quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Teresa Franco e a Revista Pedagógica de Maria Evelina de Sousa


Teresa Franco e a Revista Pedagógica de Maria Evelina de Sousa


Através de um Professor Adjunto de Literatura Portuguesa da Universidade de Estado do Rio de Janeiro, que me contatou a pedir informações sobre a escritora feminista da Covilhã Teresa Franco, fiquei a saber que tanto esta como a micaelense Maria Evelina de Sousa possuíram colunas fixas no jornal dos imigrantes portugueses, o Portugal Moderno, no início do século XX. Da correspondência trocada, também, fiquei a saber que no referido jornal brasileiro colaborou Alice Moderno.

Teresa Franco colaborou com as principais organizações feministas portuguesas, como a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, a Associação de Propaganda Feminista e o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, tendo escrito para as suas publicações periódicas.

No que diz respeito aos Açores, Teresa Franco colaborou com Maria Evelina de Sousa, através da escrita de pequenos textos para as secções “Notas feministas” e “Notas de uma feminista”, sobre o feminismo internacional que manteve, entre 1911 e 1914, na Revista Pedagógica.

A título de exemplo, apresenta-se a seguir alguns dos temas abordados por Teresa Franco na referida revista.

Na Revista Pedagógica, publicada a 7 de dezembro de 1911, Teresa Franco dá a conhecer as palavras de Lorde Lytton sobre o sufrágio feminino o qual é “falsamente interpretado” como “uma tentativa feminina para usurpar os direitos do homem arrebatando-lhe os poderes políticos”. O texto termina assim: “Se entre as nesta luta empenhadas um sentimento de hostilidade contra o sexo masculino existe, tem por alvo simplesmente o falso ideal da mulher, a falsa conceção do seu lugar na sociedade e no Estado, que outrora prevaleceu na maioria dos homens e ainda nalguns subsiste.”

A 14 de março de 1912, Teresa Franco dá a conhecer o modo brutal como as sufragistas inglesas são tratadas quando para chamar a atenção para a sua causa interrompendo “os ministros que supõem contrário às suas ideias por ocasião dos “meetings””. Segundo ela “num comício em Glocester uma senhora foi arrastada e quiseram atirar com ela de uma escada abaixo. Magoaram outra com pontapés, sem mais cerimónia…”.

Na mesma nota, Teresa Franco dá a conhecer um extrato do discurso do rei da Suécia, com ideias muito avançadas para o seu tempo, que abaixo se transcreve:

“Às mulheres em questão de vital importância faltam os principais direitos cívicos. Não somente por equidade, mas atendendo aos verdadeiros interesses do Estado, semelhante estado de cousas requer alteração. Tenciono, portanto, no decurso da próxima época, submeter à vossa apreciação algumas alterações dos regulamentos parlamentares que tornem as mulheres eleitoras e elegíveis, nas mesmas condições dos homens”.

Na Revista Pedagógica nº 261, de 29 de maio de 1913, Teresa Franco dá a conhecer várias iniciativas tomadas em diversos locais do planeta. Assim.

1- No Japão um decreto do imperador autoriza, pela primeira vez, a imperatriz a sair ao seu lado nas carruagens.
2- Nos E.U.A., uma nova Joana d’Arc, Virgínia Brooks, “organizou uma cruzada feminina contra os antros do vício da cidade gigante, pondo em foco a corrupção que ali reina, devido à cumplicidade de empregados dos infiéis”.
3- Em Londres, foi inaugurada uma pensão para a classe trabalhadora feminina que a preços reduzidos pode ter acesso a quarto, banho e refeições. Podem beneficiar da mesma “operárias das fábricas, costureiras, empregadas de escritórios, etc., que não tenham família”.

Teresa Franco, tal como outras mulheres e homens do seu tempo, também se preocupou com o consumo de tabaco e com o alcoolismo. Assim, em 1912, participou numa campanha para exigir a proibição da venda de tabaco e de bebidas alcoólicas a menores.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32042, 30 de janeiro de 2020, p.17)

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

A propósito de Agostinho da Silva e das festas do Espirito Santo


A propósito de Agostinho da Silva e das festas do Espirito Santo


Introdução
Desde os primórdios do povoamento do arquipélago, as festas do Espírito Santo são a maior manifestação da cultura e da religiosidade populares dos açorianos. Por tal motivo, ao longo dos tempos têm sido alvo de estudos vários, com destaque para os de cariz etnográfico.

No presente texto, não pretendendo esgotar o assunto e salvaguardando que não é possível fazer generalizações, pois há grandes diferenças nos festejos, mesmo dentro de uma dada localidade, abordaremos os seguintes tópicos: o culto do Espírito Santo para Agostinho da Silva, a evolução das festas na ilha de São Miguel, as festas, os gastos e a caridade, as tentativas de controlar as festas por diversas entidades, nomeadamente pela Igreja Católica e, por último, o tratamento dado aos animais.

O culto para Agostinho da Silva

O culto do Espírito Santo foi trazido para os Açores pelos primeiros povoadores portugueses, tendo sido depois levado, pelos açorianos, para os quatro cantos do mundo, nomeadamente para o Brasil e para a América do Norte.

Para a maioria da população dos Açores, creio, a Rainha Santa Isabel (1271-1336) é tida como a responsável pela criação das festividades e culto do Espírito Santo em Portugal. O etnógrafo micaelense, natural de Vila Franca do Campo, Padre Manuel Ernesto Ferreira, apresenta a hipótese do nascimento das festas em Coimbra ou em Alenquer, mas liga-as sempre à Rainha Santa Isabel, como se comprova pela seguinte frase: “O que parece mais provável é que a Rainha Santa, à imitação do que se fazia talvez em Espanha ou na Alemanha, instituísse a comovente solenidade em várias localidades, em anos em que acontecesse achar-se nelas no domingo de Pentecostes”(Ferreira, 1993, 179).

