ter escrito uma vasta obra sobre a história dos Açores e um livro sobre o arquipélago irmão, intitulado “A ilha da Madeira, Impressões e Notas”, fundou e dirigiu uma publicação de grande qualidade, a Revista Micaelense que se publicou entre 1918 e 1921. O papel de destaque que teve na sociedade micaelense do seu tempo foi tal que Alice Moderno, que contou com a sua preciosa colaboração na Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, sobre ele escreveu que depois de ter regressado à terra de seus pais trabalhou “esforçadamente pelo adiantamento moral, intelectual e material da mesma, e sacrificando-lhe todo o seu tempo e o melhor da sua fortuna.” No mesmo texto, publicado na Revista Pedagógica, de Maria Evelina de Sousa, no dia 9 de abril de 1914, Alice Moderno, depois de referir que Aires Jácome Correia era doador de todos os estabelecimentos de caridade, sobre a sua dedicação ao ensino/educação escreveu: “E no mais impulsivo gesto, com uma espontaneidade verdadeiramente original, ocupando todas as horas do dia tão utilmente como se tivesse de ganhar o pão quotidiano, ei-lo sustentando quase exclusivamente a Liga Micaelense de Instrução Pública, criando prémios e bibliotecas paroquiais, visitando escolas, adquirindo livros e quadros, e semeando, enfim, pela terra bendita da pátria, o tesouro da sua inteligência culta, da sua incansável boa vontade…” Sobre a dedicação de Aires Jácome Correia à instrução, Francisco Faria e Maia corroborou as afirmações de Alice Moderno, tendo escrito, na revista citada, o seguinte: “Quando muitos, nas mesmas condições pecuniárias, se servem do dinheiro para criar dependências pessoais que lhes consolidem o domínio de senhores e mandões, o nosso homenageado despreza com rara nobreza essa orientação vaidosa e mesquinha e só procura a gratidão anónima e impessoal da coletividade vindoira, por cujo progresso e felicidade ele pugna e trabalha, vindo a colocar-se ao lado dos esforços oficiais para impulsionar a instrução popular”. Termino este texto, apresentando uma das ideias sobre o funcionamento das escolas, defendidas, em 1912, por Aires Jácome Correia. Para Aires Jácome Correia, nas escolas o trabalho intelectual deve estar associado ao manual. Assim, defendia a existência nas escolas primárias, à semelhança do que acontecia no estrangeiro, oficinas que agrupassem ofícios de carpinteiro, marceneiro ou entalhador, permitindo que fossem ensinadas profissões. Como as escolas não as possuíam e como seria muito dispendiosa a sua instalação, Aires Jácome Correia defendia que os pais não deviam impedir os filhos de frequentar as oficinas da sua preferência. A defesa do ensino teórico associado ao prático era justificada por Aires Jácome Correia, nos seguintes termos: Assim como para o indivíduo que trabalha manualmente é preciso a distração das ciências, quer elas sejam história, geografia, filosofia, sociologia, direito, etc. para os indivíduos que aprendem lendo é indispensável o exercício muscular seja ele moderado ou violento.” No mesmo texto, Aires Jácome Correia destacou o nome de homens notáveis que gostavam de realizar trabalhos manuais, como o do professor do liceu e astrónomo amador João de Morais Pereira que “lavava casas”, o do comerciante e industrial Clemente Joaquim da Costa que “rachava lenha” ou o de José Jácome Correia, um dos mais ricos proprietários de São Miguel, que “lustrava botas”. Teófilo Braga (Correio dos Açores, 32299, 3 de dezembro de 2020, p.15)

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Lagoa do Congro

MEMÓRIA - Em defesa da Lagoa do Congro, A Vila nº 168, de 1 a 15 de março de 2000

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Em memória do meu professor Válter Soares Ferreira

