quarta-feira, 24 de novembro de 2021

José Fontana amigo de Antero de Quental

 


José Fontana amigo de Antero de Quental

 

Quando se pesquisa sobre a atividade cívica e política de Antero de Quental, entre outros, surge o nome de José Fontana.

 

Quem foi José Fontana e o que o liga ao nosso filósofo e poeta?

 

José Fontana, de seu nome completo Giuseppe Silo Domenico Fontana, nasceu em Cabbio, na Suíça, no dia 28 de outubro de 1840, filho do italiano Giovanni Baptista Fontana e da portuguesa Maria Clara Bertrand Bonardelli, e faleceu em Lisboa a 2 de setembro de 1876.

 

Amigo inseparável de Antero de Quental, com este esteve envolvido em diversas iniciativas e organizações ligadas à defesa dos mais desfavorecidos, nomeadamente das classes trabalhadoras.

 

Em 1871, José Fontana e Antero de Quental e outros reuniram com uma delegação espanhola da AIT-Associação Internacional dos Trabalhadores, organização que agrupava diversas tendências socialistas. Os objetivos das reuniões, algumas realizadas a bordo de um bote cacilheiro, foram divulgar as finalidades daquela associação e criar uma secção em Portugal, tendo esta tarefa ficado a cargo dos dois.

 

Fundado em 1852, agrupando liberais, socialistas e republicanos, o Centro Promotor das Classes Laboriosas, a partir de 1972 opta pelo socialismo. Dele fizeram parte Antero de Quental e José Fontana que pertenceu, com Francisco Sousa Brandão, Luís Eça, J.C. Nobre França e Eduardo Maia, à comissão redatora do novo projeto de estatutos.

 

Tendo como um dos objetivos “tratar, por meio da cooperação, dos desenvolvimentos intelectuais e morais das classes operárias”, em 19 de janeiro de 1872, foi fundada a Fraternidade Operária, com estatutos redigidos por José Fontana inspirado nos da AIT. 

 

Fontana e Antero de Quental para apoiar aquela associação criaram o semanário “O Pensamento Social” que a partir do seu nº 25 passou a ser o órgão oficial da Fraternidade Operária.

 

Maria Manuela Cruzeiro, num texto publicado em 1990, intitulado “Vida e Acção de José Fontana”, que é a principal fonte de informação para esta nota, sobre o jornal referido escreveu o seguinte:

 

“Nele, os companheiros mais activos de José Fontana deixaram impresso o seu pensamento político e social. Mas ele constitui principalmente a tribuna onde Antero e José Fontana comunicavam com o operariado desse tempo, dando notícias do que ia acontecendo nos outros países onde o movimento operário se desenvolvia, mantendo-os ao corrente do que se passava em Portugal e redigindo textos de pedagogia política, económica e social.”

 

Para além de ser um dos principais organizadores do movimento cooperativo, José Fontana foi fundador, em 1875, do Partido Socialista Português.

 

Os dois amigos que se completavam, Antero seria o cérebro e Fontana o braço, acabaram os seus dias de forma muito semelhante. Com efeito, José Fontana que sofria de uma doença que naquela época não era tratável suicidou-se, justificando em carta dirigida a amigos que o fazia por não ter força para suportar a doença.

 

Manuela Cruzeiro defende que, tal como terá acontecido mais tarde com Antero, as verdadeiras razões foram de natureza psicológica. Segundo ela, “em José Fontana havia razões traduzidas num desencanto político-partidário. Convencera-se da impossibilidade de fazer triunfar os direitos humanos na sociedade que o rodeava por saber do retrocesso das lutas operárias, retrocesso que seria temporário, mas cuja filosofia o fez sucumbir.”

 

Se Antero de Quental, ou pelo menos uma parte da sua vida e obra, é pouco conhecido na sua terra, José Fontana é totalmente desconhecido na atualidade, o que é inadmissível, mas se compreende depois da extinção, por quem se dizia seus discípulos, das duas fundações que tinham o nome dos dois “heróis” do movimento operário português.

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32592, 24 de novembro de 2021, p.15)

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Araucárias há muitas!

 


Araucárias há muitas!

