terça-feira, 31 de janeiro de 2017

O naturismo e o anarquismo em Ângelo Jorge (2)


O naturismo e o anarquismo em Ângelo Jorge (2)

No texto de hoje, vamos continuar a dar o conhecer o pensamento de Ângelo Jorge, recorrendo aos seus escritos no jornal “Vida Nova” e na “Barréla”, que apresenta o subtítulo “Panfleto de crítica higiénica contra a podridão nacional”, onde o autor zurze, sem dó nem piedade, nos chamados anarquistas ortodoxos.

No jornal micaelense “Vida Nova”, encontrámos dois textos de Ângelo Jorge, o primeiro, publicado a 30 de junho de 1910, intitulado “A opinião dos outros” e o segundo com o título “A propriedade”, publicado no dia 31 de janeiro de 1911.

Por retratar melhor o pensamento de Ângelo Jorge que aliava as preocupações sociais com as questões da saúde, apenas vamos transcrever algumas passagens do segundo texto.

Sobre o anarquismo, Ângelo Jorge, escreve que só por falta de educação existente em Portugal aquela corrente de pensamento é considerada como sinónimo de “Bomba, Caos, Desordem, Pilhagem” e acrescenta que persiste a falsa ideia de que as pretensões dos anarquistas são o roubo e a “destruição de quanto existe: a Família, o Estado, a Propriedade”.

O autor concorda com a frase de Proudhon “A propriedade é um roubo” dizendo que a mesma “é ainda hoje duma justeza sem igual” e acrescenta “Ladrão é todo aquele que possui o supérfluo em detrimento dos que nem o necessário têm, o que não quer dizer, de forma alguma, que ele os houvesse roubado, no sentido restrito e legal em que este termo geralmente é entendido, mas sim que a posse do supérfluo em que ele se acha investido é ilegítima e iníqua em face da verdadeira razão que proclamam para todos o mesmo direito à vida”.

Ângelo Jorge termina o seu texto imaginando uma sociedade onde, como escreveu Vitor Hugo “a propriedade, esse grande direito humano, essa suprema liberdade, essa elevação do espírito sobre a matéria, essa soberania do homem interdita ao irracional, longe de ser suprimida, será democratizada e universalizada”.

O extrato que se apresenta, a seguir, ilustra bem a utopia que guiou a vida do autor:

“Pomares magníficos onde as frutas mais odoríferas loirejam; hortas esplendidas onde vicejam as mais belas plantas leguminosas; jardins ideais onde as flores mais raras e mimosas se elevam; florestas impenetráveis onde vivem a sua vida silenciosa as árvores as mais vetustas; terras as mais férteis e as mais ricas onde o trigo cresce sob o olhar acariciante do sol - tudo, tudo será a pertença ilimitada e natural de todos, a todos oferecereis o pão e o repouso, a vida do coração, e todos terão o direito imprescritível de vos revolver as entranhas, de vos fecundar com o esforço hercúleo do seu braço! Livre será a terra, como livre é o mar, como livre é o ar, como livre é a água e livre será sobre a terra livre o Homem, a obra mais perfeita da Natureza pelo pensamento e pelo sentimento, pela inteligência e pela razão, pelo amor e pela dor”.

Sobre o anarquismo e combatendo o pensamento único, Ângelo Jorge escreveu no primeiro número de “ Barréla” o seguinte:

“Em Portugal, tudo se falsifica: eis a dolorosa verdade. Caracteres e géneros alimentícios, ideias e consciências, tudo neste delicioso país de laranjeiras em flor e de burros enfatuados sofre a ação fundamentalmente nefasta dos adulteradores de má morte. (…)
O anarquismo, esse mesmo, não pode escapar à infausta sina.

O anarquismo, em Portugal, está, como tudo o mais, falsificado”.

“Em nome da inviolável e da imprescritível liberdade humana”, Ângelo Jorge escreve:

“Abaixo as coleiras, que o homem não é cão!

Abaixo as celas, as prisões, as gargalheiras, quer elas ostentem o distinto negro da Opressão, quer nos mostrem o rótulo doirado da Anarquia!”

