sábado, 29 de agosto de 2015

Notas Zoófilas (4)


Notas Zoófilas (4)

Mocho

O mocho (Asio otus), também conhecido em algumas localidades dos Açores por coruja e no continente português por bufo-pequeno, é uma ave de rapina noturna, existente nos Açores, em todas as ilhas dos Grupos Central e Oriental, sendo provável a sua presença nas ilhas das Flores e do Corvo.

De acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, editado em 2006, pelo Instituto da Conservação da Natureza e pela Editora Assírio & Alvim, “Nos Açores a espécie nunca foi alvo de estudos ou censos dirigidos e nesse sentido não existem dados sobre a sua abundância a nível regional ou tendência populacional”.

Um recenseamento, efetuado por Carlos Pereira, cujos resultados foram divulgados pela SPEA- Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, por ter sido fruto de um trabalho de campo que ocorreu apenas em três meses, entre 1 de abril e 30 de junho de 2005, não permitiu acrescentar muito ao conhecimento até então existente.

De qualquer modo, o autor chegou à conclusão de que a espécie “não é muito abundante nos Açores”, prefere “zonas urbanas de S. Miguel, Terceira e Faial” e “parece evitar ainda, as zonas de maior altitude.

Antes do recenseamento referido, em 1996, no âmbito das atividades dos Amigos dos Açores- Associação Ecológica, foi implementado o Projeto “Rapinas dos Açores” que teve, entre outros, como objetivo o estudo de alguns aspetos da biologia e ecologia das rapinas dos Açores, assim como dos habitats por elas utilizados, tendo sido realizadas várias saídas de campo entre os meses de Abril e Junho, na ilha de São Miguel.

Durante o projeto mencionado foi detetada a presença de mochos nas seguintes localidades: Pico da Pedra, São Roque, Capelas, Fajã de Baixo, São Pedro e São José (Ponta Delgada) e Santa Bárbara (Ribeira Grande).
Através de um apelo lançado pelos Amigos dos Açores, em 2008, alguns associados daquela organização de defesa do ambiente, comunicaram que haviam observado mochos nas seguintes localidades: São Pedro (Ponta Delgada), Pico da Pedra, Capelas, Povoação, Angra do Heroísmo, Conceição e Matriz (Ribeira Grande), São Roque, Furnas, Ribeira das Tainhas e Fajã de Baixo.
O Mocho que em Vila Franca do Campo é conhecido por coruja é uma das aves que o padre-mestre vila-franquense Manuel Ernesto Ferreira menciona no seu texto “os animais na tradição, publicado seu livro “A alma do povo micaelense”. Segundo ele, o pio da coruja sobre uma casa pressagia que nesta haverá morte próxima.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30714, 25 de agosto de 2015, p. 12)

CANDIDATURA DE SÃO JORGE A RESERVA DA BIOSFERA



CANDIDATURA DE SÃO JORGE A RESERVA DA BIOSFERA

Está em preparação a candidatura da ilha de São Jorge a Reserva da Biosfera, a qual merece todo o meu apoio.

Dada a extensão do texto da proposta de candidatura, nesta minha colaboração semanal apenas farei referência a duas áreas, a espeleologia, que está praticamente ausente, e a tauromaquia, que mereceu uma breve menção, onde para além de não haver referência às sangrentas touradas de praça, felizmente raras em São Jorge, as touradas de corda são apresentadas como “pílulas douradas”

Na proposta de candidatura, encontramos apenas a menção a “grutas não exploradas pelo turismo”, o que é muito pouco para uma ilha que possui várias cavidades vulcânicas que, ao longo dos tempos, têm sido alvo de várias expedições vulcanoespeleológicas que tiveram a participação da comunidade científica nacional e internacional.

