quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Apontamentos sobre o NPEPVS-DA, a primeira organização ambientalista dos Açores (2)

 


Apontamentos sobre o NPEPVS-DA, a primeira organização ambientalista dos Açores (2)

 

Terminámos o texto anterior com a indicação dos principais assuntos tratados no primeiro número do boletim “Priôlo”, da responsabilidade do NPEPVS-DA. Hoje, continuamos a história daquela que foi a primeira organização ambientalista dos Açores.

 

No mesmo número do boletim, Geráld Le Grand relata o avistamento de um bando de uma nova espécie, o lugre (Carduelis spinus) que poderia tornar-se uma nova espécie para os Açores e são publicadas pequenas notícias, nomeadamente de observações de aves, como a de uma poupa em Santa Maria, pelo sr. Dalberto Pombo ou a da chegada dos cagarros à freguesia dos Mosteiros, em 23 de fevereiro de 1983, por Daniel Melo.

 

No dia 8 de fevereiro de 1983, por iniciativa do NPEPVS-DA, realizou-se uma conferência com projeção de slides sobre “O Mercantour”, um Parque Nacional francês com 68 500 hectares.

 

Em abril de 1983, foi publicada uma folha informativa em defesa das aves de rapina. Por não ter perdido atualidade, transcreve-se três das razões pelas quais as mesmas são úteis na natureza:

 

“- a cada uma que morre corresponde um aumento de proliferação de ratos, répteis e insetos, que fazem parte da sua alimentação habitação;

 

- grande parte das peças de caça que matam, é constituída por indivíduos doentes, feridos ou mais fracos;

 

- cada animal doente que as aves de rapina deixam de eliminar pode ser um foco de infeção para cada sadia.”

 

Com data de 12 de abril de 1983 foi divulgada uma circular onde são dadas notícias sobre a campanha de angariação de novos sócios e sobre a distribuição do boletim “Priôlo”. Na mesma circular foi publicado um texto sobre os golfinhos (toninhas) que continuavam a ser alvo de massacres e atrocidades cometidas pelo “homem”. No referido texto pode-se ler o seguinte:

 

“A Delegação dos Açores do NPEPVS opõe-se frontalmente à continuação deste morticínio, exigindo das entidades responsáveis e competentes a imediata publicação da lei que permita a salvaguarda de tal espécie.

 

Apelamos desde já a todos os nossos Consócios para diligenciarem junto das comunidades piscatórias sobre as razões por que não se deverá abater tão bela espécie de manífero marinho.”

 

Em maio de 1983, o NPEPVS-DA esteve presente, no hangar da marinha, na Exposição-Feira de Artesanato, com um pavilhão com material informativo, alertando para a importância de proteger a vida selvagem.

 

A 18 de junho de 1983, no âmbito das festas em honra de São João, foi inaugurada, em Vila Franca do Campo, a sede do NPEPVS, localizada na rua Padre Manuel José Pires, 11-13, na freguesia de São Pedro. A inauguração contou com a presença de António Daniel Carvalho Melo, presidente da Câmara Municipal e de Vasco Garcia, em representação do reitor da Universidade dos Açores.

 

No dia 16 de dezembro de 1983, o NPEPVA-DA promoveu uma exposição de cartazes alusivos à proteção do ambiente, no Externato Maria Isabel do Carmo Medeiros, na Povoação.

 

Na ocasião foram projetados slides e dois filmes. Na exposição que foi visitada por cerca de 500 pessoas, estiveram à venda autocolantes sobre avifauna e foram distribuídos panfletos sobre a importância da conservação das aves de rapina.

 

(Continua)

 

(Correio dos Açores, 32 666, 23 de fevereiro de 2022, p.17)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Manuel Firmo nas Trevas da Longa Noite

 


Manuel Firmo nas Trevas da Longa Noite

 

Introdução

Manuel Firmo (1909-2005) foi um militante anarcossindicalista e esperantista que combateu na Guerra Civil Espanhola ao lado de militantes da CNT/FAI.

 

Fez parte do grupo “Terra e Liberdade que no Barreiro editou um jornal com o mesmo nome, entre 1930 e 1931, e da Sociedade Esperantista Operária Barreirense.

 

Tendo participado, em 1936, numa perseguição à PVDE à pedrada quando esta se deslocou às Oficinas Gerais dos Caminhos‐de‐Ferro do Sul e Sueste, para prender o serralheiro José Francisco, foi forçado a fugir para Espanha para não ser preso.

 

Em Espanha, foi secretário administrativo da delegação Permanente da CGT que estava sedeada em Barcelona. Depois da queda de Barcelona, em 1929, foi obrigado a refugiar-se em França até ter decidido regressar a Portugal.

 

Ao chegar a Portugal, pela fronteira de Beirã (Marvão) foi preso a 6 de agosto de 1941, tendo passado pela prisão do Aljube e por Caxias., antes de ter embarcado, a 20 de junho de 1942, para o Tarrafal, onde permaneceu até 1 de fevereiro de 1946, data em que embarcou para Lisboa no paquete “Guiné”.