(Correio dos Açores, 31144, 1 de fevereiro de 2017 p.16)

“A República”, um jornal micaelense defensor dos animais


“A República”, um jornal micaelense defensor dos animais

A 14 de abril de 1911 começou a ser publicado, em Ponta Delgada, o jornal “A República” que teve, entre outros como redator principal Miguel Sousa Alvim. O seu último número foi publicado no dia 4 de Abril de 1920.

Pelas suas páginas passaram vários temas, como o combate à monarquia e ao clericalismo, a defesa dos ideais republicanos e da educação, descurada pelo regímen anterior. “A República”, também, não se esqueceu da defesa dos animais, tendo desempenhado um papel ativo na criação da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais.

No que diz respeito à proteção animal, “A República” no dia 5 de novembro de 1911, publicou, entre outos, um texto intitulado “Justiça para os animais”, onde foram transcritas dez regras divulgadas pela Sociedade Protetora dos Animais de Lisboa, que se podem sintetizar em duas: “Não faças a outrem o que não desejarias que te fizessem em igualdade de circunstâncias; e não procures alicerce para a tua superioridade nas injustiças contra quem quer que seja, porque a verdadeira justiça não diferença nem exclui”.

Dada a atualidade de algumas das regras, quase cento e seis anos depois, abaixo transcrevo três:

- “O animal sustenta-se como tu, ele sofre a fome, a sede e o frio, sendo também como tu sensível à dor e à fadiga, como ao prazer e à alegria. Evita-lhe todo o sofrimento, pois, como o procuras evitar a ti próprio.

- Foge dos espetáculos onde se pratiquem barbaridades contra os animais; e trabalha para a sua supressão, por qualquer meio ao teu alcance, na certeza de que assim prestas um bom serviço ao teu país, que tanto mais se há-de impor ao respeito estranho, quanto mais civilizado se patentear.

- Procura e promove o bem-estar de todos os seres da criação, lembrando-te de que o homem não deve ser o tirano dos seus iguais nem o algoz dos inferiores, mas o seu dirigente, o seu protetor.”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31143, 31 de janeiro de 2017, p. 16)

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Contra a incineração


Diário dos Açores, 14 de janeiro de 2004

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O naturismo e o anarquismo em Ângelo Jorge (1)


O naturismo e o anarquismo em Ângelo Jorge (1)

A palavra naturismo, tal como muitas outras, é usada em vários contextos e apresenta significados diferentes. Assim, através de uma consulta rápida na internet encontramos duas definições: uma mais restrita que considera o naturismo como “uma forma de viver em harmonia com a Natureza caraterizada pela prática da nudez coletiva, com o propósito de favorecer a autoestima, o respeito pelos outros e pelo meio ambiente” e outra mais abrangente que define naturismo como “um conjunto de princípios éticos e comportamentais que preconizam um modo de vida baseado no retorno à natureza como a melhor maneira de viver e defendendo a vida ao ar livre, o consumo de alimentos naturais e a prática do nudismo, entre outras atitudes”.

O sociólogo João Freire num texto, adaptado da sua tese de doutoramento, publicado no jornal A Batalha, escreve que as práticas do naturismo, sendo muito variadas, podem ser enquadradas nas seguintes três categorias:

a. Alimentação – repúdio pela alimentação carnívora e preferência por regimes vegetarianos ou mesmo frugívoros;
b. A saúde – preferência por métodos naturais de tratamento e repúdio pela medicina e farmacopeia tradicionais;
c. A oposição ao desporto visto como competição e a preferência pelo exercício físico e pela ginástica.

Em Portugal, de entre as pessoas que praticaram o naturismo, destacaram-se alguns militantes anarquistas. Um deles, Manuel Rodrigues, escreveu que “Naturismo e Anarquismo são conceções filosóficas que quase se confundem e de cuja realização na prática depende, sem dúvida, o bem-estar da Humanidade”.

Com uma ténue ligação aos Açores, podemos referir o alentejano Gonçalves Correia e o portuense Ângelo Jorge. Gonçalves Correia, considerado anarquista tolstoiano, esteve em São Miguel em 1910, de passagem, e conversou com Francisco Soares Silva, diretor do jornal “Vida Nova”, tendo este publicado em quatro números daquela publicação quinzenal os seguintes artigos: “A caminho do ideal”, “Nós e os camponeses” e “Amor Livre”. Ângelo Jorge, um dos principais impulsionadores da Associação Vegetariana de Portugal, também escreveu para o jornal micaelense “Vida Nova” pelo menos dois textos: “A opinião dos outros” e “A propriedade”.