 

A paixão que tenho pelas plantas vem desde criança, de tal modo que desde muito novo me impressionaram duas árvores existentes na minha terra natal, a Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, existentes num prédio então pertencente ao senhor Arcádio Teixeira: uma araucária e um carvalho, ambas de enorme porte.

 

No texto desta semana, apenas vou fazer referência às araucárias, nomeadamente a algumas das espécies existentes em São Miguel, a sua origem, onde poderão ser encontradas e como terão cá chegado.

 

A araucária da Ribeira Seca, tal como a esmagadora maioria das araucárias existentes na ilha de São Miguel, é a Araucaria heterophylla, oriunda da ilha de Norfolk, podendo ser encontrada em todas as ilhas dos Açores, exceto no Corvo.

 

Outra araucária, um pouco menos comum, é a denominada pinheiro-da-Nova Caledónia (Araucaria columnaris), oriunda da Nova Caledónia e das Novas Hébridas (Vanuatu). Na ilha de São Miguel pode ser encontrada no Jardim do Palácio de Santana, no Jardim Botânico José do Canto, no Jardim da Universidade dos Açores, no Parque Terra Nostra, na Praia do Pópulo e no Bairro Alcino-Alves, na Relva.

 

A araucária-de-bidwill (Araucaria bidwillii), oriunda da Austrália pode ser encontrada na nossa ilha, nomeadamente no Jardim do Palácio de Santana, no Jardim Botânico José do Canto, no Parque Terra Nostra e no Parque Beatriz do Canto.

 

No Jardim do Palácio de Santana e no Parque Terra Nostra é possível encontrar outra araucária, conhecida pelo nome de pinheiro-do-Paraná (Araucaria angustifolia), originária do Brasil.

 

No Jardim do Pico Salomão é possível encontrar a Araucaria rulei, da Nova Caledónia.

 

A araucária-do-Chile (Araucaria araucana), nativa do sul do Chile e do sudoeste da Argentina é uma das cinco espécies presentes no Parque Terra Nostra.

 

No Jardim Botânico José do Canto e no Jardim do Palácio de Santana encontra-se a Araucaria cunninghamii, nativa da Austrália e da Nova Guiné.

 

De acordo com Carreiro da Costa os principais responsáveis pela introdução de araucárias na ilha de São Miguel, no século XIX, foram José do Canto, António Borges e Simplício Gago da Câmara. Enquanto os dois primeiros as adquiriram a viveiristas europeus, o último trouxe-as da Austrália.

 

O mesmo autor afirma também que através da consulta que fez ao “Agricultor Micaelense” chegou à conclusão de “que as primeiras araucárias semeadas ou plantadas em S. Miguel se deveram, realmente, ao construtor do Yankee Hall das Furnas, ou seja, a Thomas Hickling, ou então a alguém da sua família”.

 

Embora a madeira das araucárias possa ser usada para os mais diversos fins, entre nós a planta é usada para fins ornamentais, quer em jardins públicos ou privados.

 

Raimundo Quintal, no texto “Árvores monumentais nos jardins, parques e matas de São Miguel-Proposta de classificação”, publicado em 2919, defende a classificação das seguintes araucárias da ilha de São Miguel:

 

Araucaria bidwillii- um exemplar no Jardim Botânico José do Canto, um no Parque Beatriz do Canto e um no Parque Terra Nostra;

 

Araucaria columnaris- Um exemplar no Jardim António Borges, um no Jardim José do Canto, um no Jardim do Palácio de Santana, um no Jardim da Universidade dos Açores e um no Parque Terra Nostra;

 

Araucaria heterophylla- Um exemplar no Jardim António Borges, um no Jardim José do Canto, um no Jardim do Palácio de Santana, um no Parque Beatriz do Canto, um no Parque Terra Nostra e um no Centro de Monitorização e Investigação das Furnas, na margem Sul da Lagoa das Furnas.

 

Teófilo Braga

 

(Correio dos Açores, 17 de novembro de 2021, p.15)

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Mariano d’Arruda, político e poeta vila-franquense

 


 


Mariano d’Arruda, político e poeta vila-franquense

 

Em texto anterior fizemos referência à atividade do Dr. Mariano Arruda, como administrador do seu concelho natal, Vila Franca do Campo, como procurador à Junta Geral do Distrito de Ponta Delgada e em Lisboa no parlamento nacional, onde pugnou pela melhoria socioeconómica das populações insulares.

