sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

João Melo Abreu visto por quem o conheceu


João de Melo visto por quem o conheceu

Durante muitos anos associei o nome de João de Melo Abreu a uma marca de cerveja produzida em Ponta Delgada. Mais tarde, tomei conhecimento de que na mesma cidade existia uma rua com o seu nome. Mais recentemente, ao pesquisar sobre a vida e a obra de Alice Moderno fiquei a saber que João Melo Abreu não foi um mero comerciante e industrial que viveu obcecado com o aumento do seu património.

Nascido no Porto, em 1844, depois, de aos 13 anos ter ido para o Brasil onde adquiriu conhecimentos de contabilidade, regressou ao Porto onde permaneceu pouco tempo e no mesmo ano, 1865, chegou a Ponta Delgada onde começou por ser guarda-livros da casa do visconde do Porto Formoso.

No que diz respeito ao seu ganha-pão, João Melo Abreu em 1884, criou a firma Melo Abreu Lda. Que, entre outras atividades, tinha como principal a exportação de ananases e, em 1891, deu início à Fábrica de Cervejas, Refrigerantes e Gelo.

Para além do seu talento comercial e industrial, João Melo Abreu tinha um coração generoso, sempre pronto a ajudar quem mais precisava e deu uma parte do seu tempo a algumas instituições, como a Sociedade Auxiliadora de Instrução, de que foi um dos fundadores, a Associação de Socorros Mútuos e a Sociedade Cooperativa Perseverança.

A sua morte, ocorrida a 9 de fevereiro de 1911, foi muito sentida por parte de várias pessoas influentes na sociedade micaelense.

Maria Evelina de Sousa, distinta professora primária e conhecida feminista, na sua Revista Pedagógica, escreveu o seguinte:

“O meio social micaelense acaba de sofrer uma enorme perda, tão grande que tarde e dificilmente a poderá ver preenchida.

Sob a dolorosa impressão que a sua morte nos causou, vimos desfolhar sobre o seu ataúde uma saudade orvalhada de lágrimas de gratidão pela desinteressada amizade com que nos distinguiu e pelos inúmeros favores que nos dispensou e que jamais esqueceremos.”

Francisco Soares Silva, talvez o principal líder operário da ilha de São Miguel da Primeira República, num artigo publicado no jornal Vida Nova, sobre João Melo Abreu referiu que era um homem dedicado ao trabalho, que recebia qualquer pessoa, independentemente da sua posição social e que emprestava dinheiro sem juros e por vezes sem garantias pelo prazer de ver a situação das pessoas melhorada. Ainda sobre João Melo Abreu, no texto citado podemos ler o seguinte:

“… no entretanto é dever nosso perante um cadáver ainda quente azorragar uma sociedade, na sua maioria composta de falsários que se apresentam como refinados hipócritas traidores e miseráveis. E Melo Abreu conhecia-os bem, tão bem que deles fugiu, como quem foge de cães daninhos, refugiando-se a maior parte do tempo nesse gabinete de trabalho da Caixa Económica de Socorros Mútuos da qual foi honrado zelador.

Na minha vida tenho encontrado homens sinceros, mas mais do que ele, ainda não encontrei nenhum.”

Alice Moderno, também reagiu à morte de Melo Abreu, tendo escrito, entre outros textos, uma poesia que foi impressa numa coroa que foi colocada sobre seu ataúde e que abaixo, parcialmente, se transcreve:
Grande trabalhador, carácter nobre,
Vais descansar no derradeiro leito!
- Seguem-te à campa as lágrimas do pobre
A quem deste guarida no teu peito.

Nunca, perante a dor, ficaste frio,
E partilhaste o horror de muita mágoa;
Mas hoje, em frente ao teu lugar vazio,
- Temos todos os olhos rasos de água…

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32019, 3 de janeiro de 2020, p. 13)

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