sábado, 28 de dezembro de 2013

Atentado a Salazar na imprensa de Ponta Delgada



Atentado a Salazar

A 4 de Julho de 1937, o Doutor António de Oliveira Salazar (1889 1970), presidente do Conselho de Ministros, foi alvo de um atentado perpetrado por anarquistas, sendo o mais conhecido de entre eles o anarco-sindicalista Emídio Santana (1906 - 1988), autor de diversos ensaios sobre o anarco-sindicalismo e o mutualismo, que depois da queda do Estado Novo, em 25 de Abril de 1974, foi um dos fundadores do Movimento Libertário Português e da “Cooperativa Editora A Batalha” e diretor do Jornal “A Batalha”, que ainda hoje se publica.
Emídio Santana, que fugiu de Portugal por via marítima foi detido em Southampton, no Reino Unido, e entregue à polícia portuguesa em Outubro de 1937, no seu livro “História de um atentado: o atentado a Salazar”, publicado em 1976, relata com pormenor o ocorrido. Na referida obra nada lhe escapa, desde a preparação até às peripécias ocorridas depois do atentado, passando pelo ocorrido no dia. 
O jornalista Valdemar Cruz, no seu livro “Histórias secretas do atentado a Salazar”, editado pela primeira vez em 1999 e reeditado em Abril deste ano, por sua vez, dá-nos a conhecer os segredos da investigação policial, os falsos autores do atentado que depois de torturados confessaram o que não fizeram e as duas mortes que nunca ninguém explicou.
Curioso, ou talvez não, foi o papel desempenhado pela comunicação social que, como acontece nas ditaduras sejam elas quais forem, foi na sua maioria fiel aliada ou porta-voz do regime, divulgando todas as mentiras que eram sopradas pela PYDE, que obcecada com o Partido Comunista e em mostrar serviço, quarenta e oito dias depois noticiou a prisão de cinco falsos implicados no atentado.
Em São Miguel, a comunicação social foi unânime na condenação do atentado e na divulgação das várias manifestações de apoio ao Doutor António de Oliveira Salazar, embora o tema que mais preenchesse diariamente as páginas dos jornais, sobretudo do Correio dos Açores, fosse a guerra civil espanhola, entre republicanos e partidários de Francisco Franco, general que liderou um governo de orientação fascista de 1936 a 1975.
Com grande destaque na primeira página, no dia 6 de Julho de 1937, o jornal Correio dos Açores, dirigido por José Bruno Carreiro, refere que “a notícia do atentado contra Salazar …- causou em toda esta nossa ilha de S. Miguel, como não podia deixar de ser – as mais profundas e as mais justas indignações” e acrescenta “com verdade se pode dizer que este momento é uma encruzilhada da história em que se encontram frente a frente, embora pareça um paradoxo, Portugueses portugueses e portugueses que o não são. Para os primeiros vive Portugal, para os segundos vive Moscovo.
A 18 de Julho, o Correio dos Açores transcreve a notícia, publicada no Diário da Manhã oito dias antes, que menciona como culpado o “ignóbil facínora” António Conrado Júnior e como cúmplices, “iguais facínoras de igual jaez: Francisco Horta Catarino e José dos Santos Rocha”.
O Açoriano Oriental, dirigido por Ferreira d’Almeida, no dia 10 de Julho de 1937 apresenta na sua primeira página um texto intitulado “Salvé Salazar! Garantia do Império” onde são feitos elogios ao presidente do Conselho de Ministros e são referidas as manifestações de cariz religioso e cívico de condenação do atentado, realizadas em São Miguel.
A 28 de Agosto, o Açoriano Oriental divulga os nomes dos “autores do execrando crime”: Jacinto Carvalho, António Pires da Silva, Aires do Ascensão Eloy, José Hota e Manuel Francisco Pinhal. No mesmo texto são divulgadas declarações dos investigadores, segundo os quais a responsabilidade do crime era atribuído a organizações terroristas estrangeiras, “o partido comunista português era de nulo valor antes da guerra em Espanha” e os seus “chefes”, José de Sousa e Bento Gonçalves que estiveram na Rússia e receberam instruções do Komintern” eram “de baixa categoria”.
Não deixa de ser estranha a insistência das autoridades em atribuir a culpa aos comunistas quando o PCP, através do jornal “Avante”, saído no final do mês de Julho de 1937, já se havia pronunciado “contra o terrorismo individual porque esta tática só serve os interesses da contrarrevolução – do fascismo”.
Estranho, também, não deixa de ser o facto de os verdadeiros responsáveis pelo atentado, opositores ao regime e ao Partido Comunista, entre os quais Emídio Santana, Francisco Damião e Raul Pimenta, só começarem a ser presos nos últimos dias do mês de Setembro de 1937.
Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº2983, 27 de Dezembro de 2013, p.21)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O caminho faz-se ao andar…