 

No mesmo texto, mencionámos a sua ligação ao jornal “A Pátria”, de Vila Franca do Campo, de duração efémera, que acabou de se publicar devido à ida de Mariano d’Arruda para Ponta Delgada, para se dedicar à Junta Geral. De igual modo, foi feita menção à sua colaboração no jornal “O Debate”, de que foi um dos fundadores e um colaborador assíduo até ir para Lisboa, onde acabou por falecer pouco tempo depois.

 

Através de Alice Moderno, tomei conhecimento de que Mariano Arruda não foi apenas um prosador exímio sempre em defesa do ideal republicano, mas também um apreciador de literatura.

 

Sobre a sua amizade com Mariano d’Arruda, no jornal “O Debate”, de 24 de dezembro de 1915, Alice Moderno escreveu o seguinte:

 

“Pobre Mariano! Conheci-o desde o dia em que veio timidamente oferecer-me um exemplar do seu primeiro livro! E nunca mais, nem quando aluno do liceu, nem quando estudante da Universidade, nem depois de bacharel, e, recentemente, de deputado deixou de me procurar e de ter para comigo atenções bem dignas da sincera estima que sempre lhe tributei.”

 

Alice Moderno, no mesmo texto, referiu-se ` a atividade jornalística de Mariano d’Arruda nos seguintes termos:

 

“Formou-se com uma boa classificação. Foi jornalista de combate e soube sê-lo sem envergonhar a classe, sob os pontos de vista da intelectualidade e da dignidade profissional”

 

Por sua vez, através de uma pequena nota publicada no “Açoriano Oriental” ficamos a conhecer uma apreciação à sua obra como poeta. Abaixo transcrevo um extrato:

 

“O sr. Mariano d’Arruda era um rapaz inteligente e afável.

 Foi na sua mocidade um poeta muito apreciável, tendo deixado vários volumes de versos”

 

Não sabemos quantos livros publicou, mas na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, encontramos dois: “Devaneios” e “Horas de expansão”.

 

O primeiro a ser publicado, “Horas d’Expnsão” (prosa e verso), datado de 1902, tem 198 páginas e foi editado pela Livraria do Telegrapho - Empresa Editora. O outro, “Devaneios” (poesias), datado de 1903, tem 128 páginas, foi prefaciado por Francisco Maria Supico e impresso na Typographia Ruy Moraes, de Ponta Delgada.

 

Outras obras da sua autoria foram anunciadas, mas não foi possível confirmar a sua publicação. Foram elas: Páginas Açorianas (descrição e análise crítica), Cenas Principescas (Romance) e Homens e Letras (crítica).

 

Da sua autoria, apresentamos duas quadras de um poema intitulado Saudação, escrito em Vila Franca do Campo.

 

Em teu rosto formoso

Dá-te hoje a Primavera

O beijo gracioso

Que sorrindo te espera

 

Não vês as avezinhas

Como o teu nome cantam?

Té as próprias florinhas

De o ouvirem se encantam!...

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32580, 10 de novembro de 2021, p.15)

sábado, 6 de novembro de 2021

As minhas memórias do PREC

 


O MEU PREC: Do 25 de abril de 1974 ao 25 de novembro de 1975

 

Sempre que se fala no dia 25 de Abril de 1974, vem-me à memória o facto de ter tomado conhecimento do mesmo no Liceu Nacional de Ponta Delgada. Com efeito, lembro-me de estar numa aula de Geografia lecionada pela professora Zilda França quando chegou à sala a professora de Matemática Conceição Garcia e as duas estiveram a ouvir na rádio as notícias.

A 25 de Abril de 1974 era presidente da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo o professor primário, Orlando Augusto Borges Brandão que durante alguns anos foi presidente da Comissão Concelhia da Ação Nacional Popular, organização política que resultou da União Nacional, e, no dizer de Manuel Barbosa, “vistoso ornamento da Legião Portuguesa”, organização criada, em 1936, para “defender o património espiritual da Nação e combater a ameaça comunista e o anarquismo".