 

Sobre a sua juventude, a presença em Espanha, depois em França e o seu regresso a Portugal,  escreveu um livro de memórias intitulado “Nas Trevas da Longa Noite” que foi editado pelas Publicações Europa-América, em 1978.

 

Recorde-se que O Tarrafal funcionou durante 19 anos, de 1936 a 1954, tendo sido reaberto em 1963 para receber nacionalistas das ex-colónias que se envolveram na luta de libertação nacional.

 

Depois de ter passado por Angola, por não ter conseguido trabalho na chamada metrópole, ele a sua companheira Josefa Ramos fixaram residência em Barcelona, em 1964.

 

Apesar de viver no estrangeiro, manteve relações com Portugal, tendo depois do 25 de abril de 1974 feito parte do Centro de Estudos Libertários de Lisboa e sido colaborador assíduo do jornal “A Batalha”.

 

Abaixo, apresento algumas notas que fui tirando enquanto lia o “testemunho lúcido e sereno de um lutador que, olhando para a sua vida, a conta com simplicidade não destituída de humor com que a viveu”.

 

Notas a propósito das Trevas da Longa Noite

1

No primeiro capítulo, Manuel Firmo relata algumas peripécias da sua vida na escola e fora dela. Retive a descrição do castigo que apanhou da sua professora por ter perguntado se a polícia não podia prender os homens que estavam na guerra.

 

No mesmo capítulo Manuel Firmo fala na “pneumónica” que não era devidamente combatida pela medicina de então. Mas como nunca falta engenho e arte, alguém terá sugerido que a melhor forma de acabar com ela seria pendurar ao pescoço num saquinho uma bola de naftalina e ingerir pela manhã em jejum um cálice de aguardente.

 

2

 

Manuel Firmo, que começou a trabalhar com 12 anos no sector da cortiça, muito jovem, participou numa greve e foi despedido, tendo depois exercido vários ofícios como servente de pedreiro, contínuo na CUF e ferroviário.

 

Autodidata, aprendeu muito com a leitura de livros existentes em associações operárias e aprendeu esperanto, para se corresponder com gente de todo o mundo, tendo dilatado a sua fé acerca do espírito fraterno que deveria unir a humanidade.

 

Forçado ao exílio, esteve preso da prisão central de Badajoz, onde coabitavam políticos, assassinos e quadrilheiros, por ter ilegalmente atravessado a fronteira. Na prisão constatou que “os métodos coercitivos usados estavam errados, pois “longe de regenerar os detidos e devolvê-los à vida como homens úteis a si mesmos e à sociedade, os refinava mais ainda na senda do delito”.

 

3

Em Madrid, pertenceu a um batalhão cuja missão era deter o avanço de forças inimigas sobre aquela cidade, num grupo sem armamento e alimento e sem assistência médica digna deste nome.

 

Foi para Valença onde primeiro não havia sinais de guerra e para onde o governo se mudou antes de passar para Barcelona para onde ele também foi, ficando na retaguarda, onde trabalhou noite e dia e assistiu a bombardeamentos aéreos.

 

Com o desenrolar da guerra, desfavorável aos “republicanos”, ele e os companheiros foram obrigados a deixar Barcelona e dirigir-se para a fronteira com a França, acabando por irem para o campo de concentração de Argelès-sur-Mer e depois para outro em Gurs.

 

4

Quando a França entrou em guerra e como era necessária mão de obra foi para Toulouse para trabalhar na Dewoitine- Societé Nationale de Constructions Aéronautiques du Midi.

 

Esta conquista da liberdade pareceu-lhe “indigna de ser vivida” e acrescentou “Céus! e pensar que, não obstante as inegáveis conquistas da humanidade, nos domínios científicos e culturais, era impossível pôr os homens de acordo e condenar para sempre a execrável guerra.”

 

Por serem refugiados, tanto ele como os colegas recebiam menos do que os colegas franceses. Felizmente para ele o “salário” foi aumentado o que lhe permitia ajudar os companheiros.

 

5

 

Com a desintegração do exército francês e a derrota da França, os refugiados voltaram a ser colocado no campo de concentração de Argelès-sur-Mer, onde a comida era escassa e de má qualidade. Como havia falta de tabaco, os presos recorriam às beatas atiradas por um gendarme.

 

Debilitado, tal como os outros colegas de infortúnio, foi obrigado a trabalhar para conseguir sobreviver. Agora em vez de ajustador mecânico foi servente da construção civil manejando pás e picaretas num trabalho de reconstrução de um canal destruído por umas cheias.

 

6

 

Acabado o canal, os refugiados foram para a cidade de Rodez trabalhar para agricultores. Manuel Firmo trabalhou para um que era muito exigente e parco na alimentação que fornecia.

 

Ao contrário do dono que abusava o aguilhão para conduzir animais, tinha relutância em o usar, tendo afirmado o seguinte. “doía-me usar aquele instrumento de tortura”.

 

Tendo desconfiado que iria ser mandado para a Alemanha, abandonou o trabalho tendo-se despedido dos patrões e do cão que o costumava acompanhar, o Mirzaque e decidiu regressar a Portugal.