A título de exemplo, embora desconheça se a listagem está atualizada, no 6th Internacional Symposium on Vulcanospeleology, que se realizou, em 1991, no Hawaii, foi apresentada uma comunicação da autoria de Paulo Borges, da Universidade dos Açores, e de A. Silva e F. Pereira, da Sociedade de Exploração Espeleológica Os Montanheiros, onde são mencionadas 12 cavidades vulcânicas. Destas, sete são tubos de lava: Furna da Pomba, Furna do Poio, Furna do Pombal, Gruta da Beira, Gruta da Granja, Gruta da Lomba do Gato e Gruta do Leão e cinco são algares: Algar das Bocas do Fogo, Algar do Montoso, Algar do Pico da Maria Pires, Algar do Pico dos Suspiros I e Algar do Pico dos Suspiros II.

Em relação à tauromaquia, no texto da proposta pode ler-se: “Fortemente enraizadas na cultura jorgense, as touradas à corda são corridas de touros adultos da raça brava, ao longo de um arraial montado numa rua, num percurso de cerca de 500 metros. O animal é controlado por uma corda atada ao seu pescoço que é segura pelos pastores (homens que conduzem a lide e impedem sua saída para além do troço de via estipulado. Após a lide, que não inclui farpas ou maltrato dos animais, são devolvidos às pastagens e repetidamente utilizados, depois de um período de descanso mínimo.”

Se é certo que há touradas em São Jorge, atividade criada para satisfazer os interesses económicos de ganadeiros e o vício de quem desde criança foi habituado a elas, também é certo que até há pouco tempo as mesmas estavam confinadas à ilha Terceira. Com efeito, o etnógrafo terceirense Dr Luís Ribeiro, numa comunicação apresentada ao Congresso Luso-Espanhol realizado em Lisboa, em 1950, afirmou: “Em todas as ilhas foi o costume caindo em desuso e hoje só na Terceira há touradas.” Sobre o mesmo assunto, o historiador e também etnógrafo Pedro de Merelim no seu livro Tauromaquia Terceirense, publicado em 1986, cita o professor João Nogueira que escreveu que as ilhas vizinhas mostravam repugnância pelas touradas. O mesmo Pedro de Merelim só em 1977 se refere a touradas na Graciosa e São Jorge nos seguintes termos: “ Mas, com o típico divertimento a estender-se as ilhas próximas. Levaram-se a efeito na Graciosa 21 e em S. Jorge 17”.
Relativamente à apresentada “suavidade” da tourada à corda, discordamos pois embora não haja farpas é sabido que muitas vezes os animais são feridos e alguns acabam mesmo por morrer, como já aconteceu em São Jorge e em Rabo de Peixe. Sobre este assunto, João da Cândida, antigo pastor disse: “De resto é o “bota abaixo” no duro e escorregadio asfalto, provocando, quantas vezes, graves e irreparáveis lesões aos animais” e o antigo médico-veterinário da Praia da Vitória, Dr. Vasco Reis escreveu o seguinte:

“Na tourada à corda o touro arrisca ferimentos, que podem conduzir à morte; é provocado, ludibriado e exausto; sofre susto e ansiedade.
O risco de ferimento, mais ou menos grave, e de morte de pessoas está muito presente na tourada â corda, o que absolutamente a não recomenda.
Por estas as razões, a tourada à corda impressiona negativamente imensas pessoas portuguesas e do estrangeiro e atua para perda da imagem de harmonia e tranquilidade, que seria uma marca da boa qualidade dos Açores”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30715, 26 de agosto de 2015 p.12)

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Apontamentos SMPA


Apontamentos sobre a Sociedade Micaelense Protetora dos Animais (2)

