quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Educação Ambiental, mas qual?


Educação Ambiental, mas qual?

Síntese

Depois de abordar a questão das várias classificações possíveis das diversas correntes de educação ambiental, apresento três delas: a educação ambiental para a conservação, a educação ambiental ecológica e a educação ambiental popular.

Breve Reflexão

Do mesmo modo que quando se fala em movimentos de defesa do ambiente estamos a falar numa panóplia de vertentes, de que são exemplo o conservacionismo, que tem como preocupação central a protecção das espécies e dos sistemas naturais (Sorrentino, 2005) ou a ecologia social, de carácter libertário, que propõe um novo modelo social e uma nova forma de relacionamento com a natureza (Bookchin, 1984), também quando se aborda o tema educação ambiental estamos perante uma diversidade de “correntes”, isto é, “uma maneira geral de conceber e praticar a educação ambiental”(Sauvé, 2005).

São inúmeros os esforços no sentido da classificação das várias correntes de educação ambiental que, de acordo com Lima (1999), são “proporcionais, em número e, variedade, às tantas concepções de mundo, de sociedade, e de questão ambiental existentes”. A título de exemplo e antes de nos referirmos às que iremos aprofundar um pouco mais, apresentamos a proposta de Sorrentino que, segundo Lima (1999) as classifica em conservacionista, educação ao ar livre, gestão ambiental e economia ecológica. Por seu turno, Sauvé (2005), depois de referir que “a sistematização das correntes torna-se uma ferramenta de análise ao serviço da exploração da diversidade de proposições pedagógicas e não um grilhão que obriga a classificar tudo em categorias rígidas, com o risco de deformar a realidade”, apresenta 15 correntes, a saber: naturalista, conservacionista/recursionista, resolutiva, sistémica, científica, humanista, moral/ética, holística, biorregionalista, práxica, crítica, feminista, etnográfica, da coeducação, da sustentabilidade.

No âmbito deste trabalho apresentaremos (ver Anexo) algumas “características” das três correntes de educação ambiental propostas por Peña (1994):

- a educação para a conservação, cujos adeptos defendem o regresso à natureza, recusam o desenvolvimento tecnológico e consideram que a solução para os problemas ambientais passa pela alteração dos valores de cada um. Os seus promotores educam pelo exemplo, constroem as suas casas ecológicas, produzem os seus próprios alimentos, fazem as suas roupa , etc.;

- a educação ecológica cujos promotores não põem em causa o modelo de desenvolvimento actual, defendendo apenas alguns ajustes. Usam métodos de educação tradicionais e autoritários e pseudo - participativos. Uma educação formal, onde o educador e o especialista ocupam um papel de destaque;

- a educação ambiental popular que defende a necessidade de superar a actual lógica neoliberal e propõe mudanças políticas e a redistribuição do poder e da riqueza, sendo o seu grande objectivo fazer com que as pessoas ao aprenderem a pensar e a serem autogestionárias recuperem o poder de decisão entretanto perdido. Os seus promotores, valorizam a educação não formal e como processo contínuo e permanente. Promovem métodos do tipo participativo e dialógico, onde entre educador e educando se estabelecem relações de colaboração e aprendizagem mútua.

Mas, que educação ambiental se faz entre nós, nomeadamente o que fazem as associações de defesa do ambiente dos Açores?

Não sendo fácil responder à questão, vamos em primeiro lugar recorrer a Viola (1992) que nos diz que o papel das associações de defesa do ambiente na educação ambiental tem sido o de: 1) através da sua acção difundir valores ecológicos; 2) implementar programas próprios de educação ambiental; 3) colaborar com programas do sistema de ensino formal e 3) procurar envolver a população em programas de conservação ou restauração do ambiente danificado.

Desconhecendo-se qualquer reflexão por parte das ONGAS dos Açores sobre educação ambiental, o que conhecemos da sua prática leva-nos a concluir que a modalidade mais comum será a difusão de valores ecológicos, seguida da colaboração com programas do sistema de ensino formal.

A educação ambiental que temos tido, que não tem sido questionada nos Açores, sofre de um desvio naturalista e conservacionista, tendo como preocupação “salvar” o ambiente, entendido como recurso que é necessário “preservar para manter a maquinaria produtiva e reprodutiva do capital” (CARTEA, 2006).