Em memória do meu professor Válter Soares Ferreira No passado dia 20 de novembro, faleceu o meu professor da terceira e quarta classes Válter Soares Ferreira, filho de Manuel Soares Ferreira e de Aldina Laura Casimiro, um dos obreiros de uma escola, a da Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, que no final da década de 60 e início da de 70 do século passado era considerada uma “escola modelo”. O professor Válter Ferreira, fez parte de uma equipa que tinha como “relações públicas”, o seu cunhado Eduardo Calisto Amaral e era composta pela sua irmã, Adelaide, pela sua mulher Ildebranda e pela professora Zulmira Teixeira e que promoveu alterações no edifício escolar, tornando-o mais aconchegante para os alunos e, talvez o mais relevante, dinamizou a comunidade de um pequeno lugar habitado por uma população com poucos recursos. A 15 de junho de 1992, a população da Ribeira Seca organizou-se para prestar homenagem aos seus professores pelo que muito fizeram pela instrução e educação dos seus filhos. Na ocasião, a antiga aluna daquela escola, Graça Soares Flor de Lima, num pequeno discurso, sobre o professor Válter disse: O sr. Válter, o homem da técnica que, com o seu dedo mágico consertava o mais velho e usado, pondo-o novinho em folha, como se de magia se tratasse. Muito lhe fica a dever este edifício.” Habilidoso com as mãos, a ele se devem os pendões e o guião de várias marchas de São João e o emolduramento de vários quadros com informação didática que se encontravam pendurados nas paredes da escola, entre os quais dois cujos temas eram as medidas de tempo e que foram projetados e realizados com perfeição. Sobre a sua quase obsessão por ver as coisas bem feitas, o que não é defeito, o professor Eduardo Calisto, no seu livro “Encontro com uma profissão”, depois de referir que “quem quisesse ver o Válter nos tempos livres das aulas, era ir à sala de Trabalhos Manuais e certamente ele lá estaria a reparar, melhorar, construir tudo e qualquer coisa que pudesse, de certo modo, melhorar o nível do ensino, no aspeto prático e visualizado” acrescentou que, por vezes, ao avaliar o resultado das ajudas que lhe dava ouvia o seguinte. “Meu compadre não se ofenda, mas eu prefiro levar mais tempo e fazê-lo com as minhas mãos”. O professor Válter não limitou a sua vida às atividades relacionadas com a instrução, também dedicou algum do seu tempo disponível a contribuir para a sua terra, através de atividades cívicas e políticas. A nível cívico, registo a sua participação no “Grupo de Amigos de Vila Franca do Campo”, de que foi vogal da sua direção eleita em 1972. Aquele grupo foi criado em 1968 para dinamizar a cultura no concelho e organizar as festas em honra de São João. O professor Válter Ferreira pertenceu também à Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca do Campo, tendo sido, de acordo com o ex-provedor Rui Melo “o responsável pela grande recuperação da Igreja da Misericórdia”. No que diz respeito à política, em 1973, fez parte da Comissão do Lugar da Ribeira Seca da ANP- Ação Nacional Popular, não sendo conhecida qualquer atividade da mesma pois aquela organização foi extinta com o 25 de Abril de 1974. Da mesma comissão, que era presidida por Arcádio Teixeira, também faziam parte Maria da Glória Furtado Carreiro, Floriano Manuel do Rego Silva, Teófilo de Braga, João Norberto Furtado Salema, José Furtado Braga e Manuel da Costa Escaler. Em 1982, foi o segundo candidato da lista apresentada pelo PS-Partido Socialista à Câmara Municipal de Vila Franca do Campo. Da lista em questão, liderada por Eduardo Calisto Amaral, também faziam parte Arsénio Puim, Eduardo Moniz Correia, Valdemar Esteves, José Santo Cristo Verdadeiro, António Cordeiro e José Alberto Medeiros Simas. Como vereador da Câmara Municipal de Vila Franca, foi um dos responsáveis pela organização das festas de São João, tendo, em conjunto com o seu cunhado Eduardo Calisto Amaral, sido responsável pela Marcha das Hortas. Teófilo Braga (Correio dos Açores, 32293, 25 de novembro de 2020, p. 14)

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Mariana Belmira de Andrade e Alice Moderno

