segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Ainda sobre o colóquio...


Ainda sobre o colóquio promovido pela Câmara Municipal de Ponta Delgada

No passado dia 26 de fevereiro, estive presente no Centro Cívico de Santa Clara a assistir às várias comunicações apresentadas no colóquio “As parceiras como modelo de atuação para a implementação de canis de acolhimento” promovido pela Câmara Municipal de Ponta Delgada.

Tal como esperava nenhum dos oradores convidados me defraudou, isto é todas as comunicações cativaram o público, tanto as que apresentaram as experiências e as situações locais como as que apresentaram pistas para onde se deve caminhar em São Miguel.

Não vou, por razões de tempo e de espaço, fazer referência a todas as comunicações apresentadas já que correria o risco de repetir a nota de imprensa da Câmara Municipal de Ponta delgada que sintetiza muito bem o que lá se passou. Assim, neste texto limitar-me-ei a apresentar alguns aspetos que considero relevantes, quer porque se referem a alterações em relação ao passado, quer por terem suscitado algumas dúvidas e que importa serem abordados pelas várias entidades.

Vou começar pela intervenção do Diretor Regional da Agricultura que mencionou e muito bem que o abate compulsivo de animais errantes não era solução e falou no Projeto Alice Moderno e no concurso “os animais também sentem”.

Estava à espera de mais, já que normalmente os políticos aproveitam estas ocasiões para apresentarem os projetos que têm para o futuro. Assim, através do seu silêncio fiquei com a sensação ou quase certeza de que nada está programado e de que o Projeto Alice Moderno foi pontual e muito limitado que nem parceria teve com quem está no terreno, as associações animalistas e os voluntários a título individual. Quanto ao futuro do Hospital Alice Moderno nem uma referência mereceu.

Uma intervenção que me surpreendeu pela positiva, pois antes tinha a sensação de que a Ordem dos Médicos Veterinários era, como dizem os políticos, uma força de bloqueio à implementação de uma nova política para os animais der companhia, foi a do recém-eleito bastonário que falou no conceito de uma só saúde e na possibilidade da existência de uma bolsa de horas dos médicos veterinários para esterilizações, onde apenas seriam cobrados os custos materiais e não os honorários.

Termino com uma questão que voltou a ser debatida, a de um canil intermunicipal. Sobre este assunto, não tenho, de momento, uma opinião formada. Com efeito, havendo uma aposta séria na diminuição dos abandonos, através de um canil intermunicipal, bem gerido, será possível rentabilizar recursos humanos e não só. Por outro lado, devendo todas as autarquias possuir um veterinário-municipal, a existência de canis municipais, permitirá o envolvimento da sociedade na sua gestão ou apoio em termos de voluntariado, poderá fomentar a participação cívica através do associativismo animalista, facilitará as adoções e poderá ser um contributo para a criação de postos de trabalho.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30873, 1 de março de 2016, p.13)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A tourada dos estudantes já não é o que era


A tourada dos estudantes já não é o que era

Por muito que alguns conservadores do que não interessa conservar queiram, as touradas já não são o que eram, estando cada vez mais próximo o seu fim. A sua sobrevivência nos dias de hoje só acontece devido ao forte investimento que desde sempre existiu na habituação dos mais novos e aos apoios públicos que tem recebido dos governos, autarcas e da hipócrita Comunidade Europeia.

Este ano, para desgosto de alguns, a tourada dos estudantes, realizada anualmente em Angra do Heroísmo, não existiu ou foi uma pequeníssima mostra do que foi no seu auge.

Os grandes defensores da aberração em defesa da sua dama alegam a sua antiguidade, a sua sobrevivência ao Estado Novo e a sua necessidade como escola de captação de aficionados/ toureiros.

Começando pelo fim, o saudável desinteresse manifestado pela maioria dos estudantes é sinal de que os tempos são outros e que a tortura de animais para divertimento já teve melhores dias. Além disso, demonstra que o investimento feito anualmente em eventos tauromáquicos para crianças deixou de surtir os efeitos que eles pretendiam, isto é tornar cada criança um adepto da tortura animal.

O argumento de que a tourada dos estudantes se sobreviveu ao Estado Novo também terá de continuar em regime de democracia representativa não faz qualquer sentido.

Não faz sentido, em primeiro lugar porque torturar animais é uma barbaridade que com o aumento do conhecimento que se tem sobre os animais já devia ter sido banida há muito tempo e em segundo lugar porque na tourada dos estudantes nunca ninguém levantou a sua voz contra os ditadores que governaram Portugal durante 48 anos.