Do nosso ponto de vista, para escolhermos que educação ambiental fazer, há que fazer opções: antes de mais há que escolher o modelo de sociedade que queremos. Havendo várias opções, limitar-me-ei a mencionar duas delas: a que tem subjacente o conceito de desenvolvimento sustentável ou a que propõe um decrescimento sustentável.

O desenvolvimento sustentável é “o que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das futuras gerações de suprir as suas próprias necessidades”(Tabacow, 2006). Acerca deste conceito, concordo com alguns autores que o consideram vago, e “pouco efectivo em termos concretos”(FBOMS, 2002, citado por Tabacow, 2006), permitindo que em seu nome tudo se possa fazer, como continuar a defender um crescimento económico ilimitado num mundo em que os recursos são finitos, ou como um “fetiche útil na medida em que o seu significado depende de quem o usa, do contexto em que é usado e para que é usado” (CARTEA, 2006). Por seu turno, para o conceito de decrescimento sustentável, não está em causa, apenas, a diminuição dos consumos, mas também o modo de funcionamento da economia actual (produção – distribuição - consumo), propondo uma “ruptura da lógica subjacente ao modelo capitalista de um crescimento constante e auto-alimentado, que origina o consumismo” (Janela, 2006).

(Correio dos Açores, 32943, 26 de janeiro de 2023)

sábado, 21 de janeiro de 2023

EM MEMÓRIA DE EZEQUIEL MOÇO

EM MEMÓRIA DE EZEQUIEL MOÇO

Ezequiel Moço, assistente operacional da Escola Secundária das Laranjeiras, faleceu ontem.

Conheci o Ezequiel no final da década de 80 do século passado na Casa da Cultura da Ribeira Grande, quando nos encontrámos pela primeira vez, a convite do Mário Moura, para trocarmos selos.

Já colecionava selos há algum tempo e o Ezequiel que havia estado a estudar num país de Leste, não sei se na Checoslováquia, possuía selos daquele país muito bonitos

O Ezequiel era militante do PCP e eu, que havia pertencido a um partido da chamada estrema esquerda inimigo visceral do PCP, já não tinha qualquer ligação partidária desde meados da década de 80´. Apesar disso, nunca nos desentendemos e ao longo dos anos, até sexta-feira passada, conversávamos sobre tudo um pouco, desde a vida na escola, a vida política (pouco) e, ultimamente, sobre plantas, sobretudo sobre árvores de fruto que ele tinha no seu quintal.

Alguns anos mais tarde, voltei a encontrar o Ezequiel na Escola Secundária das Laranjeiras num concurso para guarda noturno de cujo júri fiz parte. Tendo sido admitido, ao longo dos anos sempre que nos encontrávamos trocámos dois dedos de conversa.

Antes da pandemia, o Ezequiel deu uma enorme ajuda ao Movimento da Escola Moderna que reunia aos sábados no Anfiteatro da Escola Secundária das Laranjeiras, ficando, sempre de sorriso na boca, a maior parte das vezes algum tempo, por vezes mais do que uma hora, para além do seu horário de trabalho.

Quando vou ao meu quintal, não me esqueço que o araçazeiro (goiaveira) vermelho foi-me oferecido pelo Ezequiel.

Por tudo, obrigado, Ezequiel.
22 de janeiro de 2023

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Solidariedade com os professores do território continental


Solidariedade com os professores do território continental

Numa altura em que no território continental, os professores lutam pela defesa dos seus direitos espezinhados por sucessivos governos, nos Açores, através de negociação entre os sindicatos SPRA- Sindicato dos Professores da Região Açores (FENPROF) e SDPA -Sindicato Democrático dos Professores dos Açores (FNE), os professores e educadores conseguiram, através de negociações com o Governo Regional, que fossem aceites algumas das suas reivindicações, de que se destacam:

• A uniformização dos horários e das condições de trabalho para todos os níveis e ciclos de ensino, tendo por base a componente letiva de 22 tempos semanais e as reduções da componente letiva por antiguidade e idade iguais para todos os docentes;

• A redução de duas horas na componente não letiva de estabelecimento para os docentes que atinjam os sessenta anos de idade;

• A recuperação de três anos perdidos na transição entre carreiras num limite temporal máximo de quatro anos;

• A contagem, para efeitos de carreira, do tempo de serviço prestado em creches, para os educadores que transitam das IPSS para o ensino público.