A 14 de Novembro de 1912, a Revista Pedagógica publicou um texto onde o seu autor dá a conhecer que a SMPA já estava a cobrar as quotas dos seus associados e que a sede da mesma continuava a ser nas instalações dos Bombeiros Voluntários de Ponta Delgada até à sua passagem para a rua da Fonte Velha.
Em reunião que se terá realizado no mês de novembro de 1912 (C.A., 28 de novembro de 1912) foram admitidos 15 associados. Na mesma reunião, foi decidido oficiar à Câmara Municipal de Ponta Delgada “a regulamentação das carroças puxadas por carneiros” e “oficiar à corporação competente para que seja modificada a rampa no início da rua dos Mercadores, rampa que é um verdadeiro tormento para os pobres animais”.
A 26 de Junho de 1913, a SMPA, através da Revista Pedagógica, divulga algumas das diligências que tem efetuado junto de diversas entidades, nomeadamente com vista a regular a tração animal de ovelhas e cabras e a modificar a “rampa sita no cimo da rua dos Mercadores desta cidade e que constitui um verdadeiro martírio para os pobres animais que por ali transitam”.
A Folha, de 29 de Junho de 1913, noticia que, após diligências efetuadas pela SMPA, a Câmara Municipal de Ponta Delgada decidiu criar “uma nova postura proibindo que carneiros e animais congéneres sejam considerados como de tiro”.
Os primeiros três anos de vida da SMPA foram de quase apatia. De acordo com Maria da Conceição Vilhena, no seu livro “Alice Moderno, a Mulher e a Obra”, muito pouco foi feito e tanto o primeiro presidente, António José de Vasconcelos, como o segundo, Tibúrcio Carreiro da Câmara, terão manifestado falta de iniciativa e entusiasmo.
Com a presidência de Alice Moderno, a partir de 1914, a vida da SMPA alterou-se por completo, tanto no que diz respeito à tomada de medidas conducentes a acabar com os maus tratos de que eram alvo os animais usados no transporte de cargas diversas, nomeadamente os que transportavam beterraba para a fábrica do açúcar, à educação dos mais novos, através do envio de uma comunicação aos professores “pedindo-lhes para que, mensalmente, façam uma prelecção aos seus alunos, incutindo no espírito dos mesmos a bondade para com os animais, que não é mais do que um coeficiente da bondade universal” e à criação de condições para o seu funcionamento, como foi a aquisição de uma sede e mobiliário.
No dia 25 de Março de 1914, no palácio do Governo Civil reuniu-se a direção da SMPA, com a presença do Marquês de Jácome Correia, presidente da Assembleia Geral, com o chefe do distrito, Dr. João Francisco de Sousa, que deu a conhecer “O projeto do Regulamento Policial, cuja introdução foi da autoria de Alice Moderno, que definirá os direitos dos sócios e os deveres dos agentes da autoridade”.
Na mesma reunião foi decidido “alugar um escritório e adquirir mobiliário próprio”, tendo ficado responsáveis por tratar destes assuntos Alice Moderno e Jaime César Maggioli, respetivamente, presidente e secretário da direção. Foi decidido ainda inaugurar a sede, localizada na rua Pedro Homem, nº 15, rés-do-chão, no dia 1 de Abril, data em que se iria realizar uma reunião ordinária da direção.
No dia 2 de abril de 1914, segundo “A Folha” do dia 5 do mesmo mês, por proposta de Alfredo da Câmara, vogal da direção, a SMPA decidiu nomear como seu membro honorário o senador Nunes da Matta que havia apresentado uma proposta de lei que se destinava a declarar de utilidade pública as associações de proteção das árvores e dos animais”.
A direção da SMPA, segundo A Folha de 19 de abril de 1914, decidiu agradecer à Associação de Bombeiros Voluntários a “cedência da secretaria do quartel de Bombeiros para as suas reuniões ordinárias e extraordinárias, enquanto a sociedade não teve sede própria”.
Na mesma reunião foi decidido oficiar a todos os professores “pedindo-lhes que mensalmente façam aos seus alunos uma preleção sobre os direitos que os animais têm a ser bem tratados pelos homens”. Também, foi deliberado “oficiar às autoridades administrativas civis e militares, pedindo-lhes que …incutam nos seus subordinados a mesma doutrina”.
(continua)
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30709, 19 de agosto de 2015, p.12)

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Legislação


A PROPÓSITO DA LEI Nº 69/2014


“A grandeza de uma nação e o seu progresso moral podem ser medidos pelo modo como os seus animais são tratados”(Gandhi)

Nas sociedades mais desenvolvidas existe um grande movimento no sentido de proporcionar bons tratos aos animais. Várias são as razões invocadas, entre as quais, destaca-se o facto de, para “além de seres sensíveis, os animais constituírem também entidades com uma existência e individualidade próprias, que apreciam a vida, que se podem organizar em sociedades, por vezes bastante complexas e que podem estabelecer laços entre indivíduos”.