A este propósito convém recordar que foi durante o Estado Novo, que a tourada dos estudantes atingiu o ponto máximo da tortura animal, tendo nos primeiros anos revestido a capa da solidariedade social, a favor da Caixa Escolar do Liceu de Angra, em 1933 e 1936 ou do Dispensário Antituberculoso, em 1935.

Ainda sobre a balela da tourada poder eventualmente incomodar o Estado Novo, pouco há a dizer já que não seriam os filhos dos “fidalgos pobres” e afins, serventuários do regime, que iriam contestar alguma coisa. Além disso, o Estado Novo servia-se da tauromaquia para divertimento dos seus seguidores e do povo em geral e para colmatar as suas falhas em termos de apoio social. A título de exemplo, cita-se a realização de uma tourada, em 1946, com a presença do Ministro da Guerra Fernando Santos Costa e das autoridades civis e militares da ilha, a realização de touradas a favor da Legião Portuguesa (em 1939), da Mocidade Portuguesa (em 1941) e a favor ou promovida pelo Movimento Nacional Feminino (em 1971, 1972 e 1973).

Sobre a tourada dos estudantes propriamente dita, começou por ser semelhante a todas as outras, com os animais a serem torturados sem apelo nem agravo, passando mais tarde a ser mais “brincadeira de rapazes e de algumas raparigas”, onde já não eram cravados ferros, como acontecia nos primeiros anos da década de 80 do século passado, onde o cortejo constituía o principal da festa.

Hoje, quando em todo o mundo se caminha para a abolição de uma prática retrógrada e bárbara, não faz qualquer sentido o regresso aos primeiros anos, de tortura extrema, nem mesmo aos tempos em que a tortura física foi mais atenuada.

Para quem viveu assistiu ou mesmo participou numa tourada dos estudantes, mas que fruto das leituras e da reflexão pessoal chegou à conclusão de que o uso de animais para divertimento não faz qualquer sentido, apenas fica alguma mágoa pela não realização do desfile, pelas ruas de Angra do Heroísmo.

Os jovens de hoje e os do futuro, estamos certos, encontrarão outras formas e meios de exteriorizar o seu humor e a sua irreverência.

Parabéns à juventude terceirense que já não participa em touradas.

J.A.

(recebido por e-mail)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Açores e Açorianos n' A IDEIA


AÇORES E AÇORIANOS N’A IDEIA

“A Ideia” é uma revista de cultura libertária portuguesa cujo primeiro número foi publicado em Maio de 1974, em Paris. Ao longo dos seus quarenta e dois anos de existência, “A ideia” que passou por várias fases, estando durante algum tempo suspensa, define-se como “uma revista que faz da cultura o seu campo de ação. Através da criação poética e plástica, da expressão filosófica, da pesquisa social, da investigação histórica, da abertura a uma ciência humanizada, desligada de interesses lucrativos do dispositivo industrial/militar”, tendo por fim a criação das “bases dum espírito livre, criativo, gratuito e solidário, contributo efectivo para a realização plena de todos os seres vivos”.

Não tendo, por ora, acesso a todos os números publicados, neste texto, apenas, farei referência aos últimos três números dirigidos por António Cândido Franco, professor da universidade de Évora, que é autor de uma monumental biografia de Agostinho da Silva intitulada “O Estranhíssimo Colosso”, resultado de 10 anos de investigação.

No número duplo, 71/72, publicado em 2013, tal como no do ano seguinte, há referências ao Café Gelo, situado no Rossio, que foi um antigo botequim surgido no século XIX, onde se reuniam “anarquistas ligados à carbonária” e onde terá sido planeado o atentado contra a família real, em 1908. Mais tarde, no Café Gelo reuniram-se vários poetas surrealistas, ente os quais o açoriano José Sebag (1936-1989).

Sobre este açoriano quase desconhecido, também para mim que apenas me lembro dele como locutor da RDP, a revista “A Ideia” escreve: “Publicou em vida um único livro, O Planeta Precário (Açores, 1959), que foi atirado às águas do mar salgado pelo autor na viagem de regresso a Lisboa, salvando-se apenas o exemplar antes enviado por correio a João Gaspar Simões…José Carlos González, depois da morte do amigo, recolheu a sua criação poética em livro, Cão até Setembro (1991) ”.

Depois da leitura da Revista procurei mais informações sobre José Sebag e tive a oportunidade de ler algumas crónicas da sua autoria publicadas no jornal “Açores” no chamado Verão Quente.