Os professores e educadores, que estão a lutar neste momento por uma carreira docente digna e por melhores condições de trabalho, devem conhecer esta realidade, bem como as conquistas dos professores da Madeira e lutar em unidade para obrigar o Ministro da Educação e o Governo a reconhecer que as suas aspirações são justas.

Contra os professores não se pode construir uma escola pública de qualidade.
Correspondente dos Açores do GADEP-Grupo de Ação em Defesa da Escola Pública

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

SOBRE A PARTICIPAÇÃO CÍVICA E POLÍTICA DE NATÁLIA CORREIA

SOBRE A PARTICIPAÇÃO CÍVICA E POLÍTICA DE NATÁLIA CORREIA

Teófilo Braga

Filha de Manuel de Medeiros Correia e de Maria José de Oliveira, Natália Correia nas-ceu na freguesia da Fajã de Baixo, concelho de Ponta Delgada, no dia 13 de setembro de 1923 e faleceu em Lisboa a 16 de março de 1993. Ao longo da sua vida, Natália Cor-reia distinguiu-se como uma lutadora contra as ditaduras, tendo sido a mãe a intro-duzi-la nos meios da oposição ao Estado Novo. Se é verdade que recebeu o fim da ditadura com entusiasmo, também é verdade que seguiu com apreensão os aconte-cimentos ocorridos após o 25 de abril de 1974, tendo manifestado alguma da sua de-silusão na imprensa e no livro Não Percas a Rosa.

Não se subordinando a nada nem a ninguém, pode parecer contraditório com o seu pensamento a sua participação política após o 25 de Abril de 1974, nomeadamente a sua experiência como deputada na Assembleia da República, eleita em listas do PSD e do PRD. Sobre este assunto, Dacosta (2013) refere que “a passagem pela Assem-bleia da República depressa a desiludiria das formações políticas existentes entre nós. Interesses lobísticos, jogos pessoais, disciplina partidária, rigidez burocrática, não se coadunavam com as suas posturas de defesa da liberdade, da cultura, do bem comum” (p.148). Também será estranha a sua ligação ao movimento independentista dos Açores, cujos dirigentes tinham sido apoiantes do Estado Novo que ela combateu.

Mulher inigualável, cidadã independente, que não se vergava perante os contratem-pos, Natália Correia não deixou ninguém indiferente, merecendo que a sua vida e obra sejam mais conhecidas do grande público. Neste texto, necessariamente incom-pleto, pretendemos dar a conhecer alguns aspetos da sua participação cívica e políti-ca antes e depois do 25 de Abril de 1974.

Em ditadura

Natália Correia chega a Lisboa em 1934, acompanhada da mãe e da irmã, um ano após ter sido aprovada a Nova Constituição que da-va início ao Estado Novo, acabando com a Ditadura Militar instaurada com o golpe de 28 de maio de 1926. Em Lisboa, frequenta o Liceu Filipa de Lencastre onde será expulsa ou retirada pela mãe, por se recusar a fazer o “caderno diário” ou “porque a sua mãe não autori-zou o ingresso na Mocidade Portuguesa Feminina”. (Magalhães, 2006, pp. 41 e 42) Em 1933, foi publicada legislação diversa que cri-ava as bases da organização do regime, da qual destacamos a cria-ção, a 29 de agosto, da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, a PVDE que, por várias vezes, atormentou a vida de Natália Correia.

Em 1945, de acordo com Mário Soares, citado por Ângela Almeida (1994, p.5) Natália Correia fez parte do Partido Trabalhista que teve uma vida muito curta, tendo em 1947 sido integrado no Partido Socia-lista Português, onde se distinguia António Sérgio, com quem Natália Correia colaborou no âmbito do cooperativismo. Natália Correia terá sido, segundo Ângela Almeida, uma das subscritoras das listas de adesão ao MUD – Movimento de Unidade Democrática, nascido em 8 de outubro de 1945, organização de oposição ao regime fascista de Salazar, tendo integrado a sua Comissão dos Escritores, Jornalistas e Artistas Democráticos.