O caminho faz-se ao andar…

Quando há cerca de 40 anos comecei a participar em passeios pedestres, sobretudo nos concelhos da Ribeira Grande e de Vila Franca do Campo, estava longe de imaginar que o pedestrianismo viria a ser uma prática que hoje atrai cada vez mais pessoas que têm como objetivo quase único o desfrutar do meio envolvente.
Também estava longe de imaginar que viria a interessar-me não só pelo pedestrianismo, o desporto dos que andam a pé, mas também pela frequência de ações de formação, pela organização de caminhadas, pela elaboração de roteiros e finalmente pela dinamização de ações de formação em escolas e para agentes turísticos, no âmbito dos Amigos dos Açores- Associação Ecológica.
Mas, o pedestrianismo que é a atividade de percorrer grandes distâncias a pé, na natureza, normalmente por caminhos bem definidos e sinalizados, é para alguns considerado como situado entre o desporto e o turismo. Com efeito, ao fazer deslocar pessoas para as zonas rurais, o pedestrianismo poderá promover o desenvolvimento socioeconómico através da rentabilização da oferta hoteleira, da restauração, do alojamento rural, do turismo de habitação, etc.
Quando foi aprovado, em Dezembro de 2004, pela Comissão de Acompanhamento dos Percursos Pedestres da Região Autónoma dos Açores, a primeira “Lista de Percursos Pedestres Recomendados” passaram a existir em oito ilhas dos Açores (o Corvo ficou de fora) 36 trilhos recomendados, sendo a sua extensão aproximada de 283 km. Na altura, 12 dos 36 trilhos (30%) existentes localizavam-se na ilha de São Miguel, sendo a sua extensão sensivelmente igual a 31% da dos trilhos dos Açores.
A grande aposta no pedestrianismo como atividade/oferta turística foi feita, a nível governamental, pelo Prof. Doutor Duarte Ponte, na qualidade de Secretário Regional da Economia e pela Drª Isabel Barata, Diretora Regional do Turismo. A propósito, refira-se que, a 23 de Setembro do ano 2000, o referido Secretário Regional fez a abertura simbólica do primeiro percurso pedestre sinalizado dos Açores, o da Serra Devassa, localizado no concelho de Ponta Delgada.
A nível autárquico, o concelho que mais apostou no pedestrianismo foi o da Povoação durante a presidência do professor Francisco Álvares. Infelizmente, apesar de algum trabalho efetuado, o concelho de Vila Franca do Campo poderia ter ido muito mais longe no aproveitamento das suas potencialidades.
Mas se houve algum alheamento ou mesmo uma aposta errada no percurso urbano “Ponta Garça- Vila Franca”, por parte da Câmara Municipal, os Amigos dos Açores fizeram uma aposta forte no concelho. Com efeito, ao longo dos anos e desde 1994 foram editados milhares de roteiros de percursos pedestres com destaque para o do percurso “Praia-Lagoa do Fogo”, o qual é, a par com o da Serra Devassa, já mencionado, e com o do Salto do Prego-Sanguinho, no Faial da Terra, um dos três mais visitados da ilha de São Miguel.
Os Amigos dos Açores editaram cinco roteiros de percursos pedestres implantados, no todo ou em parte, no concelho de Vila Franca do Campo, a saber:
- Praia Lagoa do Fogo, com diversas edições, com mais de 6000 exemplares publicados no total e que está esgotado;
- Três Lagoas, com pelo menos uma edição de 1500 exemplares;
- Quatro Fábricas da Luz, com pelo menos uma edição de 1500 exemplares;
- Pico da Vela, com três edições, de 1500 exemplares cada;
- Ponta Garça – Ribeira Quente, com uma edição de 1500 exemplares.
Hoje, se queremos aproveitar todos os recursos que a natureza nos deu para dinamizar o concelho de Vila Franca do Campo há que fazer uma aposta no pedestrianismo, quer acompanhando o que é feito pelo Governo Regional dos Açores, quer tomando a iniciativa de dinamizar a atividade e de recuperar trilhos e fazer uma ampla divulgação dos que já existem.
Em jeito de conclusão, sugiro que seja estudada a hipótese da sinalização do percurso do Pico da Vela e do das Três Lagoas, com as necessárias alterações, que na impossibilidade da manutenção do trilho Ponta Garça-Ribeira Quente o mesmo seja transformado num percurso circular não saindo do concelho de Vila Franca e que seja averiguada a possibilidade da abertura de um percurso circular com inicio na Praça Bento de Gois, passagem pela Senhora da Paz e pela Quebrada e regresso pelo antigo caminho do Calço com passagem pela Rua da Cruz e rua da Palmeira na Ribeira Seca e regresso ao ponto de partida.
Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 2976, 18 Dezembro de 2013, p.18)

sábado, 14 de dezembro de 2013

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A Felicidade de todos os seres na sociedade futura



A Felicidade de todos os seres na sociedade futura

"Gonçalves Correia dá-me vontade de rir pela sua ingenuidade e tolstoianismo - mas acaba por se me impor. Este homem, que pretende realizar um sonho, dá a esse sonho tudo o que ganha, e, apesar da guedelha, das considerações ingénuas, faz-me pensar" (Raul Brandão)

Nas minhas pesquisas em jornais antigos cheguei a uma reportagem publicada no jornal “A Vila”, publicada no dia 7 de Julho de 1994, onde se dá conta da presença em Vila Franca do Campo de um bisneto do escritor e pensador russo Leão Tolstói que havia adquirido naquela vila uma propriedade onde passou a residir durante alguns meses do ano.
Quase em simultâneo, também dei conta que o projeto de sociedade e as ideias defendidas pelo famoso escritor russo eram muito apreciados em todo o mundo nos primeiros anos do século passado sobretudo por quem se reclamava do pensamento libertário.
Em São Miguel, a sua obra e pensamento foi difundida pelo jornal “Vida Nova”. Naquele jornal, entre outros, João Anglin, que mais tarde foi reitor do Liceu Nacional de Ponta Delgada. a ele dedicou pelo menos um texto.
No continente português, Leão Tolstói foi referência para António Gonçalves Correia, anarquista tolstoiniano que esteve em São Miguel, em 1910, e que colaborou em quatro números do quinzenário micaelense “Vida Nova”.
Gonçalves Correia (1886-1967) foi um anarquista português que nasceu em Castro Verde e faleceu em Lisboa. Vegetariano, foi ensaísta e poeta, tendo criado a primeira comunidade anarquista em Portugal, a Comuna da Luz, no Vale de Santiago, em Odemira.
De acordo com José Maria Carvalho Ferreira, defendia um tipo de anarquismo que era “marginal” em relação às teorias e práticas (anarco-sindicalismo e anarco-comunismo) que eram dominantes na época em que viveu.
As ideias de Gonçalves Correia ainda hoje mantêm atualidade já que o mesmo não se limitava a defender uma melhor vida para os humanos mas também para todos os animais. Mas, se assim pensava melhor o fazia. Sobre o assunto Carvalho Ferreira escreveu: “Comprar passarinhos que estavam prisioneiros nas gaiolas aos comerciantes que os vendiam nas feiras do Alentejo para depois os libertar, ou desviar-se com a sua bicicleta dos caminhos percorridos pelas formigas para não as matar, são exemplos paradigmáticos de como nós devemos agir para se construir um equilíbrio ecossistémico entre todas as espécies animais”.
Gonçalves Correia, que é para alguns considerado um precursor da permacultura, numa palestra intitulada “A Felicidade de todos os seres na sociedade futura”, proferida em Évora, em 1922, e que mais tarde foi publicada em livro, dizia que o sofrimento, “obra maléfica do homem”, afeta não só os seres humanos mas também os “irracionais” que “vieram ao mundo para serem a ajuda fraternista de todos nós e nunca escravos tristes e submissos que chocam a nossa sensibilidade”.