Apesar da evolução ocorrida, o modo como são tratados os animais ainda está muito longe do desejável e confrontando com os relatos que temos, desde os fins do século XIX até há atualidade, é fácil verificar que a mente humana não acompanhou os progressos materiais conseguidos através do desenvolvimento da ciência e da técnica.

Como os comportamentos por vezes só são alterados se os incorretos forem penalizados, ao longo dos tempos têm sido criadas leis que, apesar de insuficientes, são pequenos passos rumo ao desejável.

Desde a primeira lei que terá sido publicada em 1919, passando pela Lei nº 92/95 que proibia “todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os atos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal”, até à Lei nº 69/2014 que procedeu a uma alteração ao Código Penal, criminalizando os maus tratos aos animais de companhia, e à Lei nº 92/95, sobre proteção aos animais, alargando os direitos das associações zoófilas, foram dados pequenos/grandes passos.

No que diz respeito às associações zoófilas, estas passaram a ter “legitimidade para requerer a todas as autoridades e tribunais as medidas preventivas e urgentes necessárias e adequadas para evitar violações em curso ou iminentes da presente lei”, “podem constituir-se assistentes em todos os processos originados ou relacionados com a violação da presente lei e ficam dispensadas de pagamento de custas e taxa de justiça, beneficiando do regime previsto na Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, com as necessárias adaptações” e, por último, podem requerer que lhes seja atribuído o estatuto das organizações não-governamentais do ambiente.

No que diz respeito às penalizações a lei prevê a punição com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias para quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia. Se das ações referidas resultar a morte do animal, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.

Por último, o abandono de um animal de companhia que coloque em perigo a sua alimentação e a prestação de cuidados que lhe são devidos por quem, tendo o dever de guardar, vigiar ou assistir, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30708, 18 de agosto de 2015, p.17)

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

UNESCOMANIA


UNESCOMANIA?

A candidatura de quase tudo e mais alguma coisa a património da Unesco parece estar na moda neste arquipélago onde o oceano que devia unir as ilhas tem servido mais para as separar.

São mais do que muitas as intenções de candidatura. Algumas merecem ser trabalhadas e levadas a bom porto, enquanto outras nem merecem que se perca muito tempo com elas, pois a serem apresentadas seriam alvo de chacota e ridiculizariam os seus proponentes.

Em Outubro de 2010, a Presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo anunciou a candidatura à UNESCO da Festa Brava da Terceira como Património Imaterial da Humanidade.

Esta pretensão foi imediatamente contestada, tendo na altura sido lançado um abaixo-assinado a pedir à Unesco para não aceitar a candidatura em virtude das touradas “ para além de não criarem riqueza e de desconceituarem os Açores aos olhos da maioria dos povos do mundo …em nada contribuirem para educar os cidadãos e cidadãs para o respeito aos animais, para além de causarem sofrimento aos mesmos e porem em risco a vida das pessoas”.

Desconhecemos se foram dados outros passos, mas tudo leva a crer que o que se pretendeu foi apenas ocupar espaço nos jornais e preencher tempo de antena na comunicação social.

Outra das candidaturas anunciadas foi a das Festas do Espírito Santo. Com efeito, em 2012, a comunicação social divulgou que estava em preparação, por um grupo de investigadores, a candidatura das Festas do Divino Espírito Santo a Património Imaterial da UNESCO.

Segundo Maria Norberta Amorim, uma das investigadoras envolvidas no processo de candidatura, o objetivo era “divulgar por todo o mundo estas festividades, que se caraterizam pela “irmandade, solidariedade, partilha e integração de novas gentes à comunhão na devoção”.

Desconhecemos o que terá emperrado esta candidatura que era apoiada pela Direção Regional das Comunidades. O que sabemos, segundo o Diário Insular, é que a mesma havia surgido depois de uma outra do mesmo género ter sido rejeitada pela UNESCO.