Depois de ter sido uma das 8 mulheres, ao lado de 200 homens, a assinar, em 1946, uma carta, iniciativa da comissão referida anteri-ormente, dirigida ao Presidente da República a exigir a democratiza-ção do país, Natália Correia passou a ser vigiada regularmente pela polícia política. A 10 de abril de 1947 falhou mais uma tentativa de golpe militar por parte da Junta Militar de Libertação Nacional, em que estiveram envolvidos civis como João Soares e Castanheira Lobo, bem como as irmãs Natália e Cármen que iriam prestar serviço de lo-cutoras do “Serviço de Libertação Nacional”. (Pimentel, 2013, pp. 249 e 252 e Magalhães (2006, p.52)

Depois de ter aderido, em 1947, Natália Correia foi vogal da dire-ção da Cooperativa Fraternidade Operária, de Lisboa, tal como Antó-nio Sérgio, sendo presidente da organização Amílcar Ramada Curto (1886-1961), advogado que pertenceu ao antigo Partido Socialista Português, fundado em 1875 (Magalhães, 2006, p.53). No âmbito do movimento cooperativista, Natália Correia, em 1948, foi autora de dois textos: um intitulado “Cooperativismo”, publicado no jornal Sol, a 1 de maio, e outro com o título “Verdadeira Cooperação”, publicado, no mês de novembro”, no “Boletim Informativo das Cooperativas” (Correia, 2018, p.15 e 19) Também em 1948, Natália Correia, foi inter-rogada pela PIDE/DGS em virtude de sua mãe Maria José de Olivei-ra, que pertenceu ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, a convite de Maria Lamas, ter sido acusada de fazer propaganda contra o Estado Novo.

Em 1949, Natália Correia apoia publicamente a candidatura do General Norton de Matos à Presidência da República (Magalhães, 2006, p. 54), que acaba por não ir às urnas, tendo apesar disso obti-do “bons resultados em partes do império onde a notícia da sua reti-rada não tinha chegado, acabando por ganhar na cidade angolana de Benguela (Meneses, 2014, p.36).

No 1.º Congresso Republicano, realizado no dia 6 de outubro de 1957, no Teatro Aveirense, Natália Correia “denunciou o “malthusia-nismo intelectual” de elites muito restritas e ciosas do seu domínio sobre uma sociedade arcaica e maioritariamente iletrada” (Pimentel, 2013, p. 311). De acordo com Magalhães (2006), “Natália participa neste congresso com a comunicação intitulada Política de espírito desnacionalizante. Nesta comunicação a autora sublinha o facto de a acção da censura e a proibição de obras de carácter científico, por versarem determinados assuntos sensíveis aos olhos do regime, conduzirem a uma desnacionalização da formação académica, uma vez que era necessário procurar os livros nas suas línguas originais. Embora o tema da comunicação seja revestido de um carácter sim-ples e quase inocente, traduziu-se num feroz ataque às instituições repressivas do Estado Novo.”

Em 1958, Natália Correia envolveu-se na candidatura de Humberto Delgado, tendo participado em jantares, onde era figura de destaque ao lado daquele general. Em novembro do ano seguinte, 1959, Natá-lia Correia vê o seu livro Comunicação ser apreendido pela PIDE, depois de ter sido, no mês anterior, proibido pela Censura (Maga-lhães, 2006, p.65). Depois deste, Natália Correia viu durante o Estado Novo outras obras suas serem apreendidas, como a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica: dos cancioneiros medievais à actualidade, em 1966, A pécora, em 1967 e O Encoberto, em 1969.

A tomada do paquete Santa Maria, em 1961, por Henrique Galvão e seus companheiros do Diretório Ibérico de Libertação, foi seguida atentamente por Natália Correia que, em homenagem, escreveu um poema a que intitulou de Cântico do País Emerso (Magalhães, 2006, p.67), editado pela Contraponto, de Luiz Pacheco.

Em 1966, em resultado da publicação da Antologia de Poesia Por-tuguesa Erótica e Satírica: dos cancioneiros medievais à actualidade, Natália Correia, bem como o editor Fernando Ribeiro de Melo, e al-guns dos poetas autores de textos incluídos na obra, são alvos de um processo que só terminaria em 27 de junho de 1973. Natália Cor-reia foi julgada em Tribunal Plenário, tendo sido condenada a três anos de cadeia com pena suspensa.

Em 1969, realizaram-se em Portugal eleições legislativas. A oposi-ção ao Estado Novo dividiu-se e, enquanto o PCP apoiou as CDE – Comissões Democráticas Eleitorais, a ASP – Ação Socialista Portu-guesa decidiu lançar a CEUD – Comissão Eleitoral de Unidade De-mocrática. Natália Correia, esteve ao lado dos socialistas na CEUD e dos também escritores José Régio, Sophia de Mello Breyner Andre-sen e Ruy Belo.

