terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Alguns marcos históricos da educação ambiental e da defesa do ambiente (2)



Alguns marcos históricos da educação ambiental e da defesa do ambiente (2)

No texto anterior, apresentámos alguns marcos importantes relacionadas com a defesa do ambiente e a educação ambiental que ocorreram na segunda metade do século XIX.
No texto de hoje, damos continuidade ao proposto através da divulgação de alguns acontecimentos ocorridos na primeira metade do século XX.

Em 1901, o estado português publica legislação relativa ao Regime Florestal e à Defesa dos Povoamentos Florestais e no ano seguinte, em 1902, a 19 de março, foi assinada, em Paris, a Convenção Internacional para a Proteção das Aves Úteis à Agricultura.

Em 1905, foi fundada, em Nova Yorque, nos E.U.A., a National Association on Audubon Societies for the Protection of Wild Birds and Animals, designada atualmente por National Audubon Society. O seu primeiro presidente foi o fotógrafo amador de aves, ornitólogo e homem de negócios William Dutcher (1846 -1920), mas o seu nome foi uma homenagem a John Audubon, o mais ilustre e conhecido ilustrador de história natural do século XIX, que nasceu em 1785, Santo Domingo, hoje Haiti, e faleceu em 1851, em Nova Yorque.

Em 1909, o naturalista suíço, Paul Sarasin (1856-1929), propôs a criação de um comité para preparar a criação de uma Comissão Mundial para a Proteção da Natureza. A sua ideia só foi concretizada 39 anos depois com a fundação da UIPN- União Internacional para a Proteção da Natureza. No mesmo ano, foram criadas a Liga Suíça para a Protecção da Natureza, a Sociedade Sueca para a Protecção da Natureza, a Wildlife Preservation Society (Austália) e a National Conservation Associaton (EUA).

Em 1910, ocorreu, nos EUA, um desastre ecológico com petróleo. Com efeito, entre março daquele ano e setembro de 1911, no vale de S. Joaquim, houve um derramanento de petróleo devido à explosão no poço Lakeview Gusher. Estima-se que foram libertados cerca de 9,4 milhões de barris, destes apenas a metade foi recuperada.

Em 1922, foi fundado, em Londres, num encontro que contou com a presença de 40 países, o Conselho Internacional para a Proteção das Aves (ICBP).

Em 1948, em França, foi criada a União Internacional para a Conservação da Natureza no decorrer da Conferência Internacional de Fontainebleau realizada com o apoio da UNESCO, criada três anos antes.

No mesmo ano, em Portugal foi criada a LPN - Liga para a Proteção da Natureza, que tem por missão “contribuir para a Conservação da Natureza e para a defesa do Ambiente, numa perspetiva de desenvolvimento sustentável, que assegure a qualidade de vida às gerações presentes e vindouras”.

Na origem da criação da LPN está o seguinte apelo, em 1947, do poeta Sebastião da Gama ao Eng. Miguel Neves para que intervenha no sentido de impedir a destruição da Mata do Solitário na Arrábida:

"Senhor Engenheiro Miguel Neves.
Socorro! Socorro! Socorro! O José Júlio da Costa começou (e vai já adiantada) a destruição da metade da Mata do Solitário que lhe pertence. Peço-lhe que trate imediatamente. Se for necessário restaure-se a pena de morte. SOCORRO!"

O Prof. Carlos Baeta Neves (1916-1992), Eng.º Silvicultor e Professor Catedrático do Instituto Superior de Agronomia, tendo tomado conhecimento do apelo, interveio, tendo conseguido impedir a destruição da mata. No ano seguinte, em 1948, fundou a mais antiga organização não-governamental de ambiente da Península Ibérica, a LPN.

Em 1949, é publicado, postumamente o livro de Aldo Leopold (1887-1948), Almanaque do País das Areias, que para alguns autores é o “livro mais importante alguma vez escrito”.

No seu livro, traduzido para português com o título “Pensar como uma Montanha”, a propósito dos professores Aldo Leopold escreveu:

“Cada um deles [professores] seleciona um instrumento e passa a vida a separá-lo dos outros e a descrever-lhe as cordas e teclados….Um professor pode tanger as cordas do seu próprio instrumento, mas nunca as de um outro, e se conseguir ouvir a música nunca deverá admiti-lo junto dos seus pares ou dos seus alunos. Pois todos estão coibidos por um tabu férreo que decreta que a construção dos instrumentos é do domínio da ciência, ao passo que a deteção da harmonia é do domínio dos poetas”.
(continua)

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 31442 de 31 de janeiro de 2018, p.17)

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Gonçalves Correia e a Caça



Notas Zoófilas (131)
António Gonçalves Correia e a Caça

António Gonçalves Correia (1886-1967) foi um anarquista português seguidor das ideias de Tolstói. Coerente com os ideais que defendia, para além de acérrimo defensor dos direitos humanos, foi defensor de todos os animais ditos irracionais.

Foi poeta e ensaísta, tendo colaborado em diversos jornais como “A Batalha”, “A Aurora” ou “O Rebelde”. Para a divulgação do seu pensamento fundou o jornal “A Questão Social” e publicou as obras “Estreia de um crente” e “A felicidade de todos os seres na sociedade futura”.

No opúsculo “Estreia de um crente”, publicado em 1917, em edição de autor, Gonçalves Correia publica uma carta dirigida a um caçador onde de forma pedagógica, embora não escondendo o que pensa, o tenta convencer a deixar de caçar lembrando-lhe que “(…) matar por prazer, como V. faz (…) nada mais é do que procurar impedir o avançar esta vida harmónica e vibrante a que todos têm direito!”.

Na carta, Gonçalves Correia, recomenda ao seu amigo que procure alternativas à caça, do seguinte modo:

“Um homem culto, um espírito superior, um indivíduo que tem à mão, conquistados pelo seu labor constante, material ou intelectual, os elementos precisos, dignos e morais, para a distracção do seu espírito, não pega em uma espingarda miserável para ir matar com diabólico prazer as inocentes avezinhas, cuja utilidade é incontestável, utilidade que de mil maneiras se manifesta. E V., que dispõe de elementos materiais razoáveis, que tem um cérebro normal, que tem um coração que sente, pode muito bem procurar outros prazeres mais dignificantes e mais razoáveis.

O leitor interessado no texto completo poderá recorrer à publicação mencionada ou ao número 276 do jornal A Batalha, de setembro-outubro de 2017, onde para além da carta terá acesso a uma introdução feita por Francisca Bicho.

