quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Dr. Lúcio Miranda


Sobre o Dr. Lúcio de Miranda

O Dr. Lúcio de Miranda, natural de Goa, foi professor de matemática no Liceu de Ponta Delgada. Foi casado com a senhora Fedora de Miranda, que foi presidente da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, após a morte de Alice Moderno, e foi pai de Sacuntala de Miranda, historiadora e militante política antifascista.

Em 1954, fruto da pressão exercida por Salazar para que por todo o país as mais diversas entidades manifestassem o seu repúdio pelo movimento gandhista que pretendia libertar os territórios ocupados por Portugal na Índia, o Dr. Lúcio de Miranda que desde muito novo era admirador de Gandhi, viu-se forçado a pedir a demissão de professor e a partir para Inglaterra, onde acabou por falecer em 1962.

Sobre o perfil de Gandhi, o Dr. Lúcio Miranda escreveu: “Aquela figura grotesca que tombou para sempre, varada pelas balas assassinas de um fanático, era o símbolo vivo da bondade e modelo de coerência do espírito, num mundo varrido pelos ventos desvairados da insânia” e acrescentou: “A sua palavra, calma e serena, galvanizava milhões de homens e pregava o evangelho da resistência não violenta contra a injustiça humana. No seu coração de oiro ardia a chama criadora de um culto diáfano da Verdade. E do seu corpo, débil e franzino, irradiava uma aura de imenso prestígio moral, reflexo de uma vida longa de pureza e sacrifício, inteiramente devotada ao serviço da pátria e dos humildes, com os olhos fixos num ideal de paz e liberdade”.

Bruno da Ponte, no livro “A oposição ao salazarismo em São Miguel e em outras ilhas açorianas (1950-1974)”ao referir-se ao Dr. Lúcio Miranda menciona a sua “personalidade marcante por causa da sua postura ética muito particular e das suas referências culturais diferentes das que eram habituais na sociedade açoriana”.

Em 1945 por iniciativa do Dr. Lúcio Miranda foi fundado o “Centro de Estudos de Matemática e Física do Liceu Nacional de Antero de Quental” que teve como fim “proceder a uma revisão sistemática da Matemática e da Física Clássicas, como base indispensáveis a quem quiser entrar no estudo da Ciência Moderna”. De acordo com uma nota publicada na revista Insulana, do Instituto Cultural de Ponta Delgada, o referido Centro funcionaria através de “conferências semanais, sob a forma de lições criticadas”, permitindo “um trabalho de conjunto, mais eficaz do que qualquer estudo isolado, dada a grande extensão daquelas ciências”.

Portador de uma cultura muito vasta, o Dr. Lúcio Miranda era conferencista em várias sessões não só sobre temas diretamente relacionados com a sua formação universitária, mas também sobre temas muito diversos de que é exemplo uma conferência que proferiu na Academia Musical de Ponta Delgada, em 1948, intitulada “O Romance de Chopin”.

Numa altura em que o Governo Regional dos Açores anda obcecado com os números do (falso) sucesso e estabelece metas para as escolas, que é uma maneira disfarçada de pressionar os docentes para exigirem cada vez menos, sobretudo nos primeiros anos, seria aconselhável a leitura de um texto da autoria do Dr. Lúcio Miranda publicado no Correio dos Açores, onde a dado passo ele escreveu: “ Em primeiro lugar, parece-nos ser absolutamente necessário que o professor abandone toda a atitude de exagerada benevolência, que, em vez de beneficiar o aluno só o prejudica, incutindo-lhe uma falsa consciência de si mesmo, cujos resultados são em regra contraproducentes”.

Sobre o terror que é para muitos alunos a disciplina de Matemática o Dr. Lúcio de Miranda proferiu uma oração de “sapientia” intitulada “O encanto das Matemáticas” na abertura solene das aulas do Liceu Antero de Quental que foi transcrita na íntegra no Correio dos Açores de 8 de outubro de 1932.