Mulher de coragem, Natália Correia, sempre que podia, manifesta-va publicamente a sua opinião. Mesmo no enterro do pensador António Sérgio, em 1969, quando o seu caixão descia à terra, Natália Cor-reia gritou: “É uma vergonha que este homem seja enterrado sem um morra ao fascismo” (Tomé, 2010, p.179).

Em 1972, Natália Correia voltou a ter problemas com a justiça, na sequência da publicação do livro Novas Cartas Portuguesas, de Ma-ria Velho da Costa, Maria Teresa Horta e Isabel Barreno, considerado de “conteúdo insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pú-blica”, pois era, na altura, a diretora literária dos Estúdios Cor. A situa-ção foi ultrapassada, pois estando ela ainda a cumprir a pena de pri-são suspensa, a responsabilidade pela edição foi assumida por intei-ro por Romeu de Melo, administrador daquela editora.

Em Democracia

Natália Correia, durante o Verão Quente, esteve na oposição “às tentativas de tomada de poder por forças do PCP”. De acordo com Dacosta (2001, p.184): Não Percas a Rosa diário que ela escreveu sobre esses meses de brasa, tornou-se uma premonição: do fim do 25 de Abril, da queda do bloco de Leste, da supremacia liberalista, da ditadura mercantilista, da perversão globalizadora”.

No que diz respeito ao modo como Natália Correia era vista no meio libertário, Dacosta (2013, p.55) refere que, num colóquio sobre homossexualidade, ocorrido a seguir ao 25 de abril, no Centro Naci-onal de Cultura, o espaço foi esgotado pelas “correntes mais jovens e libertárias (anarquistas e independentes)”. O jornal Voz Anarquista, de 28 de março de 1975, que apresenta Natália Correia como “nossa camarada e digna escritora”, transcreve um texto publicado em pri-meira mão no jornal vespertino A Capital intitulado “Que democra-cia?”, onde ela critica algumas limitações à liberdade por medo do excesso de democratismo. No seu texto, entre outras chamadas de atenção, Natália Correia alerta para o seguinte: Que o projecto de li-berdade individual foi pervertido pelo liberalismo que lhe deu forma; que a esperança de liberdade colectiva foi gorada pelo socialismo que a hasteou; que a aspiração do homem total foi atraiçoada pelas ideologias marxistas que a encarceraram. Quaisquer destas ilusões fizeram cair nos ardis do poder as liberdades que prometeram.

Durante o chamado PREC, e mesmo após o 25 de novembro de 1975, Natália Correia aliou-se ao movimento independentista açoria-no que então tinha como principais dirigentes figuras que haviam si-do apoiantes e dirigentes do Estado Novo, o que estava em contradi-ção com o seu espírito, de algum modo, libertário, tendo participado em várias reuniões “conspirativas”, sobretudo na ilha de São Miguel. Margarida Victória, relata várias reuniões onde esteve presente Natá-lia Correia na sua casa na Fajã de Baixo e no ilhéu de Vila Franca do Campo, onde a FLA, que reuniu à volta de um cozido cerca de meia centena de independentistas, convidou “Vitorino Nemésio a ser o Presidente da República se os Açores se tornassem independentes.” (Victória, 2004, p.168)

Relativamente ao independentismo/separatismo, Fagundes Duar-te, num texto intitulado “Quando se descobriu que Natália era açoria-na”, relata um episódio caricato, que abaixo se transcreve: Nemésio encontrava-se em Barcelona, sofria de…, e na noite de 30 para 31 de Março de 1976 foi acordado por Margarida Vitória e por Natália Cor-reia que, ao telefone, lhe pediam que regressasse de imediato a Lisboa, onde seriam recebidos – os três – pelo Gen. Ramalho Eanes, futuro candidato à Presidência da República, a quem iriam expor a situação que então se vivia no Arquipélago, e pedir apoio para a cau-sa da independência dos Açores. (…) Em resposta ao pedido das duas amigas, o poeta regressou a Lisboa, de maca, e de maca terá sido levado ao Palácio da Cova da Moura, sede do Conselho da Re-volução, onde, segundo consta, expôs as suas preocupações ao general – e dele recebeu palavras de sossego. (Duarte, 2010, p. 56)