Como seria de esperar, com o derrube de Marcelo Caetano, os adeptos do Estado Novo, os fascistas, não se renderam e nalguns casos resistiram o mais que lhes foi possível para se manterem nos cargos que antes ocupavam. Por outro lado, os adversários do estado novo, os democratas, começaram a organizar-se e a mobilizar as pessoas com vista à substituição de quem ocupava os vários cargos por quem havia resistido à ditadura de Salazar e Caetano.

Com quase 17 anos de idade, sem nenhuma formação política a não ser as aulas de Organização Política e Administrativa da Nação que estavam a ser ministradas pelo Dr. Álvaro Dâmaso, no Liceu Nacional de Ponta Delgada, fui assistindo com atenção ao que se passava através da transmissão das informações de boca a boca e participando de forma passiva em alguns acontecimentos, como ocorreu na primeira manifestação do Dia do Trabalhador em Vila Franca do Campo e no processo de substituição dos “inquilinos” da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo.

No final de maio de 1974 andou a recolher assinaturas, em Vila Franca do Campo, um abaixo-assinado, que para além de contestar o aumento da taxa da água solicitava a destituição da administração municipal. Este abaixo-assinado que teve 1056 subscritores foi enviado à comissão do Movimento Democrático Português de Ponta Delgada que por sua vez enviou um telegrama ao Ministério da Administração Interna dando conhecimento do conteúdo do mesmo.

Os adeptos do antigo regime não permaneceram quietos e começaram a pressionar algumas pessoas para reagir à iniciativa dos democratas, tendo um grupo de que faziam parte Eduardo Manuel Mendes Araújo, Eduíno Manuel Simas Couto, José Lopes e Manuel da Costa Braga enviado uma Declaração aos jornais onde declararam que haviam assinado um texto a pedir a redução da taxa da água e não a solicitar a demissão da Edilidade de que não têm razão de queixa.

Na mesma altura, o professor Orlando Brandão reagiu violentamente ao abaixo-assinado, tendo numa nota datada de 5 de Junho de 1974 afirmado que o mesmo era “um documento reconhecidamente falso, onde até crianças inocentes ainda em idade escolar, irresponsavelmente apuseram a sua assinatura” e aproveitado a ocasião para denunciar o facto da Comissão do Movimento Democrático estar a “ser manobrada pelos fascistas que forjaram o abaixo-assinado, um dos quais foi presidente da Comissão de Freguesia de São Miguel de Vila Franca do Campo, até ao dia 25 de Abril e em cuja casa a Comissão de Concelho da extinta ANP se reuniu e planeou a ação a desenvolver”.

A 11 de Junho do mesmo ano, pelas 10 horas, algumas centenas de pessoas reuniram-se junto à Câmara Municipal de Vila Franca do Campo e elegeram uma comissão administrativa[1] composta por Raul Eduardo Vale Raposo Borges, licenciado em direito, Armando Botelho Henrique, lavrador, Alfredo Moniz Gago da Câmara, industrial, João José Sardinha, lavrador, e Elias Pimentel Costa, comerciante.

De acordo com a ata da eleição, o povo de Vila Franca reuniu em frente aos Paços do Concelho e de forma “espontânea e conscientemente manifestou o seu desejo aberto e claro de deixar de ter na sua administração municipal as pessoas que a executavam há muito tempo”.

Se é crível que a população andava farta de autoritarismo, ninguém acredita que a reunião tenha ocorrido de forma espontânea e que os nomes dos eleitos tenham caído do céu. À distância dos acontecimentos, arrisco-me a dizer que a democracia estava a dar os primeiros passos atrás.

Não satisfeitos com o rumo dos acontecimentos, os partidários do antigo regime convocaram uma concentração para o dia 14 de junho uma nova reunião para o mesmo local com vista à escolha de uma outra Comissão Administrativa para a Câmara Municipal, a qual não resultou e transformou-se num “assalto” ao edifício da Câmara Municipal e na queima de alguns documentos.

Assisti à eleição da comissão administrativa e ao “assalto” à Câmara junto ao muro do jardim, em frente ao estabelecimento comercial “A Construtora”, tendo presenciado a situação caricata por que passou o Dr. Raúl Borges que, por não querer ser levado em “triunfo” para a Câmara Municipal, encontrava-se, aos ombros de duas pessoas, agarrado aos ramos de uma árvore.