No final do texto que merecia ser reproduzido na íntegra, o Dr. Lúcio Miranda escreveu que pretendeu “contradizer a opinião corrente de que o mundo dos números é árido e obscuro, eriçado de dificuldades e destituído de atrativos” e por último, dirigindo-se aos alunos afirmou: “Não sei se V.V. acreditaram nos encantos que acabei de descrever. Se não acreditaram, estudem a Matemática e verão que laboraram num erro; e se acreditaram, estudem a Matemática para verem quanto ela encerra de Perfeição, de Harmonia e de Beleza”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30820, 30 de dezembro de 2015, p.10)


terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Sobre o “canil” de Vila Franca do Campo



Sobre o “canil” de Vila Franca do Campo


“O grau de civilização de uma sociedade pode ser medido pela forma como trata os seus animais” (Ghandi)

Se é verdade que não adianta chorar sobre o leite derramado, não é menos certo que devemos tirar lições dos erros cometidos, no passado, e isto só pode acontecer se os conhecermos e sem preconceitos refletirmos sobre os mesmos, sem qualquer necessidade de cruxificarmos os envolvidos.

Vem esta introdução a propósito da situação desumana e terceiro-mundista existente, até há pouco tempo, em Vila Franca do Campo, relativamente aos animais de companhia, mais concretamente aos cães.

Como era do conhecimento geral, em Vila Franca do Campo existia um espaço, sem quaisquer condições, que para os responsáveis não era um canil mas que na realidade funcionava como canil de abate.

Uma pessoa que conhecia bem o local, pois visitava-o com muita frequência para salvar animais, denunciou o facilitismo com que eram recebidos os animais sem qualquer penalização para os donos e a situação degradante em que esperavam a morte certa que se traduzia na sua colocação em cubículos minúsculos, por vezes mais do que um e o facto de viverem durante muito tempo sobre as próprias fezes.

Em 2011, o deputado da Assembleia da República do CDS-PP, João Rebelo, questionou as 308 Câmaras Municipais existentes em Portugal, perguntadno se as mesmas possuíam canis, qual a lotação das instalações, quanto tempo é que os animais ficavam nos canis, qual a percentagem de animais que acabavam por ser adotados, quantos regressavam aos seus donos, etc.

Tivemos acesso às respostas de várias autarquias, umas mais pormenorizadas, demonstrando transparência e preocupação com a situação que tinha tendência a agravar-se, pois os abandonos estavam a crescer ano após ano e outras nem tanto, procurando tapar o sol com uma peneira.

No caso de Vila Franca do Campo, a resposta da autarquia, datada de 12 de agosto de 2011, assinada pelo seu presidente, foi bastante elucidativa do modo como as questões do bem-estar animal eram tidas em consideração na altura.

Para memória futura, transcreve-se na íntegra o texto enviado, ao deputado João Rebelo, pela Câmara Municipal de Vila Franca do Campo:

“Em resposta ao vosso ofício, tenho a honra de comunicar a Vexas que este Município nunca teve nenhum gatil ou canil”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30819, 29 de dezembro de 2015, p.13)

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O percurso pedestre Poços- Calhetas


O percurso pedestre Poços- Calhetas

No passado dia 8 de dezembro tivemos a oportunidade de, na companhia de mais cinco pessoas, voltar a fazer o percurso pedestre entre a zona Balnear dos Poços, na freguesia de São Vicente Ferreira, e a Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, na freguesia das Calhetas.

O trilho mencionado é plano, possui uma extensão de pouco mais de 6 km e, sem paragens, pode ser feito em aproximadamente duas horas. Assim sendo, é recomendado a todas as pessoas das mais diversas idades, não exigindo preparação física especial. Pela diversidade da paisagem, da flora e de elementos geológicos, também recomendamos a grupos escolares.

Nos Poços localizou-se a única fábrica de transformação de cetáceos da ilha de São Miguel, construída em 1934, que, em virtude do desleixo de quem devia zelar pela memória dos nossos antepassados e pelo património industrial da região, foi deixada cair, restando apenas uma chaminé.

A atividade baleeira ter-se-á iniciado, em São Miguel, no final da década de 80 do século XIX. Com efeito, em 1885 chegaram a esta ilha, provenientes do Faial, dois botes baleeiros e, no ano seguinte já se caçava nos quatro portos da costa norte e em Vila Franca do Campo.