A convite de Francisco Sá Carneiro, Natália Correia foi deputada, eleita nas listas do PSD, entre 1979 e 1983. Dacosta (2001, p. 204) escreveu que ela averbou “popularidades, irreverências, chistes, po-lémicas, ousadias, subversões, grandezas, como ninguém fez, por outro partido, na Assembleia da República”. Durante o período atrás referido há diversas posições tomadas por Natália Correia que cho-caram com o pensamento oficial do partido por que foi eleita ou são contrárias ao conservadorismo da sociedade portuguesa. Assim, em 1982, Natália Correia defendeu a despenalização do aborto, tendo ficado famoso o poema “Truca-truca” que escreveu a propósito de uma intervenção do deputado do CDS, João Morgado, na Assem-bleia da República, onde este afirmou que “o acto sexual é para fazer filhos”.

A propósito da discussão da despenalização do aborto, Mário To-mé, (2010, pp.176 e 177) cita os seguintes “argumentos” apresenta-dos por Natália Correia no parlamento: os que não são capazes de mudar uma sociedade em que a asfixia económica é, quantas vezes, causa do recurso infortunado ao aborto, não têm qualquer espécie de autoridade para legalmente o penalizarem” e “a despenalização do aborto não o encoraja. Desencoraja sim os malefícios do aborto ilegal”.

Ainda em 1982, Natália Correia subscreveu o Projeto-Lei 319/II que visava amnistiar os crimes de fim exclusiva ou predominantemente político entre 25 de abril e 30 de novembro de 1981, não abrangidos por anteriores amnistias independentemente da conjuntura em que tivessem ocorrido. Na votação ocorrida a 21 de maio de 1982, Natália Correia voltou a não seguir a orientação do seu partido. Assim, o pro-jeto foi rejeitado com votos contra do PSD, CDS, PPM e a favor do PS, PCP, ASDI, UEDS, MDP/CDE, UDP e de Francisco De Sousa Tavares (PSD), de Natália Correia (PSD) e de Helena Roseta (PSD).

Ainda no que diz respeito aos presos do PRP, Natália Correia mos-trou a sua visão humanista, tendo-se pronunciado, aquando da sua greve de fome, nos seguintes termos: Mas o padre Max, o Torres com a rede bombista do Norte ou com aqueles que incendiaram as sedes do PCP, como o vejo excitado (Narana Coissoró) em relação a presos que estão em risco de perder a sua vida, quando os outros, os que praticaram os crimes que referi, andam por aí a flanar liberda-de, isso não é humanismo, sr. Deputado. Gostaria de perguntar-lhe se acaso lhe repugna a memória de Aquilino Ribeiro, lembrando-lhe que ele foi terrorista, foi bombista. E teve que fugir para Paris porque participou nos preparativos do atentado que veio a matar D. Carlos, e tratava-se também de um regime estabilizado. (Tomé, 2010, p.184)

Lutadora pela liberdade, Natália Correia, em 1984, subscreveu um protesto conta a Lei de Segurança Interna, que surgiu após o início da Operação Oríon que levou ao desmantelamento das FP-25. De acordo com Tomé (2010), aquela lei “propunha limitar as liberdades em nome da luta contra o terrorismo” (p.185). De 1987 a 1991, a sua presença na Assembleia da República deve-se à sua eleição como deputada nas listas do PRD. Natália Correia condenou a guerra con-tra o Iraque, na Assembleia da República e na comunicação social. Mário Tomé, menciona que Natália afirmou na Assembleia da Repú-blica, no dia 26 de fevereiro de 1991, que a guerra “só poderá abrir abismos de ódios insanáveis entre civilizações” e que “a nós (ociden-tais) cabem responsabilidades especiais de sermos os fundadores dos direitos humanos. Solidariedade num mundo onde há crianças que morrem de fome a cada minuto ou é universal ou não é!” (Tomé, 2010, p. 174). Foi acusada de ser “amiga de Sadam”!

Natália Correia apoiou Jorge Sampaio quando se candidatou à Câmara Municipal de Lisboa (Dacosta, 2001, p. 180), em 1989, na coligação com o PCP “Por Lisboa” que contou com a adesão do PEV, UDP, MDP/CDE e PSR.