José Eduardo Reis, divide a vida de Ângelo Jorge em três fases. Na primeira fase, entre 1901 e 1910, Ângelo Jorge procura “difundir o ideal libertário” e “proclama a sua profética esperança no triunfo da revolução operária”. Na segunda fase, entre 1910 e 1913, Ângelo Jorge defende nos seus escritos a “adesão aos princípios terapeutas naturistas” e “as regras dietéticas ordenadoras de um regime alimentar frugívoro e vegetariano”. A última fase, entre 1914 e 1918, é caracterizada por uma abertura da consciência de Ângelo Jorge “ao sentido unitário e religioso do mundo”.

Por ainda não termos investigado com a profundidade desejada a vida e a obra de Ângelo Jorge, daremos a conhecer um pouco do seu pensamento, nas duas primeiras fases da sua vida.

Através da leitura de vários textos, nomeadamente da sua novela naturista “Irmânia”, constatamos que Ãngelo Jorge defendia que havia um “só princípio curativo na Natureza: a própria Natureza” e sustentava que todos os males da humanidade poderiam ser curados através de uma alimentação racional, “sem recurso ao sacrifício inútil cruel e sistemático de seres animais, tendo por base a fruta”.

Sobre a questão da saúde, em 1911, Ângelo Jorge que, segundo Guadalupe Subtil, acreditava que era possível “num Mundo inteiro uma só Pátria, sem fronteiras como sem despotismos, sem doenças como sem dores”, escreveu:

“A Saúde é a condição básica, sine qua non, da existência humana à flor da terra, é ela o que constitui a harmonia vital.

Cada um dos nossos órgãos, com o seu modo particular de funcionamento é uma nota na harmonia formada pelo movimento incessante do organismo.

Se essa harmonia se quebra é porque o Homem infringiu as regras omniscientes da Harmonia Cósmica.

É erro grande, crime grande até, é supor-se que a doença seja um mal necessário e natural: como acreditar que a Natureza, sendo um todo harmónico e uno, tenha erros: tenha dissonâncias?

Não honram quanto devem o Criador os que tão grande ofensa à Obra do Criador fazem.”

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 31138, 25 de janeiro de 2017, p.8)

Contra a sorte de varas

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Especismo


Sobre o especismo

É consensualmente aceite que o termo especismo foi criado, em 1970, pelo psicólogo inglês Richard Ryder, sendo hoje cada vez mais usado, nomeadamente por autores que escrevem sobre direitos dos animais, pelos diversos grupos animalistas e por associações que defendem o regime alimentar vegetariano e pelas organizações veganas.

O especismo que é “uma discriminação baseada na espécie” (Jucirene Silva) ou “a “discriminação ou exploração de certas espécies animais pelos seres humanos, baseada na presunção da superioridade da Humanidade”(Oxford English Dictionary), conduz, segundo Marc Bekoff, a que os seres humanos não só ignorem o bem-estar animal, “como é biologia de má qualidade”.

O mesmo Marc Bekoff, no livro Manifesto dos Animais, acrescentou o seguinte:

“Uma vez que declaramos ser especiais, fechamos as portas às suas vidas. Fechamos os nossos sentidos e os nossos corações às suas dores e recusamos ouvir as preces para serem respeitados por quem são, em vez de transformados naquilo que queremos que sejam, para justificar a nossa estreita visão antropocêntrica do mundo.”

Hoje, apesar de continuarem a existir pessoas que cuidam muito bem do seu animal de estimação mas que continuam a frequentar ou a subsidiar espetáculos onde bovinos são torturados até à morte na arena ou, após horas de sofrimento, no matadouro, estamos longe dos tempos em que viveu René Descartes que defendia que os animais eram como máquinas que não experimentavam qualquer tipo de emoção.

Atualmente cresce o movimento que combate a visão especista e reclama um mundo melhor para todos os seres vivos, sendo importante mencionar que “o antiespecismo e a sua prática de luta pela libertação animal, não só se preocupa com a população não humana mas pretende também “arrombar a gramática da exploração e o sentimento de superioridade pretensamente humano que permite dominar outras raças, géneros, etnias, espécies e minorias de todos os tipos” (A Batalha, jan-fev de 2012).