Nos Poços há também o que resta de um moinho de vento, construído nos finais do século XIX e que pertenceu ao Eng. Santos Simões, que o adquiriu aquando da sua permanência em São Miguel e onde escreveu o seu monumental livro Azulejaria nos Açores e na Madeira, editado pela Fundação Calouste Gulbenkian, em 1963.

Entre a localidade dos Poços e a freguesia dos Fenais da Luz é possível encontrar, entre outras, as seguintes espécies da flora dos Açores: diabelha (Plantago coronopus), vidália (Azorina vidalii), tintureira (Phytolacca americana), usai-dela (Chenopodium ambrosoides) murta (Myrtus communis) e feto marítimo (Asplenium marinum). Também, entre as duas localidades, é possível encontrar algumas rilheira, sulcos deixados pelas rodas das carroças e carros de bois no basalto, que são a memória de um tempo em que o esforço humano e dos animais de tiro eram descomunais.

Uma nota digna de registo é a presença de algumas vidálias em flor no mês de dezembro, quando a bibliografia em geral aponta o período de floração entre abril e setembro.

Já nos Fenais da Luz, chamamos a atenção para o local designado por Buraco de São Pedro, de onde se pode observar a linha da costa que vai desde a Ponta da Agulha até à Ponta do Cintrão. Na paisagem, a Sul, sobressaem os cones de escórias do Complexo Vulcânico dos Picos.

O Morro de São Pedro, foi descrito por Gaspar Fructuoso, nas Saudades da Terra, do seguinte modo: “... de calhau e biscoito, que todo se corre, (onde pescam também de tarrafa e de cana), sai pouco ao mar uma ponta de terra, mais grossa que a outra chã, que se chama o Morro de Jácome Dias Raposo, por ser seu, onde está uma ermida de S. Pedro, que ali mandou fazer o mesmo Jácome Dias, homem nobre e poderoso ...”.

Tanto no Morro de São Pedro como ao longo do percurso é possível observar algumas espécies da nossa avifauna, com destaque para o pombo da rocha (Columba livia atlantis), o pardal (Passer domesticus), o canário da terra (Serinus canaria), a gaivota (Larus cachinnans), o garajau comum (Sterna hirundo), o milhafre (Buteo buteo rothschildi) e o estrorninho (Sturnus vulgaris).

O percurso termina junto à igreja paroquial das Calhetas, a mais pequena e a menos populosa freguesia do concelho da Ribeira Grande, depois de termos caminhado sempre junto à costa, onde há a possibilidade de ver as bonitas piscinas naturais bem como os efeitos da erosão que afetam aquela freguesia

Ao longo do percurso, infelizmente, ainda se podem encontrar pequenos focos de lixos, com destaque para resíduos de construção e demolição perto do Buraco de São Pedro e resíduos domésticos na zona habitacional dos Fenais da Luz.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30815, 23 de dezembro de 2015, p.11)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O Padre Ernesto Ferreira e os animais


O Padre Ernesto Ferreira e os animais

O Padre Manuel Ernesto Ferreira nasceu, em Vila Franca do Campo, a 28 de março de 1880 e faleceu na mesma localidade a 4 de janeiro de 1943.

Para além das atividades a que estava obrigado como sacerdote, primeiro nas Furnas e depois em Vila Franca do Campo, toda a sua vida foi dedicada ao jornalismo, ao ensino e ao estudo.

De acordo com o tenente-coronel José Agostinho, o seu campo de estudo foi “principalmente, a Ilha de S. Miguel, onde a natureza é pródiga em manifestações que prendem os sábios, e a vida assume aspetos que empolgam e fascinam - tanto a vida animal e vegetal, como a vida, muito mais interessante, dos seres humanos. A geologia, a botânica, a zoologia, mereciam por igual a sua atenção, a par da etnografia e da geografia humana.”

O seu trabalho foi elogiado por diversas personalidades, tendo a vila-franquense Dra. Lúcia Costa Melo escrito o seguinte: “A sua valiosíssima obra científica é um marco que nenhum investigador pode ignorar.”

