domingo, 20 de fevereiro de 2022

O jornal “Luta Pela Democracia Popular” no PREC

 


O jornal “Luta Pela Democracia Popular” no PREC

 

Na segunda quinzena de abril de 1975 surgiu em Ponta Delgada o jornal “Luta Pela Democracia Popular”.

Redigido por um grupo de estudantes, o jornal, que pretendia a participação de trabalhadores, esperava dar um contributo para “apressar a transformação desta sociedade numa Democracia Popular”

Os promotores do jornal, logo no número inicial, definiram claramente o que pretendiam com o mesmo e que era o seguinte:

Combater:

- A deficiência informativa das lutas operárias;

- O fascismo e o capitalismo;

- Os falsos amigos do povo, venham eles donde vierem.

Apoiar:

- Todas as justas lutas dos operários, pescadores e camponeses pobres.

Servir:

- Para a divulgação dos problemas das classes exploradas;

- Para dar notícias dos movimentos populares dos quais se possam tirar lições para as nossas lutas;

- Para denúncia e combate à reação local;

- De elemento organizativo:

  1- Ajudando a desenvolver a consciência política das massas trabalhadoras micaelenses;

  2- Unindo os trabalhadores contra o inimigo comum: o capital.

No seu primeiro número o jornal “Luta Pela Democracia Popular” traz, entre outros, um texto sobre a situação dos camponeses e trabalhadores rurais, uma notícia sobre a luta dos operários da Moaçor/Finaçor e Laticínios Loreto pelo aumento dos seus salários, um texto sobre a situação dos moradores pobres de Ponta Delgada em luta por uma habitação condigna.

Para além do referido, regista-se a presença de uma página dedicada à Cultura Popular e outra sobre questões internacionais, dedicada à situação vivida em Espanha, governada por Francisco Franco, e à luta dos kmers vermelhos, no Cambodja.

O segundo número do jornal, relativo à primeira quinzena de maio de 1975, contém um editorial onde os responsáveis demarcam-se do PCP. Com efeito, quando se referem a José Gregório escrevem: “grande dirigente da classe operária portuguesa foi militante do Partido Comunista Português, abandonando-o, quando este deixou de ser vanguarda da classe operária e passou para o campo da burguesia ao seguir a linha revisionista”.

No referido editorial, é mencionado o MAPA- Movimento para a Autodeterminação do Povo Açoriano, nos seguintes termos: “…Exemplo disto foi o termos conseguido fechar as portas ao MAPA temporariamente porque eles já se preparam para recomeçar as suas criminosas atividades”.

Nesse número há um texto sobre o 1º de Maio e um apelo à participação nas suas comemorações. Tal como no número anterior, há uma página sobre Cultura Popular, que apresenta um poema de Tinos Flores e um texto sobre teatro popular. De igual modo não é esquecida a situação internacional através de um texto sobre o Brasil, ainda a viver em regime ditatorial, e outro sobre o imperialismo com referência a instalações militares estrangeiras existentes em Santa Maria, Terceira e Flores.

No número três, relativo à segunda quinzena de maio de 1975, o jornal apresenta uma autocrítica pelo facto de no primeiro número ter afirmado que as casas da avenida D. João III já pertencerem aos moradores pobres.

Nesse número, para além de notícias sobre as comemorações do 1º de Maio, no mundo, surge, pela primeira vez, a colaboração de diversas pessoas não ligadas à redação do jornal. Assim, um grupo de divulgação do “LUTA” denuncia o facto da Vinha da Areia ter “o seu acesso reservado a franceses e a meia dúzia de “meninos bonitos”, um trabalhador da Junta Geral denuncia o facto do Eng. Damião, diretor de Obras Públicas, ter saneado trabalhadores, não respeitar a legislação relativa ao vencimento dos trabalhadores e não cumprir qualquer horário de trabalho. No mesmo número outro trabalhador, José Rosa, denuncia a dificuldade em marcar uma consulta no posto clínico da Caixa de Previdência, em Ponta Delgada.