Numa delas, a propósito da relação entre escritores e militares, José Sebag escreve: “Ou será que os escritores (e os intelectuais, por extensão) estão minados por um intimo ressentimento face aos militares, por estes lhes terem arrebatado a oportunidade e a hora de abater o fascismo? ... Ou será ainda que os escritores portugueses estiveram estes anos todos falando e defendendo uma abstração e agora que é possível e necessário falar do (e com) o povo real, não sabem como, não sabem quando, não sabem de quê?”

No número duplo, 73/74, publicado em 2014, que dá grande destaque ao “Surrealismo e Café Gelo”, pode ser lido um texto de Cristina Dias, doutoranda na Universidade de Évora, intitulado “A Revolução poética postulada no ensaio de Natália Correia: Poesia de arte de realismo poético”.

No último número editado, 75/76, relativo ao ano de 2015, é publicado o “Memorando Jaime Brasil”, ilustre jornalista e escritor terceirense, amigo íntimo de Vitorino Nemésio, que segundo Luís Amaro teve uma vida “nobremente acidentada – conheceu, como tantos de igual craveira cívica, a prisão, a mordaça, o exílio; talvez, em certos períodos até anteriormente ao Estado Novo, a fome…”

Neste número, também pode ser lida uma recensão crítica de Jaime Brasil ao livro de Nemésio “Mau tempo canal”, publicada em primeira mão no jornal “O Primeiro de Janeiro”.

Ainda neste número, não foi esquecida Natália Correia, através do texto de Miguel Real “Natália Correia e o Surrealismo”. Segundo o autor referido, Natália Correia cuja ligação ao surrealismo é frágil, “possui um espírito, uma vida e uma obra verdadeiramente heterodoxas e libertárias”.

Por último, Rui Machado, terceirense que entre outros trabalhos escreveu textos para Katia Guereiro e para os “Madredeus”, publica um poema intitulado “Plano à maneira de Carl Th. Dreyer”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30868 de 24 de fevereiro de 2016, p.14)

O último número d’A Ideia pode ser lida aqui: https://issuu.com/a.directa/docs/a_ideia_2015_n_75-76_web?e=6449204/32877278

Colóquio



COLÓQUIO


Na próxima sexta-feira, dia 26 de fevereiro, a Câmara Municipal de Ponta Delgada vai promover o colóquio “As parceiras como modelo de atuação para a implementação de canis de acolhimento” que contará com a presença de oradores com uma visão diferente dos que defendem a atual política de controlo populacional de animais errantes e não só com recurso ao abate.
Atualmente, nos Açores, a situação é semelhante há que ocorria há cem anos, que muito bem foi denunciada nos jornais locais, e que terá levado à criação das primeiras associações de proteção dos animais, em 1911, na ilha Terceira e em São Miguel. Contudo, duas diferenças existem, resultado da evolução tecnológica e não das mentalidades que continuam tão tacanhas como as de então: a primeira é que no século passado muitos animais, sobretudo os cães, eram mortos em plena rua com recurso à estricnina e hoje faz-se o mesmo, embora com outros meios, mas nos canis; a segunda, relaciona-se com o transporte para os locais de abate, se antes os animais que não morriam nas ruas eram transportados em carroças puxadas por bois, hoje há autarquias que disponibilizam recolha domiciliária, evidentemente usando veículos motorizados.
Atualmente, a situação nos Açores envergonha todos os açorianos sensíveis e de bom coração pois os abandonos não param de crescer e os canis, legalizados ou não, têm sido autênticos corredores da morte, bastando para confirmar a afirmação comparar o número de animais que dão entrada com o dos animais que conseguem ser adotados.
Em 2011, na sequência das respostas das várias autarquias ao Deputado da Assembleia da República eleito pelo CDS/PP, João Rebelo, fica-se a saber que as taxas de abates eram muito elevadas: na Lagoa, entre os 85% e os 90%, na Ribeira Grande, 82% e em Ponta Delgada era de cerca de 70%. A Câmara Municipal de Vila Franca respondeu que não tinha canil, mas sabe-se que abatia tudo ou quase tudo o que lá entrava.
Tal como está a situação é vergonhosa e insustentável e até agora ninguém foi capaz de agarrar o touro pelos cornos, isto é tomar medidas de fundo no sentido de alterar o atual estado de coisas, envolvendo toda a sociedade.
A iniciativa da Câmara Municipal de Ponta Delgada de promover o mencionado colóquio, que surge na sequência de duas campanhas de esterilização de cadelas, em parceria com associações de proteção dos animais nacionais e regionais, poderá ser o ponto de partida para o fim do flagelo do abandono e da morte certa de animais nos canis, nos Açores, e para a reabilitação da imagem do concelho e da região a nível nacional e até internacional.
Se nada houver pelo contrário, conto lá estar e aconselho a todos os amigos dos animais que tenham disponibilidade para fazerem o mesmo. Tenho a certeza que todos sairemos mais enriquecidos e motivados para continuarmos a nossa luta por uma Terra melhor para todos os seus habitantes.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30867, 23 de fevereiro de 2016, p.13)