De entre o muito que escreveu, destaco dois textos: “A viagem nupcial dos “eirós” dos Açores” que foi publicado no primeiro número da revista “Açoreana”, em 1934, e “The Gender Puffinus in the Azorean Islands”, em 1938, impresso em Vila Franca do Campo na tipografia do jornal “O Autonómico”. Dado o interesse do trabalho, uma tradução do mesmo foi publicada, em 1996, pela associação Amigos dos Açores, com uma nota explicativa da autoria do coronel António José Mello Machado

No seu livro “A Alma do Povo Micaelense”, reeditado em 1993, pela “Editorial Ilha Nova”, da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, os leitores poderão encontrar um interessante texto intitulado “Os animais na tradição”, onde o autor depois de chamar a atenção para a importância dos animais, apresenta algumas “graciosas lendas ou estultas crendices que apesar de absurdas, têm muito valor para a determinação das origens étnicas do povo.”

Para aguçar o apetite, terminamos o texto apresentando algumas relacionadas com as aves, as quais segundo o Padre Ernesto Ferreira “quebram a monotonia dos ares com curvas airosas de seus voos e a solidão das serras com a música dos seus gorjeios.”

Aqui vão elas:
- Galinha a espiolhar-se é sinal de chuva;
- O pio da coruja e o da cagarra, por cima de uma casa, prognostica morte próxima;
- O papinho (sant’antoninho) quando poisa perto de uma pessoa é sinal de boas notícias para esta.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30814, 22 de dezembro de 2015, p.14)

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Notas sobre ouriços-cacheiros


Notas sobre ouriços-cacheiros

Em 1949, o tenente-coronel José Agostinho escreveu que os Açores “não receberam do Criador o castigo de quaisquer espécies de animais nocivas” e quando começaram a ser povoados não existiam animais prejudiciais ao homem.

Com o decorrer dos tempos voluntária ou involuntariamente, com consciência do ato ou “por falta de cuidados e precauções, muitas espécies tanto animais como vegetais têm sido introduzidas. Se algumas têm sido prejudiciais a quem cá vivia, na altura José Agostinho deu o exemplo dos ratos e da mosca inglesa, outras não têm causado qualquer dano ou poderão ser consideradas úteis, como será o caso do ouriço-cacheiro.

Sobre a sua introdução nos Açores temos poucas informações disponíveis. Com efeito apenas conhecemos dois textos em que o assunto é abordado, um publicado no jornal Correio dos Açores e outro no jornal “A União”.

Segundo o jornal Correio dos Açores de 21 de Julho de 1939, a introdução do ouriço-cacheiro na ilha de São Miguel foi voluntária, mas a sua disseminação pela ilha é que não, pois apesar de “inofensivos e tímidos, pouco dados a afoutezas românticas” aquela só aconteceu depois de “meia dúzia” deles se terem escapado “do Relvão há cerca de 15 anos”, portanto por volta de 1914.

Sobre a introdução na ilha Terceira, num texto publicado a 29 de outubro de 1975, o engenheiro Fernando Cordeniz Fagundes escreveu: “o ouriço-cacheiro foi introduzido nesta ilha de longa data e fixado, sobretudo nas zonas de Pico da Urze, S. Carlos, Terra Chã e Bicas”.

Injustamente considerados nocivos para o homem, entre nós, os ouriços-cacheiros foram desde sempre perseguidos e mortos, a golpe de foice ou de sacho, à paulada ou atropelados pelos veículos motorizados. Sobre isto, Fernando Fagundes escreveu: “Pelo que nos foi dado concluir, abeiramo-nos de uma insensatez, considerada involuntária por desconhecimento, dos condutores de veículos automóveis que, por os julgarem animais nocivos, propositadamente tentam e quase sempre conseguem, a sua destruição.

A importância do ouriço-cacheiro na agricultura é enorme, embora seja menosprezada pois está ativo de noite, não sendo portanto observada. De acordo com o livro “As Bases da Agricultura Biológica- Tomo I- Produção Vegetal”, editado em 2012 pela EdiBio, Edições, Lda, o ouriço-cacheiro come grande variedade de insetos, grande quantidade de moluscos e também se alimenta de ratos.