 

Vejamos o que escreveu sobre aquela despedida: “Certo, é triste confessá-lo; porém, senti mais emoção com aquela despedida [do cão] do que sentira ao despedir-me dos meus patrões”.

 

7

 

Ao chegar à fronteira portuguesa, um agente da Pide acompanhou-o a Lisboa à sede daquela polícia política. Só saiu em liberdade depois de “cinquenta e três meses de prisão, sem julgamento, na trilogia sinistra da ditadura-Aljube, forte de Caxias e campo de concentração do Tarrafal”.

 

8

Quase um ano depois de estar preso no forte de Caxias recebeu a notícia que ia ser mandado para Cabo Verde, tendo dado entrada no Tarrafal em junho de 1942.

 

No campo da morte lenta, Manuel Firmo foi trabalhar para a oficina que era dirigida por Bento Gonçalves que segundo ele seria para sempre recordado com infinita saudade. Para humilhar os presos colocavam-nos a fazer trabalhos para os quais não tinham formação nem estavam habituados a fazer. Assim, segundo ele: “Para os pedreiros, Acácio Tomás de Aquino (1), José Paixão, Mateus, Joaquim Pedro e Pessanha, representava um sofrimento terem sob a sua direção médicos, professores e militares graduados…”

 

Naquele malfadado campo, Firmo encontrou vários presos que por lá ficaram muitos anos após cumprirem as penas e outros que acabaram por morrer sem verem as suas famílias. Segundo ele, “não houve um clérigo!...um militar!...um político!...um magistrado!...” do regime que fizesse alguma coisa para alterar a situação.

 

As péssimas condições em termos de alimentação e de assistência médica mataram um grande ser humano, Bento Gonçalves (2), pessoa muito estimada mesmo por quem não tinha a mesma ideologia política.

 

9

 

Horrível foi a descrição das atrocidades cometidas pelas autoridades e seus mandantes, governador, guardas e médico, cujos resultados foram a morte de muitos deportados às mãos de um regime que se dizia seguidor dos bons princípios da Santa Igreja.

 

A título de exemplo, menciona-se as barbaridades cometidas com os castigos na chamada “frigideira” que segundo Manuel Firmo era um “cubo de cimento infernal”. Nelas para além de estarem submetidos a temperaturas elevadíssimas a alimentação era também desumana: ração alimentar reduzida e dias alternados a pão e água”. Nas frigideiras “não havia …uma enxerga sequer, nem uma miserável vasilha para as abluções; apenas havia um balde sem tampa, para as dejecções e uma pequena bilha com água do Chambom. Papel higiénico ou de jornal? Para quê? …Que se limpassem com os dedos e com a roupa… Naquele tumulo de cimento não havia janelas, só existia a porta de ferro da entrada, com uma pequena fresta no cimo, por onde se filtrava uma ténue claridade e o ar estritamente indispensável para manter um corpo de pé”.

 

Notas

 

(1)   Acácio Tomaz de Aquino foi um destacado militante anarcossindicalista que esteve 12 anos no Tarrafal. Em 1978, publicou o livro “O Segredo das Prisões Atlânticas”.

(2)   Bento António Gonçalves foi Secretário-Geral do Partido Comunista Português. Entre outros, foi autor do livro “Palavras Necessárias: a vida proletária em Portugal de 1872 a 1927”. Acácio Tomás de Aquino, sobre ele escreveu que era um “intransigente defensor do seu partido” e que “apesar da grande divergência de opiniões eram amigos pessoais. Aquino, (1978, p. 178)

 

 

BIBLIOGRAFIA

Aquino, A. (1978). O Segredo das Prisões Atlânticas. Lisboa: A Regra do Jogo

 

Firmo, M. (1978). Nas Trevas da Longa Noite-Da Guerra de Espanha ao Campo do Tarrafal”. Lisboa: Publicações Europa-América.

 

Ventura, A. (2001). Memórias da Resistência-Literatura Autobiográfica da Resistência ao Estado Novo. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa.

 

Teófilo Braga

 

(A Batalha, VI Série- Ano XLVIII- nº 294, Fev-Mar 2022)

domingo, 20 de fevereiro de 2022

O jornal “Luta Pela Democracia Popular” no PREC

 


O jornal “Luta Pela Democracia Popular” no PREC

 

Na segunda quinzena de abril de 1975 surgiu em Ponta Delgada o jornal “Luta Pela Democracia Popular”.

Redigido por um grupo de estudantes, o jornal, que pretendia a participação de trabalhadores, esperava dar um contributo para “apressar a transformação desta sociedade numa Democracia Popular”

Os promotores do jornal, logo no número inicial, definiram claramente o que pretendiam com o mesmo e que era o seguinte:

Combater:

- A deficiência informativa das lutas operárias;

- O fascismo e o capitalismo;

- Os falsos amigos do povo, venham eles donde vierem.

Apoiar:

- Todas as justas lutas dos operários, pescadores e camponeses pobres.