Para ultrapassar a condição degradante em que viviam todos os seres vivos, que segundo ele tinha como causa principal a “fórmula errada da propriedade privada “, Gonçalves Correia defendia que se devia empregar “todo o esforço sincero e ardente no sentido de criar a alegria nos seres humanos, pois que a alegria, assim, se irá refletir até mesmo nos seres inferiores”.
E como alcançar a felicidade?
Gonçalves Correia acreditava que a felicidade, a alegria de viver, podia ser alcançada “pela clarificação da inteligência, pela bondade, pela pureza de intenções, pela sinceridade, pelo trabalho”. Mas não qualquer trabalho, apenas o trabalho “consciente, metódico, que não seja a tirania do salariato, que não seja a escravidão, o trabalho feito com alegria, com boa vontade, com consciência, o trabalho que dimana da nossa vontade soberana!”
E o que queriam os militantes que pensavam como Gonçalves Correia?
“ A abundância de pão para todas as bocas, a fartura de luz, essa luz bendita do amor, para todas as almas”.
Na sociedade futura que é perfeitamente alcançável, segundo Gonçalves Correia, não só será possível a felicidade para todos os homens, mas também para os “irracionais”. A este propósito dizia ele: “ O próprio irracional não terá, como o boi simpático e paciente, olhos mortiços o corpo cansado e esquelético. Compreenderá o homem, enfim que ser rei dos animais não significa ter o direito à sua tortura. Os próprios irracionais terão lugar no grande banquete da vida, inundando-se a terra de pura, de generosa alegria”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 2970, 11 de Dezembro de 2013, p.16)

                 Foto daqui:       http://revistaalambique.files.wordpress.com/2012/06/1goncalvescorreia.jpg

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Lagoas, Lagoeiros e Charcos de Vila Franca do Campo



Lagoas, Lagoeiros e Charcos de Vila Franca do Campo

Não há consenso  acerca da classificação das diferentes massas de água, nomeadamente lagos, lagoas e charcos. Contudo, podemos dizer, citando a Campanha “Charcos com Vida”, que “os charcos diferenciam-se dos lagos e das lagoas pela sua baixa profundidade, penetração total da luz na água, possibilidade de ocorrência de plantas em toda a sua área e ausência de estratificação da temperatura da água e de formação de ondas”.

O concelho de Vila Franca do Campo é, não temos dúvidas, um dos mais ricos dos Açores no que diz respeito à presença de diferentes massas de água de dimensões diversas, às quais está associada a beleza paisagística e a riqueza em termos de fauna e flora.

A Lagoa do Fogo, implantada na caldeira de colapso do Vulcão do Fogo, é a única cuja área envolvente mantém, apesar de algumas introduções voluntárias ou não, muitos exemplares da flora primitiva dos Açores que a todo o custo devem ser preservados.

A Lagoa do Congro, assim denominada por ter pertencido a André Gonçalves, cognominado de “o congro”, de acordo com Gaspar Frutuoso, “por em seu tempo ser o mais rico homem da terra, como dizem ser o congro, entre os peixes que se comem, o maior peixe do mar”, está implantada numa cratera de explosão que se terá formado há cerca de 3 900 anos.

José do Canto (1820-1898), grande proprietário e intelectual açoriano, amante da jardinagem e distinto botânico amador, mandou plantar nos terrenos circundantes da lagoa matas de criptomérias, pinheiros, eucaliptos e acácias, tendo também ajardinado a parte sul da sua propriedade e construído uma casa de campo, recentemente demolida.

Durante muitos anos os seus proprietários mantiveram os acessos à lagoa em muito boas condições e procediam à manutenção de toda a área, nomeadamente da antiga mata ajardinada. Mais recentemente a área foi sendo progressivamente abandonada, tendo-se degradado quase por completo.

Depois de sete anos de espera, a proposta de classificação das Lagoas do Congro e dos Nenúfares por parte da Associação Ecológica Amigos dos Açores como área protegida foi aprovada. Assim, em 2007, a cratera do Congro foi classificada como Área Protegida para a gestão de habitats ou espécies (Decreto Legislativo nº15/06/2007) e no ano seguinte parte da bacia hidrográfica foi adquirida pelo Governo Regional dos Açores.

A Lagoa dos Nenúfares, também denominada Lagoa do Conde Botelho, localiza-se na mesma cratera da Lagoa do Congro e encontra-se neste momento bastante assoreada e as suas margens estão cobertas por plantas exóticas. Toda a área envolvente merecia ser alvo de trabalhos de recuperação, nomeadamente o trilho que a bordeja e o caminho de acesso.