Mariana Belmira de Andrade e Alice Moderno A professora primária Mariana Belmira de Andrade foi uma romancista e poetisa que nasceu, em São Jorge, no dia 31 de dezembro de 1844 e faleceu na mesma ilha no dia 17 de fevereiro de 1921. Dotada de uma inteligência excecional, segundo Alice Moderno, Mariana de Andrade foi para aquela escritora “uma distinta mulher de letras, que foi uma das boas mentalidades do arquipélago açoriano, bem privilegiado, aliás, sob o ponto de vista da intelectualidade dos seus habitantes.” Mariana de Andrade, que não frequentou qualquer estabelecimento de ensino secundário ou superior, segundo Alice Moderno “aprendeu quase sozinha a tocar piano e a ler e traduzir a língua francesa”. A sua vasta cultura deve-se também ao convívio com outros intelectuais, como João Caetano de Sousa e Lacerda e com a senhora Delfina Vieira Caldas, que foi perceptora dos filhos do Conselheiro José Pereira Silveira e Cunha. Os seus conhecimentos são devidos também, segundo Ilda Soares de Abreu, às leituras que fez de Vítor Hugo, Michelet, Gomes Leal e Antero de Quental. Mariana Belmira de Andrade casou-se, aos 34 anos, com António Maria da Cunha, não tendo o casamento sido feliz o que levou à separação dos dois logo após o batizado do único filho do casal, Inocêncio, cujo nome foi motivo de discórdia entre os progenitores. Alice Moderno, sobre este assunto, escreveu o seguinte: “Contava a ilustre poetisa que entre os cônjuges se travara acesa discussão, que foi até à pia batismal, tendo sido a contenda finalizada pelo pároco, que acedeu aos desejos do pai, objetando à mãe do neófito que: onde há galo não canta galinha.” Depois da separação, Mariana de Andrade foi para a ilha Terceira, onde obteve o diploma de professora primária, o que lhe permitiu obter os recursos para a sua sobrevivência, bem como a do seu filho. Mariana de Andrade foi autora de muitos poemas, publicados em vários jornais e revistas, entre os quais o jornal “A Folha”, dirigido por Alice Moderno, de que era sua hóspede aquando das suas viagens de e para Lisboa. Panteísta, Mariana de Andrade, depois do romantismo inicial, entusiasmou-se com as ideias republicanas e socialistas, tendo escrito poemas a exaltar o trabalho e os trabalhadores, como se pode constatar através do seguinte extrato de A Sibila: “Levanta-te plebeu! … Tu, aviltado, pobre, Tu és igual ao grande, ao potentado, ao nobre! … Tombam por sobre o nada os absurdos preitos, As velhas tradições, os velhos preconceitos, Onde o século destrói, esmaga n’um sorriso De zombaria e dó … Razão! … luz peregrina! Ó imortal farol que as almas ilumina! Levanta-te, plebeu! Se o nobre tem a espada, Herança dos avós, tu tens a dura enxada, A picareta, o escopro, a serra, o rijo malho! Eis teus troféus de glória, ó filho do trabalho!” Indignada com o regicídio que vitimou D. Carlos e D. Luís Filipe, Mariana Belmira de Andrade abandonou as suas ideias revolucionárias e reconciliou-se com a igreja católica. Sobre a sua desilusão com os republicanos, mal que também atormentou Alice Moderno, esta escreveu o seguinte: “Sonhara a revolução pela evolução e o derramamento de sangue acordou nela a sensibilidade feminina de que fora a primeira a duvidar. Poupou-lhe a morte o desgosto de ver que a Revolução, como Saturno, devorava os próprios filhos!”. Teófilo Braga (Correio dos Açores, 32287, 18 de novembro de 2020, p.14)

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Livros para os amantes das plantas

 


Livros para os amantes das plantas

 

Depois de ter editado em novembro de 2019, o livro “Árvores dos Açores - Ilha de São Miguel”, onde os interessados poderão recolher informação sobre 175 árvores que se distinguem pela sua monumentalidade, pelas suas flores vistosas ou por serem endémicas ou nativas, a editora Letras Lavadas acaba de editar o livro “Flora Terrestre dos Açores”, da autoria de Virgílio Vieira, Mónica Moura e Luís Silva.

 

De acordo com o professor convidado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade dos Açores, José Batista, que é autor do prefácio, o livro da autoria de três investigadores da Universidade dos Açores “é uma valiosa obra de compilação para todos os que pretendam conhecer o valor ornamental das árvores, plantas herbáceas, suas flores e frutos, o seu potencial nutricional, assim como fitoterapêutico e sinergético de alguns dos seus componentes que nos ajudam a desafiar a herança genética e a prolongar a qualidade da longevidade”.

 

No livro cujo primeiro autor é Virgílio Vieira, que para além de ser doutorado em Biologia é um poeta de mérito, os leitores poderão ter acesso a informação sobre 284 das plantas conhecidas nos Açores, colocadas por ordem alfabética do seu nome científico. Para além deste, há também a indicação da família, do nome comum, o hábito, a época de floração, o tipo fisionómico, o tipo de dispersão e a utilização de cada uma das plantas.

 

Para além da qualidade gráfica e da preciosa informação disponibilizada, este livro vem preencher um vazio criado pela não disponibilidade de outros, editados anteriormente, no mercado livreiro, como “Plantas e Flores dos Açores”, da autoria de Erik Sjogren, e “Flora of the Azores”, de Hanno Schafer.