Teófilo Braga
30 de janeiro de 2018

domingo, 28 de janeiro de 2018

Memória de uma desastrosa campanha de desratização


Campanha de envenenamento no mês de Abril


Sob o lema “O rato é uma praga é preciso eliminá-la”, decorreu de 2 a 20 de Abril, uma campanha de desratização no Pico da Pedra, promovida pela Junta de Freguesia com a colaboração dos Serviços Agrícolas.

Antes da referida data, tinha dito ao Sr. Presidente da Junta que o que deveria ter sido feito era uma campanha de limpeza, sendo a de desratização um complemento da primeira. Como é habitual, optou-se por combater os efeitos e não as causas.

No período já referido, andaram uns rapazinhos a colocar saquinhos de veneno pelas paredes de algumas ruas em local bem visível e ao alcance de qualquer criança. Posso comprovar através de fotografias e tenho várias pessoas que poderão testemunhar o que acabei de afirmar.

No passado dia 27, um grupo de jovens vândalos andou a tirar os sacos das paredes, a atirá-los para o chão, tendo “entrado” em minha casa e tentado envenenar o cão.

É com alguma mágoa que venho a público denunciar este autêntico “crime” cometido por uma autarquia composta por pessoas pelas quais tenho o maior respeito e consideração, mas só o faço porque poderá servir de exemplo a não seguir por outros que pretendam promover campanhas do mesmo tipo. Por outro lado, é a prova de que nem sempre com bons ovos se fazem boas omeletes.

(Publicado no jornal “Correio dos Açores”, a 6 de maio de 1990)

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Chatelier e o galinho do tempo



Chatelier e o galinho do tempo

“…na ciência, assim como em todas as circunstâncias da vida, uma perseverança incansável e um vigor inflexível na luta contra os obstáculos (...) são elementos essenciais do sucesso”.(Le Chatelier)

Há mais de trinta anos sempre que ia a Lisboa e queria trazer uma pequena prenda para familiares e pessoas amigas comprava um galinho do tempo.

O galinho do tempo é um bibelot com a forma de um galo que muda de cor consoante o estado do tempo, isto é, se as asas e o rabo do galo ficarem de cor azul significa que o tempo está bom, quente e seco, se, pelo contrário a coloração for rosa, o tempo está húmido e provavelmente chuvoso.

Muitas pessoas acham que o galinho é capaz de prever o tempo, mas, na realidade, o que ele faz é dar uma indicação do tempo em cada momento. Na altura também me interrogava a razão da mudança de cor e não encontrei explicação, até a ter encontrado num manual de Química.

A explicação para a mudança de cor foi dada pelo químico francês Henri Louis Le Châtelier (1850 -1936) que se formou na “ École des Mines em Paris, ensinou química sucessivamente na École des Mines, no Collège de France e na Sorbonne (1878-1925) e tornou-se inspetor geral de minas (1907)”.

De acordo com Camila Welikson só a perseverança de Louis de Chatelier fez com que o seu trabalho acabasse por ser reconhecido mais de vinte anos depois. Com efeito, segundo a autora referida, a primeira formulação do Princípio de Le Chatelier ocorreu em 1884 não tendo sido aceite pela Academia de Ciências. Ainda segundo a mesma autora: “A recusa viria ainda mais três vezes antes do cientista conseguir, em 1907, conquistar a posição que tanto ambicionava.”

Qual o enunciado do Princípio de Le Chatelier e como funciona, então, o galinho?

Maria Dantas e Marta Ramalho, autoras do manual escolar “Novo Jogo de Partículas Física e Química A-Química -11º ano”, enunciam o Princípio de Le Chatelier do seguinte modo: “Se num sistema em equilíbrio se introduzir uma perturbação, o sistema vai reagir no sentido de contrariar essa perturbação”.

São fatores que podem fazer alterar o estado de equilíbrio a concentração, a pressão e a temperatura.

No caso do galinho vamos considerar apenas a concentração (neste caso maior ou menor humidade do ar, isto é mais ou menos água que como se sabe que tem a fórmula química H2O) e a variação de temperatura (pelo princípio referido, quando a temperatura aumenta há absorção de energia pelo sistema logo este evolui no sentido da reação endotérmica)

O galinho possui o rabo e as asas pintadas com uma solução aquosa de cloreto de bário II. A equação do equilíbrio químico é a seguinte:

[CoCℓ4]2-(aq) + 6 H2O(ℓ)↔ [Co(H2O)6]2+(aq) + 4 Cℓ1-(aq)


O ião [CoCℓ4]2- apresenta a coloração azul e o ião [Co(H2O)6]2+ é rosa. Assim sendo, se o tempo está muito húmido a reação vai dar-se da esquerda para a direita, aumentando a concentração do ião [Co(H2O)6]2+ pelo que o galinho fica rosa. Se diminuir a humidade a reação dá-se em sentido contrário aumentando a concentração do ião [CoCℓ4]2-, pelo que o galinho fica azul.

Sabendo-se que a reação de formação do ião [Co(H2O)6]2+ é endotérmica, o aumento de temperatura vai favorecer o aumento da sua concentração pelo que o galinho ficará azul. Se, pelo contrário, a temperatura diminuir a reação vai dar-se em sentido contrário, isto é, vai aumentar a concentração do ião [CoCℓ4]2- que é rosa.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores 24 de janeiro de 2018 p. 17)

Nova Lei da Caça para alimentar velhos vícios


Nova Lei da Caça para alimentar velhos vícios

Foi aprovada recentemente uma nova legislação que regulamenta a caça nos Açores que, ao contrário de restringir a atividade que beneficia uma parte cada vez menor dos habitantes dos Açores, pretende dar mais alento a uma elite cada vez mais isolada. Com efeito, é cada vez maior o número de pessoas que condenam uma atividade que se faz, não por necessidade de alimentos, mas apenas para divertimento.

Dos argumentos apresentados para a continuação da matança da vida selvagem o mais usado pelos caçadores que se dizem ambientalistas é o “da manutenção” e o do “controlo da superpopulação” de algumas espécies.

A provar que aquele é um falso argumento aqui está uma parte da lista das espécies cinegéticas que não precisam de ser mortas para viverem: narceja-comum, narceja de Wilson, pato-real, perdiz-vermelha, perdiz-cinzenta e piadeira.

Os sucessivos governos dos Açores, quer do PSD quer do PS, não têm sabido defender o património natural do nosso arquipélago, estando ao serviço do lobby da caça, como prova o facto de criarem espécies em cativeiro, para depois as soltar para serem caçadas, usando dinheiros do orçamento regional que devia estar ao serviço de todos e não de apenas alguns.