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Ana Augusta de Castilho uma açoriana esquecida na sua terra

Fonte: http://silenciosememorias.blogspot.pt/2015/08/1058-ana-augusta-de-castilho-iii.html

Ana Augusta de Castilho uma açoriana esquecida na sua terra

Ana Augusta de Castilho (1866-1916), natural de Angra do Heroísmo, foi escritora, militante republicana e ativista da causa feminista.
Ana Augusta de Castilho foi membro e ativista da mais importante organização feminista das duas primeiras décadas do século XX, a LRMP-Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, associação fundada em 1908.
Na LRMP que, segundo Ana Pires, tinha como temas norteadores “o voto, o direito à instrução, ao trabalho e à administração dos bens, o combate à prostituição e à mendicidade infantil”, Ana Castilho foi membro da sua direção, tendo sido vice- presidente, em 1912, e tesoureira, em 1913 e 1914 e integrou a Mesa da Assembleia Geral, em 1916. Também escreveu periodicamente no órgão da LRMP, o jornal “A Madrugada”, que foi publicado entre 1911 e 1918, sendo dirigido, nos primeiros seis anos por Maria Veleda e que teve como colaboradora a açoriana Alice Moderno.
Ana Castilho desempenhou também um papel de relevo na Obra Maternal, instituição criada em 1909 que, segundo João Esteves, tinha como objetivo principal o combate à mendicidade infantil, recolhendo e alimentando as crianças das ruas e educando-as até serem reintegradas na sociedade, “dotadas de capacidade para exercerem uma profissão”. Na Obra Maternal, Ana Castilho foi sua presidente em 1914 e 1915.
Para além do mencionado Ana Augusta Castilho faz parte do Grupo das Treze, “criado com a finalidade de combater a ignorância e todas as formas de superstição que afetavam a mulher portuguesa”, foi uma das integrantes da Comissão Feminina “Pela Pátria”, pertenceu aos órgãos sociais da Associação de Propaganda Feminista, tendo sido redatora do seu jornal “A Semeadora” e foi uma das acionistas da “Empresa de Propaganda Feminista e Defesa dos Direitos da Mulher.
Ana Augusta de Castilho foi uma das participantes na homenagem feita, a 15 de Agosto de 1912, pela LRMP, às açorianas republicanas e feministas Alice Moderno e Maria Evelina de Sousa.
O seu falecimento, em Dezembro de 1916, foi amplamente noticiado não só em Portugal como na imprensa feminista espanhola. Entre nós, o jornal “A Folha”, através de textos de Alice Moderno e de Maria Evelina de Sousa, dedicou-lhe a primeira página do número 670, publicado a 10 de janeiro de 1917.
No jornal referido, sobre Ana Castilho, Alice Moderno escreveu:
“O seu ideal supremo, a emancipação da mulher pelo trabalho, a reivindicação dos seus direitos pela justiça, apaixonou-a até ao leito em que a doença a prostrou por fim e onde a foi surpreender a morte, arrebatando-a ao fraternal convívio dos que a amavam como uma das mais dignas e respeitáveis do sexo e da classe!”
Por seu lado, no mesmo jornal, Maria Evelina de Sousa que figurava como secretária de redação, referiu-se a Ana Castilho nos seguintes termos:
“E assim a limitadíssima e restrita fileira das defensoras do Feminismo em Portugal acaba de sofrer um terrível golpe com a morte de Ana Castilho…a ilustre extinta era uma das mais entusiásticas, das mais convictas e das mais intemeratas propagandistas do Ideal santo da emancipação da mulher”.
“Vestem de luto as associações feministas de Portugal, e de pesar choram as suas camaradas, que bem avaliam a falta que aos trabalhos de propaganda feminista faz o desaparecimento de Ana Castilho, senhora de sublimes virtudes cívicas, mercê da sua inteligência vigorosa, da sua notável ilustração e do seu nobilíssimo carácter”.
O seu nome figura quer no Dicionário de Educadores Portugueses (2003) quer no Dicionário no Feminino (2005), principais fontes usadas na elaboração do presente texto, mas não consta da Enciclopédia Açoriana (http://www.culturacores.azores.gov.pt/ea/Default.aspx), “projeto do Governo dos Açores, financiado através da Direção Regional da Cultura e executado pelo Centro de Estudos de Povos e Culturas de Expressão Portuguesa da Universidade Católica”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30862,17 de fevereiro de 2016 p.14)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Sociedade Protectora dos Animais de Angra do Heroísmo