 

Com duas edições, o Livro “Plantas e Flores dos Açores” na sua segunda edição apresenta 95 plantas vasculares, sendo 17 da costa, 57 da floresta de louro-cedro e 21 introduzidas. 

Na introdução o seu autor, o botânico sueco, Erik Sjogren, chama a atenção para a diminuição da vegetação primitiva dos Açores, nos seguintes termos: “O impacto da atividade humana nas florestas da zona-de-nuvens fez diminuir consideravelmente as suas áreas, principalmente durante o século XX. Houve uma contínua redução, em consequência da procura por madeira para combustível e construção, bem como das arroteias para implantação de novas pastagens.”

 

Profusamente ilustrado, tal como todos os restantes livros já referidos, o livro “Flora of the Azores”, do botânico Hanno Schafer, apresenta a descrição de 650 espécies da flora vascular. No livro é dado destaque às espécies endémicas e não são esquecidas as espécies invasoras que são uma grande ameaça para os ecossistemas do nosso arquipélago.

 

Recordo que o primeiro livro que comprei sobre botânica foi o “Catálogo das Plantas Vasculares dos Açores”, editado, em 1966, pela Sociedade de Estudos Açorianos Afonso Chaves, com o apoio das Juntas Gerais dos Distritos Autónomos de Ponta Delgada e Angra do Heroísmo, da autoria de Rui Teles Palhinha (1871-1957), natural de Angra do Heroísmo. Ainda hoje a ele recorro quando pretendo conhecer os nomes comuns de algumas plantas. O segundo livro que adquiri foi a primeira edição do livro já referido de Erik Sjogren, então com a descrição de 90 plantas, durante a minha presença na semana do Mar, na Horta, em 1984.

 

Outra obra que consulto amiúde e que também recomendo, é a “Iconographia Selecta Florae Azoricae”, com três fascículos publicados na década de 80 do século passado pela Direção Regional dos Assuntos Culturais da Secretaria Regional da Educação e Cultura da Região Autónoma dos Açores, da autoria de Abílio Fernandes e Rosette Batarda Fernandes.

 

Com estampas a preto e branco para cada planta, o texto contém, entre outros aspetos, informação sobre o nome científico, a família, uma descrição completa, informações relativas à ecologia, a sua distribuição nos Açores e geográfica geral, processos de disseminação, importância na flora açoriana e valor económico.

 

Boas leituras.

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32281, 11 de novembro de 2020, p.14)

terça-feira, 3 de novembro de 2020

O dr. Lúcio Miranda e o encanto dos números

 



O dr. Lúcio Miranda e o encanto dos números

 

Em 2015, publiquei, neste jornal, um texto sobre o professor de matemática do Liceu Nacional Antero de Quental, atualmente Escola Secundária Antero de Quental, Lúcio Miranda, natural de Goa, que tinha uma predileção pelas artes, nomeadamente pela música. Foi fundador e vice-presidente da Academia Musical de Ponta Delgada e criou o “Centro de Estudos de Matemática e Física do Liceu Nacional de Antero de Quental.

 

Recentemente reli o seu texto “O encanto das Matemáticas”, publicado no Correio dos Açores, de 8 de outubro de 1932 que não perdeu atualidade. No texto de hoje, partilho com os leitores mais curiosos alguns dos conhecimentos que ele transmitiu e que para mim foram novidade.

 

A dado passo do seu texto, o Dr. Lúcio Miranda refere-se a Platão que manifestava tal predileção pelas matemáticas puras que dizia ser a Geometria “um método próprio de dirigir as almas para Deus”. E, querendo glorificar as harmonias da Natureza, tem esta síntese magnífica: «Deus geometriza eternamente»”.

 

Ainda sobre Platão, o Dr. Lúcio Miranda escreveu que tal foi a sua paixão pelos números que “levado pelo exagero da sua imaginação fantasista, chegou a conceber o número nupcial - aquele que havia de influenciar as consequências do matrimónio!”

 

Fomos tentar saber que número seria aquele e apenas encontramos dois textos na Internet. Segundo a resenha feita por Tassos Lycurgo a um trabalho de Glenn Erickson e Johun Fossa intitulado “Estudos sobre o número nupcial”, “Platão disse que o período de maior vigor do homem se dá dos 25 aos 35 anos de idade e das mulheres, dos 20 aos 40”. Tasso Lycurgo acrescenta que os autores mencionados concluem que “os filhos mais bem capacitados nasceriam, de acordo com a interpretação da passagem de Platão …. quando o pai tivesse 40 anos e a mãe, 30.”