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31137, 24 de janeiro de 2017, p. 17)

sábado, 21 de janeiro de 2017

Debate no PCP(R)


Tribuna do Congresso, 1979

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Antero de Quental, Lassale e Proudhon


Antero de Quental, Lassale e Proudhon

“Os grandes só nos parecem grandes porque estamos de joelhos. Levantemo-nos.” (Proudhon)

Antero de Quental, segundo Alberto Sampaio, no período mais “belo da sua vida”, “desprezando altivamente as grandezas e honras oficiais, que com tanta facilidade conseguiria, continua ao lado do povo, combatendo agora pelos seus direitos, pela renovação social que tinha sido e era ainda o seu ideal”.

Sobre este período, o próprio Antero de Quental escreveu: Ao mesmo tempo que conspirava a favor da União Ibérica, fundava com outra mão sociedades operárias e introduzia, adepto de Marx e Engels, em Portugal a Associação Internacional dos Trabalhadores. Fui durante 7 ou 8 anos uma espécie de pequeno Lassale…”

Neste texto, procurarei apresentar algumas ideias de Antero de Quental que normalmente são voluntariamente esquecidas por quem devia ter a obrigação de, querendo dar a conhecer o Maior dos açorianos, não omitir nenhum dos aspetos da sua vida e da sua obra. De relance, também, farei referência a alguns dois vultos que terão sido referência para Antero ou foram por ele mencionados. Embora muitas vezes o seu pensamento seja, por ignorância ou por má-fé, deturpado, não farei qualquer menção a Marx e Engels por serem os mais conhecidos e considerados os pais do socialismo real ou comunismo que deturpados acabaram por não passar de uma miragem.

De acordo com vários autores, o socialismo que Antero de Quental preconizou pouco tinha a ver com o defendido pelos criadores do chamado socialismo científico já referidos, Marx e Engels. Pelo contrário, o próprio Antero de Quental mencionou que foi fortemente influenciado pelo filósofo Pierre-Joseph Proudhon, considerado, por alguns, o fundador do movimento anarquista.

João Príncipe, num texto publicado no Jornal “A Batalha”, de novembro-dezembro de 2013, escreve que foi muito grande a influência de Proudhon em Antero de Quental nomeadamente nas Odes Modernas ou no texto de 1871, “O que é a Internacional”.

De acordo com o referido autor, para Antero de Quental “a questão social era mais importante que a questão política” e na sociedade por ele preconizada era admitida “a propriedade individual e a liberdade de trabalho” e preconizada “a constituição de corporações livres, possuidoras dos instrumentos de trabalho que devem ser postos ao dispor dos seus membros. Estas coletividades entendem-se fraternalmente, concedendo-se mutuamente crédito, trocam diretamente os produtos, suprimindo os intermediários, estabelecendo federações e um sistema universal de bancos e de circulação e troca (…). Por esta via elimina-se simultaneamente o capitalismo e o Estado…”

Sobre o filósofo francês, num texto intitulado “O Socialismo e a moral”, Antero escreveu o seguinte: “O grande Proudhon, depois de 30 anos de trabalho e martírio, desenganado da política das revoluções, chegava finalmente, numa das últimas páginas que escreveu, a esta conclusão: “O mundo só pela moral será libertado e salvo””.

Ferdinand Lassale, referido por Antero de Quental, foi um advogado alemão que se inspirou em Karl Marx e também contatou com Proudhon. Apesar de conhecer bem as ideias de Marx e de ter convivido com ele, o seu pensamento divergia do de Marx, pois era fortemente nacionalista e defendia a ação política para mudar o sistema e não a via revolucionária.

Lassale foi um grande agitador, tendo participado ativamente na revolução alemã de 1848, onde foi preso. Foi, também, um grande organizador do movimento operário alemão, tendo fundado um partido político de orientação socialista.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31132, 18 de janeiro de 2017, p. 16)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Cheque veterinário


Cheque veterinário

Com o objetivo de promover a saúde e bem-estar animal e consequentemente a saúde pública, bem como para prevenir o abandono e os maus tratos animais, a Câmara Municipal da Ribeira Grande vai implementar este ano o cheque veterinário.

