terça-feira, 26 de janeiro de 2021

José Pimentel, um operário exemplar (2)

 


José Pimentel, um operário exemplar (2)

Hoje, concluímos o texto sobre operário portuário José Carreiro Pimentel que morreu vítima de “um trágico acidente” no dia 9 de abril de 1978.

 

O Secretariado da UDP de São Miguel, no dia 9 de novembro de 1978, emitiu um comunicado onde, para além de denunciar a atuação do principal responsável pelo Porto de Ponta Delgada, levanta a seguinte questão: “Quem é o responsável pela morte de José Pimentel?”

 

Na primeira parte do referido comunicado pode-se ler o seguinte:

 

“A 9 de novembro faz 7 meses que morreu José Pimentel, operário do Porto de Ponta Delgada, delegado sindical e militante da UDP. Corajoso como poucos, José Pimentel morreu esmagado por um guindaste quando levantava um contentor com 3 toneladas a mais do peso regulamentar.

 

Sete meses após a sua morte ainda os responsáveis por este verdadeiro crime, que causou revolta ao povo açoriano, não foram apurados. As autoridades desta terra ainda não nos disseram por que motivo o contentor manifestado como tendo apenas 8 toneladas, tinha mais de 11 toneladas.

 

Quem é o responsável por esta aldrabice que causou a morte a um trabalhador revolucionário, chefe de família (que deixou esposa e dois órfãos numa situação difícil) e companheiro de trabalho exemplar? Quem é o responsável pelo abafar do inquérito e pelo abafar deste crime?”

 

A 23 de janeiro de 1979 num comunicado o Secretariado de Zona da UDP veio “mais uma vez exigir do governo e da JAPPD o completo esclarecimento público das causas da morte do dirigente sindical e nosso militante José Pimentel, assim como o castigo exemplar dos responsáveis pela sua morte”.

 

Ainda no mês de janeiro de 1979, um grupo de “Trabalhadores do Porto de Ponta Delgada” tomou a iniciativa de recolher fundos para apoiar a família de José Pimentel que, de acordo com o texto do apelo, “era delegado sindical dos trabalhadores portuários tendo sempre se destacado pela forma incansável como se dedicou a ajudar os seus colegas de trabalho na luta pela conquista de melhores condições de trabalho e por melhores salários, tendo desempenhado importante papel aquando das greves dos trabalhadores da Função Pública.”

 

O texto, que vimos citando, termina do seguinte modo:

 

“Seguindo o exemplo dado pelos camaradas do Porto de Setúbal, os abaixo assinados trabalhadores portuários e amigos do saudoso companheiro de trabalho, José Carreiro Pimentel, vêm pela presente, manifestar o seu apoio solidário à família enlutada, colaborando através da sua contribuição económica para melhorar a situação da viúva e dos seus filhos.”

 

No dia 21 de junho de 1979, numa pequena notícia publicada na primeira página do Correio dos Açores, a Comissão de Inquérito ao acidente que vitimou José Pimentel considerou que “era de excluir qualquer hipótese de sabotagem a causa da morte do operador José Carreiro Pimentel”.

 

A mesma comissão chegou à conclusão de que as causas do acidente foram:

 

“a- Excesso de peso do contentor, pois ultrapassava em cerca de cinquenta por cento o valor estabelecido;

b- Erro de manobra, com concorrência de fatores desfavoráveis que, com toda a certeza, não eram do conhecimento do operador.”

 

Concluindo, para os ilustres inquiridores, o operador ainda é “culpado” por desconhecer as trafulhices de gente sem escrúpulos e como é costume não se apuraram os verdadeiros culpados pela vigarice do excesso de peso não declarado e uma vez mais a culpa morreu solteira.

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32344, 27 de janeiro de 2021, p.14)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

José Pimentel, um operário exemplar (1)


 

José Pimentel, um operário exemplar (1)

 

José Carreiro Pimentel, que nasceu no dia 20 de maio de 1943, era natural da freguesia da Feteira Pequena-Santana, no concelho do Nordeste. Filho de Maria Vitória Carreiro e de António de Jesus Pimentel, era casado com Maria Irene Duarte Soares. Foi operário do Porto de Ponta Delgada, tendo sido um sindicalista corajoso muito estimado pelos seus colegas de trabalho.

 

José Pimentel considerava que era insuficiente a sua atividade cívica no seu local de trabalho pelo que também foi um ativo militante político-partidário. Depois de ser ter desiludido com o PCP- Partido Comunista Português, aderiu à UDP-União Democrática Popular, partido político que se formou em dezembro de 1974 e que em 2005 se transformou em associação política.