Quer sejamos crentes ou não, as festas do Espírito Santo mereciam ser preservadas como manifestação de verdadeira autonomia e participação das comunidades locais e como espaços de solidariedade para com os menos bafejados pela sorte ou marginalizados pelas políticas implementadas por quem tinha a obrigação de governar ao serviço do bem comum.

Mas, para o sucesso da candidatura e para um regresso aos fins originais, as festas do Espirito Santo deviam ser expurgadas de algumas modernices que levam a que grande parte dos orçamentos seja usada em contratações de artistas, muitas vezes vindos de paragens longínquas, “apoio” a desnecessitados e de maus tratos a animais para divertimento de quem gosta de ver os outros, racionais ou não, sofrer desnecessariamente.

Em abril do presente ano, a Associação de Mordomos das Festas Tradicionais da Ilha Terceira defendeu a classificação, pela UNESCO, da tourada à corda como Património da Humanidade. Tal como a proposta de candidatura da chamada festa brava esta, cremos, não passará disto mesmo, dada a falta de consenso existente sobre o assunto na sociedade açoriana e a quantidade de vídeos de marradas que mostram uma parte, a negra sem a qual os vídeos não se vendiam, do que é a tourada à corda

Por último, está em fase de consulta pública, até ao próximo dia 15 de agosto, a candidatura das Fajãs de São Jorge a Reserva da Biosfera, a que damos o nosso total apoio e apelamos à participação na mesma.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30703, 12 de agosto de 2015, p.14)

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Agricultura sem venenos

Notas Zoófilas 2


A PROPÓSITO DOS 148 ANOS DO NASCIMENTO DE ALICE MODERNO


A 11 de agosto de 1867, há cento e quarenta e oito anos, nasceu, em Paris, Alice Augusta Pereira de Melo Maulaz Moderno, uma das fundadoras da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais e sua presidente entre 1914 e 1946, ano do seu falecimento, em Ponta Delgada.

Esquecida durante muito tempo, nos últimos anos o seu nome voltou a ser falado quando algumas pessoas voltaram a interessar-se pela sua vida e obra e começaram a estudá-la e a divulgar a sua obra.

De entre as suas facetas, a que mais tem despertado o interesse é a de defensora dos animais. Assim, como forma de a homenagear surgiu, um coletivo, que se propõe “refletir para apresentar propostas de um ponto de vista científico, ético, social e político no que respeita à relação da sociedade com os animais, através da dinamização de atividades essencialmente no concelho da Ribeira Grande e de apoio e divulgação de ações de movimentos a nível local, regional, nacional e internacional, que tenham em foco o fomento do respeito e proteção animal”.

Depois de uns primeiros tempos com alguma atividade, com destaque para sensibilização em escolas, devido, essencialmente, à dispersão dos seus membros a atividade do Coletivo Alice Moderno reduziu-se, estando inativo há algum tempo.

No passado dia 6 de Maio, o Governo Regional dos Açores lançou o denominado “Projeto Alice Moderno” que parece não passar “de uma campanha regional de sensibilização contra o abandono e maus tratos a animais de companhia”, o qual até agora não foi além da colocação de alguns “outdoors” e na distribuição de cartazes por algumas entidades que estiveram expostos durante muito pouco tempo ou que viram ser colocada outra informação por cima dos mesmos ao fim de poucos dias.

Se o projeto não passar disso, sabe a muito pouco e não corresponde ao aspirado por Alice Moderno: a criação de um hospital para tratamento de animais de companhia e outros animais..

A menção a outros animais surge neste texto para relembrar, a alguns governantes e não só, que Alice Moderno não fazia discriminação de animais, já que para além de se preocupar com cães e gatos, também comprou ouriços-cacheiros para os libertar, livrando-os da morte certa, e odiava touradas pois também sentia compaixão pelos touros torturados e, sobretudo, pelos cavalos.