Servir:

- Para a divulgação dos problemas das classes exploradas;

- Para dar notícias dos movimentos populares dos quais se possam tirar lições para as nossas lutas;

- Para denúncia e combate à reação local;

- De elemento organizativo:

  1- Ajudando a desenvolver a consciência política das massas trabalhadoras micaelenses;

  2- Unindo os trabalhadores contra o inimigo comum: o capital.

No seu primeiro número o jornal “Luta Pela Democracia Popular” traz, entre outros, um texto sobre a situação dos camponeses e trabalhadores rurais, uma notícia sobre a luta dos operários da Moaçor/Finaçor e Laticínios Loreto pelo aumento dos seus salários, um texto sobre a situação dos moradores pobres de Ponta Delgada em luta por uma habitação condigna.

Para além do referido, regista-se a presença de uma página dedicada à Cultura Popular e outra sobre questões internacionais, dedicada à situação vivida em Espanha, governada por Francisco Franco, e à luta dos kmers vermelhos, no Cambodja.

O segundo número do jornal, relativo à primeira quinzena de maio de 1975, contém um editorial onde os responsáveis demarcam-se do PCP. Com efeito, quando se referem a José Gregório escrevem: “grande dirigente da classe operária portuguesa foi militante do Partido Comunista Português, abandonando-o, quando este deixou de ser vanguarda da classe operária e passou para o campo da burguesia ao seguir a linha revisionista”.

No referido editorial, é mencionado o MAPA- Movimento para a Autodeterminação do Povo Açoriano, nos seguintes termos: “…Exemplo disto foi o termos conseguido fechar as portas ao MAPA temporariamente porque eles já se preparam para recomeçar as suas criminosas atividades”.

Nesse número há um texto sobre o 1º de Maio e um apelo à participação nas suas comemorações. Tal como no número anterior, há uma página sobre Cultura Popular, que apresenta um poema de Tinos Flores e um texto sobre teatro popular. De igual modo não é esquecida a situação internacional através de um texto sobre o Brasil, ainda a viver em regime ditatorial, e outro sobre o imperialismo com referência a instalações militares estrangeiras existentes em Santa Maria, Terceira e Flores.

No número três, relativo à segunda quinzena de maio de 1975, o jornal apresenta uma autocrítica pelo facto de no primeiro número ter afirmado que as casas da avenida D. João III já pertencerem aos moradores pobres.

Nesse número, para além de notícias sobre as comemorações do 1º de Maio, no mundo, surge, pela primeira vez, a colaboração de diversas pessoas não ligadas à redação do jornal. Assim, um grupo de divulgação do “LUTA” denuncia o facto da Vinha da Areia ter “o seu acesso reservado a franceses e a meia dúzia de “meninos bonitos”, um trabalhador da Junta Geral denuncia o facto do Eng. Damião, diretor de Obras Públicas, ter saneado trabalhadores, não respeitar a legislação relativa ao vencimento dos trabalhadores e não cumprir qualquer horário de trabalho. No mesmo número outro trabalhador, José Rosa, denuncia a dificuldade em marcar uma consulta no posto clínico da Caixa de Previdência, em Ponta Delgada.

De destacar ainda a presença de um apelo à organização dos trabalhadores rurais num só sindicato para a ilha de São Miguel e a denúncia da destruição de nichos com imagens religiosas na ilha de São Miguel, nomeadamente em Água de Pau e Cabouco. Segundo o jornal “a única intenção de tudo isto é revoltar as massas populares contra aqueles que verdadeiramente defendem os seus direitos, para assim continuarem a explorar e a enganar o povo” e os responsáveis são “as ovelhas ranhosas (quem sabe algum dos doutores dos movimentos fascistas: F”L”A, MIA, FRIA, MAPA, etc.) que estão por detrás destas manobras”.

O número quatro do jornal, relativo à primeira quinzena de junho de 1975, surge como sendo órgão do Comité de Apoio às Lutas Populares. Nesse número o jornal inicia uma campanha de assinaturas com vista a introduzir um conjunto de alterações, de que se destacam o aumento da tiragem, a passagem do jornal de policopiado a impresso numa tipografia e com vista a tornar possível a edição de pequenos livros “sobre a história dos trabalhadores açoreanos em luta contra o capitalismo e a burguesia local, a história do movimento operário nacional e internacional, etc.”

Ainda nesse número do jornal, parta além das questões internacionais como as lições a tirar do golpe fascista de Pinochet no Chile e do combate à NATO, as questões locais merecem destaque. Assim, um leitor denuncia a morte de “um filho à míngua”, um grupo de trabalhadores, tendo como primeiro subscritor José Carreiro Pimentel, da Junta Autónoma dos Portos do Distrito de Ponta Delgada denuncia o PPD como sendo “reacionário e capitalista”, a redação do jornal denuncia o facto de na Lomba da Maia, num cortejo religioso, obrigarem “as crianças inocentes a levar a bandeira do P “P” D e a dar-lhe vivas”.

Por último, é feita uma entrevista a um trabalhador despedido na freguesia da Bretanha e é mencionada a luta dos trabalhadores do jornal Correio dos Açores nos seguintes termos: Toda e qualquer tomada de posição frente ao jornal fascista que era o “CORREIO DOS AÇORES é de saudar. Mais razão para isto, por terem sido os próprios trabalhadores daquela empresa que ocuparam o jornal”.

