quarta-feira, 29 de junho de 2016

ALICE MODERNO E A EDUCAÇÃO - 1


ALICE MODERNO E A EDUCAÇÃO - 1

“A verdade é que somos todos iguais. Iguais no nascimento, pelo sofrimento, e perante a morte. O que desnivela os homens é unicamente, mas cumpre dizê-lo inexoravelmente, a diferença de educações. Instruí-vos, educai-vos, e colocar-vos-eis a par dos primeiros entre os vossos semelhantes.”

Sendo o pai de Alice Moderno uma pessoa instável que nunca parava num local, decide, em 1987, sair de Ponta Delgada, primeiro para a Achada de Nordeste, depois para os Fenais da Ajuda e mais tarde para a Lagoa. Alice Moderno, que não se entendia com o pai, decide ficar em Ponta Delgada e para subsistir dá explicações

Segundo a Professora Maria da Conceição Vilhena, a atividade docente, nos primeiros anos, ocupava os dias de Alice Moderno, trabalhando esta de 8 a 14 horas diárias. A docência foi exercida por Alice Moderno durante muitos anos, tendo mais tarde sido substituída por outras, como o comércio, a tipografia, os seguros, etc.

Em 1892, Alice Moderno era um dos oito professores de instrução secundária inscritos na matriz da contribuição industrial de Ponta Delgada.

Em 1907, Alice Moderno dava explicações na Rua do Castilho nº1 como prova o seguinte anúncio publicado a 17 de fevereiro no jornal A Folha: “Alice Moderno leciona instrução primária e línguas portuguesa e francesa”. Sabe-se que também lecionou geografia.

Alice Moderno, para além de professora particular, foi nomeada regente da Escola Móvel de Ponta Delgada, tendo, no dia 15 de outubro de 1913, proferido a alocução inaugural. No seu discurso Alice Moderno elogiou o regime republicano por “procurar extinguir, no feracíssimo solo lusitano, as flores nefastas da ignorância e da superstição” que infelizmente continuam a proliferar nos nossos dias”.

Na ocasião, o jornal República denunciou várias irregularidades no funcionamento das escolas móveis, sendo uma delas o facto de alguns professores das mesmas não terem habilitações.

As escolas móveis que foram criadas pela República para combater o analfabetismo foram contestadas porque limitaram as aprendizagens à alfabetização e porque, segundo António da Nóvoa, davam prioridade nas contratações dos professores aos “amigos republicanos”.

Contra as escolas móveis ergueram a sua voz, a nível nacional, alguns pedagogos portugueses como Álvaro Viena de Lemos (1881-1972), divulgador em Portugal da obra do pedagogo francês Freinet, que escreveu o seguinte: “Vem o Estado republicano. Cria também umas escolas móveis. Mas sob o pretexto, que facilmente colhe na ocasião, da necessidade da propaganda republicana e defesa das instituições, a nomeação dos respetivos professores faz-se, com raras exceções, entre os compadres e bons republicanos com melhores serviços revolucionários”.

Por cá, Alice Moderno, no jornal A Folha, de 26 de outubro de 1913, desmontou as várias acusações de que era alvo nos seguintes termos:”…na parte que me diz respeito uma completa falsidade, atendendo a que sou professora diplomada e me encontro inscrita no Liceu de Ponta Delgada como professora de ensino secundário, existindo na secretaria do mesmo estabelecimento de instrução, numerosos documentos comprovativos não só das minhas habilitações oficiais, mas ainda do trabalho produzido como professora de instrução primária (admissão ao curso dos liceus) e materiais de ensino secundário, na qualidade de professora do mesmo ensino”.

Na próxima semana voltarei ao assunto.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30971, 29 de junho de 2016, p.18)

terça-feira, 28 de junho de 2016

Médicos veterinários contra maus tratos aos animais


Médicos veterinários contra maus tratos aos animais

Foi com surpresa que tomei conhecimento de que no próximo dia 30 de junho, em Lisboa, vai ser apresentada publicamente a AVAT-Associação de Veterinários Abolicionistas da Tauromaquia.