Por último, tendo em conta que têm de ser os cidadãos a pressionar os senhores que temporariamente exercem o poder para que sejam implementadas políticas corretas com vista a um tratamento humanitário dos animais, a notícia que mais gostava de receber era a da reativação da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30702, 11 de agosto de 2015, p.12)

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Autonomistas e separatistas


Autonomistas e separatistas ao longo dos tempos

Nas minhas pesquisas, na Biblioteca Pública de Ponta Delgada, relacionadas essencialmente com a temática da defesa dos animais, por vezes divago e tomo notas sobre outros assuntos de que destaco tudo o que se relaciona com Vila Franca do Campo, com Antero de Quental e com outras personalidades que no passado elevaram bem alto o nome dos Açores.

Um dos temas que me tem chamado a atenção é o dos movimentos autonomistas e ou separatistas que têm surgido nos Açores ao longo dos tempos.

Nesta minha colaboração de hoje, farei referência a uma carta de Antero de Quental e a alguns textos publicados no Correio dos Açores, durante a primeira República e nos primeiros tempos da ditadura militar que se lhe seguiu.

Antero de Quental (1842-1891) numa carta enviada ao Dr. Francisco Machado Faria e Maia (1815-1890), publicada no Correio dos Açores, no dia 12 de setembro de 1926, por ocasião do trigésimo quinto aniversário da morte do poeta, refere que através dos jornais havia tomado conhecimento da realização em Ponta Delgada de “meetings separatistas” e a propósito acrescenta: “ Que se agitam as opiniões e que se quer arvorar a bandeira estrelada dos Estados Unidos! Será certo? Não posso crê-lo, por que conheço o ânimo brando e sofredor dos meus patrícios. Coisas do Supico, é o que se me afigura: uma agitação passada entre a botica do Campo de São Francisco e a botica dos arcos do Cais”.

“O Protesto”, órgão e propriedade do Centro Socialista “Antero de Quental”, em 1917, num texto intitulado “Os Açores para os Açorianos”, lamentou o abandono a que era votado o nosso arquipélago, escrevendo que “…o caso do submarino veio por em destaque a pouca atenção que os Açores merecem a este governo, como mereceram a todos os governos da extinta Monarquia e da atual República, desde que ultrapassem os seus deveres de darem dinheiro, mais dinheiro, muito dinheiro para a metrópole”.

Segundo o mesmo jornal, para os políticos que governam Portugal a sua única preocupação é manterem-se no poder, o resto para nada conta. Face a esta situação, a resposta dos açorianos tem de ser deixar de apoiar “unionistas”, “democráticos” ou “almeidistas” e criar um grande partido regional que “roubará os Açores à exploração da metrópole, que os libertará deste pesadelo constante que os deprime e definha, que os não deixa progredir”.

Na sequência de algumas informações prestadas pelo cidadão José Lourenço da Silva a dois jornais diários de Lisboa, A Capital e A Manhã, classificadas pelo presidente da Comissão Administrativa da Junta Geral de Angra do Heroísmo, como fazendo parte de “uma infame e malvada campanha contra o brio, dignidade e patriotismo dos açorianos”, a referida comissão condenou as “falsas, falsíssimas informações dadas pelo mencionado José da Silva e entendeu, por bem, prestar alguns esclarecimentos ao senhor Ministro do Interior a todo o Governo da República.

No texto da responsabilidade da referida Comissão, publicado no jornal Diário dos Açores, de 6 de maio de 1919, entre outros pontos, é dado destaque ao seguinte:

“Não se tem distribuído jornal algum neste distrito, que haja apresentado ou seja capaz de apresentar ou advogar a ideia separatista dos Açores! O que os açorianos pretendem, apenas, é uma autonomia mais ampla, dentro da sua querida Nacionalidade, para que possam ser devidamente aproveitados os valiosíssimos recursos de que dispomos”.

No final de 1927 correu por Lisboa o boato de que os Açores haviam declarado a Independência, tendo sido criada, na ilha Terceira, uma Junta Governativa. Sobre este caso o Delegado Especial do Governo nos Açores escreveu o seguinte: “Afirmo a V. Exª e a todo o Governo que a ordem é absoluta em todo o arquipélago, mantendo-se a atitude simpática e apoio da população açoriana à ação do Governo da Ditadura”.