 

Como delegado sindical ou como presidente da Delegação do Sindicato Nacional dos Trabalhadores Portuários, José Pimentel fazia várias intervenções públicas, onde imprimia sempre muito entusiasmo, tendo por diversas vezes denunciado irregularidades pelo que foi ameaçado verbalmente e chegou a estar suspenso do trabalho por trinta dias.

 

A 9 de abril de 1978, José Pimentel morreu vítima de “um trágico acidente” que foi exemplarmente noticiado no Correio dos Açores de 11 e 13 de abril daquele ano, pela pena do jornalista Tomás Quental Mota Vieira.

 

No seu último texto, aquele jornalista levantou uma questão que me parece que até hoje está por responder: “A terminar, queremos aqui deixar uma questão que pela sua complexidade tem de ser esclarecida: Se o peso máximo que os guindastes do porto suportam é de 8000 kg e se carrega um contentor com 11880 kg, de quem é a responsabilidade de que tal aconteça?”

 

A morte de José Pimentel foi muito sentida não só pelos seus familiares, amigos e colegas de trabalho, mas também por organizações das mais diversas orientações.

O Correio dos Açores, de 14 de abril de 1978, publicou um telegrama da responsabilidade de um Grupo de Antifascistas Açorianos no Continente, com o seguinte teor: “Manifestamos publicamente nossa dor acidente de trabalho vitimou companheiro e amigo José Pimentel reconhecido defensor classe. Transformemos nossa dor em força seguindo seu exemplo.”

 

A 19 de abril de 1978, o jornal Bandeira Vermelha, órgão central do PC (R) - Partido Comunista Reconstruído, que se extinguiu em 1992, noticiou a morte de José Pimentel, afirmando que o mesmo “foi mais uma vítima da ganância capitalista, a sua vida foi mais uma vida ceifada pela lógica do lucro. Trabalhador consciente, lutador incansável pelos direitos da sua classe, a sua morte deixa, no entanto, bem vivo o seu exemplo. E o seu exemplo é o chamamento a que todos prossigam o seu combate, a sua luta por uma outra sociedade onde não seja o lucro a comandar e a matar, mas todos os homens, todos os trabalhadores a mandar e a viver uma sociedade socialista”.

 

O jornal “O Milhafre”, dirigido por José de Almeida, de 28 de abril de 1978, depois de lamentar “a trágica ocorrência em que perdeu a vida um homem”, acrescentou o seguinte: “Fosse ele quem fosse, simpatizante ou adversário da causa que defendemos, as circunstâncias em que perdeu a vida jamais deixariam de merecer as nossas atenção e solidariedade”.

 

O mesmo jornal condena a comissão da JAP nos seguintes termos:

 

“Ter consciência de que o equipamento de que dispõe não é. Nem nunca foi, o apropriado para movimentar contentores é igualmente da sua responsabilidade. Moral. Civil. O material substitui-se. As vidas não.

 

Pode ter havido fraude na declaração do peso. Terá de ser denunciado para que se conheça quem por ela deva ser responsabilizado. Terá havido, igualmente imprevidência da parte de quem, sem exato conhecimento do peso, ordenou a sua movimentação. Também é imperioso que tal se conheça para que se assumam responsabilidades solidárias.”

 

(continua)

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32338, 20 de janeiro de 2021, p. 14)

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Sonhar com touradas

 




Sonhar com touradas

 

“O hábito é a mais venérea de todas as doenças” (Oriana Fallaci)

 

No meio de uma pandemia que afeta toda a população embora com diferente intensidade, na ilha Terceira os adeptos da tortura de animais, sobretudo os das touradas de praça, não perdem uma oportunidade para as incentivar e programar.

 

Neste sentido, o coordenador das Sanjoaninas, no passado dia 8 de janeiro, no Diário Insular, anunciou que em Angra do Heroísmo, durante aquelas festas realizar-se-ão touradas de praça. Sabendo-se que a indústria tauromáquica tem como suporte a nobreza e os principais políticos locais tudo leva a crer que a tortura de animais vai ser tolerada mesmo em situação sanitária pouco favorável.

 

No mesmo jornal do dia 9 de janeiro, um deputado que é forcado e que se diz socialista escreve um texto a criticar o atual diretor regional da cultura porque no passado considerou a tourada um espetáculo sádico.