Localizada numa cratera de explosão existente no Pico da Dona Guiomar, a Lagoa do Areeiro é de uma beleza paisagística invulgar. No lado sudoeste do pico existe um mato jovem de vegetação endémica que merecia a todo o custo ser conservado.

A Lagoinha, situada na cratera de explosão do Pico da Lagoa, localiza-se a norte da Lagoa do Congro. Como curiosidade regista-se a presença nas suas águas do peixe mosquito. Neste momento, é muito difícil o acesso à mesma já que toda a área envolvente foi replantada recentemente e encontra-se completamente coberta por vegetação, nomeadamente silvas.

Para além destas, há a registar outras massas de água mais pequenas como os lagoeiros do Pico do Frescão, do Pico d’El Rei e dos Espraiados, bem como alguns charcos que antes foram usados para bebedouros do gado bovino.

Para além do valor científico e educativo, do valor estético e paisagístico, as massas de água constituem um poderoso recurso turístico que não está a ser suficientemente explorado no concelho de Vila Franca do Campo.

 Há que por mãos à obra!
Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 2963, 4 Dez de 2013, p.11)

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Pelos Animais de Companhia



PELOS ANIMAIS DE COMPANHIA
"Chegará o dia em que todo homem conhecerá o íntimo dos animais. Nesse dia, um crime contra um animal será considerado um crime contra a própria humanidade." Leonardo da Vinci

Por iniciativa de Céu Simas e Fátima Cerqueira Rocha, promotoras do evento a nível nacional, realizar-se-ão em frente a algumas Câmaras Municipais de todo o país cordões humanos “pela adoção e esterilização- não ao abate”.

Nos Açores, o evento ocorrerá no próximo domingo, dia 24 de Novembro, pelas 15 horas, em Angra do Heroísmo, Ponta Delgada, Ribeira Grande e Vila Franca do Campo, estando prevista a entrega de um manifesto aos presidentes das respetivas câmaras e assembleias municipais no próprio dia ou em data a acordar posteriormente.

Em todos os concelhos a iniciativa é coordenada por uma ou duas pessoas ligadas ou não às associações de proteção de animais existentes. No que se refere à ilha de São Miguel não temos conhecimento da existência de nenhum membro dos órgãos executivos das associações envolvidas na organização do evento e a nível nacional sabemos que algumas associações não se quiseram envolver, alegando terem receio de “represálias” por parte das autarquias com as quais alegadamente dizem manter boas relações.

Esta atitude é, do meu ponto de vista, incompreensível, pois o cordão humano/manifestação é uma das formas que as pessoas têm, em democracia, de manifestar a sua opinião, de comunicar os seus anseios a quem de direito ou expressar a discordância com a política que está a ser seguida para com os animais de companhia.

No caso presente, para além do exposto, é também uma forma de alertar os cidadãos para a necessidade de abandonarem a passividade e participarem ativamente numa causa que cada vez mobiliza mais pessoas e uma forma de sensibilizar os autarcas recentemente eleitos. Por último, o evento pode e servirá, não tenho dúvidas, para juntar pessoas que não se conhecem, para troca de contactos com vista a futuras  atuações em conjunto.

Na maioria dos concelhos será utilizado um manifesto nacional, mas em Vila Franca do Campo os coordenadores acharam por bem adaptá-lo à realidade local. Neste manifesto, entre outras medidas, defende-se:

1-      A criação de um Centro de Recolha Municipal de Acolhimento e Proteção dos Animais onde os animais abandonados, errantes e em risco possam ser recolhidos, recuperados, tratados, identificados, esterilizados e encaminhados para adoção responsável, com uma política de não-abate.

2-      A criação de um Regulamento Municipal de Proteção dos Animais, no qual se definam, de harmonia com a legislação nacional em vigor, normas municipais mais estritas e mais firmes de proteção dos animais, com um sistema contraordenacional e coimas correspondentes, verdadeiramente eficazes para dissuadir/punir eventuais infrações às disposições desse Regulamento e à legislação em vigor de proteção dos animais.

3-      A abertura do Centro de Recolha aos serviços de voluntariado de associações e de grupos de amigos dos animais, nomeadamente aos fins de semana, de modo a garantir o acompanhamento dos animais que ali se encontrem e a poder facilitar contactos com promitentes adotantes.

Esta iniciativa, que esperamos tenha a adesão de muitas pessoas, surge numa altura em que por parte da Assembleia Regional dos Açores há uma abertura para que seja implementada  uma nova política que se traduzirá na esterilização de animais errantes e no estabelecimento de “parcerias que visem uma utilização pública do espaço do Hospital Alice Moderno, em moldes que se mostrem adequados a todas as partes e que respeitem a memória da referência, neste contexto, que é Alice Moderno”

Sobre o assunto do hospital Alice Moderno, o Secretário Regional dos Recursos Naturais, em declarações à Comissão Permanente dos Assuntos Sociais da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, também afirmou que “não veria problema de maior em que se tornasse um hospital público” e abordou a “possibilidade do Governo Regional efetuar algum tipo de protocolo com alguma associação”.

Pelos vistos a “bola” está do lado das associações. Quem dá um passo em frente?