Sendo a finalidade da referida associação o fim das touradas, até ao momento desconhece-se quais são os objetivos específicos da mesma, os meios que utilizará para atingi-los, bem como se já possui membros nos Açores.

A nível europeu há associações congéneres em Espanha, a AVATMA- Asociación de Veterinarios Abolicionistas de la Tauromaquia y del Maltrato Animal, e em França, o COVAC- Collectif des Vétérinaires pour l’Abolition de la Corrida que no passado dia 27 de maio deram a conhecer um Manifesto comum onde declaram a sua rejeição de todas as práticas taurinas sangrentas e condenam o sistema de exploração dos animais nas herdades onde são sujeitos a práticas contrárias às normas europeias relativas ao bem-estar animal. As duas associações mostraram estar empenhadas em trabalhar em conjunto para a abolição das touradas que consideram como um anacronismo no século XXI contrário ao código deontológico da profissão de veterinário.

Enquanto a associação francesa e talvez a portuguesa têm o seu âmbito limitado ao sofrimento animal ligado à tauromaquia, a associação espanhola alarga o seu âmbito a todas as práticas associadas a maus tratos a animais de qualquer espécie.

A AVATMA que é uma associação profissional aberta a licenciados e doutores em ciências veterinárias de todo o mundo tem, entre outros, os seguintes objetivos:

- Promover a investigação e a análise científica dos estudos veterinários promovidos pela indústria tauromáquica e elaborar e publicar estudos científicos próprios neste domínio e em qualquer outro onde há maus tratos a animais;

- Promover a participação, em debates públicos, de veterinários críticos das touradas e de todas as atividades que envolvem o abuso de animais.

O surgimento de uma nova organização não-governamental, sem fins lucrativos, é sempre bem-vindo e neste caso a sua importância é acrescida pois trata-se de enquadrar um grupo, o dos médicos veterinários, imprescindível no que diz respeito à defesa do bem-estar animal e dos direitos dos animais, já que aqueles poderão aliar os seus conhecimentos técnicos e científicos ao ativismo por uma causa que cada vez sensibiliza mais cidadãos.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30970, 28 de junho de 2016, p.16)

sexta-feira, 24 de junho de 2016

As Sanjoaninas e a tortura animal


As Sanjoaninas e a tortura animal

Como é do conhecimento público e como tem sido hábito pelas sanjoaninas, Angra do Heroísmo transforma-se na capital da tortura de bovinos e da deseducação de jovens e crianças. Tal só é possível com o apoio por parte da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, nos últimos cinco anos, de um milhão e trezentos mil euros e este ano de cem mil euros.

Se formos investigar os programas das festas ao longo dos tempos facilmente se concluirá que a “nobreza” angrense sempre associou umas festas com uma forte componente recreativa ao mais arcaico e vil ato de torturar e matar animais para divertimento de seres que se dizem humanos.

Não vamos ser exaustivos e comentar ano a ano os diversos programas apresentados pelas diversas comissões organizadoras das sanjoaninas para não massacrar os corações dos seres humanos mais sensíveis. Neste texto, limitar-nos-emos a dar a conhecer alguns aspetos menos conhecidos que não abonam a favor do bom nome dos angrenses, pois nem todos têm culpa de na sua terra viverem pessoas sem escrúpulos e sanguinárias.

Entre 1812 e 1814, o inglês Briant Barret visitou as sete ilhas dos Açores do grupo central e oriental, tendo assistido na ilha Terceira às festas do Espírito Santo e às festas em honra de São João.

Num manuscrito ainda inédito, existente na Biblioteca Pública de Ponta Delgada, Barret relata as barbaridades que observou numa tourada onde, para além dos touros, eram vítimas de maus tratos outros animais, como gatos, coelhos e pombos.