 

No seu texto o deputado, que recentemente foi despromovido de governante, teve a ousadia de voltar a afirmar a importância económica das touradas quando sabe que as mesmas só servem para transferir dinheiro dos aficionadas e dos nossos impostos para a minoria de ganadeiros e toureiros e afins e o descaramento de afirmar que a tortura de animais, a tourada, “é um dos mais relevantes patrimónios culturais e sociais das nossas ilhas”.

 

Pela nossa parte, continuaremos a denunciar as mentiras dos defensores da tortura animal e a lutar por um mundo mais solidário e mais justo para todos os seres vivos.

 

José da Agualva

11 de janeiro de 2021

(MATP- Boletim informativo, nº 68, janeiro de 2021)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Memória de 2001

 


Angelina Vidal, uma estranha redatora do “Ecco Michaelense” (2)

 


Angelina Vidal, uma estranha redatora do “Ecco Michaelense” (2)

 

Na semana passada, escrevemos que Angelina Vidal foi redatora do jornal “Ecco Michaelense”, um periódico muito “progressista” para a altura em que se publicou. Tendo como redator principal e proprietário José Ferreira Martins, Angelina Vidal passou a redatora do jornal a partir do nº 686, de 11 de janeiro de 1884.

 

 A coragem em denunciar arbitrariedades e a “defesa dos direitos do povo contra os abusos da ordem” levaram à prisão José Ferreira Martins que terá passado o carnaval na cadeia. Sobre este assunto, Angelina Vidal escreveu: “Se V…está encarcerado, eu estou amortalhada na descrença das coisas e das pessoas, e até me parece que nos dias de carnaval é que a sociedade tem juízo”.

 

A sua primeira colaboração, no número atrás referido, foi através do texto “Os sofismas constitucionais”, onde, entre outras questões, ela se interroga acerca do modo como poderá a sociedade avançar, se através da associação, da escola, do trabalho ou do sufrágio.

 

Vejamos, um extrato do que escreveu sobre o assunto:

 

“Na escola? Mas a educação oficial começa no catecismo e acaba por um lugar de amanuense a 600 reis por dia o que dá o suficiente para morrer anémico no hospital. No trabalho? Quem trabalha anda à luta com uma miséria que obceca a mentalidade e quem fica ocioso é porque está ainda mais desgraçado.

 

No sufrágio? Ah! Como é nojoso o sufrágio, mercado torpe de podridões venais! E que assim não fora, que resultaria do esforço eleitoral, quando a câmara hereditária e o veto são árbitros supremos do destino dos povos?”

 

Angelina Vidal, conclui que o caminho tem de ser outro: o da revolução. Segundo ela, o ideal evolucionista deve ser substituído “pela prática revolucionária”, pois “há momentos tão aflitivos na história das nações que os meios violentos não são permitidos, como imprescindíveis”.

 

Admiradora de Antero de Quental, Angelina Vidal no nº 701, de 10 de maio de 1884, do “Ecco Michaelense” descreveu as cerimónias fúnebres do amigo inseparável daquele filósofo e poeta açoriano, José Fontana, onde esteve presente em representação daquele jornal e da “Voz do Operário”.

 

Sobre José Fontana, que tal como Antero de Quental, teve uma fundação com o seu nome criada pelo atual Partido Socialista, depois de 25 de Abril de 1974, e que foi extinta depois daquele partido ter engavetado o socialismo, Angelina Vidal escreveu que foi um “grandioso socialista” que, em Portugal, foi “o iniciador do movimento revolucionário mais imponente que se tem organizado”.

 

Ainda sobre aquele operário, nascido na Suíça, que foi um dos grandes defensores das classes trabalhadores, Angelina Vidal escreveu o seguinte:

 

“Muito sofreu das injustiças, muito suportou das calúnias, que então como hoje, que hoje como amanhã os miseráveis conspiram contra o génio e superioridade alheia. Mas prosseguiu sempre! José Fontana foi uma irradiação esplêndida entre a obscuridade do conjunto social, deixando após de si rastros de luz inextinguíveis”.

 

A colaboração de Angelina Vidal foi também através da poesia que publicou em diversos números do jornal. De entre elas destacamos “A Escola” e “Rotação”. Desta última, publicada a 2 de março de 1884, damos a conhecer duas quadras:

 

“Crepita o sol genial, o deus augusto

Lançando à mente humana ondas de glória;

E o proletário rude embora a custo

Consegue decifrar a própria história.

 

Vamos, pois, combater crimes e reis

E o Evangelho de Luz pregar na Terra;

Novos tempos proclamam novas leis

Liberdade à Razão, e guerra à guerra!”