Por último, não podíamos de referir a proposta absurda do PSD que queria incluir na lista das espécies cinegéticas o faisão comum. Neste caso, como seria mais uma espécie a ser criada com o nosso dinheiro, o PSD estaria a funcionar como Robin dos Bosques, mas ao contrário, isto é, a roubar aos pobres para dar à elite rica (ou que se faz) cá da terra.

José Oliveira
23 de janeiro de 2018

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

A Proteção às Aves há quase cem anos


Notas Zoófilas (130)

A Proteção às Aves há quase cem anos

No número 4319 do jornal Açoriano Oriental, publicado no dia 23 de fevereiro de 1918, os leitores daquele matutino puderam ler um interessante, e apesar de tudo ainda atual, texto, da autoria de F. Mira, intitulado “A Proteção às Aves”.

O texto foi publicado com destaque de primeira página, o que mostra a importância que os responsáveis pelo jornal davam a um assunto que hoje seria remetido para uma página interior, portanto sem o relevo que então mereceu.

Nos nossos dias o que conta são os grandes negócios, mesmo que sujos, a porca da política e as desgraças alheias, que infelizmente são os “temas” que fazem vender alguns jornais, uma parte dos quais sobrevivem de subsídios governamentais.

Depois desta introdução, deixamos aos leitores interessados alguns apontamentos deixados por F. Mira.

O autor, depois de citar um naturalista que afirmou que o mundo seria inabitável para o homem dez anos depois do desaparecimento das aves, estanha o facto de, por toda a parte, se destruírem as aves, sob os mais diversos pretextos.

Um dos exemplos apresentados, o primeiro, foi o da coruja que era considerada “um animal nocivo e de mau agouro” e acusada, injustamente, do “crime de beber o azeite das Lâmpadas” e que na verdade são “os melhores caçadores de ratos que se conhecem”.

De acordo com o autor que vimos citando, são alguns insetos os principais inimigos dos agricultores e são precisamente algumas aves os principais aliados daqueles. Como exemplo de aves auxiliares dos agricultores, F. Mira refere que “uma ninhada de carriças consome no ano três milhões de bichos; e o abelharuco, para criar os filhos duma ninhada, mais de 20 000 lagartas”.
Teófilo Braga
23 de janeiro de 2018

Desenho de Geral Le Grand

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Daniel de Sá e a Fome de um Duque


Daniel de Sá e a Fome de um Duque

Daniel Augusto Raposo de Sá, natural da Maia, ilha de São Miguel, onde nasceu a 2 de março de 1944, morreu na mesma localidade no dia 27 de maio de 2013, depois de uma vida profissional e uma participação cívica e política dignas de registo.

Foi professor do primeiro ciclo do ensino básico, foi uma presença assídua na comunicação social, sendo colaborador de vários jornais. e foi um escritor de grande mérito, com uma vasta obra publicada.

Politicamente, esteve ligado ao Partido Socialista, tendo desempenhado com dedicação vários cargos. Sobre o assunto, com a modéstia que caracteriza os grandes homens, escreveu: “Meteram-me na política, onde tenho sido de tudo um pouco, menos membro do governo regional, porque, além de outras razões evidentes, de certeza não serviria para isso.”

Sobre a relação entre os homens e os outros animais, no dia 19 de janeiro de 2008, publicou no blogue Aspirina um magnífico texto, intitulado “A Fome de um Duque”, que abaixo se transcreve:

“Se as casas vazias não se queixam, nem os gatos parecem estranhar muito ausências a que não estão acostumados, os cães ficam aparvalhados, andam como órfãos, vagueando à procura dos donos e de comida.

O pastor estava no seu almoço de pão e presunto quando viu o Duque. O animal andava vagarosamente. Parou a uns dez passos à sua frente, ficando a seguir com o olhar os movimentos da mão entre a mesa de pedra e a boca. Chamou-o: “Anda cá, Duque.” Ele chegou-se-lhe sem pressas, que talvez nem pudesse, e ficou com a cabeça quase encostada à sua perna direita, à espera. O pastor partiu metade do pão e do presunto, para lhe dar bocadinho a bocadinho. O cão mastigou cada pequeno naco de presunto de um lado, depois do outro, saboreando a fome. Engolia batendo várias vezes os maxilares, fazendo uns estalidos secos com os dentes, de beiços muito molhados e ligeiramente despegados, como que tomando gosto à saliva.

Duque não tinha genealogia. Era um rafeiro cuja nobreza não ia além do nome, uma ironia. Mas tinha carácter. Seria incapaz de deixar os donos como quem abandona um cão.”

Teófilo Braga
18 de janeiro de 2018

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Alguns marcos históricos da educação ambiental e da defesa do ambiente (1)


Alguns marcos históricos da educação ambiental e da defesa do ambiente (1)

A maioria dos autores considera que a educação ambiental surgiu na década de 70 do século passado com o objetivo de procurar soluções para a crise ecológica que estava associada à exploração capitalista dos recursos naturais. Assim, a educação ambiental não se limita a fornecer aos indivíduos mais informação e formação, ensina-lhes, também, a utilizar judiciosamente o ambiente.

De acordo com as recomendações da Conferencia de Tbilisi, realizada na ex- URSS, em Outubro de 1977, o princípio geral da educação ambiental é:

“Fazer compreender às pessoas e às comunidades a natureza complexa resultante dos fatores físicos, biológicos, sociais, económicos e culturais do ambiente natural e urbano e dar a estas pessoas ou comunidades a oportunidade de adquirir os conhecimentos, os valores, as atitudes e as aptidões práticas que lhes permitam ajudar de uma maneira responsável e eficaz a prever e resolver os problemas ecológicos e gerir a qualidade do ambiente.”

Antes de entrar no tema proposto, refiro que entre nós a educação ambiental já teve melhores dias. Assim, hoje não questionando a relação homem-natureza ou o modo de produção e de consumo, as ações são pontuais, plantando-se árvores nas escolas no Dia da Floresta que acabam por morrer no Verão seguinte por falta de rega e só se fala em reciclagem quando se devia ensinar a consumir com parcimónia e apostar na redução e na reutilização.

Depois desta introdução, apresento alguns marcos importantes da educação ambiental e da defesa do ambiente que começaram muito antes da data mencionada no início do texto.

Em 1854, um dos maiores vultos da literatura americana, Henry David Thoreau (1817-1862) publicou o livro “Walden ou a Vida nos Bosques” que é considerado como um dos melhores livros escritos sobre a Natureza.