Em 1839, segundo o jornal “O Angrense”, no último dia dos festejos, houve uma simulação de uma caçada, sendo as vítimas coelhos e pombas e algozes quem matou não por necessidade de alimento mas por puro sadismo. Para os leitores ficarem com uma ideia do divertimento abaixo transcrevemos o relato do que ocorreu:

“Depois de sair a Dança, quando todos os espetadores estavam mutuamente aplaudindo o espetáculo, e não esperavam senão pela cavalhada, um novo entretenimento inesperado deu entrada na Praça, que obteve muita aceitação. Alguns mascaras era trajes de caçadores, trazendo uma matilha de cães, e a tiracolo os seus furões, fizeram introduzir na Praça uma coluna artificial, coberta de arbustos e fetos, dentro da qual estava invisível um indivíduo, que lançando amiudadamente pombas e coelhos, dava aos caçadores aquele prazer que sentem em empregar um tiro. O latido dos cães que corriam atrás dos coelhos, a sagacidade do furão que desalojava, e trazia os que se escondiam nas covas do monte; a bulha, os gestos, e vozearias dos caçadores, dava perfeitamente uma ideia do que é uma caçada, e satisfez por extremo aos que nunca tinham visto aquele divertimento”.

Num texto publicado em 1925, Gervásio Lima descreveu como eram as festas de São João na Ilha Terceira. Através da sua leitura ficámos a saber que houve grandes alterações, uma das quais foi o facto dos responsáveis pelas mesmas terem sobrevalorizado a componente profana e mandado às urtigas a religiosa. Na componente profana, com a bênção da igreja que se agarra a tudo para não perder seguidores, nunca faltaram as touradas, primeiro com touros em pontas “até que um decreto ordenou que se serrassem as pontas, pelas muitas mortes que causavam…”

Sobre o assunto, escreveu Gervásio Lima: “os jogos de luta e destreza, as justas e torneios, que terminavam sempre por corridas de toiros, em pontas, nos primeiros anos, em que chegaram a matar segundo o uso de Espanha e, talvez, por influência da dominação filipina que na alvorada do século XVII exerceu predomínio nos costumes terceirenses”.

Nem no ano em que Portugal saiu de uma ditadura que, para além de torturar e matar os seus cidadãos que pensavam de modo diferente ou os que, sendo da mesma laia, caiam em desgraça, sempre acarinhou a tortura animal, as festas de São João de Angra do Heroísmo deixaram de torturar touros e cavalos.

Em 1974, para além de uma tourada à corda e de uma espera de gado, realizaram-se três touradas de praça. A primeira tourada de praça mereceu um texto publicado no Diário Insular assinado por Bruges da Cruz que demonstra a sua falta de humanidade já que nem uma palavra escreveu sobre a tortura animal, sendo a única preocupação com a mansidão dos touros. Segundo ele “na verdade, com touros tão mansos não se pode tourear” .

Não podia terminar este texto sem dedicar uma frase ao senhor Bruges da Cruz e a todos os promotores e frequentadores de touradas: “com gente tão reles, sádica e retrógrada o mundo não pode evoluir”.

20 de junho de 2016

Mariano Soares


quarta-feira, 22 de junho de 2016

O São João da Vila de outros tempos


O São João da Vila de outros tempos

Ó meu S. João da Vila,
Ó meu santo marinheiro
Levai-me na vossa barca
Para o Rio de Janeiro.
(Do Cancioneiro Popular Açoriano)

O culto de São João Batista, segundo alguns autores, vem do século IV e as festas em sua honra ter-se-ão iniciado em Portugal com a conquista da nacionalidade, passando a oficiais com D. João II, no século XV.

Nos Açores, as festas de São João chegaram com os primeiros povoadores e a devoção ao santo fez com que, ao longo dos séculos, fossem erguidas varias igrejas e ermidas em todo o arquipélago, uma das quais na freguesia da Ribeira Seca, em Vila Franca do Campo.

De momento, a data mais antiga que possuímos referências escritas sobre as festas de São João em Vila Franca do Campo é a do ano de 1930, mas as festas são muito mais antigas.

Em 1930, os festejos de São João não tiveram o brilho que costumavam ter em anos anteriores, pois na véspera do dia faleceu o senhor João Teotónio da Silveira Moniz que foi um benemérito vila-franquense muito estimado na vila e um protetor das duas filarmónicas. Por este motivo aquelas não tocaram a alvorada e foram retiradas todas as ornamentações das respetivas sedes e das torres da Matriz e da Câmara Municipal, onde as filarmónicas costumavam tocar.