Alice Moderno (1867-1946) também se interessou pela situação dos ouriços-cacheiros e para evitar que os mesmos fossem mortos, em 1940, publicou um anúncio no Correio dos Açores, onde manifestou o interesse em os comprar, tendo aparecido pouco depois um indivíduo com dois que ela comprou e soltou no seu jardim.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30808, 15 de dezembro de 2015, p.14)

Mudar de sistema não de clima


Clima: Vinte anos a empurrar com a barriga?

As preocupações com as alterações climáticas terão começado com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro.

Na referida conferência, os responsáveis políticos admitiram que era urgente alterar o modo como era até então encarada a relação do homem com o planeta e que era importante conciliar o desenvolvimento socioeconómico com os recursos finitos da Terra. Também foi reconhecido que o estilo de vida consumista do mundo ocidental, baseado na sobre-exploração dos recursos naturais e no uso dos combustíveis fósseis, estava a alterar o clima.

Em 1995, reuniu pela primeira vez em Berlim, a COP- Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre alterações climáticas, onde teve inicio a negociação de metas e prazos para a redução da emissão de gases com efeito de estufa.

Desde aquela data até hoje, anualmente o clima está (ou devia estar?) na agenda das “preocupações” dos líderes mundiais.

Este ano, tal como tem acontecido em anos anteriores, os acordos alcançados têm sido considerados para uns como a salvação do planeta e para outros, mais pessimistas ou mais realistas, como insatisfatórios.

De entre as organizações insatisfeitas com os resultados da Conferência de Paris, refiro os “Ecologistas en Accion” (Ecologistas em Ação), uma confederação de mais de 300 grupos ecologistas espanhóis defensora do ecologismo social, que entende que os problemas ambientais são originados pelo modelo atual de produção e consumo. Segundo eles, o acordo alcançado foi “dececionante que ignora os cidadãos”.

Para além de dececionante, segundo os Ecologistas em Ação, o acordo também é insuficiente por não apresentar as ferramentas necessárias para combater com eficácia o aquecimento global. Segundo a mesma organização, perdeu-se uma oportunidade de reforçar e internacionalizar uma mudança de modelo baseado no uso das energias renováveis, que mantenha no subsolo 80% dos recursos fósseis, detenha a indústria extrativa e se ajuste aos limites do planeta. Pelo contrário, optou-se pela consagração da mercantilização do clima e pelas “falsas soluções”.

Ainda segundo a mesma fonte, que estamos a citar, o texto adotado é perigosamente vago e aberto, onde os compromissos para a redução de emissões não são vinculantes. Além disso, a meta da descarbonização das economias acabou por ser transformada numa vaga referência, onde se dá primazia à compensação das emissões com efeito de estufa em vez de se apostar claramente na sua redução significativa que só é possível através da alteração da forma de produzir e de consumir.

Para os Ecologistas em Ação não há razões para os cidadãos ficarem de braços cruzados, pois se se fechou uma janela a porta da cidadania, está mais aberta do que nunca. Assim, segundo eles há que implementar e divulgar ao máximo experiências como a agroecologia, a soberania alimentar, a mobilidade sustentável, etc.

Sobre as falsas soluções para o clima, outras organizações já se pronunciaram contra a falácia da energia nuclear como alternativa aos combustíveis fósseis e contra o “financiamento climático para a incineração”, pois consideram que se trata de uma energia suja que contribui para o efeito de estufa e para a contaminação do ar.

Outras organizações consideram que o acordo alcançado não passou de um rol de boas intenções, pois não é possível reduzir as emissões sem por em causa a essência do capitalismo já que ele, dizendo-se de estado ou liberal, é o verdadeiro responsável pela crise global que afeta todo o planeta.

Termino, referindo que “mudar o sistema, não o clima” tem de deixar de ser apenas um “slogan” e passar a ação e, embora ache que é sempre possível mudar de opinião, recordo uma frase de Albert Einstein: “Nenhum problema pode ser resolvido pela mesma consciência que o criou”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30809,16 de dezembro de 2015,p. 14)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

SOS eucalipto-limão de Vila Franca


A 18 de junho de 2014, num texto intitulado Jardins de Vila Franca do Campo, chamei a atenção para o estado de alguma degradação em que se encontravam os jardins Antero de Quental e Dr. António da Silva Cabral, que se traduzia, sobretudo, na existência de placas identificativas sem planta associada, a presença de plantas sem os azulejos com a identificação, a plantação de espécies em locais inapropriados e sinais de algumas podas mal executadas.