Sobre esta importande obra de um dos principais inspiradores do movimento naturalista e o pai do movimento da conservação da natureza nos Estados Unidos, José Carlos Costa Marques, um dos históricos do movimento ecologista português, escreveu:

“…uma série de dezoito ensaios que descrevem a forma como aí viveu, numa existência simples e auto- suficiente, a sua intimidade com os pequenos animais com que contactava, os sons, os cheiros, o aspecto dos bosques e da água nas várias estações, os sons do vento. «Um homem é rico em proporção ao número de coisas que se pode dar ao luxo de não ter» “, escreveu ele em Walden”.

Em 1864, no seu livro “Homem e Natureza: ou a geografia física modificada pela ação humana”, o diplomata e político norte-americano George Perkins Marsh (1801-1882) colocou em evidência “os perigos da interferência humana no ambiente”.

Em 1866, o biólogo e médico alemão, Ernst Haeckel (1834-1919), propõe o vocábulo “ecologia” para “definir os estudos a serem realizados sobre as relações entre as espécies e seu ambiente”.

Em 1872, foi criado o primeiro parque nacional do mundo, o Yellowstone National Park, localizado nos estados de Wyoming, Montana e Idaho, nos Estados Unidos da América.

De acordo com Andréa Pelicioni, em 1883, no Brasil, o político e historiador Joaquim Nabuco (1849-1910) denunciou, entre outros, “o esgotamento da fertilidade dos solos no Rio de Janeiro” e “a ganância da indústria extrativista na Amazonia”.

Ainda no século XIX, John Muir (1838-1914), escocês emigrado nos EUA, funda o “Sierra Club”, a primeira organização do mundo dedicada à preservação da natureza selvagem.

John Muir teve uma grande influência sobre as políticas de conservação da natureza nos Estados Unidos, tendo, segundo José Carlos Marques visto o seu trabalho reconhecido pelo presidente Theodore Roosevelt que sobre ele escreveu o seguinte:

“Muir tinha uma alma destemida. Os seus livros são deliciosos … ele foi também, o que é dado a poucos amantes da natureza, um homem capaz de influenciar o pensamento e a acção contemporâneos sobre as questões a que tinha consagrado a sua vida. Foi um grande factor de influência sobre o pensamento da Califórnia e do país inteiro no sentido da preservação desses grandes fenómenos naturais - canyons maravilhosos e árvores gigantes, encostas brilhantes de flores... a nossa geração deve muito a John Muir.”

(continua)

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 31430, 17 de janeiro de 2018, p. 14)

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Torda anã


Torda- anã

Foi encontrada no Pico da Pedra, no dia 15 de janeiro uma ave marinha, denominada torda-anã (Alle alle) que possui plumagem preta e branca, com bico espesso e curto.

De acordo com a Wikipédia, “ nidifica nas regiões árcticas em latitudes muito elevadas (80 graus N) e inverna normalmente no mar acima do Círculo Polar Árctico (por exemplo no Mar de Barents, no estreito da Dinamarca e no Mar da Noruega). Mais para sul é pouco comum, sendo excepcional a sua ocorrência em Portugal.”

Esta ave que não é muito comum aparecer nos Açores, foi assinalada pela primeira vez por Godman na publicação “On the Birds of the Azores”, datada de 1866.

Damos os parabéns ao sr. Filipe Travassos que a recolheu e que tudo fez para que a ave fosse devolvida à liberdade depois, de devidamente observada por quem de direito.

Ainda ontem foi contatado o Centro de Reabilitação de Aves Selvagens de São Miguel que ficou de vir buscar a ave ao Pico da Pedra. Esperamos que o tenha feito.

Nota- agradecemos a Gerbrand Michielsen pela sua pronta identificação da ave.

Pico da Pedra, 16 de janeiro de 2018
TB

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Dr. César Faria um amigo dos animais


Dr. César Faria um amigo dos animais

Foi com alguma consternação que tomámos conhecimento, através de um comunicado da direção do Clube de Futebol Vasco da Gama, da morte do médico Dr. César Faria que residiu durante muitos anos em Vila Franca do Campo.

De acordo com um texto publicado no jornal “A Vila”, publicado no dia 28 de abril de 1994, o Dr. César Faria para além de médico de profissão foi “poeta nas horas vagas e muito louco naquilo que a palavra encerra de bom”.

Habituado a construir os seus brinquedos quando era criança, o Dr. César Faria foi mais do que um artesão um artista no que diz respeito à construção de pequenos instrumentos musicais e miniaturas de ferramentas usadas em carpintaria e marcenaria.

De acordo com o comunicado mencionado acima, a nível do desporto, o Dr, César Faria colaborou com o Clube de Futebol Vasco da Gama em regime de voluntariado, “através do acompanhamento em termos de saúde a muitas centenas de atletas.”

Como homem de cultura, escreveu vários poemas que foram publicados no jornal católico vila-franquense “A Crença”. Segundo ele os seus poemas “embora não sejam de construção fácil, são de entendimento fácil”, pois defendia que a poesia, tal como a pintura, era um meio de comunicação entre as pessoas e por isso devia ser percebida por todos.

Como amigo dos animais, tratava de inúmeros gatos e foi um dos primeiros sócios da AVIPAA - Associação Vilafranquense de Proteção dos Animais e do Ambiente, tendo doado um terreno a esta associação.

T. Braga

9 de janeiro de 2018

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

O escritor açoriano Pedro da Silveira e a Seara Nova


O escritor açoriano Pedro da Silveira e a Seara Nova

Pedro Laureano Mendonça da Silveira foi um escritor açoriano que nasceu na Fajã Grande, ilha das Flores, a 5 de setembro de 1922 e faleceu, em Lisboa, em 2003.

Depois de ter feito estudos na ilha Terceira, a partir de 1945 fixou residência em Ponta Delgada. Nesta cidade colaborou assiduamente com o jornal “A Ilha”, tendo aí influenciado culturalmente vários jovens, como Bruno da Ponte que num testemunho publicado no livro “A oposição ao Salazarismo em São Miguel e em Outras ilhas Açorianas (1950-1974)” escreveu que foi através dele que conheceu vários autores brasileiros e a literatura de viagens.

Sobre a sua passagem por São Miguel, Eduíno de Jesus, no mesmo livro, faz referência a um grupo, de que fazia parte Pedro da Silveira, “que apareceu em Ponta Delgada logo a seguir ao fim da guerra e que aderiu francamente às ideias modernas, causando uma grande perturbação no meio micaelense”. No mesmo livro, o encenador e ator açoriano, Mário Barradas, após referir que foi através de Pedro da Silveira que contatou com o neorrealismo, relata um episódio caricato que envolveu a polícia. Segundo ele, Pedro da Silveira foi “preso por uma acusação que nunca se soube qual era; o que se dizia é que ele, conversando connosco no Bar Jade, teria afirmado que o Afonso de Albuquerque era homossexual”.