Na vila, no ano referido, poucas casas foram ornamentadas e poucas pessoas acorreram ao ilhéu e aos sítios à beira-mar, como era habitual. Salvou-se a concentração de pessoas na Lagoa do Congro que foi muito concorrida, tendo havido “bailes e descantes populares muito animados”.

Em 1934, o dia de São João começou com a alvorada tocada pelas duas filarmónicas, a União Progressista que tocou na torre da Câmara Municipal e a Lealdade que fez mesmo na torre da Matriz. De seguida, as duas bandas de música percorreram as principais ruas da vila, tocando o ordinário de São João.

Durante o dia as pessoas deslocaram-se para as margens da Lagoa do Congro, onde houve bailaricos. Ao entardecer, alguns vila-franquenses visitaram o ilhéu, onde tocou a banda União Progressista, e concentraram-se no litoral, nomeadamente no Poço Largo.

Em 1938, não se conhecem alterações à tradição do toque da alvorada, do desfile das bandas pelas ruas da vila, dos convívios na Lagoa do Congro, no ilhéu e no litoral da vila. Assim, tal como aconteceu em anos anteriores a Câmara Municipal transferiu o feriado municipal de 8 de maio para 24 de junho. Sobre a romaria à Lagoa do Congro, o jornal Correio dos Açores, de 8 de junho, escreveu o seguinte: “é das mais populares que há nesta ilha; ali se reúnem em alegre convívio pessoas de todas as condições e de todos os pontos da ilha, não faltando os bailaricos com descantes, desafios de voleibol, etc.”

Em 1969, no dia de São João ainda se mantinha a tradição da alvorada tocada nas torres, ainda se realizavam os convívios no ilhéu e nas matas da Lagoa do Congro. Como novidade, em relação ao que se passava na década de 30 do século passado, surgem as verbenas com a exibição de “todos os grupos de variedades” e surge o “Dancing com a atuação do apreciado grupo musical “Os Lords”, de Ponta Delgada, bem como um concurso livre de quadras alusivas às festas.

No dia 23, do referido ano, houve a concentração das marchas no Largo Bento de Góis, seguida de desfile por algumas ruas da vila até ao Campo de Jogos da Mãe de Deus, onde atuaram. No mesmo dia houve a tradicional visita às “fontes machas- as de São Miguel, são Pedro e São Francisco e às ruas que se encontravam enfeitadas e onde se realizavam bailes populares.

Hoje, parece que há menos espontaneidade, menor participação ou envolvimento das famílias, perderam-se algumas boas tradições, mas a festa continua.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 30965, 22 de junho de 2016, p.18)

terça-feira, 21 de junho de 2016

Férias e abandonos


Férias e abandonos

Não temos conhecimento de nenhum estudo rigoroso sobre o abandono de animais de companhia que nos diga claramente quem abandona, por que razões o faz e se há ou não uma época do ano em que os abandonos são maiores. Contudo, se consultarmos alguma imprensa ou mesmo os responsáveis pelos canis ou por associações de defesa dos animais, pensamos que haverá quase unanimidade nas respostas, isto é, a maioria dos abandonos ocorre durante as férias de verão.

Alguns textos consultados referem que o abandono de animais, que não é exclusivo das classes sociais mais baixas, podem ter como causas os mais diversos motivos, alguns dos quais vazios de sentido, como por exemplo o facto de um gato ter arranhado um móvel ou um cão ter ficado velho.

Ainda em relação aos abandonos e não pretendendo esgotar o assunto, a seguir apresentamos algumas das razões invocadas por quem abandona, muitas das quais não passam de “desculpas de mau pagador”:

- Compra irresponsável;
- Aceitação de animais como presente, sem possuir conhecimentos sobre as necessidades dos mesmos e condições para os receber;
- Adoção não pensada;
- Desconhecimento das características dos animais;
- Falta de condições para ter um animal a seu cargo;
- Problemas familiares que levam a mudança de casa, alteração da situação económica, etc.
- Férias.