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 2952, 20 de Novembro de 2013, p.16)

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Alice Moderno e os animais




ALICE MODERNO E A PROTEÇÃO DOS ANIMAIS EM VILA FRANCA DO CAMPO

Já por diversas vezes tive a oportunidade de escrever sobre o papel de Alice Moderno (1867-1946) na luta pela proteção dos animais no arquipélago dos Açores, nomeadamente na fundação e dinamização da atividade da Sociedade Micaelenses Protetora dos Animais, na denúncia persistente dos maus tratos infligidos aos animais de companhia e aos usados no transporte de mercadorias e, por último, no seu contributo, através da sua herança, para a construção de um hospital para tratamento dos animais doentes.
Numa altura em que um, ainda pequeno, grupo de vilafranquenses sensíveis à causa animal está a preparar uma ação de sensibilização com vista a minorar o sofrimento dos animais de companhia que são vítimas de maus tratos e de abandono, acabando por ir parar aos canis onde na sua maioria são abatidos, achei por bem dar a conhecer, através dos relatos de Alice Moderno, o que se passava no início do século passado e fazer o confronto com o que se passa hoje.
Começo por recordar que o jornal “O Autonómico”, que se publicou em Vila Franca do Campo, foi um grande defensor dos animais, quer saudando a criação de associações de proteção, quer exigindo o cumprimento do código de posturas municipal, quer denunciando os abusos cometidos.
A este propósito, Alice Moderno, a 13 de Outubro de 1912, denunciou no seu Jornal “A Folha” a existência “na pátria de Bento de Góis” de “um vendilhão de peixe, surdo-mudo de nascença, que espanca o pobre burro que lhe serve de ganha-pão com uma ferocidade inaudita e revoltante”. Segundo ela, que presenciou o episódio, “o pobre burro” foi alvo de “enormes bordoadas” por parte de um “ferocíssimo aborto” que estava “armado de um grosso cacete”.
Hoje, os animais de tiro quase desapareceram e com o seu desaparecimento terão acabado (?) os maus tratos de que eram vítimas e que cheguei a presenciar, na Ribeira Seca, durante a minha infância e juventude. 
Ainda recentemente, tive a oportunidade e a tristeza de observar, em Água d’Alto, um cavalo que estava debilitado, fruto de um alimentação insuficiente e possivelmente de falta de tratamento veterinário adequado.
No que diz respeito ao melhor amigo do homem, o cão, Vila Franca do Campo tem, por um lado, exemplos de pessoas que têm sabido dedicar algum do seu tempo à sua proteção e, por outro, tem exemplos de gente de coração empedernido que trata os animais como se calhaus fossem.
Em 1945, Alice Moderno denunciou, no Diário dos Açores, o facto de “Vila Franca das Flores” se distinguir “pela guerra feita ao mais fiel amigo do homem, o pobre cão”.
No texto referido, intitulado “Envenenamento de um cão”, Alice Moderno menciona as denúncias que tem recebido por parte de vários vilafranquenses, entre os quais o Dr. Urbano Mendonça Dias, relativas ao “lamentável espetáculo que oferecem, expostos nas ruas, cadáveres de cães a que foi propinada estricnina por mão incógnita e impiedosa”.
Por último, Alice Moderno menciona um caso de abandono, muito comum nos dias de hoje, que mostra a crueldade de alguns e a humanidade de outros. Aqui fica o relato:
“Ultimamente deu-se mais um destes casos: um continental saiu da vila abandonando o um pobre cão que possuía.
Uma gentil criança, filha do sr. Manuel Cabral de Melo, residente na rua da Vitória, tomou o desamparado quadrúpede sob a sua proteção, e todos os dias lhe fornecia um repasto que lhe garantia a existência.
Pessoa de mau coração - parece que moradora na mesma rua e muito embora o infeliz animal fosse absolutamente inofensivo, entendeu eliminá-lo da circulação envenenando-o cruelmente com grande mágoa do seu jovem protetor, cujo excelente coração é digno de maiores elogios.
Felizmente, parece que semelhantes casos não se repetirão por muito tempo visto que no continente da República há quem esteja eficazmente ocupando dos direitos dos irracionais e do dever que assiste ao Estado de os proteger”.
Infelizmente, quase setenta anos depois, o flagelo do abandono de animais de companhia ainda não foi debelado. Até quando continuará o crime sem castigo?
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 2946, 13 de Novembro de 2013, p.16)