Em 1951, Pedro da Silveira troca Ponta Delgada por Lisboa, tendo aí residido o resto da sua vida, onde foi primeiro delegado de propaganda médica e depois funcionário da Biblioteca Nacional.

Foi curiosamente numa reunião realizada na Biblioteca Nacional que surgiu a revista Seara Nova, de que Pedro da Silveira foi colaborador, entre 1957 e 1974, que teve como fundadores Aquilino Ribeiro, Augusto Casimiro, Azeredo Perdigão, Câmara Reys, Faria de Vasconcelos, Ferreira de Macedo, Francisco António Correia, Jaime Cortezão, Raul Brandão e Raul Proença, pessoas que não se conformaram com o que “ designavam de "desastre colectivo" e pugnavam pelos valores da inteligência, da cultura, da ética, da justiça e do progresso”. No primeiro número da revista, publicado a 15 de outubro de 1921, o Grupo Seara Nova definia-se como «opondo-se ao espírito de rapina das oligarquias dominantes e ao egoísmo dos grupos, classes e partidos» e condenando os constantes movimentos revolucionários em nome da verdadeira Revolução - a dos espíritos “

Em 1957, Pedro da Silveira foi autor de dois textos publicados na Seara Nova. O primeiro “Uma viagem por velhos papéis ...e algumas lembranças” que saiu no número duplo 1343-1344, datado de agosto, setembro e outubro e o segundo, “Luís da Silva Ribeiro Mestre da Açorianidade”, grande mestre da etnografia açoriana, publicado no número 1345-1346, de novembro-dezembro.

O ano da chamada Revolução dos Cravos, 1974, foi um dos anos em que a Revista Seara Nova contou com mais colaborações de Pedro da Silveira, a primeira das quais intitulada “Avril au Portugal” foi publicada no primeiro número da Revista, o nº 1543 relativo ao mês de maio, que depois de muitos anos não foi alvo censura prévia.

No seu texto, Pedro da Silveira mencionou as mentiras ditas na televisão por um dos porta-vozes do Estado Novo, o sr. César Moreira, sobre a Revolta dos Açores e Madeira. Segundo ele, na conversa surgiram “as “biscas” soezes diretamente arranhando os povos insulares então rebelados, com alguns metropolitanos, contra a ditadura. Irresponsáveis foi o mínimo que chamou aos vencidos…”.

Sobre a presença das principais figuras do Estado Novo na Madeira, a seguir ao 25 de abril, Pedro da Silveira insurge-se pelo facto de não estarem lá como presos mas como “turistas”. Sobre o assunto, aqui fica um pequeno extrato do seu texto: “…E o espanto é tanto maior, e vai crescendo, porque ainda não houve (ou não me chegou notícia de que houvesse) um madeirense que, sentindo suja, insultada a sua ilha com a presença de tais “hospedes”, passasse às vias de protesto ou até…e era natural…às de facto: com um par de bofetadas”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31423, 9 de janeiro de 2018, p.16)

A luta dos Professores dos Açores


A luta dos Professores dos Açores

Convocada pelo Sindicato Democrático dos Professores, nos passados dias 3, 4 e 5 de janeiro, alguns professores dos Açores estiveram em greve para exigir o descongelamento da carreira docente e a contagem integral do tempo de serviço congelado.

Durante os três dias de greve e, talvez, para responder a uma provocação do Secretário Regional de Educação que afirmou que o que os professores pretenderam com a marcação da greve para os primeiros dias do 2º período foi prolongar as férias, os professores fizeram questão de comparecer em concentrações que se realizaram em vários pontos de Ponta Delgada.

Já depois de terminada a greve, no passado dia 6 de janeiro, houve uma nova concentração em frente ao Palácio de Santana há hora onde decorreu a receção de ano novo do Presidente do Governo Regional a diversos “representantes da sociedade açoriana” que mais não eram os políticos que vivem à custa do orçamento e representantes da burguesia grande e pequena que vice da exploração da força de trabalho da maioria do povo açoriano e de apoios estatais.

Se o número de professores presentes nas concentrações por vezes terá rondado as duas centenas, o que não é mau, e se a greve não teve a adesão da maioria dos docentes, tal deveu-se à falta de união dos sindicatos e à pouca autonomia e algum oportunismo de alguns docentes resultantes de algum egoísmo, de uma burocratização sindical e da origem social de alguns professores e educadores.

Analisando o papel das forças partidárias, regista-se o seu silêncio. De algum modo indicativa da posição do PCP, está um texto de um seu dirigente e antigo deputado que considerou a greve extemporânea.

A luta dos professores só poderá ser vitoriosa se aqueles confiarem nas próprias forças e se se unirem, independentemente das suas ideologias, opções partidárias ou filiações sindicais, na luta pela defesa dos seus direitos.

JS

sábado, 6 de janeiro de 2018

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Capitão Manuel Cordeiro: de canada a rua, depois do sonho de ser avenida

Capitão Manuel Cordeiro: de canada a rua, depois do sonho de ser avenida

Quando cheguei ao Pico da Pedra, nos primeiros anos da década de 80 do século passado, o alargamento e abertura da canada da Sabina já era um anseio dos habitantes da freguesia.

Mais ou menos por esta altura uma Junta de Freguesia, penso que presidida por Armindo Botelho, conseguiu obter um projeto para que o sonho fosse concretizado. Como no Pico da Pedra não há exceção para uma doença que é endémica de quase todas as terras, outra junta de freguesia de coloração diferente não achou que tal fosse prioridade e o projeto foi engavetado.

Muitos anos depois, com um novo projeto, o sonho concretizou-se e hoje estamos todos mais bem servidos. Mas, como não há bela sem senão, aqui vão alguns aspetos que consideramos menos positivos e que, nalguns casos, poderiam ser solucionados sem grandes custos.

Começamos pelo caso mais complicado que é a existência de uma longa lomba, junto à saída do campo de futebol, que constitui um perigo para a vida, sobretudo das crianças que frequentam aquela infraestrutura desportiva. Se na altura das obras a solução era muito fácil e não encarecia o projeto, hoje os custos são elevados e nunca uma junta de freguesia poderá arcar com os mesmos.


A segunda situação de facílima solução está relacionada com o pequeno espaço “ajardinado” que se localiza em frente ao campo de futebol.

Se felicitamos os promotores pela tentativa de arborizar com espécies nativas ou endémicas, não podemos nos calar face à ignorância ou descuido com que são tratadas as plantas, nomeadamente as faias e os paus-brancos.