 

De acordo com o distinto professor de Matemática que vimos referindo, “os números chegam a adquirir uma verdadeira personalidade aos olhos dos que lidam com eles. E na Aritmética aparecem, por isso, designações como a dos números amigos, primos entre si, perfeitos, abundantes e deficientes, exprimindo os laços de afinidade que os ligam aos outros ou as propriedades que os caracterizam.”

 

Como os números primos entre si eram os únicos que conhecia e que é do conhecimento da maioria dos alunos, pelos menos dos meus que estão no 8º ano de escolaridade, com recurso à internet, abaixo faço referência aos restantes.

 

Dois números são amigos quando um deles é igual à soma dos divisores próprios do outro, como por exemplo 284 e 220.

 

Para o nº 220 – 1+2+4+5+10+11+20+22+44+55+110= 284

Para o nº 284 – 1+2+4+71+142 =220

 

Um número é perfeito quando a soma dos seus divisores próprios é igual ao próprio número, como 28.

 

Para o nº 28 – 1+2+4+7+14 = 28

 

Um número é abundante quando é menor do que a soma dos seus divisores próprios, por exemplo o número 12

 

Para o nº 12 – 1+2+3+4+6 = 16

 

Por último, um número é deficiente se for maior do que a soma dos seus divisores próprios, como o número 10

 

Para o nº 10 – 1+2+5 = 8

 

No final do seu artigo o Dr. Lúcio Miranda referiu que havia duas disciplinas que inspiravam o terror aos alunos: o Latim e a Matemática. Hoje talvez seja a Físico-química e a Matemática.

 

Será que o modo como é ensinada a Matemática deste a mais tenra idade leva os alunos a se aperceberem da sua Perfeição, Harmonia e Beleza” ou faz com ao longo dos anos cresça a sua aversão à mesma?

 

Teófilo Braga

 

(Correio dos Açores, 32275, 4 de novembro de 2020, p.14)

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

O Padre Manuel Vicente e a paixão pelas flores

 



O Padre Manuel Vicente e a paixão pelas flores

 

Em textos anteriores associamos o padre Manuel Vicente à recuperação do Jardim António Borges, em 1922. O tema de hoje é a sua paixão pelas flores.

 

Não conhecendo qualquer escrito da sua autoria, este texto tem por base o livro de Breno de Vasconcelos, intitulado “Paz cinzenta …os Açores através de algumas figuras e episódios de uma época”, publicado em Lisboa, em 1979, e alguns jornais da época.

 

O Diário dos Açores de 17 de fevereiro de 1938 quando faz uma retrospetiva da vida do Padre Manuel Vicente recorda “as exposições de lindos crisântemos no Palácio Fonte Bela, atualmente Liceu Antero de Quental, e que marcaram duma forma bem vincante, com seu aspeto ao mesmo tempo de Jogos Florais”. De acordo com a mesma fonte, “eram certames a que acorria tudo quanto a Ilha tinha de mais distinto no campo intelectual e no meio social, sendo acolhidos com palpitante interesse pelo público”.

 

A paixão do padre Manuel Vicente pelas flores não foi esquecida no poema da autoria do poeta micaelense Francisco Espínola de Mendonça (1891-1944) escrito por ocasião do funeral daquele sacerdote e publicado no Correio dos Açores, do dia 17 de fevereiro de 1938. Abaixo transcreve-se um extrato:

 

Amou a Arte, as flores, a Poesia,

Votando-lhes profunda idolatria,

Um acendrado amor.

Sacerdote bondoso, tolerante.

Na família um exemplo edificante:

-Amigo e Protetor

Amarilis, crisântemos, as flores

A que mais consagrou os seus amores,

Cobriam-lhe o caixão.

E, curvadas, pendendo enternecidas,

Pareciam dizer-lhe agradecidas,

A sua gratidão.

 

Depois de referir que embora vivesse modestamente, sem fortuna própria, e que o padre Manuel Vicente “foi figura da alta sociedade micaelense, não propriamente pelos seus pergaminhos genealógicos, mas muito mais pelo seu espírito e afabilidade no trato”, Breno de Vasconcelos, no livro já mencionado, relata o seguinte:

 

“Não posso precisar em que local organizou uma primorosa exposição de flores, com entradas pagas.

 

Muitas pessoas afluíram a visitar a exposição e a admirar não só as raras espécies, como a elegância com que as mesmas se encontravam dispostas.