O historiador Jaime Cortesão (1884-1960), citado por Cabral e Nunes (1982-1983), sem por de parte o papel da Rainha Santa Isabel defende que a origem das festas do Espírito Santo deveu-se “a franciscanos, de tendência espiritual, e que a rainha [Isabel] a quem aquele culto de família e as cerimónias próprias lisonjeavam o tenha favorecido” (p.809).

Agostinho da Silva (George Agostinho Baptista da Silva), filósofo nascido no Porto em 1906, que faleceu em Lisboa em 1994, não contraria Jaime Cortesão, tendo sobre o assunto escrito o seguinte: “… é a do Culto Popular do Espírito Santo, afirmando em pleno durante duzentos e cinquenta anos, desde Isabel a Dom João III, sobrevivendo como pode no Continente, enraizado ainda nas Ilhas e em seus focos de imigração, passado, e nela igualmente radicado, a tanta localidade brasileira desde o XVI por diante” (Silva, 1988, p. 99).

Agostinho da Silva que terá tido contato com as festas do Espírito Santo no Brasil, país onde viveu, entre 1944 e 1969, não escreveu sobre o que observou, mas terá idealizado o que deveria ser o “culto popular do Espírito Santo”, que segundo ele “é a religião viva dos Açores, tão viva que me parece que a obrigação essencial dos açorianos deveria ser a de irem pelo mundo como missionários do seu culto” (Silva, 1996, p.21).

Nas festas do Espírito Santo, há três componentes, a coroação, o bodo e a libertação de presos. Com efeito, segundo Agostinho da Silva, “o que o Povo diz no seu mais autêntico e espontâneo Culto é que devam as Crianças a governar o mundo, como afinal defendia Cristo; que deve o que se consome de básico ser abundante e gratuito, como nas Bodas de que fala o Evangelho, multiplicando-se o Pão; que se devem abolir as prisões, como ordena o “Não julgueis” (Silva, 1988, p. 99).

No seu texto “A Educação de Portugal”, Agostinho da Silva relembra as várias componentes do culto e destaca uma delas. Assim, segundo ele “o ponto fundamental, do culto popular do Espírito Santo não é, porém, nem o banquete comum e livre, nem o soltar de presos, nem a procissão que segue a Pomba, no estandarte ou coroa; é a instalação de uma criança como Imperador do mundo” e acrescenta: “No Paraíso terrestre que se quer dispensam-se os adultos de todas as funções dirigentes que têm tido até hoje e se declara mais importante que tudo quanto possa ter sido na vida o menino que foram e tão infelizmente morreu; declara-se que todos os imperadores de qualquer Império declarado Santo pela vontade, os interesses e os apetites dos homens, devem ceder seu trono às características infantis de atenção contínua à vida, de existência total no presente, de ignorância de códigos, manuais e fronteiras, de integração no sonho, de valorização do jogo sobre o trabalho, de simpatia pela cigarra, que logo a nossa escola substitui pelo aplauso à formiga, já que uma convém à alegria, apenas, e a outra ao lucro “(Silva, 1996, pp. 23-24).

Sobre a evolução das festas do Espírito Santo na Ilha de São Miguel

De acordo com o Padre Ernesto Ferreira, depois da iniciativa dos reis, os fidalgos obtiveram autorização para replicarem as festividades e “para mandarem fazer uma corôa similhante á portuguesa e que se chamaria Corôa Real do Divino Espírito Santo.” (Ferreira, 1993, p.180).

O mesmo etnógrafo, aventou a hipótese de o donatário das ilhas e dos fidalgos que com ele vieram terem trazido coroas e de que a devoção que estava associada à prática de “frequentes actos caridosos” (Ferreira, 1993, p. 180) se ter estendido às camadas populares.

Num texto de 1923, o escritor e etnógrafo vila-franquense Armando Cortes Rodrigues (1891-1971), um dos colaboradores da revista Orpheu, num texto publicado no Arquivo dos Açores intitulado “As festas do Espírito Santo na Ilha de S. Miguel” condena algumas alterações que ocorreram nas festas ao longo dos tempos. Sobre o assunto, Cortes Rodrigues, escreveu o seguinte:

“As folias, mesmo nas aldeias, vão sendo substituídas pelas filarmónicas; as coroações caíram no exibicionismo do luxo, aparatoso desfile de vestuários, feira de vaidades entre o sorriso inocente das creanças; o pensamento da caridade, vincando o valor social destes festejos, vai diminuindo tanto mais, quanto maior é a sua paganização.

Naquela parte do povo, onde é mais funda a ignorância religiosa, encontra-se um culto supersticioso e incoerente do Espírito Santo, simbolizando na coroa, no sceptro e na bandeira, a quem atribuem baixas qualidades como o rancor e a vingança, facto que pouco se harmoniza com a maioria dos sentimentos de religiosidade das promessas que motivam quasi todas estas festas.”.

O vigor das festas não foi sempre o mesmo ao longo dos tempos, havendo épocas em que quase desapareceram. O Padre Ernesto Ferreira (1993) menciona que “por volta de 1665 se achavam confinadas no Convento de Santo André de Vila Franca do Campo.

Idêntica opinião apresenta o investigador e publicista Aníbal Bicudo e Castro (1874-1948) que, no jornal Diário dos Açores de 15 de maio de 1924, depois de associar o revigoramento das Festas do Espírito Santo a diversos cataclismos ocorridos na ilha de são Miguel, como a subversão de Vila Franca do Campo, em 1522, ou a gripe pneumónica de 1673, lamenta o esbatimento do culto quando as pessoas se esquecem do sofrimento provocado pela Mãe Natureza.