A inexistência de caldeiras ou de qualquer proteção à volta das plantas fazem com que os fios da roçadoras mutilem os seus caules o que leva, mais cedo ou mais tarde à morte das mesmas, como já aconteceu com algumas e vai acontecer em breve com outras. A solução para o problema é muito fácil e passa pela criação de caldeiras ou pela proteção dos caules.


Relacionado ainda com a arborização da rua, verificamos que as plantas usadas na mesma, apesar de estarem plantadas há alguns anos não se têm desenvolvido como seria de esperar. Com sinceridade não sabemos o que está a falhar, bem como o que deverá ser feito para alterar a situação, a não ser esperar para ver o que acontece, mas não eternamente. Na altura da construção abordamos o encarregado das obras e chamamos a atenção para o facto de nos parecer que as caldeiras serem pequenas, a resposta que tivemos foi se forem pequenas mais tarde alguém vai mandar fazer maiores e é mais trabalho para a empresa.


Por último, uma referência ao ecoponto talvez mais utilizado do Pico da Pedra. Embora não tenhamos dados para tal afirmar, uma coisa é certa vemos pessoas de quase todas as ruas da freguesia a utilizá-lo, bem como trabalhadores de empresas, de outas localidades, que lá depositam sobretudo embalagens.

Para além da formação cívica da população que deve ser contínua, devia ser estudada a possibilidade de existir mais um contentor de lixo indiferenciado, pois o existente rapidamente enche, o que faz com que as pessoas passem a colocar resíduos no chão ou, pior do que isso, a depositá-lo nos outros contentores destinados a resíduos específicos, como o vidro, etc.


Pico da Pedra, 5 de janeiro de 2018

Teófilo Braga

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Para que serve a escola?



Para que serve a escola?

No passado dia 29 de novembro, pelas 8 horas e trinta minutos, por decisão do Conselho Executivo da minha escola, fui obrigado a substituir uma colega que faltou naquele dia. Aulas de substituição são, do meu ponto de vista, quase sempre um disparate que felizmente já desapareceu nalgumas escolas, mas que persiste noutras, embora os responsáveis tenham conhecimento de que nas aulas em que o professor que é substituído não deixa trabalhos para os alunos fazerem, o papel do professor substituto pouco se diferencia do de “babysitter”.

Como a colega lecionava a disciplina de Português e eu sou professor de Física e Química, como a turma era do 7º ano de escolaridade e como não conhecia os alunos e não me foi dada nenhuma indicação sobre o que fazer, limitei-me a tomar conta das crianças que disseram que nada tinham para estudar, pois estudar é coisa rara nos dias que correm.

Na altura, como é difícil manter numa sala de aula alunos que nela não querem estar, que gostam muita da escola, mas apenas dos corredores e dos recreios, decidi que aqueles poderiam aprender algo se fizessem uma visita guiada ao exterior, onde seria possível identificar algumas plantas e falar sobre a sua importância para a vida humana.

Querendo saber até que ponto ia o seu conhecimento sobre o mundo que os rodeava, aproximei-me de uma das plantas e perguntei-lhes qual era o seu nome. A resposta não se fez esperar: “é uma árvore ou arbusto”. Como a resposta que pretendia não chegava, acrescentei: “Então, como se chamam as árvores que existem, talvez em maior número, nas bermas das estradas?”

Como ninguém foi capaz de identificar um plátano, dirigi-me para outra planta e voltei a fazer a mesma pergunta. A resposta foi: “é um arbusto”. Mas qual o seu nome? Como as bocas se calaram fiquei a saber que ninguém conhecia uma camélia.

Não me dando por vencido, cinco minutos depois, já com a metade dos alunos sentados, pois alegaram cansaço depois de caminharem menos de 50 metros, voltei a perguntar o nome de outra planta. Como ninguém identificou uma azálea, fiquei a saber que os alunos não ligavam patavina ao meio onde se encontram ou nunca ninguém teve o cuidado de lhes dar a conhecer a realidade que os rodeia.

Não querendo atribuir culpas a ninguém, acho muito estranho a ignorância absoluta manifestada pelos jovens, a qual revela que não aprenderam nada em casa, nem nos seis anos de escolaridade que já frequentaram, muitas vezes em escolas que ostentam bandeiras verdes.
Para além do referido, a minha estranheza advém, também, do facto de, para além da ausência de conhecimentos, a sua falta de interesse por quase tudo ser enorme.
Depois de cerca de 40 anos de muita canseira, muitas alegrias e muitas mais desilusões, hoje tudo, para alguns, parece perfeitamente normal. Para outros, não sei se a maioria, o que mais interessa são as atividades de fachada, são as bandeiras azuis e verdes, são os sucessos fictícios, são as melhorias estatísticas que ficam bonitas nos papéis, mas que na realidade escondem o facilitismo que se fomenta.
Na escola que, infelizmente, temos é o elitismo e o apartheid que é promovido ao premiar quem já tem todas as condições materiais e outras para atingir bons resultados. Sobre o assunto Everett Reimer escreveu: “A definição de mérito dada pelas escolas é, principalmente, a vantagem de se ter pais eruditos, biblioteca em casa, oportunidade de viajar, etc. O mérito é uma cortina de fumaça para encobrir a perpetuação do privilégio”.
Além do mencionado, continua-se a tentar tapar o Sol com uma peneira, tentando que a escola resolva os problemas criados fora dela. Como muitos já disseram, e para quem acredita que a escola poderá ter um papel positivo na evolução da sociedade, esta não se muda através da escola, muda-se com a escola.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31420, 5 de janeiro de 2018, p. 18)

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Em greve

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Contributos para a história da tauromaquia e da oposição à mesma na ilha de São Miguel (Açores): Séculos XIX e XX



Introdução

Quer se goste ou não, a verdade é que as touradas são uma anacrónica tradição da ilha Terceira que persiste até hoje com o apoio descarado das entidades governamentais e com a hipócrita ajuda da Comunidade europeia que não ignora que os apoios comunitários também servem para o fomento da criação de gado bravo.
Não podemos ignorar que alguns terceirenses, sobretudo os que lucram com a exploração animal, mais do que preocupados em manter a tradição tudo fazem para expandir o negócio, o que tem acontecido com mais ou menos sucesso nas outras ilhas, como é o caso da ilha Graciosa, onde numa primeira fase as touradas foram repudiadas.
Na ilha de São Miguel, com apoio de governantes, tudo têm feito para que os maus tratos a bovinos para divertimento se generalizam.
Neste texto, sintetiza-se o ocorrido nesta ilha antes do presente século e dá-se a conhecer algumas posições contra as touradas.
Não está fora do nosso propósito, num futuro que não queremos muito longínquo, descrever o que aconteceu no presente século e denunciar as pessoas individuais e coletivas envolvidas na promoção de touradas e outros tristes espetáculos com bovinos.