De acordo com o regulamento aprovado pela Assembleia Municipal, ao abrigo de um protocolo entre a autarquia e clinicas de atendimento médico veterinário, as famílias carenciadas do concelho da Ribeira Grande detentoras de cães e gatos terão acesso gratuito a consultas e tratamentos médicos veterinários que incluirão, entre outros, vacinações, desparasitações e esterilizações.

Sobre esta iniciativa, nada temos a opor e consideramos que se houver uma divulgação adequada e um forte envolvimento das juntas de freguesia, das associações, grupos informais de animalistas e escolas a mesma poderá ser útil no combate ao abandono de animais e sequente abate nos canis.

Se, pelo contrário, não houver qualquer participação ativa da chamada sociedade civil estaremos em presença de mais uma boa intensão que é bonita no papel mas sem quaisquer resultados práticos.

Para que a iniciativa, que não é original, mas que não é por isso que deixa de ser meritória, traga os resultados que pretendem os promotores, seria importante conhecer os resultados do projeto com o mesmo nome que foi aplicado no continente e que foi possível através de um protocolo assinado entre algumas Juntas de Freguesia e a Ordem dos Médicos Veterinários.

Desconhecemos o balanço efetuado pelos promotores do cheque veterinário no continente, se o houve, mas de acordo com alguns grupos animalistas os resultados terão ficado aquém do esperado, pois em muitos casos a situação económica e social das pessoas que poderiam beneficiar do mesmo era tão grave que nem meios e muitas vezes força de vontade tinham para ultrapassarem a burocracia e se deslocarem às clinicas com os seus animais.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31131 de 17 de janeiro de 2017, p. 16)

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Pastoureau e os animais célebres


Pastoureau e os animais célebres

O historiador Michel Pastoureau, nascido em 1947, é professor na Sorbonne, sendo conhecido em todo o mundo pelas suas obras sobre os mais diversos temas, com destaque para a heráldica. A sua obra foi reconhecida fora do seu país, tendo recebido um doutoramento, em 1996, pela Universidade de Lausana pelo seu radical contributo para diversas disciplinas.

Em 2001, Pastoureau escreveu um pequeno livro intitulado “Os animais célebres”, editado, em português, em 2005, pela editora brasileira Martins Fontes. Na sua obra, fez referência a quarenta animais, alguns que existiram realmente, outros referidos na Bíblia, na literatura ou na mitologia, etc., tendo destacado para cada um deles “tudo o que o estudo das relações entre o homem e o animal pode trazer para a história social, econômica, religiosa, cultural e simbólica”.

No seu livro, Pastoureau faz referência a dois santos, Santo Eustáquio e Santo Huberto, que curiosamente são os patronos dos caçadores.

Segundo ele a igreja, por muito tempo, foi inimiga de toda a forma de caça, considerando, a do veado um mal menor.

A propósito de santos e veados, podemos ler o seguinte:

“O santo é quase sempre a antítese do caçador nos relatos e sistemas de valores medievais, mas a hagiografia mostra que ao perseguir o veado, o caçador pode tornar-se santo”. Foi o caso de Santo Eustáquio e de Santo Huberto.

O primeiro foi celebrado no dia 20 de setembro de cada ano até que foi removido do calendário litúrgico, em 1969, pelo papa Paulo VI e o segundo é comemorado, cada vez menos, no dia 3 de Novembro, não sendo referido pelos calendários publicados nos Açores, como o “Almanaque Camponez” ou o “Almanaque Açoriano”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31125, 10 de janeiro de 2017, p.10)



domingo, 8 de janeiro de 2017


Petição pública contra o uso de glifosato nas ruas, jardins e pastagens do Açores vai chegar ao Parlamento açoriano