Na segunda quinzena de junho, saiu o número cinco do “Luta Pela Democracia Popular” dedicado, em grande parte, à manifestação do 6 de junho de 1975.

No texto “A quem serve a independência” pode ler-se:

“No dia 6 de junho a reação saiu. Mais uma vez a burguesia fascista tentou manobrar o povo trabalhador, servindo-se dele para os seus fins.

Sob o pretexto da resolução dos problemas da lavoura. A partir da injusta situação dos pequenos lavradores, os fascistas, orientados pela CIA (organização terrorista do Imperialismo Norte Americano) conseguiram levar os menos conscientes a gritar “Independência”.

Aproveitaram-se ainda desta manifestação para fazer crer ao mundo capitalista, através da NATO, que esteve cá, que o povo estava com os fascistas açoreanos”.

Para o jornal a ideia da independência dos Açores surge para garantir a manutenção de privilégios de alguns e para travar a luta dos trabalhadores pelos seus direitos, como se pode deduzir pelo seguinte texto:

“Para criar medo no povo, para mais tarde poder dominar e matar como quisesse e entendesse, para continuar a sua situação de “quero, posso e mando”, para oprimir o povo ainda mais”.

Sobre a adesão à manifestação propriamente dita, pode ler-se:

“Os camponeses pobres iludidos pelas palavras “mansas” dos ativistas burgueses reacionários, vieram à cidade em camiões dos patrões, com dia pago. Pensando que viriam reivindicar melhores condições de vida, protestar contra a situação de miséria a que estão submetidos”.

Ainda sobre o ocorrido no dia 6 de junho, o jornal refere o exemplo dos marinheiros nos seguintes termos:

“Vejamos o exemplo dos camaradas marinheiros que armados foram no próprio dia 6 para a rua, mostrando desde logo, aos fascistas que haveria oposição”.

Ainda nesse número é feito um apelo aos camponeses pobres, é publicado um comunicado de trabalhadores da Lomba da Maia e da Ribeira Funda a denunciar o despedimento de tratadores de gado e é divulgado um comunicado dois trabalhadores da Fábrica de Tabacos Micaelense a denunciar a receção de “telefonemas com ameaças, feitos pela FLA”.

No editorial do número seis, correspondente à segunda quinzena do mês de julho de 1975, o jornal discorda dos “falsos amigos do povo que nos querem fazer crer que com as prisões feitas no 6 de Junho, tínhamos vencido, arrastando-nos para mostrarmos confiança em indivíduos que não merecem” e alerta para “o perigo da escumalha fascista atacar de novo”. Como exemplo desta “ameaça”, o jornal refere “os panfletos fascistas que continuam a ser distribuídos na nossa ilha”, a presença no liceu de “grupos da juventude da F”L”A [que] tentam criar um ambiente de tensão, para melhor boicotarem as Reuniões Gerais de Alunos” e “o preparar terreno pelo P “PD” …que com a sua hipocrisia muda de cor meia dúzia de vezes por mês”.

Ainda no referido editorial, o jornal denuncia que “notórios fascistas como José de Almeida, prepararam a guerrilha urbana para S. Miguel (Portuguese Times, 26 de junho, p.12) contratando comandos e bufos da Universidade”.

Para além de textos sobre o colonialismo português e sobre a situação política na Madeira, surgem outros de carácter mais “teórico”, como um sobre a “Relação Explorador- explorado” e outro sobre o “Movimento Operário”.

O número do jornal que vimos referindo dedica, também, alguns textos sobre a situação no campo, nomeadamente sobre a vida dos trabalhadores rurais e dos camponeses pobres e acerca dos exportadores de gado que “têm vindo a encher os bolsos cada vez mais com o negócio da exportação de gado”.

Por último, regista-se a presença de um pequeno texto de João Manuel Raposo Alves, da JRA- Juventude Revolucionária dos Arrifes, onde o autor denuncia a situação das estradas na sua freguesia e a falta de um parque infantil.

A partir do número sete, setembro de 1975, o jornal deixa de ser quinzenal e adquire a periodicidade mensal. Para além desta alteração é, também, anunciada a criação de corpos redatoriais noutra ilha (Terceira?) e a intenção de criar noutras.

Para além da situação nacional, onde é dado destaque “à escalada reacionária e fascista”, com “os burgueses” a recorrerem “ao boicote económico”, à organização de “grupelhos fascistas, E”L”P (no continente), F”L”A (nos Açores) e a “F”L”AMA (na Madeira) ” é dada destaque à situação na Madeira, através de um texto sobre a “luta contra os fascistas-separatistas” levada a cabo pelo povo do Machico.

Ainda a nível nacional, o jornal saúda uma tomada de posição de três organizações marxistas-leninistas que deram “a conhecer ao Povo Português a constituição de uma Comissão Organizadora do Congresso para a reconstrução do Partido Comunista Marxista-Leninista no nosso país”.