Aos 22 dias do mês de Maio de 1911, foi criada, em Angra do Heroísmo, a SPAAH - Sociedade Protectora dos Animais de Angra do Heroísmo, instituição que tinha por fim, de acordo como art. 1 dos seus estatutos, “proteger dos maus tratos todos os animais não considerados daninhos… e animar o exercício da caridade para com os animais, estabelecendo para isso prémios e recompensas sempre que permitam os recursos da sociedade”.
E quem era o público-alvo dos prémios e recompensas referidos?
A leitura do artigo 11º é esclarecedora quando menciona que poderão recebê-los lavradores, pastores, cocheiros, carroceiros e quaisquer outras pessoas cuja conduta para com os animais ia ao encontro aos fins da SPAAH.
Curioso é conhecermos o que consideravam os estatutos maus tratos aos animais. Abaixo, transcrevemos o que consta do artigo 32º:
1- Ferir, espancar, aguilhoar violentamente e usar de violências reprovadas para com os animais;
2- Oprimi-los com trabalho ou cargas superiores às suas forças;
3- Privá-los de alimentação e dos cuidados ordinários quer na saúde quer na doença;
4- Expô-los ao frio ou ao calor excessivo, sem reconhecida necessidade;
5- Fazer trabalhar os animais feridos, estropiados ou aleijados e pôr os arreios sobre as feridas;
6- Obrigá-los a uma fadiga excessiva sem o indispensável descanso;
7- Fazê-los levantar do chão à força de pancadas, quando caem extenuados pelo peso da carga;
8- Abandoná-los quando estropiados ou doentes;
9- Abatê-los por meios que não produzem a morte instantânea.
Com a mecanização de toda a vida, alguns dos maus tratos mencionados, por recaírem sobre animais usados no transporte de cargas diversas, já não estarão na ordem do dia. Hoje, para além de casos de pura malvadez, os principais problemas são o abandono de animais de companhia, o tratamento “desumano” a que é submetido o gado bovino, nomeadamente quando é forçado a conviver com lama até aos “joelhos” e a tortura extrema e desnecessária a que é submetido o gado bravo nas touradas de praça, nas tentas e ferras e os maus tratos de que são vítimas nas restantes manifestações tauromáquicas.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30861, 16 de fevereiro de 2016, p.13)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

A Pedagogia Libertária de Tolstoi


A Pedagogia Libertária de Tolstoi

Penso que só a liberdade total, ou seja, a ausência de coerção, ou de vantagens tanto para os que são ensinados como para os que ensinam, libertaria as pessoas de um grande número de males que origina agora a instrução coercitiva e egoísta aceite em todo o lado… (Tolstoi)

Tendo como fim estimular a autonomia dos alunos e a participação de todos no processo educativo, a pedagogia libertária tem, de acordo com alguns autores, três princípios básicos: o antiautoritarismo, a educação integral e a autogestão pedagógica.

No que diz respeito ao antiautoritarismo, há correntes pedagógicas que excluem qualquer tipo de autoridade exercida sobre os educandos e há outras que consideram que os educadores, inevitavelmente, exercem sobe os educandos uma autoridade moral.

Em relação à educação integral, para além de estar associada à igualdade de oportunidades para todos, exige-se que o trabalho manual seja tão valorizado como o intelectual.

Por último, em relação à autogestão pedagógica, defende-se que os espaços educativos/escolas devem ser autónomos, sendo dirigidos pelas pessoas que deles fazem parte.

De entre os difusores das pedagogias libertárias estão pensadores como Proudhon, Freinet, Ferrer e Guardia, Tolstoi e Alexander Sutherland Neill.

Neste texto, apenas fazermos referência a algumas ideias defendidas por Tolstoi, um dos maiores escritores de todos os tempos, cuja obra no campo do ensino e da educação das crianças é quase desconhecida.

Tolstoi que nunca reivindicou a sua adesão ao anarquismo, pelo seu pensamento em relação à escola e não só, foi integrado por alguns autores na corrente libertária, tendo segundo outros sido “precursor do que se entende por anarquismo cristão”. Segundo Gustavo Ramus, “Os seguidores dessa vertente defendem o cristianismo primitivo e as primeiras comunidades cristãs, que viviam de forma alheia ao Estado romano, realizando o princípio da ajuda mútua. Avessos à constituição de propriedade, praticavam a divisão de bens e o alimento compartilhado”.