São Miguel, 2 de janeiro de 2018
José Soares



Contributos para a história da tauromaquia e da oposição à mesma na ilha de São Miguel (Açores): Séculos XIX e XX

É antiga, não há dúvidas, a prática de maltratar animais, tal como àquela sempre esteve associada a oposição aos maus tratos. O caso da tauromaquia não foge à regra, havendo ao longo dos tempos várias vozes que se opuseram à mesma em todos os países do mundo onde aquela existe ou já existiu.
No século XIX, a oposição à tauromaquia na ilha de São Miguel fez-se através das páginas dos jornais “O Repórter” e “O Sul”.
“O Repórter” dirigido por Alfredo da Câmara, um dos fundadores da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, no dia 11 de abril de 1897, num texto intitulado “Guerra de Morte às touradas” para além de criticar a tauromaquia, faz ironiza com as reportagens tauromáquicas e satiriza os jornais que a promovem.
Sobre os jornais podemos ler o seguinte: “

“Assim, vai dedicando à santa missão da educação do povo, extensos artigos em que relata até às últimas minudências as peripécias selváticas acontecidas nas touradas, soltando ao mesmo tempo profundos e dolorosos gemidos porque os touros perderam a ferocidade que apresentavam noutro tempo.
Estas lamentações fazem-nos crer que o touro é menos refratário à civilização do que o próprio homem, pois que vai diminuindo de ferocidade, enquanto o homem aumenta.”

Sobre os repórteres, o extrato seguinte diz-nos tudo sobre o pensamento do autor do texto:
“…Segue-se àquela interessantíssima narração uma outra em telegrama de Valência referindo que “os touros de Saltillo saíram muito bons”.
Se cá os houvesse assim, pagava-se com certeza o deficit.
“Morreram 14 cavalos”, diz ainda o telegrama.

Não pode haver espetáculo mais comovente e que melhor satisfaça um coração bem formado do que ver morrer 14 cavalos, em agonia prolongadíssima com o corpo transformado num crivo, deixando passar pelos buracos os intestinos, arrastando-os pela arena e pisando-os muitas vezes com as próprias patas!

O selvagem do correspondente do “Século” devia exultar de satisfação todas as vezes que via desaparecer as armas do touro no corpo de um misero cavalo, que recebia assim o pagamento dos serviços que prestou ao homem durante toda a vida trabalhando para ele!

Termina o selvagem a sua notícia dizendo que “foi uma corrida magnífica”!...

O jornal semanal “O Sul” , que se publicou em Vila Franca do Campo, em Julho de 1898, ridicularizou os espanhóis aficionados das touradas, através de um texto magistral que com as devidas alterações e atualizações se aplica ao que está a acontecer hoje na ilha Terceira, onde perante uma situação que poderá ser dramática para a mesma, em termos de aumento de desemprego, com a saída de militares norte-americanos da Base das Lajes, as elites quase só pensam em touradas. Para memória futura e porque é mais esclarecedor do que um resumo, aqui fica um excerto do texto mencionado:
“Viva los Toros
Ao passo que em Cuba e nas Filipinas os soldados espanhóis caem varados pelas balas dos insurgentes, a população de Madrid entrega-se levianamente ao seu espetáculo favorito, como se o estado do país fosse o mais próspero possível.
Há dias houve ali uma bezerrada, em que tomaram parte atores, jornalistas, etc.
Entretanto a pátria gemia..,.
Pois não gema!
A nacionalidade vai-se perdendo…
Pois não se perca!
E as derrotas têm sido formidáveis…
Que se amanhem!
….”
A 26 de outubro de 1920, o Diário dos Açores publicou um aviso, assinado pelo Barão da Fonte Bela, onde se pode ler que em reunião foi decidido, por unanimidade, passar o capitão subscrito da Empresa Tauromáquica para a “nova industria açoriana de fiação e tecidos”. Na mesma reunião foi indicada a comissão encarregada de elaborar os estatutos da nova empresa cuja constituição é a seguinte: Conselheiro Dr. Luís Bettencourt de Medeiros e Câmara, Frederico Carlos Santos Ferreira, Filigénio Pimentel, António Taveira do Canto Brum e Horácio Teves.

Em 1924, o jornal Correio dos Açores noticiou “para muito breve, algumas corridas de touros” em Ponta Delgada, esperando-se a chegada do toureiro Angelo Herren que vinha escolher o local onde iriam ser “lidados bravos touros do importante lavrador Corvelo, da Terceira”.
De acordo com o Correio dos Açores, de 16 de Julho de 1922 , viviam na Terceira dois irmãos Corvelo, o Manuel e o Cândido, que eram os maiores criadores de gado manso e bravo dos Açores.

Fonte: Correio dos Açores, de 16 de Julho de 1922
Ainda de acordo com a notícia que vimos citando, apesar da sua riqueza, “nunca se calçaram e descalços tomavam parte em sessões da Junta Geral, no exercício do mandato de Procuradores, sendo sempre a sua voz escutada com respeito”.
Por último, através do mesmo texto ficamos a saber que, para além de grandes lavradores e proprietários, eram também “dois grandes corações e dois perfeitos homens de bem” que gostavam de bem receber quem os visitava. Tal aconteceu aquando de uma ida à Terceira de um grupo de micaelenses, em 1919, que foram muito bem acolhidos “durante uma ferra de gado organizada em sua honra, a que compareceram alguns milhares de pessoas”.
Em 1933, a revista Insula, nº 17, de maio daquele ano publicitava a realização de uma tourada integrada num “Festival na Lagoa das Furnas”