A ida tranquila para as férias era, em França, em 1972, de acordo com o Diário dos Açores, de 12 de janeiro do referido ano, a desculpa para o abandono ou morte de cerca de 200 mil gatos e 100 mil cães.

De acordo com o mesmo jornal, o abandono de animais que é um ato imoral e desprezível foi classificado por um diretor da Sociedade Protetora Holandesa como “uma bestialidade, uma tremenda prova de egoísmo e de falta de sentimentos”.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30964 de 21 de junho de 2016, p.18)

sexta-feira, 17 de junho de 2016

As touradas nas sanjoaninas: uma mentira repetida não pode ser transformada em verdade



As touradas nas sanjoaninas: uma mentira repetida não pode ser transformada em verdade

No passado dia 12 de junho, a revista de péssima qualidade “Açores”, que se publica aos domingos com o jornal “Açoriano Oriental”, brindou os seus cada vez menos leitores com um suplemento sobre as sanjoaninas.

Como não podia deixar de ser, os amantes da tortura de bovinos voltaram a ter um espaço dedicado a divulgar a barbaridade das touradas, tendo aproveitado o mesmo para demonstrar a sua falta de humanidade e de cultura.

Não conhecendo ou deturpando a história da sua terra, num texto publicado o presidente de uma agremiação que promove a desumana “Festa Brava” veio a público dizer que as touradas são quase tão antigas como as festas de São João, o que é um perfeito disparate, e que “houve um tempo em que as próprias sanjoaninas eram as corridas de touros”, o que é outro disparate já que, ao longo dos tempos, sempre houve outras atividades, infelizmente por vezes também associadas a maus tratos a alguns animais,

Para os leitores poderem conhecer, sem distorções, um pouco das tradições das festas de São João, na ilha Terceira, aconselhamos a leitura do texto “As festas de São João” da autoria do historiador Frederico Lopes (João Ilhéu) que se encontra no livro “Notas Etnográficas”, publicado pelo Instituto Histórico da Ilha Terceira.

Outra falsidade repetida é a de que há muitas pessoas a visitar a Terceira por causa das touradas. A verdade é que já este ano o número de turistas a visitar a ilha cresceu, durante o período em que não torturam animais.

Todos os anos (e este não foi exceção) repete-se o argumento da ida à Terceira de muitos turistas para verem as touradas da Feira de São João. A verdade é que bastava comparar o número total de visitantes e o número dos que vão às touradas de praça para facilmente se chegar à conclusão de que o primeiro é esmagadoramente maior e que aos “espetáculos de tortura” vão os do costume repetidamente e outros cidadãos que se dizem humanos, mas que não respeitam os outros seres vivos que devem viver e morrer com dignidade.

A ilha Terceira vale pelas suas belezas naturais, pelo saber receber das duas gentes, pelo património arquitetónico de Angra e as sanjoaninas seriam melhores e atrairiam muito mais pessoas, se não estivessem associadas a práticas arcaicas e sangrentas como são as touradas.

17 de junho de 2016

José Brazil

quarta-feira, 15 de junho de 2016

António Sérgio


António Sérgio, o pedagogo

“Só voltarei naturalmente a assentar arraiais em Portugal quando me puder ir dedicar à minha revolução que é, como sabe a revolução pedagógica” (António Sérgio, 1914)

Sempre que alguém mencionava o nome de António Sérgio associávamos ao movimento cooperativista que teve a seguir ao 25 de Abril de 1974 uma grande expansão, pois antes daquela data o mesmo não era incentivado, havendo casos de muitas cooperativas que viram as suas portas encerradas pelo Estado Novo.

Só muito recentemente, na sequência de pesquisas que temos efetuado relacionadas com o Movimento da Escola Moderna, nomeadamente sobre a influência de pedagogos portugueses naquele movimento, que começou por ser inspirado pelas ideias do pedagogo francês Célestin Freinet, descobrimos que António Sérgio não foi apenas um dos principais ideólogos do cooperativismo, mas também um dos mais influentes políticos, de tendência socialista (não marxista), ensaístas e pedagogos portugueses do século XX.