Sobre o culto do Espírito Santo a dado passo do seu artigo podemos ler o seguinte:

“…Culto sempre latente na alma micaelense, ou melhor na alma simples e generosa do povo sertanejo, que é, na derrocada do presente momento, quem guarda avaro o escrínio das nossas melhores tradições [….]. Ao povo simples dos nossos campos não é mister relembrar o milagre da Pombinha, porque d’elle guarda impoluta memória e excelso culto…”(Castro, 1924, pp.2 e 4)

Relativamente às alterações mais recentes, como cada caso é um caso, faremos apenas referência à das Festas do Espírito Santo de Pentecostes que se realizam anualmente na freguesia da Ribeira Seca de Vila Franca do Campo que acompanhamos desde meados da década de 60 do século XX, por sermos naturais da localidade.

No que diz respeito às festividades propriamente ditas, o essencial ocorria na sexta-feira (dos gueixos), dia em que havia a recolha dos animais (nomeadamente touros e bezerros). Destes, alguns eram arrematados para a realização de receitas para custear as festas, outros, os mais novos, eram entregues a criadores para serem alimentados até ao ano seguinte e outros eram abatidos, sendo a sua carne usada no jantar dos criadores, nas ofertas aos mais necessitados, essencialmente a viúvas e viúvos, e a restante nas pensões não só dos criadores, mas também de pessoas que pagavam para tal.

O sábado era dedicado à distribuição das pensões, no domingo realiza-se a componente religiosa, com a coroação, em geral de crianças, e missa na Matriz de São Miguel Arcanjo e na segunda-feira da Pombinha, realizava-se um arraial abrilhantado por uma filarmónica local.

Hoje, a situação é bastante diferente, como se poderá ver através da consulta ao programa das festas do presente ano. Assim, de entre as alterações registamos as seguintes: na sexta-feira foi introduzido um espetáculo musical, no sábado outro espetáculo musical com uma cantora contratada no continente português, neste caso a “Rosinha”, seguida de um DJ (disco-jóquei), no domingo foi introduzida uma noite de fados e mais um espetáculo com um DJ, na segunda-feira mais um espetáculo musical, o mesmo acontecendo na terça-feira.

Outra das alterações ocorridas na Irmandade de Pentecostes da Ribeira Seca foi a institucionalização da organização das festas que se traduziu na diminuição da participação da população na escolha dos organizadores das mesmas. Se antes, no último dia, dia da apresentação das contas que ainda se mantem, a população tinha a possibilidade de escolher o Mordomo para o ano seguinte, agora as festas são organizadas pela Irmandade que se encontra devidamente legalizada como associação sem fins lucrativos e a escolha do Mordomo é feita de entre os associados da mesma.

Ainda em relação às Irmandades, embora não possa garantir que seja regra geral, conheço três em que as mulheres, que são as grandes obreiras das festas, não fazem parte das mesmas, embora nos estatutos não haja qualquer disposição que as impeça.

Em jeito de conclusão, podemos dizer que enquanto a componente religiosa se manteve, a componente profana mais do que quadruplicou, pelo menos em termos de custos e a ajuda ao próximo nas festas do Espírito Santo quase desapareceu.


As festas, os gastos e a caridade.

Antes de apresentar algumas informações relativas à prática da caridade nas festas do passado e da atualidade, recordo que Agostinho da Silva sobre a mesma escreveu que “tempo virá de caridade, entendendo-se caridade não como aquele suplemento de humilhação que se leva aos que caíram na luta, mas como o amor irrestrito que, embora consciente dos defeitos do amado, o ama sem pensar em saldo positivo ou negativo” (Silva, 1996, p.11).

No século XIX, há vários relatos de festividades em honra do Espírito Santo, onde estão presentes as esmolas aos presos e aos mais necessitados.

Numa notícia, relativa a 1851, compilada por Francisco Maria Supico, podemos ler que num Império de Ponta Delgada foram distribuídas 700 esmolas. No mesmo império, e de acordo com Supico (1995, p. 583) no sábado “foram distribuídas esmolas às recolhidas da Trindade, Santa Bárbara, presos, e grilhetes do calabouço” e no domingo foi realizada uma procissão que levou “o jantar aos presos nas cadeias” e no arraial foram distribuídos “aos pobres que ali se encontravam, muito pão em fatias e algum vinho”. Na segunda-feira, na Mordomia, foi servido um jantar aos pobres.

A miséria em que vivia uma parte da população era tal que segundo a mesma fonte, no ano seguinte no Império da Santíssima Trindade de São Pedro Gonçalves, “por todo o correr da tarde de segunda-feira se revezavam as mesas em que centenas de pobres se assentaram como sempre servidos com a maior abundância e fartura…Distribuíram-se pelos pobres cento e onze arrobas de carne e três mil pães, quatro pipas de vinho, laranjas…” (Supico, 1995, p. 584)

Não contestando a necessidade do povo se divertir, Francisco Maria Supico, num texto publicado em 1857 no jornal “O Templo”, condenou “essas pomposas festividades chamadas impérios por não satisfazerem as “intensões dos que para elas concorrem com donativos, e muito menos os preceitos da caridade que nelas tanto se alardeia” (Supico, 1995, p. 586).

Que razões apresentou Supico para contestar alguns aspetos das Festas do Espírito Santo?

- Primeira razão- Se é verdade que a classe pobre é beneficiada, também é verdade que se muitos desacatos são cometidos. O autor não menciona, mas há relatos de muita pancadaria associada ao consumo de bebidas alcoólicas.

- Segunda razão- As intenções são beneficiar a indigência, mas esta nem sempre é beneficiada. Segundo Supico (1995)“na distribuição das esmolas no arraial de qualquer império, são as mesas cercadas quase exclusivamente por mendigos de profissão …Há um considerável número de indigentes que circunstâncias naturais tem reduzido a semelhante estado, que preferem estalar de fome em suas moradas, a sujeitarem-se a ir demonstrar a sua miséria no meio de tanto aparato”(p.586).