Bibliografia
Almeida, A. (1994). Retrato de Natália Correia. Lisboa: Círculo de Leitores; Correia, N. (2018). Entre a Raiz e a Utopia: Escritos sobre António Sérgio e o cooperativis-mo. Lisboa: Ponto de Fuga; Dacosta, F. (2001). Nascido no Estado Novo. Lisboa: Editorial Notícias; Dacosta, F. (2013). O Botequim da Liberdade. Alfragide: Casa das Letras; Duarte, L. (2010). Quando se descobriu que Natália era açoriana. In Abreu, M., Fernandes, M., Goulart, R., Mourão, J. (Orgs.) (2010), Natália Correia. A Festa da Escrita. Lisboa: Edições Colibri e Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Uni-versidade Nova de Lisboa; Magalhães, M. (2006). Natália Correia escritos autobio-gráficos. Dissertação de Mestrado em Literaturas Modernas e Contemporâneas apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; Meneses, F. (2014). Salazar-Uma Biografia Política. Vol. V. Alfragide: Dom Quixote; Pimentel, I, (2013). História da Oposição à Ditadura 1926-1974. Porto: Figueirinhas; Tomé, M. (2010). Pela Mão de Natália. In Abreu, M., Fernandes, M., Goulart, R., Mourão, J. (Orgs.) (2010), Natália Correia. A Festa da Escrita. Lisboa: Edições Colibri e Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa; Victória, M. (2004). Amores da Cadela “Pura” II. Lisboa: Bertrand Editora.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

A propósito de plátanos


A propósito de plátanos

Quase todos os anos os plátanos são alvo de muitas conversas e são o tema de muitos textos publicados na comunicação social geralmente devido às denominadas podas camarárias ou radicais.

No final de 2022, a questão das podas voltou a ser abordada, nomeadamente pelo Núcleo Regional dos Açores da IRIS-Associação Nacional de Ambiente que denunciou as podas realizadas pela Câmara Municipal da Ribeira Grande, na Rua das Giestas, na freguesia do Pico da Pedra. A mesma associação e os Amigos dos Açores- Associação Ecológica também denunciaram a realização de obras que poderão pôr em causa a bonita Alameda dos Plátanos, no concelho da Povoação.

Neste texto, iremos disponibilizar algumas informações sobre os plátanos, nomeadamente sobre os mais comuns nos Açores.

O plátano (Platanus acerifolia (Aiton.) Willd.), pertencente à família Platanaceae, é uma árvore de folha caduca, de crescimento rápido que pode atingir 35 m de altura e uma longevidade de 300 anos, originária da Europa Ocidental.

O plátano que é cultivado em todas as ilhas dos Açores, segundo Virgílio Vieira, Mónica Moura e Luís Silva, é casual, isto é, pode surgir como escapada da cultura e, geralmente, sem capacidade de formar populações persistentes, nas ilhas de Santa Maria, São Miguel, Faial e Flores.

Desconhece-se, com rigor, a data exata da chegada dos primeiros plátanos aos Açores.

É conhecida a presença de plátanos no Jardim José do Canto, em 1856, através de uma lista elaborada pelo seu proprietário.

Sabe-se que no início da década de 50 do século XX houve uma plantação massiva nas bermas das estradas em São Miguel, havendo alguma contestação não pela presença da espécie em si, mas em defesa da diversidade de espécies a usar.

Ao contrário do que por vezes se pretende fazer crer, a plantação de plátanos sem sempre foi bem-sucedida. Com efeito, através de um texto de 1953, o autor menciona o seguinte: “Há 50 anos que assisto a sucessivos esforços para ladear de plátanos o troço de estrada que vai do Poço Velho de São Roque à Igreja: novas plantações, novas casotas de madeira, bem caiadas… Todos morrem! A água salobra mata-os? Ou o rocio do mar? Ou o péssimo terreno? Não sei. Mas em 50 anos só um resistiu, junto ao adro, raquítico, enfezado, moribundo.”

Não foi por mero capricho de uns poucos que os plátanos passaram a ser usados como árvores ornamentais. Com efeito, de acordo com António Saraiva, os plátanos proporcionam “uma agradável sombra e frescura (dado o rápido crescimento a árvore elimina por evaporação muita água, o que contribui para baixar a temperatura).”

A madeira clara e resistente pode ser utilizada em carpintaria, marcenaria ou como combustível. As folhas, a casca e os frutos foram outrora utilizados na medicina popular.

Como não há bela sem senão, há algumas pessoas que são alérgicas ao pólen dos plátanos.

Pico da Pedra, 4 de janeiro de 2022

Teófilo Braga