António Sérgio de Sousa, natural de Damão, onde nasceu em 1883, foi na Primeira República ministro da Instrução do governo liderado por Álvaro de Castro, tendo permanecido no cargo apenas de Dezembro de 1923 a Fevereiro de 1924.

António Sérgio foi um dos intelectuais portugueses que não aceitou a chegada ao poder de Salazar, tendo, depois de ter chegado à conclusão de que o regime não era capaz de se liberalizar, defendido a sua substituição através de um golpe militar.

Antes de falecer, em Lisboa no ano de 1969, António Sérgio esteve no exílio, foi preso em 1933, 1935, 1948 e 1958, viu alguns dos seus livros serem apreendidos e foi alvo de ataques e calúnias diversas.

Antes de apresentarmos alguns excertos do autor que ilustram o seu pensamento sobre a educação e o ensino, acrescentamos que, segundo Irene Pimentel, António Sérgio divulgou em Portugal o método Montessori, criou o ensino para deficientes e o cinema educativo.

Sobre a escola do seu tempo, que não será muito diferente da de hoje, no Dicionário de Educadores Portugueses dirigido por António da Nóvoa, podemos ler a seguinte citação de António Sérgio:

“A escola, até hoje, tem sido um acervo de coisas maléficas, de tratos diabólicos, de prescrições tirânicas: e já é importantíssima reforma a simples anulação das coisas más. Grande programa: não fazer mal! A imobilidade nas aulas, os estudos sem gosto, os rígidos programas, a apreensão passiva, as angústias dos exames, etc., etc., produzem transtornos de muita espécie. Estabeleçamos a comparação: em um dos pratos da balança – os muito contestáveis benefícios que tudo isso pode trazer, no outro -, os danos sabidos que com certeza traz…, Ah, imenso programa: liberdade ao aluno; não fazer mal”.

Em relação à escola desejada, António Sérgio, segundo a fonte que citámos defende que a mesma deve ter duas divisas: autonomia e trabalho. Assim, para ele “dois grandes objetivos incumbem à escola do futuro: um deles, a anulação progressiva dos antagonismos sociais, e a instauração da sociedade justa, pela Escola Única do Trabalho; o outro a realização da Liberdade na vida da gente adulta, pela educação das crianças no regime da Liberdade”.

No que diz respeito à autonomia, António Sérgio é claro ao escrever que a mesma tanto na sociedade exterior como na escola “não pode ser-nos presenteada pelos governantes; tem de ser conquistada pelos governados, pacientemente, todos os dias”.

Por último, uma referência à Educação Cívica. O autor da biografia que vimos citando refere que na defesa da autonomia por António Sérgio está subjacente a ideia de que “ a autonomia e a educação cívica aprendem-se praticando, e não através de um qualquer ensino ou disciplina”. Precisamente o contrário do que se faz hoje!

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30959, 15 de junho de 2016, p.16)

terça-feira, 14 de junho de 2016

Martins Garcia e os animais



Martins Garcia e os animais

Tal como muitos outros literatos açorianos, o picoense José Martins Garcia, considerado como um dos mais importantes escritores dos Açores do século XX, nos seus livros faz referência aos animais.

Da sua obra, que felizmente vai ser reeditada pela Companhia das Ilhas, apenas conhecemos os livros “Contrabando Original” e “Lugar de Massacre”, ambos editados pelas Edições Salamandra, e estamos a ler “Katafaraum é uma nação”, editado pela Assírio e Alvim.

Em “Lugar de Massacre” o autor faz uma leve referência às touradas no contexto da educação ideal para “nobres”. Da leitura do extrato, abaixo, facilmente se conclui que o que Martins Garcia escreveu, em 1996, não perdeu atualidade:

“À custa de resignações e desprendimentos, a condessa zelou. Para seu filho nunca se misturar com a plebe. Para nunca se contaminar no ensino público. Para não conviver com grosserias. Para a sanidade no vocabulário, para o gesto ancestral, o beija-mão de raça, o justo ângulo duma visão superior, o gosto pela sinfonia, a condescendência para com a ópera, o elogio da tourada à antiga, o conheci¬mento da heráldica e o horror das leituras filosóficas.”