terça-feira, 5 de novembro de 2013

A serpentina em Vila Franca do Campo e em São Jorge


Em texto publicado, no passado dia 30 de Outubro, fiz referência à utilização das duas espécies que têm o nome comum de serpentina. Nesta edição do jornal, limitar-me-ei a escrever sobre a serpentina-mansa (Arum italicum), nomeadamente sobre o seu uso para o fabrico de uma farinha na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo e nas Manadas, ilha de São Jorge. 
Na ilha de São Jorge, a serpentina é também designada por jarroca. De acordo com uma recolha efetuada há alguns anos pelo Centro de Jovens Naturalistas de São Jorge, junto da família Raposos da localidade das Manadas, a soca era apanhada nos meses de Abril e de Maio.
Depois de colhidas as socas eram lavadas e raspadas com uma faca para retirar a “pele” e a seguir eram moídas num moinho de carne. A polpa obtida era colocada num alguidar com água que era mudada durante três dias. Em seguida, era escorrida e colocada num tabuleiro até secar bem.
Para além de ser usada no fabrico de papas, a farinha de serpentina era tida, em São Jorge, como bom remédio para “a diarreia de pessoas e animais”.
Ainda de acordo com a mesma fonte, a farinha de serpentina também era usada para fazer goma, procedendo-se do seguinte modo: “Para tal, dissolve-se, em água fria, a farinha de jarroca, junta-se água a ferver e, enquanto morna, molha-se a roupa que se põe a secar. Ainda húmida passa-se o ferro até enxugar”.
Por último, na mesma nota que vimos referindo e que foi da autoria da senhora Maria José Silveira Azevedo, das Manadas, ficamos a saber que “em tempos de fome, o povo ia pelos “biscoitos” e matas procurar a soca de jarroca e a soca de feto para fazer farinha com que preparava uma massa que era cozida em bolos, no tijolo”.
Na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, na década de 70 do século passado, alguns homens, sobretudo camponeses sem terra, dedicavam-se à recolha da serpentina para compensar a falta de trabalho em alguns meses do ano. Lembro-me de ver alguns deles com sacas às costas e a deixá-las na casa da senhora Antonina “Trovoa” que morava na rua do Jogo.
Segundo Manuel Francisco, sobrinho de Antonina “Trovoa”, grande parte da farinha produzida na Ribeira Seca era vendida para Ribeira Grande, presumivelmente para Ezequiel Moreira da Silva que chegou a fazer a sua exportação para Lisboa.
Na altura, era muito fácil encontrá-la na Ribeira Seca ou nas localidades vizinhas, enquanto hoje a bibliografia menciona a sua abundância sobretudo na Ribeira Chã e nos Arrifes. Nas minhas caminhadas pela ilha de São Miguel, tenho-a encontrado um pouco por toda a parte, sendo muito fácil encontrá-la no Pico da Pedra.
Em conversa recente com Madalena Oliveira, moradora na rua da Cruz, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, talvez a única pessoa que ainda mantém viva a tradição no concelho, confirmei tudo o que havia tomado conhecimento através de diversa bibliografia consultada, a qual não incluía o livro recentemente, e em boa hora, editado pela Junta de Freguesia da Ribeira Chã “Serpentina Uma Tradição de Raiz”, da autoria de Teresa Perdição.
Madalena Oliveira que, aprendeu com sua mãe, Maria dos Anjos Salema Carreiro, e sua avó, referiu que a recolha dos rizomas é feita antes de a plantas espigarem, sobretudo nos meses de Fevereiro e Março, mês em que obteve melhores resultados.
Como principais instrumentos usados na transformação dos rizomas em farinha, Madalena Oliveira mencionou um ralador adaptado para o efeito, uma peneira de milho, uma dorna de madeira e panas de plástico que substituíram os alguidares de barro. Longe vão os tempos, referidos por Silvano Pereira, em 1947, em que os rizomas eram desgastados “pela fricção contra uma pedra ou tábua de lavar”.
Numa altura em que está difícil a vida para quem vive do seu trabalho, a recuperação e valorização de conhecimentos e práticas antigas deve merecer o carinho de quem tem nas suas mãos a gestão da coisa pública, a começar pelas Juntas de Freguesia que são quem está em contato direto com as populações.
No passado, escreveu Silvano Pereira, o fabrico de farinha de serpentina constituiu “uma pequena indústria rural” que deu origem a “um comércio de certa importância”. Hoje, poderá ser um complemento ao rendimento de algumas famílias.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 2940, 6 de Novembro de 2013, p.16)

domingo, 3 de novembro de 2013

Proteste: por um São Martinho sem tortura



A todas as pessoas singulares ou coletivas, solicita-se o envio do e-mail, abaixo dirigido ao presidente da Câmara Municipal da Lagoa (São Miguel – Açores) a solicitar o não apoio à vacada que está marcada para o próximo dia 9 de Novembro.
Muito obrigado

Enviar para: 


gabpres-cml@mail.telepac.pt, jfsantacruz-lagoa@sapo.pt, 


Ex. Senhor Presidente da Câmara Municipal da Lagoa,
Exmo Senhor Presidente da Junta de Freguesia de Santa Cruz

Tomei conhecimento de que se irá realizar na Freguesia de Santa Cruz, no próximo dia 9 de Novembro, uma vacada e venho por este meio manifestar o meu total repúdio por tal acontecimento, uma vez que as vacadas, contribuem para insensibilizar, habituar e até viciar crianças e adultos no abuso cruel exercido sobre animais.
Como muito bem escreveu o Médico Veterinário Vasco Reis “Vacadas e garraiadas contribuem para insensibilizar, habituar e até viciar crianças e adultos no abuso cruel exercido sobre animais, o que pode propiciar mais violência futura sobre animais e pessoas.
A utilização de animais juvenis submetidos à violência de multidões, não pode ser branqueada como “espetáculo que não tem sangue e é só para as crianças se divertirem". Mesmo que não tenha sangue, é responsável por muito sofrimento dos animais. Contribui, certamente, para a perda de sensibilidade de pessoas, principalmente de crianças, e para o gosto pela cruel tauromaquia. É indissociável de futilidade, sadismo, covardia. 
Vimos solicitar a Vossa Exª que tem apoiado as vacadas realizadas em anos para que reveja a sua posição e para os prejuízos que poderão advir para o Concelho da Lagoa pelo facto do mesmo passar a figurar na lista de cidades e concelhos a serem evitados por todos os turistas e pessoas de bem que para além de procurarem locais onde a natureza esteja imaculada também dão preferência a populações que respeitem os animais.
Com os melhores cumprimentos