- Terceira razão – A filantropia não se pratica publicitando os atos. Supico escreveu: “Não se pratica a caridade num arraial guarnecido de loiros e flores abrilhantado de bandeiras, ao som de músicas e algazarras. Por certo que não é isso a caridade ensinada por Jesus Cristo” (p. 586).

No dia 25 de maio de 1929, de acordo com o jornal Correio dos Açores, do dia 4 de junho do mesmo ano, ocorreu a distribuição de pensões do império de Almeida, tendo havido “farta distribuição de esmolas de pão e carne pelos pobres, no que se praticou a sublime virtude da Caridade.”

Em 1932, o Correio dos Açores, do dia 20 de maio, noticiou várias festas do Espírito Santo realizadas no concelho de Vila Franca do Campo, tendo a propósito do Império do Largo Bento de Góis, depois de se referir ao “ostracismo a que tinha sido votado durante alguns anos” afirmado o seguinte: “Foi-lhe dada uma nova feição, que também devia ser seguida pelos outros impérios, a prática da “Caridade”, em harmonia com o verdadeiro Espírito Santo”.

Hoje, se se analisar os orçamentos de algumas irmandades, por vezes movimentando valores superiores a 50 mil euros, verifica-se que a solidariedade ou caridade é responsável por uma parte ínfima das despesas.

As tentativas de controlar as festas populares

Ao logo dos tempos, foram várias as tentativas de disciplinar as festas do Espírito Santo que perderam o controlo por parte da hierarquia da Igreja, quer a nível da diocese quer pelos diversos párocos. Se é verdade que por vezes as festas populares estavam mais próximas dos desígnios para que foram criadas, noutros casos nas mesmas existiam abusos de vária ordem que foram denunciados quer pela comunicação social quer por quem escreveu sobre a temática.

Manuel Gandra, no livro “O Império do divino na Amazónia”, apresenta várias casos em que a hierarquia da Igreja Católica impôs um conjunto de restrições ou mesmo proibições ao longo de vários séculos.

Neste texto, apenas faremos referência a um exemplo por século e em locais diferentes.

A primeira deliberação, datada de 1559, foi das Constituições Sinodais do Bispado de Angra. Entre ouras medidas tomadas foram proibidas “as danças dos foliões no interior dos templos, bem como as cantorias durante as coroações” (Gandra, 2017, p.78).

Em 1699, numa visita a Vila Franca do Campo, na ilha de São Miguel, o Dr. Bernardo Estácio determinou que existisse apenas um império por freguesia e que os mordomos deviam ter um “livro de receita e despesa, controlado pelo Ouvidor, para que as esmolas sejam dadas fielmente aos pobres” (Gandra, 2017, p. 86)

Em 1745 são de novo condenados os Impérios das Mulheres, é proibido de se realizar o Império da Senhora da Vida, na freguesia de Ponta Garça e é imposto “que o Império da Misericórdia, em Vila Franca, se faça no dia de Pentecostes e que o de Santo André se realize na 1ª oitava da festa, “para que os padres aproveitassem das esmolas que se tiravam para o dito ministério” (Gandra, 2017, p. 89).

De acordo com Gandra (2017), o Bispo açoriano Dom Frei Estevão de Santa Maria ordenou “que os Coroamentos não tenham lugar para além do Domingo da Trindade, e mais interdita os bailes nas casas onde se encontre a Coroa do Santo Espírito” (p.96).

Em 1959, Dom Manuel Afonso de Carvalho emitiu uma Nota Episcopal que, segundo Gandra (2017) visava “a Evangelização da devoção ao Paracleto, bem como a regularização e regulamentação canónicas coercivas dos Estatutos das Irmandades do Espírito Santo” (p.107). Dois anos depois, o mesmo bispo declarou extintos todos os Impérios que não tinham os seus estatutos canonicamente aprovados, o que acontecia com a esmagadora maioria dos existentes dos Açores.

O jornal Correio dos Açores, de 18 de junho de 1961, relata o caso de seis filarmónicas da ilha Terceira que foram excomungadas pela Câmara Eclesiástica pelo facto de “terem participado em “Coroações do Espírito Santo” a que o Prelado negou carácter religioso por não serem realizadas de acordo com um regulamento cujos termos têm apaixonado a opinião pública”.

Mais recentemente, em 2012, uma paróquia da ilha de São Miguel tentou “disciplinar as Irmandades do Espírito Santo e as Coroações, apresentando um conjunto de regras que poderão fazer algum sentido para os crentes e para quem se revê na organização da Igreja Católica. Assim, de acordo com um conselho pastoral paroquial, foi recomendado que devem ser pessoas adultas a coroar, que “se possível, deverá coroar apenas a coroa da festa ou até 3 coroas”, que haja “decoro no vestir e no agir” de quem vai coroar e que “todos envolvidos na festa deverão ter o culto/cota em dia”.

Por parte do Estado a tentativa de disciplinar ou controlar as festas do Espirito Santo também existiu e continua a acontecer. Gandra (2017, p. 103) refere que em 1911 a república procurou “laicizar as Irmandades”, fazendo delas “associações culturais ao abrigo da Lei de Separação da Igreja e do Estado”.
Mais recentemente, ao mesmo tempo que o Governo passou a cobrar impostos e taxas também passou a apoiar a manutenção ou a construção dos Impérios e Casas do Espírito Santo, a declarar algumas Irmandades como instituições de interesse público e pasme-se a subsidiar algumas irmandades, como se pode constatar através da leitura do extrato de um despacho da Presidência do Governo Regional dos Açores:
“Considerando que é tradição das Festas do Divino Espírito Santo a distribuição de carne, pão, massa e vinho às muitas pessoas carenciadas, originando onerosos encargos que os Impérios têm de suportar, nomeadamente para a compra de gado;
Considerando o facto de os Impérios carecerem de apoio para poderem realizar as suas Festas Tradicionais e, ainda, o pedido oportunamente formulado; … determino a concessão à Organização das Festas do Divino Espírito Santo – Império da …., de € 200,00 (duzentos euros) destinados a apoiar os encargos com a realização das Festas Tradicionais em honra do Divino Espírito Santo, importância que deverá ser processada pela rubrica 04.08.02 – “Transferências Correntes – Famílias - Outras” do Orçamento da Presidência do Governo Regional para 2012.”