De destacar ainda a presença de um apelo à organização dos trabalhadores rurais num só sindicato para a ilha de São Miguel e a denúncia da destruição de nichos com imagens religiosas na ilha de São Miguel, nomeadamente em Água de Pau e Cabouco. Segundo o jornal “a única intenção de tudo isto é revoltar as massas populares contra aqueles que verdadeiramente defendem os seus direitos, para assim continuarem a explorar e a enganar o povo” e os responsáveis são “as ovelhas ranhosas (quem sabe algum dos doutores dos movimentos fascistas: F”L”A, MIA, FRIA, MAPA, etc.) que estão por detrás destas manobras”.

O número quatro do jornal, relativo à primeira quinzena de junho de 1975, surge como sendo órgão do Comité de Apoio às Lutas Populares. Nesse número o jornal inicia uma campanha de assinaturas com vista a introduzir um conjunto de alterações, de que se destacam o aumento da tiragem, a passagem do jornal de policopiado a impresso numa tipografia e com vista a tornar possível a edição de pequenos livros “sobre a história dos trabalhadores açoreanos em luta contra o capitalismo e a burguesia local, a história do movimento operário nacional e internacional, etc.”

Ainda nesse número do jornal, parta além das questões internacionais como as lições a tirar do golpe fascista de Pinochet no Chile e do combate à NATO, as questões locais merecem destaque. Assim, um leitor denuncia a morte de “um filho à míngua”, um grupo de trabalhadores, tendo como primeiro subscritor José Carreiro Pimentel, da Junta Autónoma dos Portos do Distrito de Ponta Delgada denuncia o PPD como sendo “reacionário e capitalista”, a redação do jornal denuncia o facto de na Lomba da Maia, num cortejo religioso, obrigarem “as crianças inocentes a levar a bandeira do P “P” D e a dar-lhe vivas”.

Por último, é feita uma entrevista a um trabalhador despedido na freguesia da Bretanha e é mencionada a luta dos trabalhadores do jornal Correio dos Açores nos seguintes termos: Toda e qualquer tomada de posição frente ao jornal fascista que era o “CORREIO DOS AÇORES é de saudar. Mais razão para isto, por terem sido os próprios trabalhadores daquela empresa que ocuparam o jornal”.

Na segunda quinzena de junho, saiu o número cinco do “Luta Pela Democracia Popular” dedicado, em grande parte, à manifestação do 6 de junho de 1975.

No texto “A quem serve a independência” pode ler-se:

“No dia 6 de junho a reação saiu. Mais uma vez a burguesia fascista tentou manobrar o povo trabalhador, servindo-se dele para os seus fins.

Sob o pretexto da resolução dos problemas da lavoura. A partir da injusta situação dos pequenos lavradores, os fascistas, orientados pela CIA (organização terrorista do Imperialismo Norte Americano) conseguiram levar os menos conscientes a gritar “Independência”.

Aproveitaram-se ainda desta manifestação para fazer crer ao mundo capitalista, através da NATO, que esteve cá, que o povo estava com os fascistas açoreanos”.

Para o jornal a ideia da independência dos Açores surge para garantir a manutenção de privilégios de alguns e para travar a luta dos trabalhadores pelos seus direitos, como se pode deduzir pelo seguinte texto:

“Para criar medo no povo, para mais tarde poder dominar e matar como quisesse e entendesse, para continuar a sua situação de “quero, posso e mando”, para oprimir o povo ainda mais”.

Sobre a adesão à manifestação propriamente dita, pode ler-se:

“Os camponeses pobres iludidos pelas palavras “mansas” dos ativistas burgueses reacionários, vieram à cidade em camiões dos patrões, com dia pago. Pensando que viriam reivindicar melhores condições de vida, protestar contra a situação de miséria a que estão submetidos”.

Ainda sobre o ocorrido no dia 6 de junho, o jornal refere o exemplo dos marinheiros nos seguintes termos:

“Vejamos o exemplo dos camaradas marinheiros que armados foram no próprio dia 6 para a rua, mostrando desde logo, aos fascistas que haveria oposição”.

Ainda nesse número é feito um apelo aos camponeses pobres, é publicado um comunicado de trabalhadores da Lomba da Maia e da Ribeira Funda a denunciar o despedimento de tratadores de gado e é divulgado um comunicado dois trabalhadores da Fábrica de Tabacos Micaelense a denunciar a receção de “telefonemas com ameaças, feitos pela FLA”.