Tolstoi dedicou uma parte importante da sua vida ao ensino, tendo aos 19 anos criado uma escola para camponeses na sua aldeia natal que durou pouco tempo. Contudo, retomou a iniciativa em 1859, aos 31 anos, e prosseguiu a sua atividade pedagógica até ao fim da vida.

Tolstoi não acreditava na instrução proporcionada pelos governos. Segundo ele, “a força do governo repousa na ignorância do povo; o governo sabe disso; assim, ele será sempre um adversário da instrução” e acrescentou” nada de mais nocivo do que permitir ao governo simular disseminar a instrução, quando de facto, propaga a ignorância”.

De acordo com Lipiansky, Tolstoi não aceita a “instrução oficial por impor um modelo pré-estabelecido, por fundamentar-se sobre um saber absoluto que escapa a toda a crítica, por negligenciar totalmente as necessidades do povo e, em definitivo, por trabalhar “para as necessidades do governo e das classes superiores””.

Ainda segundo o mesmo autor, para Tolstoi o único critério da pedagogia é a liberdade e o único método é a experiência..

Por último, Tolstoi dava grande importância ao trabalho manual. Numa carta dirigida a Romain Rolland, escrita em outubro de 1887, sobre o assunto escreveu: “Na nossa sociedade viciada (na chamada sociedade civilizada) tem de se falar antes de tudo do trabalho manual, porque a falta principal da nossa sociedade foi e continua a ser hoje o desejo de se libertar do trabalho manual e de utilizar, sem o intercâmbio mútuo, o trabalho das classes pobres, ignorantes e deserdadas”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30856, 10 de fevereiro de 2016, p.13)

O Jornal Vida Nova e a Proteção dos Animais

O Jornal Vida Nova e a Proteção dos Animais


O Jornal Vida Nova, “órgão do operariado micaelense”, publicou-se, em Ponta Delgada, entre 1908 e 1912, tendo como diretor e proprietário Francisco Soares Silva e como administrador António da Costa Mello.
A proteção dos animais, preocupação a que algumas correntes anarquistas são sensíveis, foi uma das temáticas que foi tratada nas páginas do Vida Nova, através do seu colaborador João H. Anglin.
Dada a atualidade do teor de um texto do autor mencionado, publicado no número 48 do mencionado jornal, datado de 15 de Agosto de 1910, abaixo transcrevemos um longo excerto:
“Uma das mais manifestas provas da ignorância do nosso povo é a feroz brutalidade que usa com os pobres animais que na maioria dos casos lhe são um valioso auxílio na luta quotidiana pela vida.
Esses repugnantes espectáculos que diariamente se repetem nas ruas desta cidade nada atestam a favor da nossa boa terra, antes a desconceituam aos olhos dos estrangeiros que nos visitam os quais nos terão na conta de brutos a julgar por estas cenas bárbaras de que são vitimas os pobres animais indefesos.
Com isto não queremos dizer que o povo seja mau, porque de há muito está provado que não há homens maus. O que há apenas é a crassa ignorância, por cuja perpétua conservação tanto se empenham os políticos e governantes”.
Ainda no mesmo texto, João H. Anglin fala na necessidade do aparecimento de Sociedades Protetoras de Animais para acabar com todas as atrocidades e refere-se ao facto de alguém já ter tentado criar uma e ao que lhe parece já estarem redigidos os respetivos estatutos.
No número 51 do Vida Nova, de 15 de Outubro de 1910, surge a informação da realização, em breve, de sessões para a elaboração e discussão de estatutos para uma Sociedade Protetora de Animais e apresenta António José de Vasconcellos, como a pessoa que iria ser convidada para presidir à instituição.
Naquela altura, 1910, a preocupação principal era para com os animais usados como auxiliares dos homens no seu trabalho, como poderemos deduzir através da leitura de outro excerto do texto do autor referido acima: “…era bom que alguma coisa se fizesse no sentido de melhorar a sorte desses pobres seres que tantos serviços prestam ao homem e que em recompensa recebem forte pancadaria quando porventura se encontram impossibilitados de trabalhar tanto quanto os seus donos exigem”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30855, 9 de fevereiro de 2016, p.13)

domingo, 7 de fevereiro de 2016

O que esperar do Governo Socialista?


O que esperar do Governo Socialista?