As festas do Espírito Santo e os animais
Agostinho da Silva manteve uma relação especial com os animais. Com efeito, embora tivesse uma predileção pelos gatos, que foram seus companheiros ao longo da vida, respeitava todos os animais a ponto de ter optado por um regime alimentar essencialmente vegetariano. Sobre o assunto escreveu Franco (2015): “Na conversa com Herman José, a 10 de Maio de 1990, no ciclo televisivo das “Conversas Vadias”, já ao cair do pano, ele mesmo declarou para todo o Pais “evito comer animal; coitado do bicho”. Há pelo menos 50 anos que evitava!” (p. 291).
Sobre o mesmo assunto, Agostinho da Silva, citado por Borges (2016, p.126) escreveu:
“Na produção animal, deve escolher-se a fonte de proteína que seja ao mesmo tempo a mais barata e a mais adequada a cada Povo, insistindo-se, porém, sempre, no consumo da proteína vegetal equiparável: animal está no mundo para ser nosso companheiro, não nosso escravo e vítima”

Nas festas do Espírito Santo sempre foram abatidos animais, para a sua carne ser usada na alimentação dos organizadores e colaboradores, como os criadores do gado e os pagantes de pensões, mas também para a oferta aos mais pobres. Neste texto não vamos tecer considerações acerca dos abates que hoje penso serem feitos nos matadouros oficiais, mas que no passado ocorriam nos mais variados locais, como, por exemplo, nas margens de uma ribeira, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo.
Uma das práticas que ainda se mantém, pelo menos nalguns impérios, é a do desfile de animais, nomeadamente gueixos, pelas ruas das localidades, que durante a minha infância e juventude ocorria na sexta-feira (a Sexta-Feira dos Gueixos) antes do domingo da festa.
Esta prática tem sido contestada, pois as condições dos arruamentos do passado, que eram de terra, hoje estão alteradas e o risco de os animais escorregarem, caírem e ferirem-se é muito maior. A agravar a situação durante os desfiles são lançados foguetes, cujo ruído perturba os animais habituados ao sossego das pastagens.
Sobre este assunto, a feminista e defensora dos animais Alice Moderno (1867-1946) escreveu no seu jornal, A Folha, o seguinte: “É certamente uma época alegre para o povo; mas quem para a patente são os pobres bois, que são abatidos em grande número, depois de passeados pelas ruas com adornos de flores, o que faz lembrar a época do paganismo”.
Num texto, intitulado Os “Impérios” do Espírito Santo, publicado no Correio dos Açores, no dia 25 de abril de 1937, Eduardo Dias fez uma breve descrição de um Império da freguesia das Furnas. Sobre o sacrifício dos animais, o autor escreveu o seguinte:
“O mordomo, os amigos e a música vão acompanhando, como podem, os irrequietos e floridos condenados à imolação. Feita a volta à imensa e majestosa cratera – O Vale das Furnas – o cortejo regressa às imediações da casa do mordomo.
Começam então os sacrifícios ao ar livre:
O animal, forçado a ajoelhar, recebe entre os chifres a pontilha do improvisado magarefe e logo um novo e enorme golpe entre as patas dianteiras. Enquanto garotos montam sobre os quartos da rês para precipitar a hemorragia, outros acorrem com malgas, tigelões, alguidares e marmitas ao chafariz de sangue”.
Proibida esta prática, a que tivemos a oportunidade de assistir, na freguesia da Ribeira Seca, no concelho de Vila Franca do Campo, nos anos sessenta e setenta do século passado, hoje ainda persiste, pelo menos em algumas ilhas, sobretudo na ilha Terceira, a realização de touradas à corda associadas às festas do Espírito Santo. Segundo Lopes (2003, p.242) na referida ilha, aquelas “são remate certo de todas as festas, quer religiosas que profanas”.
Apesar de contestadas desde sempre, mesmo na ilha Terceira, as touradas à corda foram levadas pela indústria tauromáquica para outras ilhas, inclusive para São Miguel, com a ajuda de governantes, autarcas, comissões de festas religiosas e irmandades do Espírito Santo, onde não há controlo dos dinheiros que deviam ser usados com parcimónia e não para promover o abuso de animais.
Sobre este assunto, o Padre Ricardo Tavares, da paróquia dos Fenais da Luz, na ilha de São Miguel, uma das poucas localidades onde pretenderam associar touradas às Festas religiosas e aos impérios do Espirito Santo, emitiu um comunicado, no dia 25 de julho de 2017, onde afirmou o seguinte:
“A tourada é uma prática sádica, na qual as pessoas se divertem à custa do medo e do pânico do toiro, além de ser uma actividade bárbara, anti-civilizacional e dispendiosa, que queima verbas que podiam muito bem ser canalizadas para uma acção social ou até para o restauro da Igreja.

Infelizmente, a Comissão realizou a indesejada tourada, na qual poucas pessoas participaram. Porém, a Comissão foi demitida pela Diocese, por desobediência aos ditames da Igreja, a este e a outros. E acabam-se 7 anos de barbárie contra animais em nome de Deus!

Enquanto eu for pároco, não haverá lugar para violência contra animais, nem touradas nem bezerradas. Porque, enquanto houver maus-tratos contra animais, haverá sempre violência contra pessoas.”