A seguir ao 25 de Abril comecei a tentar informar-me o máximo possível sobre as mais diversas ideologias políticas e comecei a ler tudo o que me chegava às mãos. Lembro-me de um dos primeiros livros que li foi comprado na Papelaria Avenida e tinha por título “Você pode confiar nos comunistas (…eles são comunistas mesmo!)” da autoria do físico e ativista político australiano Fred Schwarz, que fundou a Cruzada Anticomunista Cristã. A par dos livros que ia comprando, passei a ler literatura diversa emprestada por um grupo de jovens estudantes que tinham familiares ligados a diversas organizações da extrema esquerda no continente português.

Entretanto em Vila Franca do Campo, o PS-Partido Socialista e o PCP-Partido Comunista Português abriram sedes e acabei por, após uma ou duas conversas com a funcionária do PCP, Regina Martins, aderir formalmente à UEC- União dos Estudantes Comunistas[2].

Como a UEC não estava organizada em Vila Franca do Campo, integrei-me numa célula da mesma constituída por alunos do Liceu Nacional de Ponta Delgada, tendo, se não me falha a memória, participado em duas reuniões na sede do PCP localizada na Rua da Misericórdia, em Ponta Delgada.

Depois do Governo ter anunciado a 27 de outubro de 1974 as Campanhas de Dinamização Cultural, com o objetivo de "cumprir integralmente o programa do MFA e colocar as Forças Armadas ao serviço de um projeto de desenvolvimento do Povo Português" participei, em data que não me recordo, em regime de voluntariado, em sessões de formação dadas por militares vindos do continente e destinadas a aprendermos o método de Paulo Freire com vista a ensinarmos a ler a pessoas que não o sabiam.

As aulas eram ministradas numa sala por cima de uma Padaria do Sr. Alfredo Gago da Câmara que ficava na Rua Teófilo Braga e lembro-me de que depois de algumas desistências terem aprendido com sucesso as primeiras letras o Sr. Isidoro, que era tratador de gado bovino e o Sr. João de Lima Carvalho, dono de uma mercearia.

Ao contrário do que alguns detratores apregoam, nunca perguntamos às pessoas a que partidos pertenciam ou que ideologias políticas ou religiosas seguiam. O nosso objetivo foi unicamente que aprendessem a ler.

Para além da minha ligação com os meus colegas ligados à extrema-esquerda marxista-leninista (maoista), da minha militância formal na UEC, tinha fortes amizades com pessoas ligadas ao MES- Movimento de Esquerda Socialista[3] de tal modo que nas eleições para a Assembleia Constituinte, realizadas a 25 de Abril de 1975, votei neste partido.

Nas eleições para a Assembleia Constituinte, o MES candidatou-se por Angra do Heroísmo, tendo apresentado como candidatos Alberto Azevedo, estudante, e João Fernandes, trabalhador numa lota de peixe. Por Ponta Delgada, foram candidatos: Eduardo Pontes, empregado de escritório, Jorge Costa Dias, funcionário público e José Eduardo Martins Mota, engenheiro.

Dos seus principais dirigentes destacou-se Eduardo Pontes que foi um dos poucos resistentes, nos Açores, à ditadura de Salazar e Caetano. Aquele foi eleito no Congresso, realizado em 1976, para o Comité Central.

Destas eleições para a Constituinte recordo a entreajuda que havia entre todos os partidos que se posicionavam à esquerda, de tal modo que eu colei cartazes de Partido Socialista, do Movimento de Esquerda Socialista e do Partido Comunista Português. De igual modo sempre que a algum dos grupos faltava algo, ajudávamo-nos uns aos outros, quer emprestando as escadas, cedendo cola ou mesmo ajudando a colar os cartazes.

Um episódio de falta de fair-play ocorrido na campanha eleitoral para a Assembleia Constituinte marcou-me para sempre de tal modo que de vez em quando me lembro dele. Assim, depois de um grupo de pessoas, em que eu estava, penso que acompanhado pelo Eduardo Lopes, pelo César “Prisca” e pelo António Gomes, percorrido uma zona considerável de Vila Franca, desde o centro da Vila, passando pelas Hortas e toda a Ribeira Seca, a colar cartazes, transportando, a pé, uma pesada escada de madeira, descobrimos que tínhamos sido seguidos por um pau mandado a mando de alguém do Partido Popular Democrata e que o mesmo havia arrancado todos os cartazes que havíamos colado.