A nível regional, é dado destaque ao “caso de um médico que quer estar ao serviço do Povo” (Simas Santos, na ilha do Pico), à violência ocorrida em Vila Franca do Campo e é transcrita uma entrevista a um morador que “esteve desde o início na luta dos moradores pobres de Ponta Delgada por casas decentes”.

O oitavo número do jornal é relativo aos meses de outubro e novembro de 1975 e é quase todo dedicado a questões internacionais e nacionais. Contudo, a situação política regional não é esquecida, sendo dado destaque à denúncia da atuação dos separatistas, nos seguintes termos: “não conseguindo o apoio do Povo Açoriano os fascistas/separatistas tentam intimidar a população de todas as maneiras e para tal não hesitam em recorrer ao terror fascista lançando bombas contra quem ousa fazer-lhes frente”

Relacionado com este assunto, o jornal apresenta um pequeno texto onde relata a ação dos pescadores de Vila Franca do Campo, contra o separatismo, que no dia 17 de novembro concentraram-se na Praça Bento de Góis onde derrubaram todas as bandeiras da FLA.

Ainda neste número, o jornal volta a referir-se à luta do povo da Madeira, menciona a situação em Angola, apresenta críticas ao PCP e publica um texto longo sobre o social imperialismo russo.

 

Teófilo Braga

20 de fevereiro de 2022

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Carta aberta

 


Apontamentos sobre o NPEPVS-DA, a primeira organização ambientalista dos Açores (1)

 


Apontamentos sobre o NPEPVS-DA, a primeira organização ambientalista dos Açores (1)

 

No nosso arquipélago, antes da Delegação dos Açores do NPEPVS-DA-Núcleo Português de Estudos e Proteção da Vida Selvagem, existiram duas organizações de algum modo ligadas à natureza, o CJN-Centro de Jovens Naturalistas de Santa Maria e “Os Montanheiros”, da ilha Terceira, mas nenhuma delas teve uma intervenção social digna de registo. Com efeito, enquanto o CJN se limitava ao estudo e à divulgação do património natural, “Os Montanheiros”, apresentavam um carácter meramente desportivo e de ocupação dos tempos livres. O NPEPVS-DA, por seu lado, foi mais além, isto é, procurou associar as duas vertentes: a educação não formal dos cidadãos e a intervenção pública junto das entidades governamentais.

 

 Tendo como principais dinamizadores, Duarte Furtado e Gérald Le Grand, em janeiro de 1982, começou a funcionar, em São Miguel, uma delegação totalmente autónoma do NPEPVS- Núcleo Português de Estudo e Proteção da Vida Selvagem, organização fundada em 18 de dezembro de 1974, sediada na cidade do Porto e com delegações em Bragança, Coimbra e Lisboa.

 

Eram objetivos principais da delegação, entre outros, promover ou apoiar estudos sobre a fauna e a flora, realizar campanhas de sensibilização e interceder junto das entidades oficiais.

 

Na circular nº 1 de abril de 1982, o NPEPVS-DA anunciava as atividades previstas para aquele ano, de que se destaca a comemoração do Dia Mundial do Ambiente, uma campanha para a proteção das aves de rapina (milhafre e mocho) e conferências para divulgação do Património Natural dos Açores.

 

Em maio de 1982, a delegação do NPEPVS, cujo contacto era o da Universidade dos Açores, já disponibilizava aos associados e a todos os interessados, uma biblioteca e diverso material de divulgação e didático, como filmes, livros, posters, autocolantes e folhetos sobre a fauna e a flora.

 

Em junho de 1982, o delegado Duarte Soares Furtado, enviava aos responsáveis de ilha um documento de informação e divulgação sobre a Estratégia Mundial da Conservação. No mesmo mês, foram divulgados os nomes dos associados que tinham sido indigitados para responsáveis de ilha, respetivamente Gérald Le Grand, São Miguel, Dalberto Teixeira Pombo, Santa Maria, Teófilo Braga, Terceira, Maria José Silveira, São Jorge e Eduardo Carqueijeiro, Faial e Pico. Era competência de cada responsável de ilha, angariar o número máximo de sócios, informar a sede sobre os problemas concretos de cada ilha, interferir junto das autoridades regionais, no sentido de uma verdadeira proteção do ambiente e remeter bimensalmente para a sede os relatórios das atividades efetuadas em cada ilha.

 

No mesmo mês foi enviada aos responsáveis de ilha uma lista de livros que poderiam ser emprestados através da Bird Bookshop- Scottish Ornithologists’ Club. Os livros podiam ser pedidos diretamente para Inglaterra ou através da Delegação.

 

Em julho de 1982, foi envido aos responsáveis de ilha um documento sobre os Princípios e Funcionamento da CODA- Coordinadora para la Defensa de Las Aves, Secção Espanhola do Conselho Internacional para a Preservação das Aves (ICBP).

 

Em agosto de 1982, foi enviado aos responsáveis de ilha, para darem conhecimento a todos os associados e demais interessados, um caderno da série “Discussion Papers in Conservation”.

 

No mesmo mês, os responsáveis de ilha receberam o artigo “Baleia: ainda ameaçada apesar da reunião de Brighton”, da autoria de Luís Pinto Enes, publicado no semanário Expresso, de 31 de julho de 1982.