Não tenho qualquer filiação partidária, há mais de trinta anos, e cada vez tenho menos paciência para acompanhar as tricas partidárias, nomeadamente as dos partidos do chamado arco do poder. Aliado ao desinteresse pela informação, também me desinteressei pela participação nos atos eleitorais que, do meu ponto de vista, não passam de fraudes, pois – para além dos meios diferentes à disposição dos diversos concorrentes – a maioria dos cidadãos, por terem sido deseducados e por estarem ligados a interesses que não são o bem-comum, vota em quem lhes dará mais benesses ou em quem lhes vendeu melhor a imagem.
Apesar da minha indiferença pelos jogos do poder, depois de ter sofrido na pele, tal como os restantes trabalhadores, os cortes salariais, o congelamento da carreira, o agravamento dos impostos, etc., por parte da coligação PSD-PP, ansiava pela queda da dupla Passos-Portas, esperava um crescimento da esquerda parlamentar e pensava que o Partido Socialista ganharia as eleições, ainda que por maioria relativa.
Afinal, o homem que correu com António José Seguro “por ganhar duas eleições por pouco”, não foi capaz de mobilizar os eleitores e perdeu as eleições para quem massacrou o povo durante quatro anos.
Após as eleições, assistiu-se a algo de inédito: os dois partidos com programas e ideologias (ou falta delas) mais próximas, o Partido Social-Democrata e o Partido Socialista, não se entenderam para constituir um novo governo. Tal facto – aliado à abertura dos dois partidos mais à esquerda, o PCP e o Bloco de Esquerda, para apoiarem um governo do Partido Socialista – fez com que, perante os fracos resultados alcançados, António Costa não só não se demitisse do PS como passasse a primeiro-ministro.
As primeiras medidas que estão a ser tomadas pelo governo do Partido Socialista, como as reposições salariais e a redução do horário semanal da Função pública, resultam do cumprimento das suas promessas eleitorais e do respeito pelos acordos celebrados com o BE, o PCP e Os Verdes.
No que diz respeito ao BANIF, o governo deu continuidade ao que vinha sendo feito, isto é, salvou-o à custa dos contribuintes. Como não poderia deixar de ser, para tal contou com a preciosa ajuda dos dois partidos que foram forçados, pelos números, a passar algum tempo na oposição.

Já li várias vezes que, em algumas circunstâncias, se não tem sido em todas, os Partidos Socialistas são os melhores gestores do capitalismo, pois o seu palavreado centrista ou de esquerda engana mais trabalhadores do que os partidos de direita e, em Portugal, não tem sido nem será diferente.

Tal como tem acontecido nos Açores, onde o Partido Socialista governa desde 1996, a nível nacional serão distribuídas algumas migalhas por quem trabalha, veja-se o aumento das pensões, e verbas chorudas pelos grandes interesses económicos e bancos.

Não havendo qualquer alteração do modelo económico, não se pondo em causa o modelo de democracia representativa, onde os representantes cada vez mais se representam a si mesmos, não contestando a subserviência face à Comissão Europeia, pouco, muito pouco, espero de quem nos governa.


Teófilo Braga
Professor, residente na Ilha de São Miguel (Açores)
(O Militante Socialista, nº 119, 5 de fevereiro de 2016)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Maximiliana de Deus Sousa


Maximiliana de Deus Sousa

No passado dia 27 de janeiro, faleceu a senhora Maximiliana de Deus Sousa que morou na rua do Jogo, localizada na freguesia da Ribeira Seca, no concelho de Vila Franca do Campo.

Com o seu falecimento, a rua da minha infância e juventude quase desapareceu, restando dos seus moradores, se não estou em erro, apenas o Vitorino Furtado, meu colega de escola, embora um pouco mais velho, e o senhor Augusto Mansinho que é da idade de meu pai, já falecido, e que como ele foi emigrante no Canadá.

A senhora Maximiliana era a pessoa que lá na rua mais me fazia lembrar a minha mãe, pois eram da mesma idade, tendo sido colegas na escola primária, o que ela sempre recordava quando com ela falava, o que aconteceu pela última vez há poucos meses, quando lá fui para buscar a minha tia Zélia Soares que a visitava sempre que ia à sua Ribeira Seca.

Sobre a senhora Maximiliana Sousa e o seu marido, o senhor José Lima Carvalho, muito poderia recordar, pois durante muitos anos frequentei a sua casa., onde, tal como outros amigos, sempre fui muito bem acolhido.

Numa altura, final da década de 60 e inícios da de 70, do século passado, em que os livros não abundavam e em que era grande o número de pessoas que não sabiam ler, recordo que ela pertencia a uma família cujos membros não deviam ter mais do que a escolaridade obrigatória mas que eram cultos e cultivavam o gosto pela leitura. Com efeito, lembro-me de ver o seu pai a ler um livro, sentado à soleira da sua porta e a sua irmã, Maria, que residia em frente à minha casa, também a ler um dos clássicos da literatura portuguesa, Alexandre Herculano ou Camilo Castelo Branco, sentada do lado de dentro da janela.