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32332, 13 de janeiro de 2021, p.11)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Angelina Vidal, uma estranha redatora do “Ecco Michaelense” (1)


 



Angelina Vidal, uma estranha redatora do “Ecco Michaelense” (1)

 

Angelina Casimira do Carmo da Silva Vidal nasceu, em Lisboa, no dia 11 de março de 1853 e faleceu, na mesma cidade, a 1 de agosto de 1917.

 

Ativista pelos direitos das mulheres e acérrima defensora dos mais desfavorecidos, Angelina Vidal, que abraçou os ideias republicanos e socialistas, foi jornalista, tradutora, escritora e professora.

 

Com uma vida atribulada, Angelina Vidal teve um fim muito triste. De acordo com Norberto de Araújo, citado por Mário Vidal, no seu livro “Angelina Vidal-escritora, jornalista, republicana, revolucionária e socialista”, editado pela Tribuna da História, em 2010, “a poetisa que escreveu versos sublimes, a prosadora que moldou contos sublimes, a propagandista da República que pregou ideias sublimes morreu de fome, morreu de todas as fomes.”

 

Angelina Vidal, com cerca de 30 obras publicadas, dedicou uma delas ao ilustre açoriano que foi presidente da República, Manuel de Arriaga, intitulada “Avé charitas! Ao grande coração de luz do ilustre sr. dr. Manuel d’Arriaga”, editada em 1912.

 

Angelina Vidal deu o seu contributo a mais de 60 publicações periódicas, uma parte significativa delas ligadas à defesa das classes trabalhadoras. No que diz respeito aos Açores, prestou a sua colaboração ao “Ecco Michaelense”, tendo durante algum tempo partilhado a redação do jornal com José Ferreira Martins.

 

Neste texto, darei a conhecer um pouco do pensamento de Angelina Vidal e no próximo farei referência à sua colaboração no referido jornal micaelense.

 

Angelina Vidal esteve ligada ao Partido Operário Socialista de que Antero de Quental foi seu filiado, tendo colaborado no seu jornal “O Protesto Operário”. Neste jornal, a propósito da caridade, escreveu o seguinte:

 

“Entre as várias perfídias com que a burguesia tem envenenado o espírito das massas ignorantes e narcotizado a consciência dos fracos, destaca-se a esmola, fruto venenífero da vaidade e do orgulho das classes privilegiadas. […] Quem concedeu ao homem o direito de dar esmolas ao homem? A distinção de classe. E o que autoriza essa distinção? A propriedade. E no que se funda a propriedade? No capital. E quem sustenta e produz esse capital? O trabalho. E quem é o factor do trabalho? O obreiro. […] Só a força da astúcia, só a malevolência da perfídia, devem ter sido a origem da desigualdade na partilha de bens, destinados pela natureza à comunhão de todos os seres na medida das necessidades individuais.”

 

Ela que se tinha filiado no Partido Republicano, acabou por se desiludir com os republicanos, que perseguiram outros republicanos, aceitaram de braços abertos antigos monárquicos (adesivos) e exercerem uma violência por vezes brutal sobre os operários e os sindicatos. Sobre o seu alvo principal, Afonso Costa, escreveu:

 

“O coração d’Ele! Ora vejam. Sob o ponto de vista plástico é igual ao de todos os vertebrados, incluindo o mano biológico. Quatro divisões, dois auricolos, dois ventrículos. O aurículo direito está ocupado pela raiva à Igreja, o esquerdo pelo ódio aos talassas; um ventrículo regurgita de furor contra os sindicalistas; o segundo abarrota de ira contra ricos, pobres, remediados e tutti quanti não traz coleira afonsina…”

 

Como acérrima feminista, Angelina Vidal culpava pela má situação da mulher, o clericalismo, a burguesia e a monarquia.

 

Ana Barradas, no seu “Dicionário de Mulheres Rebeldes” defende que “os escritos de Angelina Vidal oscilam entre uma defesa feminista dos direitos da mulher e as ideias conservadoras sobre as funções que lhe estão reservadas”.

 

Maria Helena Vilas-Boas e Alvim sobre o assunto escreveu, no “Dicionário no Feminino (séculos XIX -XX)” que para Angelina Vidal “o mal-entendido da situação feminina provém do seu próprio desamor ao estudo disciplinado, progressivo, despretensioso, sem prejuízo da santíssima missão da maternidade”.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32326, 6 de janeiro de 2021, p. 13)