Nome

quarta-feira, 23 de outubro de 2013



A Propósito de Homenagens

Um pouco por todo o lado, como forma de homenagear pessoas dá-se o seu nome a ruas, ruelas, canadas e becos. Também se usa escolher algumas pessoas que se tenham distinguido no campo da pintura, da ciência, da pedagogia, etc. para figurarem como patronos das escolas.
No caso das ruas, por vezes substituem uns nomes por outros ao sabor das vontades de quem governa, dos regimes políticos, neste caso para eliminar personalidades que serviram o apeado e substituí-las por outras. Também acontece atribuírem nomes de familiares ou recuperar nomes que se tivessem caído no esquecimento não viria mal ao mundo.
Há muitos casos caricatos, mas o que me vem à memória é o do presidente de uma Junta de Freguesia da ilha de São Miguel que propôs o seu nome para uma rua da sua terra. Felizmente o bom senso imperou e a brilhante intenção não passou disso.
Não sei como se processa a atribuição do nome das ruas em Vila Franca do Campo, mas nunca ouvi falar na existência de uma Comissão Municipal de Toponímia e caso exista desconheço a sua constituição.
De qualquer modo, com ou sem comissão, refiro a minha discordância para com a ânsia de atribuir nomes, a determinadas artérias do concelho, de “personalidades” que pouco ou nada fizeram para o merecer e que praticamente nada fizeram em prol do bem comum. O mencionado também se estende à atribuição de medalhas por ocasião do São João da Vila já que ao querer fazê-lo anualmente corre-se o risco de banalizar o ato e a certeza de distinguir quem nada fez para o merecer.
Estejam descansados porque não vou aproveitar o espaço disponível para apresentar os nomes das pessoas que já foram homenageadas e que, do meu ponto de vista, não o deviam ter sido. Não vou manchar a folha do jornal nem perder o meu tempo com isso.
Neste texto, vou retomar uma causa que já abracei há muitos anos e que não mereceu a devida atenção por parte do Secretário Regional da Educação e Cultura. Com efeito, em 1994, fui o primeiro subscritor de um abaixo-assinado que apelava para que fosse revista a decisão de atribuir o nome de Teotónio Machado de Andrade, que já havia sido homenageado e que já possuía uma rua com o seu nome, à Escola do Primeiro Ciclo da Ribeira Seca.
Não vou expor argumentos contra a opção que foi tomada, mas gostaria de perguntar se a simples passagem de um professor por uma escola é suficiente para que seja atribuído o seu nome à mesma?
Penso que está na altura de dar o seu a seu dono, pelo que a Escola Básica Escola Básica e Secundária de Vila Franca do Campo, a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia da Ribeira Seca deviam estudar seriamente o assunto e atribuir o nome da escola a quem efetivamente foi pioneiro na dinamização de uma comunidade.
No mencionado abaixo-assinado os subscritores solicitavam que à escola fosse atribuído o nome do professor Eduardo Calisto Amaral, que “pelo seu trabalho e dedicação marcou profundamente não só os seus alunos e as várias gerações que por aquele estabelecimento passaram mas também a comunidade local que tão bem soube servir”.
Como o apelo caiu em saco roto e como não sou pessoa de desistir à primeira, volto outra vez ao assunto esperando que desta vez tenha mais sorte.
Passados quase vinte anos mantenho a proposta, mas com uma preocupação que tenho partilhado com uma colega minha, a de não ser injusto para com os restantes professores que tornaram possível que a Escola da Ribeira Seca tenha sido pioneira na tão falada, mas cada vez mais esquecida, ligação escola-meio.
Embora possa estar a cometer um erro que espero corrigir, fizeram parte da equipa do professor Eduardo Calisto Amaral, os seguintes docentes:
- D. Adelaide da Conceição Soares
- D. Ilda Cesarina Borges
- D. Ildebranda Matias
- Valter Soares Ferreira
- D. Zulmira Teixeira
Por último, deixo uma menção especial ao professor Valter Soares Ferreira que foi meu professor nos últimos dois anos da então denominada escola primária e que muita matemática me ensinou. O que sou hoje, também, a ele o devo.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 2930, 23 de Outubro de 2013, p.16)

terça-feira, 15 de outubro de 2013



Bento de Jesus Caraça
“Se não receio o erro é porque estou sempre disposto a corrigi-lo” (Bento de Jesus Caraça)
Deve se muito reduzido o número de pessoas que, entre nós, saberá que foi Bento de Jesus Caraça o que é uma pena, pois não estamos, apenas, perante um ilustre matemático, mas também face a um cidadão que lutou contra a ditadura que durante quase meio século governou Portugal e que desenvolveu esforços para que a ciência fosse entendida por quem menos instrução tinha.
Bento de Jesus Caraça, que nasceu em 1901, em 1924, licenciou-se pelo Instituto Superior de Ciências económicas e financeiras da Universidade Técnica de Lisboa e seis anos depois passou a catedrático. Em 1938 funda, com outros colegas, o Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia que dirige até 1946, ano em que o referido centro foi fechado pelo Ministério da Educação.
Preocupado em fazer com que a ciência e a cultura não ficassem restritas a uma elite, Bento de Jesus Caraça, filho de trabalhadores rurais, promoveu um ímpar programa de divulgação que contou com dois grandes instrumentos: a Universidade Popular Portuguesa e a Coleção Cosmos, editada por aquela instituição, a qual editou “114 livros com uma tiragem global de 793 500 exemplares”.
A sua oposição à ditadura fez com que pertencesse a várias organizações, com destaque para a Liga Portuguesa Contra a Guerra e o Fascismo, a Frente Popular Portuguesa e o Movimento de Unidade Democrática (MUD).
Por ter sido um dos signatários do manifesto “O MUD perante a admissão de Portugal à ONU”, onde era exigida a democratização de Portugal como condição para a sua admissão naquele organismo, foi-lhe instaurado um processo disciplinar que levou à sua expulsão da Universidade, a 5 de Outubro de 1946, e à proibição de ensinar tanto em escolas públicas como em escolas privadas. Para sobreviver viu-se forçado a dar lições em casa.
Da sua vasta obra, que conheço apenas uma ínfima parte, destaco o livro “Conceitos Fundamentais da Matemática” que li e reli, com muito gosto, por mais de uma vez.