Para além da minha participação na campanha eleitoral apoiando toda a esquerda, também ajudei o meu pai que ficou responsável pelo recenseamento de todos os habitantes da Ribeira Seca. Assim, foi em minha casa que se recensearam todas as pessoas do então lugar da Ribeira Seca, hoje freguesia, e eu como frequentava o liceu e tinha mais facilidade do que meu pai para o preenchimento de papéis acabei por ser responsável pelo recenseamento da maioria dos meus conterrâneos.

 A partir do 6 de junho de 1975 fui-me afastando da UEC e do PCP e aproximei-me mais do grupo que em Ponta Delgada editava o jornal “Luta Pela Democracia Popular” que, se não estou enganado, mantinha ligações com a OCMLP- Organização Comunista Marxista Leninista Portuguesa[4], pois o grupo distribuía o jornal daquela organização “O Grito do Povo”.

 

 

 

Para além de “O Grito do Povo”, aquele grupo distribuía várias brochuras de duas coleções, Textos Marxistas, da OCMLP, e das Edições Causa Operária[5] , “A Classe Operária”, órgão central do Partido Comunista do Brasil e a revista Spartacus cujo primeiro número foi impresso na Suécia, mas que teve uma segunda edição em setembro de 1974, com uma tiragem de 10 000 exemplares. Esta revista embora se afirmasse independente, segundo Pacheco Pereira[6], tinha origem na OCMLP e “destinava-se a ser a revista cultural contraparte da Seara Vermelha do PCP (ML)”.

Embora os atos de violência tenham começado antes, foi, de acordo com Barbosa (1978), a partir dos últimos dias de maio de 1975 que começaram “os assaltos e destruições a sedes e centros de trabalho dos partidos progressistas” (p. 75). Assim, a 20 de agosto foi assaltada a sede do PCP de Vila Franca do Campo essencialmente por energúmenos idos de Ponta Delgada e por ignorantes arrebanhados pelos caciques locais em várias freguesias do concelho, nomeadamente em Ponta Garça.

Lembro de estar em minha casa, na rua do Jogo, e passarem nas ruas aos gritos e a espumar raiva e vinho de cheiro bandos de ignorantes oriundos de Ponta Graça armados de foices, varapaus e correntes utilizadas para amarar o gado. Desconheço se foram os mesmos ou outros que antes estiveram ao serviço dos chamados democratas.



[1] Para além de Raúl Bordes que foi presidente da Comissão Administrativa em 1974 e 1975, também foram presidentes de comissões administrativas da Câmara de Vila Franca do Campo, José Maria Teixeira Dias, em 1975, e José Altino de Melo, em 1975 e 1976.

[2] A União dos Estudantes Comunistas  (UEC) foi criada, em 1972, pelo Partido Comunista Português para agrupar os jovens estudantes comunistas portugueses. A sua dirigente mais conhecida foi Zita Seabra.

[3]  O Movimento de Esquerda Socialista (MES) surgiu imediatamente a seguir ao  25 de Abril de 1974 e dissolveu-se em Novembro de 1981, 

 

[4] Organização criada em 1973 tendo formado em 1975 a Frente Eleitoral dos Comunistas (marxistas-leninistas) – FEC (ml) a qual concorreu às eleições para a Assembleia Constituinte.

 

[5] A Causa Operária foi um Jornal Comunista que surgiu nas bancas em setembro de 1974, como órgão oficioso da Comissão Central dos Comités Comunistas Revolucionários Marxistas-Leninistas. Foi dirigido, a título interino, por Acácio Barreiros, que foi deputado da Assembleia da República pela UDP e mais tarde pelo Partido Socialista.

[6] José Pacheco Pereira é professor no ISCTE e foi membro de um dos grupos marxistas-leninistas de 1968 a 1975. No seu livro “As Armas de Papel” editado em 2013, pela Temas e Debates- Círculo de Leitores, apresenta uma listagem de várias publicações periódicas clandestinas, algumas das quais continuaram a publicar-se depois de 25 de Abril de 1974.