Bibliografia

Borges, P. (2016). Agostinho da Silva - Uma Antologia Temática e Cronológica. Lisboa: Âncora Editora
Cabral, M., Nunes, M. (1982-1983). Contributos para o estudo das Festividades Populares em Louvor do Divino Espírito Santo no Lugar do Penedo (Colares-Sintra). Sintria, I-II, pp. 803-1028.
Castro, A. (1924). A festa da Pombinha-De como se radicou entre nós o culto do Espírito Santo. Separata do artigo inserto no “Diário dos Açores” de 15 de maio de 1924. 7 pp
Ferreira, E. (1993). A Alma do Povo Micaelense. Vila Franca do Campo: Editorial Ilha Nova-Câmara Municipal de Vila Franca do Campo. 232 pp.
Franco, A. (2015). O estranho colosso. Uma biografia de Agostinho da Silva. Lisboa: Quetzal. 735pp.
Gandra, M. (2017). O império do divino na Amazónia. Rio de Janeiro: Instituto Miukharajj Brasilan & Centro Ernesto Soares de Iconografia e Simbólica -Cesdies. 468 pp.
Lopes, F. (2003). Notas Etnográficas. Angra do Heroísmo: Instituto Histórico da Ilha Terceira. 437 pp.
Rodrigues, A. (1983). As festas do Espírito Santo na Ilha de S. Miguel. Arquivo dos Açores, volume XIV, Ponta Delgada.
Silva, A. (1988). Carta Vária. Lisboa: Relógio d´Água. 108 pp.
Silva, A. (1996). A educação de Portugal. Lisboa: Ulmeiro. 78 pp.
Supico. F. (1995). As Escavações, Volume II. Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada.



quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

A Propósito de uma visita à Grená


A Propósito de uma visita à Grená.

No passado dia 12 de janeiro integrei um grupo de amigos que visitou a Grená, propriedade de 18 hectares localizada na margem da Lagoa das Furnas.

Foi o britânico Edward Harvey que, por volta de 1835, terá pensado habitar nas margens da Lagoa das Furnas, começado a construção de uma casa e plantado, nas proximidades daquela, várias espécies novas para a ilha de São Miguel, como o freixo.

Não tendo acabado a construção, a propriedade foi adquirida, em 1858, pelo cônsul inglês Samuel Vines que a terá concluído.

José do Canto, também, está ligado à Grená, pois, em 1869, alugou por cinco anos a propriedade aos Vines para poder acompanhar mais de perto os trabalhos que estavam a decorrer na sua propriedade.

Em 1870, a propriedade foi adquirida por James Hinton e em 1882 por George Hayes, bisavô de George Hayes, professor de inglês e guia turístico aposentado, residente no Livramento, que foi um dos participantes na visita referida e que teve a oportunidade de nos contar alguns episódios, ocorridos na Grená, que envolveram alguns dos seus antepassados.

O primeiro George Hayes referido, em 1875, era armazenista e um dos administradores da Caixa filial do Banco Lisboa e Açores, em Ponta Delgada.

De acordo com Nestor de Sousa, “o chamado prédio da Grená abrangia residência, jardim e terrenos de cultivo com laranjais” e “a casa compunha-se de três salas- uma ampla de visitas; outra mais pequena servindo de escritório; e a de jantar-além de seis quartos de cama, cozinha, dispensa, quarto de engomar, falsa, e dois corredores, um em cada piso, comunicantes por escada atapetada”.

A 15 de setembro de 1924, o vila-franquense Urbano de Mendonça Dias, fundador do Externato de Vila Franca, comprou a Grená a Manuel do Couto que a havia comprado aos herdeiros de George Hayes.

Em 1987, a propriedade foi adquirida pelo Estado que a deixou ao abandono, tendo em 2015 passado para a posse da Região que mais tarde decidiu pela sua venda em hasta pública.

Em dezembro de 2019, depois de um ano de trabalhos de limpeza, abertura de trilhos e criação de pequenos miradouros, a Grená abriu ao público e tem surpreendido pela positiva muitos dos visitantes que àquele parque têm ocorrido para usufruir dos seus tempos livres.

Há mais ou menos 50 anos visitei a Grená na companhia de minha avó e minhas tias, para recolher flores de azáleas para atapetar as ruas para a passagem da procissão dos enfermos que se realizava na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo. Embora não me lembre de muita coisa, o que me ficou na memória é a quantidade de azáleas existente nos caminhos que davam acesso à casa e que, resultado do abandono, despareceram por completo.

Durante a visita, para além das vistas magníficas, da imponente queda de água, os visitantes puderam apreciar o vultuoso trabalho já efetuado. A propósito da ribeira e da queda de água, Urbano de Mendonça Dias, no seu livro História do Vale das Furnas, escreve que a ribeira que atravessa a Grená é “chamada do Enchiqueiradouro que vem da Achada, caindo a prumo do salto do Bragado, da altura de 96 metros.”

Hoje, as espécies predominantes são a criptoméria e o incenso, enquanto que no passado terá predominado o pinheiro.

Apenas dois pequenos senões que não mancham o que de muito bom já foi feito: a presença numa pequena poça de jacintos-de-água, uma espécie invasora, e a de um vaso com uma planta de plástico, que não acreditámos que tenha sido colocado pela equipa que está a fazer a recuperação do local

Vale a pena uma visita!
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32035, 22 de janeiro de 2020, p.17)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

É possível acabar com os chumbos?



É possível acabar com os chumbos?

“Só a partir de uma pedagogia diferenciada centrada na cooperação entre professor e os alunos e destes entre si se poderão por em prática os princípios da inclusão, da integração e da participação democrática, isto é, os Direitos da Criança” Sérgio Niza.