Sobre o relacionamento entre os humanos e os animais de companhia e os de trabalho o extrato de “Contrabando Original” com que termino esta nota é magistral e, apesar da mecanização dos trabalhos agrícolas, perfeitamente atual:

“Mas a minha alma sentia-se despótica, perdida nos labirin¬tos do poder. A minha alma humilde desejava tanto comunicar com a vida! Os olhos do cão Baleeiro dedicavam-me uma ternu¬ra impossível de encontrar em olhos humanos. Pontapeado por José, acicatado por Mário, enxotado por quase todos, difamado por pulguento, ladrão, lambia-me as mãos a troco dum afago no focinho ou nas orelhas. Era vagamente dourado no lombo e no cachaço, branco nas patas e na risca do focinho. Comovia-me (ou eu desaprovava?) a sua fidelidade a quem o maltratava.

António estimava-o e, só por ser jovem e frágil, não resolvia à punhada o rancor que lhe ia nos olhos quando o Baleeiro levava pontapés. Eu fazia o pouco ao meu alcance para o desagravar, roubando comida que lhe dava às escondidas, buscando no seu olhar bom um sinal de aprovação. Eu queria, além disso, que os animais me compreendessem. A vaca cangada, por exemplo, extenuada de fazer carretos, vergastada e picada com o ferrão da aguilhada quando as forças lhe faltavam e ela ajoelhava, talvez implorando clemência ao seu deus, representava um suplício mais atroz que o dos mártires atirados aos leões (os mártires acabavam e sentavam-se no seio de Deus; a vaca Rosada sofria sem acabar e deitava-se no curral, dorida, e era aí todo o seu paraíso).”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30958, 14 de junho de 2016, p.16)

quarta-feira, 8 de junho de 2016

As plantas do São João (da Vila)


As plantas do São João (da Vila)

Na noite de São João
Todas as ervas são bentas;
Só a milfurada não.

O padre Ernesto Ferreira no seu livro “A Alma do Povo Micaelense”, num texto intitulado “Noite de São João”, faz referência a algumas superstições relacionadas com bênçãos que as pessoas poderão receber se fizerem algo, na noite de São João, como por exemplo beber água antes do sol nascer, expor-se ao sereno, colocar favas e milho ao sereno, colocar, também, ao sereno, “cardos cujas flores elas [as donzelas] previamente queimaram e a cujas hastes prenderam papeis com nomes de jovens”, etc.

No mesmo texto, o Padre Ernesto Ferreira menciona a crença de que “a boliana procria ao fim se sete anos de união com o barbasco” e que na noite de São João, o “feito de Sam João” produz uma linda flor que nunca ninguém conseguiu pôr-lhe os olhos.

Francisco Arruda Furtado, no seu texto intitulado “Materiais para o estudo antropológico dos povos açorianos. Observações sobre o povo micaelense”, publicado em 1884, sobre a valeriana (desconhecemos a espécie) escreveu o seguinte: “o povo crê que de sete em sete anos, na noite de S. João, a boliana dá uma flor que é exatamente do feitio duma pena de pato e com que também: se pode escrever. Para a poder colher é preciso ir à meia-noite com um guardanapo de olhos pela cabeça, e a flor, ao ser cortada, dá um grito…”

Hoje, não se conhece qualquer uso da valeriana na medicina popular nos Açores, mas, segundo o livro “Plantas e Produtos Vegetais em Fitoterapia”, usam-se as raízes e os rizomas da Valeriana officinalis como relaxante muscular e para induzir o sono.

A espécie referida é nativa da Europa e de partes da Ásia, sendo muito cultivada noutras regiões o que também terá acontecido nos Açores.

Sobre o feto de São João, que segundo Arruda Furtado também se designa feto-real (Osmunda regalis), o povo também acreditava que dava “uma flor muito bonita, na noite de S. João, que nunca ninguém viu, mas que daria grandes tesouros àquele que a pudesse apanhar; quem a poderia encontrar mais facilmente, seria um padre indo ao sítio à meia-noite revestido como para dizer missa.”