Hoje, apenas irei fazer referência ao Jardim Dr. António da Silva Cabral, localizado em frente à Igreja dos Frades que deve o seu nome ao presidente da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo que “revolucionou” o concelho, tendo sido ele o responsável por muitos melhoramentos, com destaque para o traçado da entrada poente da Vila, com a Avenida da Liberdade e o Jardim, o mercado de peixe, o cemitério e a primeira instalação da luz elétrica pública nos Açores.

Das várias espécies presentes nesse jardim, distingue-se pelo seu porte monumental o eucalipto-limão (Corymbia citriodora) que infelizmente se encontra doente, precisando de ser devidamente tratado para que a incúria humana não seja responsável pelo seu desaparecimento prematuro.

Originário de regiões de clima temperado e subtropical do nordeste da Austrália, o eucalipto-limão encontra-se hoje espalhado pelas mais diversas regiões do mundo, estando presente em África, no Brasil, na China, na Índia, nos Estados Unidos e em Portugal, onde a sua presença é residual e quase circunscrita a jardins.

Não sabemos quem terá fornecido o eucalipto-limão à Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, nem temos dados suficientes para apontar o nome de José do Canto como o introdutor da espécie na ilha de São Miguel. Contudo, sabe-se que José do Canto plantou-o no seu jardim, em Ponta Delgada, em 1867, vindo de França.
O eucalipto-limão adaptou-se bem, em São Miguel, de modo que em 1868 já fazia parte de uma listagem de plantas existentes no Jardim José do Canto para doação ou permuta. Esta questão suscita-nos uma interrogação: por que razão hoje o eucalipto-limão quase desapareceu em São Miguel?

O eucalipto-limão também conhecido por eucalipto-cheiroso é uma árvore de médio a grande porte, podendo atingir, atendendo às condições dos solos e climas, 50 metros de altura e 1,2 m de diâmetro à altura do peito, apresentando uma folhagem rala, com folhas estreitas e com um forte aroma a limão, daí uma das suas designações comuns.

A sua madeira, dura mas fácil de trabalhar, é muito utilizada na construção civil, no fabrico de móveis, na arborização de caminhos e estradas em áreas rurais, como combustível e no fabrico de carvão. As suas flores são melíferas e o óleo essencial dele extraído tem muito interesse em virtude de possuir um teor elevado em citronedal que é utilizado, tanto em perfumaria como repelente de insetos.

Para além do tratamento adequado que merece o eucalipto-limão, consideramos que à semelhança de outros exemplares existentes na Região Autónoma dos Açores, é urgente a sua classificação em virtude do seu porte e raridade e por constituir um monumento vivo que enriquece o património natural e paisagístico de Vila Franca do Campo.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30804, 10 de dezembro de 2015, p.15)

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Os animais também sentem


Os animais também sentem

Numa parceria entre duas direções regionais, a da Educação e a da Agricultura, em boa hora foi lançado o concurso escolar “Os animais também sentem” que se vai desenvolver no âmbito do Plano Regional de Leitura e da Campanha contra o abandono dos animais.

Destinado a alunos do 4º ano do ensino básico dos Açores, o concurso tem, entre outros, os seguintes objetivos:
- Sensibilizar os alunos para a defesa dos direitos dos animais e o combate ao abandono e a todas as formas de maus-tratos;
- Promover competências de literacia de leitura e de escrita;
- Fomentar o desenvolvimento de uma cidadania regional e local;
- Sensibilizar para a importância do tratamento digno devido aos animais;
- Divulgar e partilhar com a comunidade educativa os recursos educativos desenvolvidos nas várias escolas.