Um amigo meu sempre aberto a todas as inovações, não discordando com o governo que acha que não deve haver retenções, decidiu este ano letivo (quase) acabar com as aulas meramente expositivas e introduzir algumas novidades não só na lecionação, mas também na avaliação.

Assim, organizou a atividade letiva de modo a que todos os alunos pudessem aprender não só com ele, mas também em cooperação com os colegas, através:

- De um Plano Individual de Trabalho (PIT), onde pudessem com autonomia não só adquirir, mas também aprofundar os seus conhecimentos;

- De um Tempo de Estudo Autónomo onde pudessem concretizar os trabalhos previstos nos seus PIT, quer os de treino quer os de investigação ou aprofundamento de conhecimentos. Este foi o tempo mais adequado para poder apoiar os alunos com mais dificuldades;

- De um tempo dedicado a conversar sobre o decorrer das aulas, em termos de cumprimento das regras, planificação dos trabalhos, orientação das aprendizagens e avaliação das mesmas;

- Da realização de Trabalhos de Projeto, onde pudessem ter a possibilidade de escolher os colegas de grupo e os temas a tratar e onde os processos e os produtos de cada projeto fossem objeto de comunicação à turma;

- De uma Lista de Verificação, distribuída a todos, onde constassem todos os conteúdos a lecionar, selecionados de acordo com as aprendizagens essenciais.

A avaliação dos alunos deixou de ser baseada apenas em testes escritos e passou a ter em conta a assiduidade, a pontualidade, o trazer o material necessário para a aula, a participação oral, a realização de tarefas de forma adequada, o cumprimento de regras de trabalho e convivência e a autonomia, a aquisição de conhecimentos e competências transversais, como, por exemplo, selecionar e organizar informação, construir explicações científicas baseadas em conceitos, desenvolver ou aplicar competências em novos contextos.

Ao terminar o primeiro período, o meu amigo, apesar de não ter obtido resultados muito negativos nas suas turmas, ficou um pouco desiludido, pois pensava que havia criado condições para que todos os seus alunos tivessem sucesso.

O que terá falhado?

Segundo ele, as principais causas de não conseguir o sucesso pleno foram.

- O absentismo escolar- há alunos com 12 ou 13 anos que estão matriculados, mas que nunca vão à escola, outros que aparecem na escola e não vão às aulas;

- O desinteresse total- há alunos que estão nas aulas e recusam-se a trabalhar, mesmo quando têm a possibilidade de tratar um tema à sua escolha;

- O desrespeito pelas regras de convivência – há alunos que depois de seis anos de escolaridade ainda não sabem distinguir uma aula de um recreio. Com efeito, nas aulas falam alto uns com os outros, levantam-se do seu lugar para irem falar com um colega sobre assuntos pessoais, interrompem o professor para fazerem perguntas não relacionadas com os temas que aquele está a tratar, etc.;

- A ausência de hábitos de estudo – embora os testes escritos não tenham o peso que tiveram outrora, a maioria dos alunos não estuda em casa, nem no dia-a-dia nem mesmo na véspera dos mesmos.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32029, 15 de janeiro de 2020, p.16)

Entrevista ao Correio dos Açores

Correio dos Açores, 12 de janeiro de 2020

Lançamento do livro Árvores dos Açores

Sobre o lançamento do livro Árvores dos Açores

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

João de Melo Abreu homenageado em vida


João de Melo Abreu homenageado em vida

Depois de, em texto anterior, ter divulgado alguns depoimentos sobre o homem de bom coração que foi João Melo Abreu, hoje farei uma breve referência a uma homenagem de que foi alvo em vida.

A 8 de julho de 1910, João Melo Abreu regressou a Ponta Delgada, vindo de Lisboa, onde fora tratar de problemas relacionados com a sua saúde.

Os seus amigos e admiradores não quiseram deixar passar a ocasião sem o homenagearem, reconhecendo as suas qualidades de homem de bem e de trabalhador infatigável. Para o efeito, constituíram uma comissão, composta por Alfredo da Câmara, Alice Moderno, José Soares Cordeiro, Manuel Martins Correia, Manuel Pereira de Lacerda, Maria Evelina de Sousa, Padre Manuel Vicente e Sabino Januário Borges, que organizou uma receção, tendo para o efeito requisitado o rebocador Mouzinho da Silveira com o objetivo de ir ao encontro do paquete, onde viajava João Melo Abreu.

De acordo com Francisco Soares Silva, diretor do jornal Vida Nova, estavam a aguardar João Melo Abreu, no cais de Ponta Delgada, “representantes da imprensa, quase todos os cultivadores de ananases e uma grande multidão de indivíduos”. Ainda de acordo com a mesma fonte, durante o percurso do cais até à sua casa, “foram queimadas algumas girandolas de foguetes, estando as ruas dos Mercadores e Ernesto do Canto atapetadas de verduras e flores”.

Alice Moderno, sempre ela, convidada por uma comissão de cultivadores de ananases, seus colegas, escreveu “em menos de duas horas, e posta em cena em menos de oito dias” uma récita em homenagem a João Melo Abreu que foi representada pela primeira vez no Teatro Micaelense, no dia 24 de julho de 1910. A peça, que se chamava Apoteose, foi dedicada a D. Elisa L. de Melo Abreu e foi impressa na Tipografia Alice Moderno que na altura estava instalada na rua do Castilho, nº1.