 

Na primavera de 1983, foi editado o primeiro número do boletim “Priôlo”, com 24 páginas. Logo na primeira página, Duarte Furtado, explica a razão da escolha do nome que era o de uma espécie endémica dos Açores, única no mundo, bastante ameaçada de extinção. O boletim publica os textos: “Entomologia da idade média ao século XIX”, condensado por João Tavares a partir do livro Entomologia Geral, de Zilkar Maranhão, publicado em 1976, “Baleias! Eliminada a ameaça de extinção?”, de Teófilo Braga, membro do Grupo Luta Ecológica e dos Amigos da Terra, “O Milhafre (Buteo buteo) a nossa única ave de rapina diurna”, de Fátima Melo, “Paisagens Protegidas”, de Rolando Cabral, da Divisão do Ambiente da SRESocial, “Contra a Enxaqueca”, de Gerald Le Grand, “Plantas e saúde- A acácia”, de Dalberto Teixeira Pombo, do Centro de Jovens Naturalistas de Santa Maria, e “À mente humana”, de Mário Pinhal, do Grupo Ecológico da Universidade dos Açores.

(continua)

 

(Correio dos Açores, 32660, 16 de fevereiro de 2022, p.15)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

NICOLAU RAPOSO DO AMARAL (PAI) E OS CANÁRIOS





NICOLAU RAPOSO DO AMARAL (PAI) E OS CANÁRIOS

 

O canário (Serinus canaria) é uma espécie endémica da Macaronésia, estando presente nos arquipélagos das Canárias, dos Açores e da Madeira. Há populações de canários noutros locais do mundo, como Bermudas, Havai e Brasil, que terão resultado de introduções a partir de um dos três arquipélagos mencionados.

 

De acordo com a médica-veterinária Valentina Vecchi, depois da ocupação das Canárias pelos espanhóis, em 1478, os mesmos aperceberam-se da possibilidade da criação de canários em cativeiro, tendo sido os monges quem o fez primeiro com sucesso.

 

Segundo a mesma autora, para evitar que qualquer pessoa pudesse fazer negócio com a comercialização dos canários criados em cativeiro, os espanhóis apenas vendiam os machos até que “quando um navio carregado de canários naufragou, em 1662, e os tripulantes soltaram os pássaros que se espalharam por toda a Europa, encerrando assim o monopólio espanhol e dando início a mutações da espécie, como o Canela, e o Roller.”

 

Ave facilmente identificável, mesmo por não especialistas, o canário, também conhecido por canário-da-terra, segundo Rui Martins, Armindo Rodrigues e Regina Cunha, no seu livro Aves Nativos dos Açores, possui as seguintes características:

 

São aves de pequeno porte com cerca de 12,5 cm de comprimento, possuindo um bico curto e cónico.

Relativamente à plumagem pode observar-se um dimorfismo sexual bem marcado. A fêmea apresenta uma plumagem de tonalidade mais acastanhada do que o macho, distinguindo-se este último pela coloração amarelo-vivo da superfície ventral. Ainda no que diz respeito à plumagem, quer os machos quer as fêmeas temos bordos das penas das asas de cor acinzentada. A cauda é cinzento-acastanhada e de comprimento médio.”

 

Alimentando-se de sementes diversas e de cereais, no passado os canários eram grandes inimigos dos cultivadores de trigo que empregavam alguma mão de obra, sobretudo rapazes que irem para os terrenos, segundo se dizia, vigiar a praga.

 

De acordo com Carlos Pereira e Cecília Melo, em texto publicado no “Guia da Fauna Terrestre dos Açores”, o canário “a par do tentilhão é a ave mais abundante do arquipélago, podendo ser observada desde o nível do mar até às cotas mais altas da Montanha do Pico.”

 

Nicolau Maria Raposo do Amaral (1737-1816) poderá ter sido um dos que contribui para a expansão dos canários para outras paragens. Com efeito enviou por diversas vezes canários para o Brasil.

 

Abaixo, faz-se o registo do resumo das cartas datilografadas pelo Eng.º José Maria Álvares Cabral, a partir de uma cópia que me foi disponibilizada pelo seu neto Rui Álvares Cabral.

 

Numa carta dirigida a José Vaz Salgado, datada de 6 de junho de 1788, Nicolau Amaral escreveu o seguinte: “Vejo-me envergonhado com V.M. pelo que respeita à encomenda dos canários que me pediu. Eles são tantos nesta Ilha, que fazem a total ruína dos linhos, nem pode ser extinguir-se esta diabólica praga: mas querendo pôr em execução a sua ordem não me foi possível achar um só alqueire de milho miúdo de venda, sendo este o motivo porque lhos não remeto, ainda que seria preciso sustentar dez mil canários para lhe chegarem dez vivos, que isto vem a ser o que V.M. ignora.”

 

A 2 de agosto de 1789, em carta dirigida a José Vaz Salgado, fica-se a saber que o mesmo enviará para o Brasil pavões e canários.