 

O Bispo da diocese, nessa altura, estava de visita em São Miguel. Convidado a visitar esta exposição, o Bispo apreciou devidamente o bom gosto do padre Vicente e também as espécies florícolas. Ao despedir-se perguntou a que se destinava o produto daquela exposição. O expositor, muito diplomaticamente e com um sorriso reverenciado, respondeu que a receita revertia exclusivamente a favor da cozinha económica do padre Manuel Vicente …da sua própria e bem necessitada cozinha”.

 

Não se fique com a ideia de que todas as iniciativas do Padre Vicente eram realizadas para benefício do próprio. Com efeito, entre outras ações, organizou com fins caritativos “A Coroação da Menina do Asilo” para apoio ao Asilo da Infância Desvalida.

 

Com os seus projetos, o Padre Vicente conseguia mobilizar a comunidade para ajudar os mais necessitados, tendo sido a Cozinha Económica, de que foi secretário, a instituição que mais beneficiou da sua dedicação.

 

Teófilo Braga

 

(Correio dos Açores, 32269, 28 de outubro de 2020, p.14)

 

terça-feira, 20 de outubro de 2020

José Henrique Borges Martins, o Ferreirinha das Bicas e o Bravo

 



José Henrique Borges Martins, o Ferreirinha das Bicas e o Bravo

 

Hoje, faço uma singela homenagem ao poeta terceirense José Henrique Borges Martins e a dois improvisadores da ilha Terceira que ele tão sabiamente acarinhou e de algum modo os imortalizou, Francisco Ferreira dos Santos (o Ferreirinha das Bicas) e Manuel Borges Pêcego (o Bravo).

 

José Henrique Borges Martins que comigo esteve presente em diversas reuniões, onde um grupo de cidadãos preparou a criação, em Angra do Heroísmo, de um jornal independente dos poderes instalados, o “Directo”, que foi dirigido pelo meu colega da Escola Secundária Padre Jerónimo Emiliano de Andrade, António Neves Leal, foi um poeta de mérito e um destacado investigador da cultura popular, tendo, entre outos, publicado trabalhos sobre os cantadores e improvisadores populares e sobre crendices e feitiçarias.

 

Para além de dar o seu contributo ao “Directo”, Borges Martins, que combateu o Estado Novo com a sua poesia, colaborou com o extinto jornal “A União” e com o “Jornal da Praia”.

 

Com os livros “Cantadores e improvisadores da ilha Terceira”, de 1984, e “Improvisadores da Ilha Terceira. suas vidas e cantorias”, de 1993, Borges Martins homenageou alguns heróis do povo, os cantadores populares.

 

De entre eles, destacamos o Ferreirinha das Bicas que terá sido, segundo alguns, o maior de todos e o Bravo que foi um homem livre e que por isso teve problemas com as autoridades por dizer verdades que as incomodavam.

 

Sobre o Ferreirinha das Bicos, existe uma brochura que foi editada pela Cooperativa Semente, em agosto de 1978, no âmbito de uma homenagem que lhe foi prestada. Segundo aquela organização, a “cultura popular está em perigo” por isso “é necessário e urgente não deixar esquecer, não deixar que matem, que apaguem o que de mais belo temos. O que é verdadeiramente nosso património.”

 

O Ferreirinha das Bicas nos seus improvisos mostrou preocupações sociais e denunciou as desigualdades e a sociedade hipócrita onde vivia.

 

As duas quadras abaixo ilustram bem o pensamento do seu autor:

 

Vai preso quem rouba um pão

Por sua necessidade,

Mas quem rouba meio milhão

Passeia pela cidade

 

Eu conheço falsos sábios

Que pregam religião

Que mostram Cristo nos lábios

E o diabo no coração

 

A temática das desigualdades sociais também foi por diversas vezes abordada por Manuel Borges Pêcego. Para além de ilustrar a sua condição social, a quadra abaixo revela o seu espírito crítico:

Fui pagar a contribuição,

Mas não foi com dinheiro falso,

P’ra calçar tanto ladrão

Que por mim, ando descalço

 

O Bravo teve problemas com a polícia que o mandou internar na casa de saúde de São Rafael. A causa terá sido uma quadra dita em frente à cadeia, onde denunciou as injustiças existentes neste mundo:

Oh, como esta vida é feia

Presos, meditai a fundo.

Só nunca vão à cadeia

Os maiores ladrões do mundo.

 

Teófilo Braga

                                                                        (Correio dos Açores, 32263, 21 de outubro de 2020, p.17)