No editorial do número seis, correspondente à segunda quinzena do mês de julho de 1975, o jornal discorda dos “falsos amigos do povo que nos querem fazer crer que com as prisões feitas no 6 de Junho, tínhamos vencido, arrastando-nos para mostrarmos confiança em indivíduos que não merecem” e alerta para “o perigo da escumalha fascista atacar de novo”. Como exemplo desta “ameaça”, o jornal refere “os panfletos fascistas que continuam a ser distribuídos na nossa ilha”, a presença no liceu de “grupos da juventude da F”L”A [que] tentam criar um ambiente de tensão, para melhor boicotarem as Reuniões Gerais de Alunos” e “o preparar terreno pelo P “PD” …que com a sua hipocrisia muda de cor meia dúzia de vezes por mês”.

Ainda no referido editorial, o jornal denuncia que “notórios fascistas como José de Almeida, prepararam a guerrilha urbana para S. Miguel (Portuguese Times, 26 de junho, p.12) contratando comandos e bufos da Universidade”.

Para além de textos sobre o colonialismo português e sobre a situação política na Madeira, surgem outros de carácter mais “teórico”, como um sobre a “Relação Explorador- explorado” e outro sobre o “Movimento Operário”.

O número do jornal que vimos referindo dedica, também, alguns textos sobre a situação no campo, nomeadamente sobre a vida dos trabalhadores rurais e dos camponeses pobres e acerca dos exportadores de gado que “têm vindo a encher os bolsos cada vez mais com o negócio da exportação de gado”.

Por último, regista-se a presença de um pequeno texto de João Manuel Raposo Alves, da JRA- Juventude Revolucionária dos Arrifes, onde o autor denuncia a situação das estradas na sua freguesia e a falta de um parque infantil.

A partir do número sete, setembro de 1975, o jornal deixa de ser quinzenal e adquire a periodicidade mensal. Para além desta alteração é, também, anunciada a criação de corpos redatoriais noutra ilha (Terceira?) e a intenção de criar noutras.

Para além da situação nacional, onde é dado destaque “à escalada reacionária e fascista”, com “os burgueses” a recorrerem “ao boicote económico”, à organização de “grupelhos fascistas, E”L”P (no continente), F”L”A (nos Açores) e a “F”L”AMA (na Madeira) ” é dada destaque à situação na Madeira, através de um texto sobre a “luta contra os fascistas-separatistas” levada a cabo pelo povo do Machico.

Ainda a nível nacional, o jornal saúda uma tomada de posição de três organizações marxistas-leninistas que deram “a conhecer ao Povo Português a constituição de uma Comissão Organizadora do Congresso para a reconstrução do Partido Comunista Marxista-Leninista no nosso país”.

A nível regional, é dado destaque ao “caso de um médico que quer estar ao serviço do Povo” (Simas Santos, na ilha do Pico), à violência ocorrida em Vila Franca do Campo e é transcrita uma entrevista a um morador que “esteve desde o início na luta dos moradores pobres de Ponta Delgada por casas decentes”.

O oitavo número do jornal é relativo aos meses de outubro e novembro de 1975 e é quase todo dedicado a questões internacionais e nacionais. Contudo, a situação política regional não é esquecida, sendo dado destaque à denúncia da atuação dos separatistas, nos seguintes termos: “não conseguindo o apoio do Povo Açoriano os fascistas/separatistas tentam intimidar a população de todas as maneiras e para tal não hesitam em recorrer ao terror fascista lançando bombas contra quem ousa fazer-lhes frente”

Relacionado com este assunto, o jornal apresenta um pequeno texto onde relata a ação dos pescadores de Vila Franca do Campo, contra o separatismo, que no dia 17 de novembro concentraram-se na Praça Bento de Góis onde derrubaram todas as bandeiras da FLA.

Ainda neste número, o jornal volta a referir-se à luta do povo da Madeira, menciona a situação em Angola, apresenta críticas ao PCP e publica um texto longo sobre o social imperialismo russo.

 

Teófilo Braga

20 de fevereiro de 2022

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