Hoje, o sucesso escolar não é o pretendido pois a par de um conjunto de atividades que ocupa os jovens e os desvia dos estudos, levando a que não abram livros ou o cadernos diários fora das salas de aula, quando o fazem nelas, ou estude apenas nas vésperas dos testes, o que não é suficiente para obterem boas classificações. A par destes, há alunos, uma minoria, que depois das aulas têm todas as condições para o sucesso quer devido ao acompanhamento dos pais, pelo menos numa primeira fase dos estudos, quer por terem apoios, através de explicadores particulares ou dos diversos centros de explicações existentes.

Na altura em que estudei no Externato de Vila Franca do Campo, entre 1968 e 1973, não conheci nenhum centro de explicações em Vila Franca do Campo e na Ribeira Seca penso que não havia explicadores.

Para colmatar a falta de explicadores e como forma de motivar nos estudos, a cozinha da casa da senhora Maximiliana Sousa e do senhor José de Lima transformava-se durante algumas horas do dia em centro de estudo, onde os participantes desenvolviam trabalho autónomo, estudo das diversas disciplinas ou realização de trabalhos de casa. As dúvidas eram tiradas por quem já havia percebido a matéria ou pelos colegas que frequentavam anos mais avançados.

Para além de ter beneficiado desta forma cooperativa de estudar, recordo também os nomes dos seus dois filhos, António José e Emanuel, do Emanuel Batista (penso que o Mário também) e do Paulo Jorge Ferreira. Além destes, penso que o seu filho Urbano e o meu irmão Daniel, mais novos, também participaram nestas sessões de estudo.

Na época em que a televisão ainda não tinha chegado aos Açores, tinham grande audiência entre os ouvintes das várias emissoras de rádio os folhetins radiofónicos. Em data que não consigo precisar, a mesma cozinha, em alguns dias, transformava-se em sítio de escuta coletiva de uma das radionovelas mais famosas, “Simplesmente Maria”.

Com a sua partida, a rua do Jogo para mim já não é a mesma. Os símbolos vivos da minha infância e juventude vão desaparecendo, restando apenas algumas recordações, não sei por quanto tempo.

Esperando que a memória não me tenha atraiçoado, apresento, aos seus familiares, os meus sentidos pêsames.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 30850, 3 de fevereiro de 2016, p.14)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Estorninho


Estorninhos

O estorninho, também conhecido por estorno (Sturnus vulgaris granti) é uma ave da família Sturnidae de muito fácil identificação. Carlos Pereira, no livro Aves dos Açores, editado pela SPEA, escreve que é muito fácil distingui-lo do melro-preto através do “seu bico comprido e pontiagudo” e da sua plumagem que é “preta e pontuada de pequenas manchas brancas (Inverno) ou nuanceada de reflexos metálicos verde- arroxeados”.

O escritor Raúl Brandão que visitou os Açores em 1924, no livro “As ilhas desconhecidas” escreveu que observou estorninhos pousados nas hastes dos bois a catar moscas, situação que ainda hoje, embora mais rara, é possível encontrar.

Quando fomos alunos da Escola Secundária Antero de Quental entre 1973 e 1975, ao fim da tarde as araucárias localizadas em frente estavam sempre pejadas de estorninhos que para lá se deslocavam para pernoitar. Hoje, pelo fato de serem em menor número ou por não encontrarem alimento pelas redondezas, tal já não acontece.

Em 1969, a situação era semelhante, isto é as araucárias do jardim fronteiro ao Liceu já eram dormitório dos estorninhos, tal como eram duas palmeiras localizadas em frente a um antigo Posto da Polícia. Também eram dormitórios de estorninhos o ilhéu de São Roque e o ilhéu de Vila Franca do Campo para onde se deslocavam em enormes bandos que se assemelhavam a nuvens negras.

A utilidade dos estorninhos para a agricultura foi reconhecida desde muito cedo, por isso se dizia que não era bom para se comer. Com efeito, tanto nos milheirais, como nos favais ou nas pastagens os bandos de estorninhos limpavam todos os insetos prejudiciais.

Em 1969, os estorninhos eram alvo de perseguição por parte de “caçadores (alguns) caçarretas, meninos e até meninas” que abatiam tudo o que lhes aparecia pela frente.

Hoje, infelizmente, é o próprio governo que concede autorizações pontuais para o abate de uma subespécie só existente no nosso arquipélago e cuja conservação devia ser motivo de orgulho para todos açorianos.

Até quando?
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30849 de 2 de fevereiro de 2016, p.13)

Imagem- Gerald Le Grand