 

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Mariano d’Arruda, um vila-franquense ignorado

 



Mariano d’Arruda, um vila-franquense ignorado

 

Mariano d’Arruda, formado em direito, que exerceu as funções de oficial do registo civil, filho de Mariano José d’Arruda foi um vila-franquense que pelas suas convicções e dedicação aos ideias republicanos continua a ser vergonhosamente esquecido na sua terra natal que ao longo dos tempos tem homenageado pessoas de duvidosa conduta moral ou de medíocre desempenho cívico ou político.

 

Muito novo, enquanto frequentava o liceu de Ponta Delgada filiou-se no Partido Republicano, ainda no tempo da monarquia. Mesmo antes de terminar o seu curso, através de conferências realizadas em Vila Franca do Campo, deu a conhecer o que pretendiam os republicanos aos seus conterrâneos.

 

Com a implantação da República, a 5 de outubro de 1910, Mariano Arruda tomou posse como administrador do concelho no dia 8 daquele mês. O jornal “O Autonómico”, que não morria de amores pelos republicanos, no dia 15 de outubro do ano referido, referiu-se ao facto nos seguintes termos:

 

 “Foi bem aceite e merecida a sua nomeação, tanto mais quanto o sr. Mariano d’Arruda se tem manifestado em fervoroso apóstolo da República e dado provas de competente e prudente para as atuais circunstâncias.

 

No desempenho do espinhoso cargo ambicionamos-lhe as maiores felicidades.”

 

A proclamação solene da República Portuguesa ocorreu no dia 16 de outubro de 1910 na sala de sessões da Câmara Municipal com discursos de Jaime Maria Borges e Mariano d’Arruda, com o arriar da bandeira monárquica e o içar da bandeira republicana. A cerimónia foi abrilhantada por um orfeão infantil, regido por Francisco Botelho Costa e pela filarmónica Lealdade.

 

Mariano d´Arruda foi colaborador assíduo do jornal “A Pátria”, órgão do Centro Escolar Republicano de Vila Franca do Campo que se publicou entre 27 de outubro de 1910 e 29 de junho de 1911. A sua dedicação era tal que com a sua saída o jornal deixou de se publicar.

 

Esteve também fortemente ligado ao jornal “O Debate”, órgão do Centro Republicano Democrático de Ponta Delgada que iniciou a publicação em 17 de abril de 1915. Assim, Mariano d’Arruda, a partir do número dois, de 24 de abril de 1915, até ser substituído em 22 de julho do mesmo ano por Carlos José Borges, por ter sido eleito deputado, foi seu diretor.

 

Depois de ter tido um bom desempenho como Procurador à Junta Geral do Distrito, Mariano d’Arruda foi eleito deputado a 6 de julho de 1915, tendo estado em funções muito pouco tempo em virtude de ter falecido vítima de tuberculose no dia 20 de dezembro daquele ano.

 

No parlamento nacional, foi um defensor intransigente dos Açores, tendo para o efeito apresentado um projeto de lei que autorizava a Junta Geral do Distrito de Ponta Delgada a subsidiar os cultivadores de ananases de São Miguel para fazer face a uma crise por que passava aquela cultura.

 

Para além daquele projeto também foi aprovado uma proposta da sua autoria no sentido de autorizar o governo a abrir novo concurso de navegação para os Açores.

 

A sua morte prematura foi sentida pelos seus correligionários e os seus inimigos políticos também reconheceram a sua dedicação à causa pública.

 

De entre as personalidades que manifestaram o seu pesar, recordo as feministas Alice Moderno e Maria Evelina de Sousa. De um longo texto de Alice Moderno, datado de 23 de dezembro de 1915, destacamos o seguinte: “Foi deputado e soube defender com calor e convicção, sem se meter em questiúnculas inúteis, os interesses económicos do distrito que o elegeu.”

 

O monárquico “O Autonómico”, por sua vez registou o seu falecimento nos seguintes termos: “Conquanto nos víssemos por vezes constrangidos a sustentar com o extinto vigorosas e aturadas polémicas, simplesmente por não sermos radicais e discordarmos das suas ideias morais, políticas e sectárias, jamais lhe negámos faculdades de trabalho que melhor orientadas com o tempo e a experiência dos homens e das coisas, poderiam de futuro tornar-se mais proveitosas aos seus concidadãos”.

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32574, 3 de novembro de 2021, p.15)