Correio dos Açores 07-01-2017

Escrito por Nélia Câmara


Não ao uso de herbicidas em espaços públicos nos Açores. É assim o nome da petição pública que circula nos Açores e que em breve vai ser enviada aos órgãos competentes de decisão na Região, como é o caso da Assembleia legislativa Regional dos Açores, Presidente da Associação de Municípios da Região Autónoma dos Açores, presidentes das Assembleias Municipais dos Açores, presidentes das Câmaras Municipais dos Açores, presidentes das Assembleias de Freguesia dos Açores e presidentes das Juntas de Freguesias dos Açores. O teor do texto incide no facto de serem “conhecidos os riscos do uso dos herbicidas, não só dos que têm como substância activa o glifosato, para a saúde pública e para o ambiente e que as várias entidades que os usam conhecem outros meios, mecânicos e térmicos, alternativos ao uso de herbicidas, não entendemos a razão por que nada ou muito pouco fazem para proporcionar uma melhor qualidade de vida aos açorianos.

Será que o glifosato, um princípio activo usado nos herbicidas, com diversas marcas, e vendido também nos Açores, será um perigo ao pé da nossa porta? Os especialistas em saúde, através da Organização Mundial de Saúde, dizem que sim, consequentemente as associações de protecção do meio ambiente querem acabar com a sua venda, baseando-se nos dados científicos de que há riscos para a saúde e para o meio ambiente. O alerta dos perigos deste e de outros pesticidas foi dado pela Agência Internacional de Investigação sobre o Cancro (IARC), da Organização Mundial de Saúde (OMS), que considerou “The herbicide glyphosate and the insecticides malathion and Diazinon were classified as probably carcinogenic to humans”, isto é, o glifosato é um “carcinogéneo provável para o ser humano”. A partir daqui a discussão tem avançado e os receios aumentado, tanto que a União Europeia também está a discutir o problema, e o glifosato está num processo de reavaliação, pois as provas são poucas e como a questão é “provável”, sem certeza absoluta, pois o que há são indicadores, há que desenvolver estudos aprofundados e concertar posições científicas dos países utilizadores da substância. A própria Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), depois de conhecido o alerta da Organização Mundial da Saúde, em resposta às preocupações manifestadas por várias entidades, refere ser “pouco provável que o glifosato provoque um risco cancerígeno nos humanos expostos [à substância] através da alimentação”. Fica a suspeita para quem é exposto ao produto. Em Ponta Delgada, por exemplo, os trabalhadores usam fatos e máscaras. Isso levanta suspeitas ao cidadão. Um nosso colaborador, Carlos A. César, escrevia na sua página de facebook:, a propósito da farda usada pelos trabalhadores camarários quando estão a usar os herbicidas. “ Não, não é uma imagem de Chernobil, é uma imagem em Ponta Delgada como podia ser em muitas cidades por estas ilhas e país fora!
Ficamos todos admirados com o elevado aumento do cancro na população açoriana, e vamos continuar a admirar-nos enquanto o nosso comportamento não mudar.
Há pouco tempo, soube, que são usados produtos químicos para queimar a rama da batata, na semana anterior à sua apanha, facilitando a sua recolha. Admirados? Também fiquei!
As silvas, eram roçadas por homens e queimadas. Hoje, são queimadas com produtos químicos, que penetram no subsolo e vão aos lençóis de água potável usada na nossa alimentação. Admirados com os números do cancro? Eu não!
É urgente uma mudança de mentalidades e de costumes, é urgente uma fiscalização destes produtos no dia a dia de quem os usa. É urgente saber se estes produtos não estão a ser passados a outros por quem tem autorização de os adquirir!
Os nossos descendentes já estão a sofrer pela nossa falta de acção.
Estamos a alimentar um monstro!!”, escrevia Carlos A C César .
Os cidadãos começam a ter receios e os ambientalistas dizem que não há dúvidas de que o produto tem de sair do mercado, já que as provas científicas existentes são concertadas e pertinentes para que se afaste o produto da venda.