 

No ano seguinte, em carta datada de 30 de julho de 1790, com o mesmo destinatário, é feita referência ao envio de canários e pavões.

 

Em data que não foi possível apurar, mas possivelmente entre de julho de 1790 e setembro do mesmo ano, foram enviados 37 canários para José Vaz Salgado.

 

Por último, segundo uma carta de 15 de setembro de 1792, Raposos do Amaral envia para o mesmo destinatário 5 canários e respetivas fêmeas, cada um na sua gaiola.

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 9 de fevereiro de 2022, 32654, p. 15)


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Duas Feministas Libertárias na Revista Pedagógica

 


Duas Feministas Libertárias na Revista Pedagógica

 

Entre 1909 e 1915, publicou-se, em Ponta Delgada, a “Revista Pedagógica”, que se apresentava como órgão do professorado oficial açoriano, iniciativa da professora primária e feminista Maria Evelina de Sousa, companheira inseparável de Alice Moderno, também esta professora do ensino particular e feminista.

 

Com distribuição a nível nacional, a “Revista Pedagógica”, que esteve ao serviço dos professores e da educação, contou na sua redação com colaboradores como Alice Moderno, Aires Jácome Correia (Marquês de Jácome Correia), Luís Leitão, José Fontana da Silveira e Ulisses Machado.

 

De entre os colaboradores da revista, encontramos duas feministas que perfilhavam ideias libertárias: Ermelinda Rodrigues da Silveira e Lucinda Tavares, ambas também professoras primárias.

 

Lucinda Tavares, que foi casada com o médico Afonso Manaças, frequentou a Escola Normal do Calvário e foi membro do Grupo “Nova Crença”, tendo mais tarde abandonado o movimento libertário e passado a colaborar com os socialistas reformistas.

 

Defensora da educação racional, num texto escrito no nº 2 da revista “Amanhã”, de 15 de junho de 1909, de que eram proprietários e diretores Grácio Ramos e Pinto Quartim, Lucinda Tavares, discordou de Gustave Le Bon que afirmou que “a aquisição de conhecimentos é a melhor maneira de fazer revoltados” e explicou o seu ponto de vista do seguinte modo:

 

“ A instrução é, sem dúvida, um fator importante, uma alavanca poderosíssima para levantar no espírito do homem a ideia de revolta, mas é preciso que essa instrução não lhe seja imposta como um dogma; é preciso que se deixe raciocinar livremente desde criança; que se habitue a acreditar ou deixar de acreditar, a seu bel-prazer, sem sugestões ou imposições de espécie alguma; é preciso, enfim, que uma educação racional venha auxiliar essa instrução, que muitas vezes mal dirigida, se converte num elemento de retrógrada reação.”

 

No número 179 da Revista Pedagógica, publicada a 29 de junho de 1911, num texto intitulado “A mulher portuguesa na Jovem República”, depois de saudar a implantação da República defendeu a necessidade de educar as mulheres para que as mesmas possam “educar os seus filhos em princípios de Liberdade e Solidariedade, de forma a poderem fazer da República portuguesa uma república rasgadamente liberal e progressiva … uma sociedade sem preconceitos, sem fanatismos e sem padres…uma sociedade perfeita, de Amor, de Abundância, de Paz e de Fraternidade Universal.”

 

Ermelinda Rodrigues da Silveira, que casou com o escritor José Fontana da Silveira, também colaborador assíduo da Revista Pedagógica, militou na Associação de Propaganda Feminista e integrou a Loja Carolina Ângelo do Grande Oriente Lusitano Unificado.

 

Na Revista Pedagógica, Ermelinda da Silveira publicou dez textos, entre 12 de fevereiro de 1914 e 25 de março de 1915, com os seguintes títulos: Generalidades, Bases de Orientação Pedagógica, Crianças normais, Crianças anormais, Anormais intelecto-físico-morais, A infância criminosa, Pais e educadores, Pedologia, Tarados físico-intelectuais e A emancipação da mulher virá da sua educação moral e intelectual.

 

No último texto referido, publicado no nº 311 da Revista Pedagógica, Ermelinda da Silveira escreve que a situação da mulher, “ a escrava do homem, o autómato que ele maneja a seu belo prazer, um ente a quem a mais pequena contrariedade, o mais pequeno escolho desanima, uma vítima da própria família que a impede de agir e pensar, consoante o seu critério”, se deve à educação que recebe numa “escola dogmatizada pelos compêndios e programas, feitos para tudo menos para a educação.”

 

Para Ermelinda da Silveira a solução dos problemas com que se defronta a mulher está no “campo do feminismo”. Assim, segundo ela, não descurando “por completo os cuidados ao “Eu físico” e “conseguida que seja a nossa emancipação moral, bem depressa advirá a emancipação social, porque os homens vendo-nos mais sensatas e menos fúteis…levados pela força da Razão, que nós poderemos ser, e somos, tão sensatas, refletidas e inteligentes como eles, e, portanto, tão bem como eles poderemos, sem auxílio, desempenhar qualquer papel na sociedade. E isto é, creio eu, o único fim das aspirações feministas.”

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32648, 2 de fevereiro de 2022, p.15)