Recomendo, também, a leitura do texto da sua mais conhecida palestra intitulada “A Cultura Integral do Indivíduo, Problema Central do Nosso Tempo”, proferida em 25 de Maio de 1933, em Lisboa.
A mencionada conferência, bem como outras, como “Galileo Galilei, Valor científico e valor moral da sua obra”, “Escola Única”, “A Arte e a Cultura Popular” e “Aspectos do problema cultural português”, bem como outros textos, como “A luta contra a Guerra”, “A evolução da Física”, de Albert Einstein e Leopold Infield”, “Galileo e Newton” e “A matemática na vida dos homens” estão reunidas no livro “Conferências e Outros Escritos” editado pela primeira vez em 1970 e reeditado em 1978, aquando da passagem do trigésimo aniversário da sua morte.
Não tendo espaço suficiente para expor o seu pensamento, limitar-me-ei a apresentar alguns excertos de textos sobre vários assuntos.
Num texto, de 1932, sobre a guerra e sobre o estado do mundo, Bento de Jesus Caraça escreve o seguinte: “O mundo está, como estava em 1914, governado por homens inferiores, caricaturas de homens, e o que eles governam não é uma sociedade humana – é uma caricatura de sociedade humana. E será assim, enquanto homens novos não tomarem a direção do mundo para fazerem dele uma sociedade de homens livres.” Será, hoje, a situação muito diferente?
A seguir, sobre “odiada” matemática, Bento Caraça, em 1944, escreveu que a mesma estava a ganhar importância pois, encontrava-se a invadir a vida moderna e assistia-se a “uma matematização das ciências que dia a dia se tornam mais imprescindíveis aos homens” e acrescentava que a “rainha das ciências” estava a “tornar-se numa companheira democratizada e querida de todos nós”.
Por último, em 1946, Bento de Jesus Caraça, numa palestra intitulada “Aspectos do Problema Cultural Português” falou sobre o medo que se havia apoderado da “quase totalidade da população portuguesa” e que parece estar de volta ou então nunca nos abandonou por completo. Segundo ele, “a primeira coisa a fazermos para sermos gente é extrair o medo dos corações dos portugueses, fazendo deles homens generosos e fortes, libertos das grilhetas da mais aviltante das escravidões”.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 2924, 16 de Outubro de 2013, p.16)

quarta-feira, 9 de outubro de 2013


Cinco anos sem Veríssimo Borges

Ontem, dia 8 de Outubro, fez cinco anos que Veríssimo de Freitas Borges nos deixou.

Já por diversas vezes escrevi sobre os nossos encontros e desencontros, sobre as batalhas que travámos juntos e sobre a enorme falta que faz à manta de retalhos que era o movimento ambientalista que, depois de um período de núpcias com o Governo Regional dos Açores, acabou por (quase) desaparecer do mapa.

Hoje, não pretendo repetir-me, mas aproveito a oportunidade para recordar algumas das questões que eram levantadas/contestadas por ele e que ainda não perderam atualidade, com destaque para a incineração de resíduos sólidos urbanos que contra ventos e marés parece que está a avançar com a cumplicidade/financiamento da EU, sempre hipócrita a “enviar” fundos sem se preocupar se os mesmos são ou não utilizados em investimentos reprodutivos. Também não poderia deixar cair no esquecimento a obra faraónica, pelos gastos envolvidos, cujo montante nunca se chegará a conhecer, da estrada para a Fajã do Calhau que parece não resistir à erosão de nem uma mão cheia de anos e que ele, em devido tempo, tão bem soube contestar.

Neste texto, tentarei recordar um pouco a intervenção política do Veríssimo Borges que não começou com a implantação da democracia a 25 de Abril de 1974. Para isso recorri-me a informações retiradas do livro “A oposição ao Salazarismo em São Miguel e em outras ilhas açorianas” e ao que me lembro das conversas que com ele mantive ao longo de alguns anos, sobretudo depois da sua integração no movimento SOS-Lagoas, de que já fazia parte desde o início, e mais intensamente durante alguns meses em que frequentamos o mestrado de educação ambiental, na Universidade dos Açores.

Já Salazar havia caído da cadeira quando se realizaram eleições para o parlamento nacional, em 1969. Neste ano foi elaborada a “Declaração de Ponta Delgada”, da candidatura Independente às eleições para deputados, tendo como redator principal Ernesto Melo Antunes. Veríssimo Borges, então estudante, foi um dos subscritores da Declaração e durante as férias participou “em muitos actos de pré-campanha”. No mesmo ano, Veríssimo Borges, havia sido detido pela PIDE, no dia primeiro de Maio, no Rossio, por estar a distribuir panfletos sobre uma manifestação comemorativa do Dia do Trabalhador.

De esquerda, mas sem complexos, Veríssimo Borges era convidado e aceitava participar em iniciativas das mais diversas organizações partidárias, independentemente do seu posicionamento ideológico. Para ele, a ecologia não estava à esquerda nem à direita, estava em primeiro lugar.

 Um dia numa aula ministrada pela Doutora Ana Moura Arroz, quando estava em debate a participação cívica e política, os vários alunos expuseram as suas ideias e posicionaram-se face às várias correntes políticas e ideológicas, tendo o Veríssimo Borges dito que se considerava “anarquista autoritário”, o que não deixa de ser uma contradição para quem defende que a anarquia não é a desordem, mas a “ordem sem a coação”.

Já com a doença devidamente identificada, o Veríssimo quis participar em mais uma batalha, a de uma campanha eleitoral para a Assembleia Regional dos Açores, integrado numa lista do Bloco de Esquerda. A este propósito, cito abaixo uma sua “justificação” para o facto e para a aceitação de um convite por parte do Correio dos Açores:

“O diagnóstico de cancro incurável abriu-me o apetite para, no curto prazo, me dedicar à luta política pelo Ambiente e Desenvolvimento Sustentável no âmbito da Assembleia Legislativa e respectivas Comissões. Para tal basta ser eleito, à boleia de açorianos suficientes, já que o Bloco de Esquerda honrosamente me cedeu o 2º lugar das suas listas, com total garantia de independência.
Com esta mesma independência aceitei, sem interferência partidária, o convite do Correio dos Açores para ir publicando (à margem das campanhas eleitorais) uma sucessão de artigos representativos de outras tantas iniciativas a que pretendo dar prioridade na minha acção parlamentar.”

O Veríssimo não venceu a batalha eleitoral, nem a batalha da doença, mas nunca desistiu. Por isso está sempre ao meu lado e estará sempre presente entre nós.


Teófilo Braga


(Correio dos Açores, nº 2918, 9 de Outubro de 2013, p.16)