Em janeiro de 1942, o Correio dos Açores noticiou a vinda de um ganadeiro da ilha Terceira com o objetivo de estudar a possibilidade de introduzir em São Miguel touradas de praça e à corda.
Na mesma notícia, o redator referiu que era “de esperar que sejam satisfatórios os planos de estudo a realizar, devendo já para a próxima época ser corridos em Ponta Delgada touros em praça e à corda nas várias regiões desta ilha”.
Para além das investidas na ilha de São Miguel, alguns terceirenses sempre que acolhiam pessoas de outras paragens com segundas intenções ou não, tudo fazem para que os mesmos assistam a atividades relacionadas com a tauromaquia. A título de exemplo, menciona-se que, em 1960, aquando da visita à Terceira de um grupo de estudantes micaelenses em que participaram o então aluno João Bosco da Mota Amaral e o vice-reitor Dr. José de Almeida Pavão Jr.., logo no primeiro dia, a seguir ao almoço, foram levados para uma tenta que, para Cristóvão de Aguiar , outro dos participantes, é “uma espécie de tourada de praça com novilhos”
Desconhecemos se chegou a haver espetáculos tauromáquicos resultantes destas duas tentativas da indústria tauromáquica, mas a 25 de março de 1961, o Correio dos Açores , num texto intitulado “Touradas em São Miguel” informa que “há muitos anos para os lados da Vitória, houve uma “experiência” tauromáquica em São Miguel, que malogrou”.
Em 1961, de acordo com o referido jornal a indústria tauromáquica voltou a investir no mercado micaelense através da juventude liceal de Angra que se deslocou a Ponta Delgada trazendo consigo touradas de praça e de corda.
No referido ano, a tortura andou à solta, em Ponta Delgada, tendo ocorrido várias touradas que mancharam algumas festas religiosas a que não escapou a realizada em homenagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres.
No ano mencionado, “o domingo de Páscoa, assinalado na vida lisboeta, como o da abertura oficial do Campo Pequeno, foi escolhido para ser entre nós o da moderna tentativa de uma tourada de praça, a qual terá lugar no recinto do Cine Solar, pelas 16 horas, em que farão a sua aparição dois espadas, três bandarilheiros e um grupo de sete forcados capitaneados por Carlos Alcáçova”.
A publicidade do evento foi entregue à SPAL e o diretor da tourada de praça foi o Dr. Rafael Valadão dos Santos, sendo o empresário Marcelo Pamplona o qual tinha a pretensão de, se o espetáculo vingasse, passar a exercer a sua atividade em duas ilhas.
No dia seguinte, também pelas 16 horas, realizou-se uma tourada à corda na Avenida Príncipe do Mónaco.
Em 1961, as festas da cidade de Ponta Delgada, as maiores festas religiosas dos Açores, realizadas em honra do Senhor Santo Cristo dos Milagres foram manchadas pelo derramamento de sangue de animais (touros) para pura diversão de alguns sádicos que se dizem humanos. Com efeito, a Agência de Publicidade SPAL voltou a colaborar com um grupo de terceirenses na organização de dois festivais tauromáquicos que se realizaram nos dias 8 e 11 de maio, respetivamente segunda-feira e quinta-feira do Santo Cristo.
Nesta segunda investida da indústria tauromáquica terceirense, em 1961, recorde-se que a primeira ocorreu pela Páscoa, para além de touros das ganadarias de José de Castro Parreira e José Diniz Fernandes, vieram da ilha Terceira os amadores Henrique Parreira e Amadeu Simões e o grupo de forcados chefiados pelo cabo Osvaldo Simões que na sua estreia terá feito uma pega de costas. Para as duas touradas de praça, veio “expressamente de Madrid” o famoso matador espanhol Luís Lucena.
Na segunda tourada realizada o cabo dos forcados foi levado pelo touro de um extremo ao outro da praça até embater num muro. Levado ao hospital pela ambulância dos bombeiros voluntários foi-lhe diagnosticada “uma simples comoção sem fracturas” .
Para além das duas touradas, realizou-se uma garraiada onde atuaram oito “neófitos micaelenses”.
De acordo com o jornal Correio dos Açores os três novilhos foram lidados por António Manuel da Câmara Cymbron, Luís Ricardo Vaz Monteiro de Vasconcelos Franco e Henrique Machado Soares e como forcados atuaram Victor Manuel Rebelo Borges de Castro, Luís Fernando da Câmara Cymbron e João de Sousa Duarte com o auxílio de Luís Manuel Athayde Mota e António Manuel Rebelo Borges de Castro.
Na altura, o entusiasmo pelas touradas era tanto que era muito falada a construção de uma Praça de Touros em Ponta Delgada, tendo sido aventados um terreno pertencente à Câmara Municipal de Ponta Delgada na rua da Mãe de Deus, em frente ao Foral da Misericórdia, e um outro pertencente a particulares localizado em São Gonçalo.
A adesão de alguns micaelenses às touradas em 1961 causou algum pânico na ilha Terceira como se poderá confirmar através de alguns textos publicados nos jornais daquela ilha.

Assim, a 20 de Abril de 1961, a ANI transcreveu uma notícia do Diário Insular onde se afirmava que uma subscrição para a construção de uma praça de touros em São Miguel já havia recolhido cerca de 2000 contos. Na mesma notícia ainda se pode ler o seguinte: E a piada reside exactamente, desde que se confirme a notícia da tal subscrição, no facto de S. Miguel ameaçar desviar da Terceira o centro tauromáquico do arquipélago com a construção de uma praça que, naturalmente, destronaria a velha Praça de S. João” e continua: “Podem não achar-lhe qualquer piada os aficionados terceirenses, mas a verdade é que o facto não deixa de a ter. Ou não terá?”
De igual modo, o Jornal A União, citado pelo Correio dos Açores, de 4 de Maio de 1961, também publicou um texto intitulado “Virou-se o feitiço…” onde a dado passo pode ler-se:

“Por bem fazer…mal haver. A embaixada académica (Liceu) que foi a S. Miguel e quis levar até aos nossos irmãos micaelenses um pouco daquela descuidada alegria que as Touradas emprestam à mocidade terceirense, deve estar agora convencida de que, indo “por bem”, o seu esforço redundou num péssimo serviço prestado à ilha Terceira. Lançando em Ponta Delgada o “vírus” da Festa Brava, mudaram possivelmente o “eixo” desse atractivo até há pouco “exclusivamente terceirense” em terras Açorianas, criando-se mais uma situação “subsidiária” de que não será fácil furtar-nos dentro de pouco tempo”.

Ainda a atestar o interesse pelas touradas, o Correio dos Açores noticiou a organização de uma excursão de micaelenses à Terceira para assistirem a uma tourada de gala que se realizou a 3 de julho de 1961 e que contou com a participação do toureiro português António dos Santos e do “matador” espanhol Orteguita, onde foram corridos touros vindos do continente português.

Em 1962, o jornal “A União”, de 8 de março, publicou um artigo assinado por Estirau, onde este se refere à criação, em São Miguel, de um Clube Taurino que já possuía uma sede “com livros, revistas e jornais da especialidade” e acrescenta que os promotores da iniciativa já possuíam 2000 contos para a construção de uma praça de touros.
Sobre o futuro das touradas em São Miguel, o autor mencionado previa, com alguma tristeza, que seriam um sucesso, nos seguintes termos: “depois de se acostumarem a tal divertimento não querem outro, e nós, terceirenses, ficamos em 2º lugar”.