O feto-real é nativo da Macaronésia, Europa, América, Asia e África, existindo em todas as ilhas dos Açores, exceto na Graciosa.

Apreciado como planta ornamental em diversos países da Europa, foi usado pelos médicos antigos com várias finalidades, não se conhecendo qualquer aproveitamento nos Açores.

Para além das plantas que foram referidas pelo padre Ernesto Ferreira, acrescentamos a carvalha cujo aroma apreciamos, na noite de São João, o ano passado.

A carvalha (Lithocarpus edulis), também conhecida como carvalho de jardim, é uma espécie, nativa do Japão, que pertence à família das Fagaceae. A carvalha produz frutos que apesar do seu sabor amargo são comestíveis.

Relativamente comum como ornamental em algumas bermas das nossas estradas, em Vila Franca do Campo, também aparece em jardins como o Antero de Quental, no centro da Vila, e no Dr. António da Silva Cabral, na freguesia de São Pedro.

O ano passado, como já mencionamos, fomos assistir ao desfile das marchas de São João e ao deslocarmo-nos da Avenida para umas barraquinhas existentes junto à Rotunda dos Frades notamos um forte e agradável perfume que não sabíamos de onde provinha. Na ocasião, estávamos acompanhados pelo Doutor Raimundo Quintal que nos chamou a atenção para o facto de o perfume ter origem em duas carvalhas que estavam floridas ao lado do Convento de São Francisco.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30953, 8 de junho de 2016, p.16)

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Animais nas instalações pecuárias


Animais nas instalações pecuárias

A Diretiva nº98/58/CE, de 20 de Julho, relativa à proteção dos animais nas explorações pecuárias; foi transposta para a ordem jurídica nacional através Decreto-Lei nº 64/2000, de 22 de Abril.

Embora aquém do desejado, pois não proíbe “prisões” e preveja algumas exceções subtilmente ou hipocritamente para beneficiar algumas indústrias do divertimento, já que estão excluídos do âmbito de aplicação do referido diploma “os animais destinados a concursos, espetáculos e manifestações ou atividades culturais, desportivas ou outras similares”, é importante que os cidadãos tenham conhecimento deste Decreto-Lei para, por um lado, cumprirem com o que está estipulado e por outro poderem denunciar a quem de direito todas as situações anómalas.

Neste texto, que não tem como objetivo divulgar todo o diploma dada a sua extensão, pretendemos dar a conhecer apenas alguns itens do anexo A.

Sobre os animais com problemas de saúde, o diploma diz o seguinte: “os animais que pareçam estar doentes ou lesionados devem receber cuidados adequados e, quando necessário, serem tratados por um médico veterinário” e acrescenta “sempre que se justifique, os animais doentes ou lesionados devem ser isolados em instalações adequadas e equipadas, se for caso disso, com uma cama seca e confortável”.

Sobre a liberdade de movimentos, o diploma refere que a mesma “não será restringida de forma a causar-lhes lesões ou sofrimentos desnecessários e, nomeadamente, deve permitir que os animais se levantem, deitem e virem sem quaisquer dificuldades” e acrescenta que sempre que “os animais estejam permanente ou habitualmente presos ou amarrados, deverão dispor do espaço adequado às necessidades fisiológicas e etológicas, de acordo com a experiência prática e os conhecimentos científicos”.

Sobre os animais criados ao ar livre o diploma refere que os mesmos “devem dispor, na medida do possível e se necessário, de proteção contra as intempéries, os predadores e os riscos sanitários”.
Por último, relativamente à alimentação e à água necessária aos animais, o diploma menciona que “todos os animais devem ser alimentados com uma dieta equilibrada, adequada à idade e à respetiva espécie e em quantidade suficiente para os manter em bom estado de saúde e para satisfazer as suas necessidades nutricionais, não devendo ser fornecidos aos animais alimentos sólidos ou líquidos de um modo tal, ou que contenham substâncias tais, que possam causar-lhes sofrimento ou lesões desnecessários” e que “devem ter acesso a uma quantidade de água suficiente e de qualidade adequada ou poder satisfazer as necessidades de abeberamento de outra forma”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30952, 7 de junho de 2016, p.14)