Embora esteja subentendida a abertura a “todas as formas de maus tratos”, os temas do concurso estão dirigidos para os animais de companhia, nomeadamente para as questões do abandono e das adoções responsáveis, como se pode concluir do seguinte texto do regulamento:

“… Adotar um animal implica estabelecer uma relação duradoira de cumplicidade e satisfação das necessidades do animal. Os cuidados que um bicho requer - alimentação adequada, consultas ao veterinário, passeios e carinho -, significam tempo, dedicação e investimento financeiro. Muitas vezes as pessoas cativam-se com a graciosidade dos filhotes e não se dão conta de que eles crescerão, tornando-se, para alguns, menos atrativos e até um fardo.

Do mesmo modo, e no momento da adoção, as pessoas ignoram o tempo de vida do animal - cerca de 12 anos para cães e 20 anos para gatos. Com o passar do tempo, e o avolumar dos problemas, a tentação de abandonar o animal à sua sorte aumenta. Os trabalhos devem, portanto, promover pelo menos uma destas questões: a adoção responsável, o combate ao abandono dos animais e /ou a todas as formas de maus tratos.

Infelizmente, a oportunidade poderia ter sido aproveitada para uma campanha que abrangesse um leque mais alargado de situações de que são vítimas outros animais e não apenas os de companhia. Assim, seria de todo o interesse chamar a atenção para o sofrimento de alguns animais ditos de produção, como bovinos que vivem parte do ano na lama, em algumas explorações pecuárias, os cavalos famintos e maltratados, os bovinos que são torturados nas diversas modalidades tauromáquicas, com destaque para as ferras desnecessárias, as cruéis tentas e as touradas de praça, que alguns insistem em chamar tauromaquia artística, os animais selvagens enjaulados em parques zoológicos, etc.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30803, 8 de dezembro de 2015, p. 14)

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Plátanos, podas e afins



Plátanos, podas e afins

Este ano está a terminar e já começaram as podas de várias árvores pelas mais diversas razões, de que se destacam a segurança das viaturas e seus ocupantes, para evitar trabalhos com a limpeza das folhas, embora abunde a mão-de-obra, para ocupar a mão-de-obra que nada mais tem para fazer e, por último, porque sempre se fizeram.

A falta de preparação de alguns podadores, associada à insensibilidade de quem os dirige, levou a que trabalhos tecnicamente mal feitos fossem transformados em modelos a seguir ou tradição arraigada que dificilmente será mandada para as urtigas, nem mesmo quando das ditas podas resulta aberrações que ferem a vista e fazem doer o coração dos mais sensíveis ou sensatos.

A denúncia dos atentados ao bom senso e ao bom gosto e à paisagem perpetrados contra as árvores não tem surtido qualquer efeito e tem vindo a repetir-se, ano após ano, não sabemos desde quando e até quando.

Depois desta introdução que já vai longa, no restante espaço que me é disponibilizado irei dar a conhecer o debate que ocorreu acerca do embelezamento das nossas estradas em 1953, ano em que pelos vistos já existiam podadores podões.

No mês de Abril de 1953, um colaborador do Correio dos Açores, num texto intitulado “O embelezamento das estradas de turismo”, defendeu que devido às grandes manadas de gado as estradas não poderiam ser ajardinadas com plantas de pequeno porte, frágeis e de crescimento lento e que “o atraso de educação do nosso povo, criado sem o exemplo e sem a noção do respeito devido às plantas e às flores, torna quase impossível a defesa de todas as espécies, que se não defendam por si próprias, crescendo e tornando-se depressa duras ao corte e ao arranque”.

Hoje, através das observações que temos feito e que são do conhecimento público, por mais projetos para o sucesso escolar que se implementem, a deseducação que vem do berço e que a escola não colmata por mais que se esforce, facilmente se chega à conclusão de que as vacas são mais respeitadoras do património que é de todos do que muitos humanos que continuam a roubar pequenas plantas e a partir árvores, algumas das quais localizadas em frente às suas portas para aumentar a área de estacionamento disponível.

O autor referido também manifestou a sua discordância com o uso de algumas espécies que não se adaptaram ao regime de ventos fortes e ao rocio do mar e que depois acabaram por ser substituídas por plátanos. Além disso, também, condenou a mutilação dos plátanos que eram, e pelos vistos continuam a ser, podados “barbaramente” ou mesmo arrancados para plantação de “flores e arbustos numa terra, onde nem na cidade, se cuida sempre dos recantos ajardinados”.