No dia da chegada, foi entregue a João Melo Abreu e profusamente distribuída junto dos que se dignaram participar na receção uma folha especial editada pelo jornal “O Repórter” de Alfredo Câmara. Nesta, depois de se regozijar pelo facto de Melo Abreu ter encontrado alívio para o seu sofrimento, o autor do texto elogia-o com as seguintes palavras: “… não sendo menor a satisfação de todos ao saberem da sua próxima chegada, para de novo se entregar à sua vida ativa, um misto de industrial e negociante, honra da nossa praça, a par d’um benemérito que tem o seu nome vinculado já a quanto aí se tenha praticado na sublime órbita do Bem…”

As manifestações de regozijo pela regresso de João Melo Abreu terminaram com a distribuição de um bodo a mil pobres, na Avenida Roberto Ivens, em frente à sua cervejaria e à noite com um espetáculo muito concorrido no Teatro Micaelense, onde para além do hino do senhor Melo Abreu, foi recitada uma poesia pelo menino Duarte Castanheira Lopes, foi apresentada a já referida peça de Alice Moderno e uma ópera cómica intitulada Moleiro d’Alcalá.

No dia 10 de julho de 1910, Alice Moderno no seu jornal “A Folha” referiu-se à receção a João Melo Abreu, dizendo que antes nada havia sido feito que se comparasse, “nem mesmo no dia em que aportou a este porto a esquadrilha que conduzia o sr. D. Carlos I, Sua Majestade a Rainha e a comitiva real”. Alice Moderno termina o seu texto elogiando Melo Abreu e felicitando “a grande família micaelense que o considera como o mais útil e querido dos seus mais prestantes membros”.

No dia 16 de julho, Francisco Soares Silva que se intitulava “socialista libertário”, no jornal “Vida Nova “, escreveu o seguinte:

“Na fábrica de cerveja onde tem grande parte da sua fortuna, emprega muitos operários, que são pagos e tratados como homens e não como escravos.

E a “Vida Nova” que não tem nada de jacobina nem de facciosa, cumpre um justo dever prestando homenagem a um homem- não a um capitalista nem como burguês pertencente à atual engrenagem social- mas como homem de coração, de sentimentos nobres que será abençoado por todos os homens de bom senso que reconhecem no sr. João de Melo Abreu um apóstolo do Bem.”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32023, 8 de janeiro de 2020, p. 16)

sábado, 4 de janeiro de 2020

Pela Lagoa do Congro


Correio dos Açores, 4 de janeiro de 2020

Lagoa do Fogo




sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

João Melo Abreu visto por quem o conheceu


João de Melo visto por quem o conheceu

Durante muitos anos associei o nome de João de Melo Abreu a uma marca de cerveja produzida em Ponta Delgada. Mais tarde, tomei conhecimento de que na mesma cidade existia uma rua com o seu nome. Mais recentemente, ao pesquisar sobre a vida e a obra de Alice Moderno fiquei a saber que João Melo Abreu não foi um mero comerciante e industrial que viveu obcecado com o aumento do seu património.

Nascido no Porto, em 1844, depois, de aos 13 anos ter ido para o Brasil onde adquiriu conhecimentos de contabilidade, regressou ao Porto onde permaneceu pouco tempo e no mesmo ano, 1865, chegou a Ponta Delgada onde começou por ser guarda-livros da casa do visconde do Porto Formoso.

No que diz respeito ao seu ganha-pão, João Melo Abreu em 1884, criou a firma Melo Abreu Lda. Que, entre outras atividades, tinha como principal a exportação de ananases e, em 1891, deu início à Fábrica de Cervejas, Refrigerantes e Gelo.

Para além do seu talento comercial e industrial, João Melo Abreu tinha um coração generoso, sempre pronto a ajudar quem mais precisava e deu uma parte do seu tempo a algumas instituições, como a Sociedade Auxiliadora de Instrução, de que foi um dos fundadores, a Associação de Socorros Mútuos e a Sociedade Cooperativa Perseverança.

A sua morte, ocorrida a 9 de fevereiro de 1911, foi muito sentida por parte de várias pessoas influentes na sociedade micaelense.

Maria Evelina de Sousa, distinta professora primária e conhecida feminista, na sua Revista Pedagógica, escreveu o seguinte:

“O meio social micaelense acaba de sofrer uma enorme perda, tão grande que tarde e dificilmente a poderá ver preenchida.

Sob a dolorosa impressão que a sua morte nos causou, vimos desfolhar sobre o seu ataúde uma saudade orvalhada de lágrimas de gratidão pela desinteressada amizade com que nos distinguiu e pelos inúmeros favores que nos dispensou e que jamais esqueceremos.”

Francisco Soares Silva, talvez o principal líder operário da ilha de São Miguel da Primeira República, num artigo publicado no jornal Vida Nova, sobre João Melo Abreu referiu que era um homem dedicado ao trabalho, que recebia qualquer pessoa, independentemente da sua posição social e que emprestava dinheiro sem juros e por vezes sem garantias pelo prazer de ver a situação das pessoas melhorada. Ainda sobre João Melo Abreu, no texto citado podemos ler o seguinte:

“… no entretanto é dever nosso perante um cadáver ainda quente azorragar uma sociedade, na sua maioria composta de falsários que se apresentam como refinados hipócritas traidores e miseráveis. E Melo Abreu conhecia-os bem, tão bem que deles fugiu, como quem foge de cães daninhos, refugiando-se a maior parte do tempo nesse gabinete de trabalho da Caixa Económica de Socorros Mútuos da qual foi honrado zelador.

Na minha vida tenho encontrado homens sinceros, mas mais do que ele, ainda não encontrei nenhum.”

Alice Moderno, também reagiu à morte de Melo Abreu, tendo escrito, entre outros textos, uma poesia que foi impressa numa coroa que foi colocada sobre seu ataúde e que abaixo, parcialmente, se transcreve:
Grande trabalhador, carácter nobre,
Vais descansar no derradeiro leito!
- Seguem-te à campa as lágrimas do pobre
A quem deste guarida no teu peito.

Nunca, perante a dor, ficaste frio,
E partilhaste o horror de muita mágoa;
Mas hoje, em frente ao teu lugar vazio,
- Temos todos os olhos rasos de água…

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32019, 3 de janeiro de 2020, p. 13)

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Convite