Sobre as “blagues” que uma vez por outra surgiam no continente acerca da independência dos Açores o Dr. José Bruno Tavares Carreiro (1880-1957) numa conferência proferida na Sociedade de Geografia escreveu o seguinte: “Os Açores querem que os não tratem como um menor, eternamente menor, exercendo sobre eles uma tutela, que, além de ser violenta, é estúpida. As suas especialíssimas condições geográficas dão-lhes direito a reclamar uma ação administrativa larga, não indo até à independência, mas que seja uma bem entendida autonomia”.

Hoje, apesar da autonomia, somos uma região, de mentes dependentes e submissas, comandada por colonizadores, alguns deles nados e criados nestas ilhas.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30697, 5 de agosto de 2015, p.14)

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Notas Zoófilas 1


Uma explicação prévia

Na passada semana, terminei uma série de cem textos sobre plantas com referências ao seu uso atual e no passado, nomeadamente na medicina popular dos Açores.
Hoje, começo uma nova série, no Correio dos Açores, dedicada à promoção do bem-estar animal e à defesa dos direitos dos animais, não esquecendo todos os que a título individual ou integrados em associações formais ou informais dedicam parte do seu tempo livre e alguns recursos a defender todos os seres vivos que connosco partilham a vida na Terra.
Não seria difícil escolher um título original para esta coluna semanal, mas optei, como forma de homenagear aquela que terá sido a pessoa que, nos Açores, mais se dedicou à causa animalista, Alice Moderno, retomar o que ela usou neste mesmo jornal, entre 23 de junho de 1935 e 18 de novembro de 1943.
O trabalho de Alice Moderno e dos principais colaboradores da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, instituição criada em 1911, como Maria Evelina de Sousa e o Marquês de Jácome Correia insere-se no movimento que, segundo alguns autores surgiu na transição do século XIX para o século XX e que segundo Alexandra Amaro e Margarida Louro Felgueiras “desafiou a visão hegemónica antropocêntrica, obteve a criação das primeiras áreas protegidas e organizou-se em associações de cidadãos, inquietos com o sofrimento animal, orientadas para a proteção, prestação de assistência e defesa dos animais não humanos, procurando melhorar as condições em que eram mantidos, pela implementação de várias medidas: aprovar leis de proteção animal, desenvolver projetos para educar a população em geral e sensibilizar as crianças, ajudar a suprimir os maus tratos e promover a adoção de boas práticas na relação quotidiana com os referidos seres vivos.”
Para terminar esta pequena nota introdutória, transcrevo o conceito de maus tratos para Sociedade Protetora dos Animais do Porto, segundo os seus estatutos de 1911:
“a privação de limpeza, alimentos, ar, luz e movimento em relação às leis naturais e sociais da saúde pecuária; o trabalho excessivo sem descanso ou transporte de cargas excessivas; o obrigar a levantar os animais que caíam com chicotadas; a exposição ao calor ou ao frio excessivo; a aplicação de instrumentos que causassem feridas; a utilização no trabalho de animais feridos ou famintos; o transporte de animais para alimentação em condições geradoras de sofrimento; a manutenção de animais fechados sem que possam respirar ou movimentar-se, sem comida ou água; o depenar e esfolar animais vivos ou o seu abate através de métodos que provoquem sofrimento; a engorda mecânica de aves; o atiçar de animais uns contra os outros ou contra pessoas; a exibição de animais magros em sítios públicos; o abandono na via pública de animais domésticos feridos ou cansados; a destruição de ninhos; o cegar de aves canoras; o atar aos animais objetos que os enfureçam ou causem sofrimento; o queimar com água ou materiais inflamáveis; o lançamento em casas de espetáculos de pombas ou outras aves; a prática de diversões que causem ferimentos ou morte e ainda, a implementação de qualquer ação violenta que conduza a sofrimento por diversão ou maldade.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30696, 4 de agosto de 2015, p.12)