No mês de maio, do mesmo ano, outro colaborador do Correio dos Açores escreveu sobre o embelezamento das estradas, nos seguintes termos: “não sou “contra” o plátano nas estradas. Mas também não sou só pelo plátano; “nem sempre galinha”!”

Este último colaborador não se ficou pela defesa da diversidade, tendo apresentado algumas sugestões de plantas a serem usadas, como ulmeiros, eucaliptos, castanheiros, vulgares ou da Índia, carvalhos, nogueiras, tílias, ligustros, faias, cedros, freixos, azinheiras e cameleiras.

Para acompanhar as árvores e para evitar a monotonia, a sua sugestão era a de alternar as hortênsias com outras plantas de menor porte, como primaveras, azáleas, rododendros, sabugueiros, dálias, boninas, jarros, cravos da Boa Esperança e pervincas.

Concluo, afirmando que, apesar de todo o conhecimento que se adquiriu desde então até agora, nunca é tempo perdido conhecer o que pensava quem viveu antes de nós e que desinteressadamente deu o seu contributo para que a nossa terra fosse melhor.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30799, 2 de dezembro de 2015, p.15)

Sobre golfinhos


A propósito de golfinhos

No passado mês de Outubro, a comunicação social deu a conhecer que o pioneiro na observação de cetáceos nos Açores, Serge Viallelle, havia decidido que a sua empresa sediada no Pico iria acabar com a prática da natação dos seus clientes com os golfinhos.

Na ocasião, Serge Viallelle denunciou que diversas empresas de observação de cetáceos não cumprem a legislação em vigor e que as autoridades que tutelam a atividade não fazem qualquer fiscalização no mar.

A louvável decisão de Serge Viallelle, que terá sido bem acolhida por alguns dos seus clientes estrangeiros, surge numa altura em que algumas organizações internacionais, como a Fundação FAADA criou uma campanha que tem como objetivos, entre outros, expor as problemáticas relacionadas com o uso de animais no setor turístico e que pretende oferecer alternativas éticas para turistas e profissionais do sector que queiram melhor conhecer os animais de forma responsável.

Longe vão os tempos em que alguns deputados regionais, sempre a tentar impedir o progresso civilizacional, não mexiam uma palha para acabar com a caça de que eram alvo os golfinhos, quando não arranjavam argumentos para que aquela se perpetuasse.

Dos grupos que se reclamavam da defesa do ambiente, lembro-me de terem levantado a sua voz pelo fim da caça o grupo “Luta Ecológica”, da ilha Terceira, o Grupo de Ecologistas de Santa Maria, o Núcleo Português de Estudos e Proteção da Vida Selvagem- Delegação dos Açores, sediado em Vila Franca do Campo e os Amigos da Terra (hoje Amigos dos Açores).

No caso dos Amigos dos Açores, recordo-me da edição de um desdobrável com informação sobre golfinhos e de uma brochura destinada às crianças, com textos da doutora Leonor Galhardo, com várias edições, que no total terão atingido mais de dez mil exemplares.

Fora do fraquíssimo movimento de proteção do ambiente, poucas, muito poucas, pessoas tiveram a coragem de dar a cara pelo fim do abate injustificado de golfinhos para a alimentação humana. De entre estas vozes que defenderam a evolução, recordo-me a do Dr. Luís Miguel R. Martins que escreveu um texto intitulado “Baleias e golfinhos, morte certa?”, publicado no jornal “A Ilha”, no dia 25 de junho de 1984.

No seu artigo, que também abordava a caça ao cachalote, o Dr. Luís Rodrigues a dado passo escreveu: “acho ser demasiado perigoso isto sob uma perspectiva política, pôr-se os problemas referentes ao património natural da região numa concepção económica, pois não é autorizando o massacre de alguns golfinhos que se vai pensar em solucionar os problemas económicos e sociais dos pescadores”.

Infelizmente a lógica dos decisores políticos de hoje continua a ser a mesma, isto é, tudo o que não se traduza em euros de nada vale.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30798, 1 de dezembro de 2015, p.16)