Freguesias jogam pelo seguro

Na Região, pelo sim e pelo não, há três autarquias que já não utilizam o produto para eliminar as ervas daninhas, e estão a usar meios alternativas para controlar o crescimento indiscriminados dessas pequenas pragas que proliferam nos jardins e ruas dos Açores: água com sal. Sai mais barato e é inofensivo. Esta decisão surgiu logo após o apelo da Quercus para que as autarquias não usassem este produto.
Por exemplo, a freguesia da Matriz da Ribeira Grande desde o mês de Outubro de 2014, e após uma fase experimental, conforme foi explicado na altura, abdicou do uso de herbicidas para o controlo de ervas daninhas em espaço público, substituindo-os pelo recurso a métodos manuais e à aplicação de uma solução tendo como base a água do mar.
Para além do exercício de poupança que a utilização da água salgada, um recurso local e gratuito, possibilita, a nova metodologia de controle das plantas espontâneas urbanas apresenta claros benefícios, sob o ponto de vista ambiental e para a saúde das populações. A adopção de tal prática conferiu à Freguesia o direito de figurar, no âmbito da campanha lançada pela Quercus e pela Plataforma Transgénicos Fora, como uma das doze autarquias do País (4 municípios e 8 freguesias e a primeira dos Açores) “livres de Glifosato”, que como considerou a autarquia,” uma substância activa usada em herbicidas com efeitos particularmente nefastos para o meio ambiente”.
Certo é que a Quercus fez deste combate uma das suas prioridades, a que se juntaram-se-lhe outras organizações ambientalistas para tentar proteger a saúde dos cidadãos, e principalmente de quem está exposto em demasia ao produto, pela utilização consecutiva. A Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou, recentemente, o herbicida glifosato, como “provavelmente cancerígeno”. Existe algum risco em utilizar produtos que o contenham? Os estudos dizem que há risco para a saúde, o que levou a Quercus a lançar uma petição pública intitulada “Proibição do Herbicida Glifosato em Portugal”, que já vai em mais de 16 mil assinaturas, para sensibilizar o poder político para erradicar os produtos com glifosato do mercado. Nos Açores, também houve quem promovesse semelhante iniciativa. É o caso de Teófilo Braga, um dos dos promotores da petição “ Não ao uso de herbicidas em espaços públicos nos Açores” (http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT75835) que, segundo nos contou, muito em breve vai ser enviada aos Presidente da Associação de Municípios da Região Autónoma dos Açores, para os Presidentes das Assembleias Municipais dos Açores, para os Presidentes das Câmaras Municipais dos Açores, para os Presidentes das Assembleias de Freguesia dos Açores e para Presidentes das Juntas de Freguesias dos Açores.
A petição, sublinha, que “considerando que são conhecidos os riscos do uso dos herbicidas, não só dos que têm como substância activa o glifosato, para a saúde pública e para o ambiente e que as várias entidades que os usam conhecem os outros meios, mecânicos e térmicos, alternativos ao uso de herbicidas não entendemos a razão por que nada ou muito pouco fazem para proporcionar uma melhor qualidade de vida aos açorianos.
Lembram que em 2014, a QUERCUS e a Plataforma Transgénicos Fora (PTF) iniciaram uma campanha alertando para os riscos ambientais e de saúde da aplicação de herbicidas em espaços urbanos.
Atendendo a que o uso de herbicidas, nomeadamente daqueles em que a substância activa é o glifosato, é uma prática generalizada em diversas autarquias locais, nos Açores, um grupo de cidadãos decidiu reforçar o apelo das referidas associações, lançando a presente petição dirigida aos eleitos locais da Região Autónoma dos Açores.
Assim sendo: referem: “ 1 – Considerando os riscos de vários herbicidas e em particular daqueles cuja substância activa é o glifosato que actua nos animais como desregulador hormonal e cancerígeno, mesmo em doses muito baixas;
2 – Considerando que há outros meios para o controlo das ervas espontâneas, como os mecânicos e térmicos;
3- Considerando que a nova legislação sobre o uso de pesticidas (Lei n.º 26/2013, de 11 de Abril, que transpõe a Diretiva 2009/128/CE), aponta para que só haja aplicação de herbicidas quando não existam outras alternativas viáveis, nomeadamente meios de combate mecânicos e biológicos”.
O apelo é que todas as Câmaras Municiais e Juntas de Freguesia dos Açores para que adiram ao manifesto “Autarquia sem Glifosato” *, a qual significa evitar o uso de herbicidas e recusar a utilização de glifosato , contribuindo assim para a melhoria da qualidade de vida de todos os que residem ou visitem os Açores.

A favor do ser humano e do ambiente

O professor Teófilo Braga, que é também um ambientalista, aliás foi um dos fundadores e Presidente da Direcção dos Amigos dos Açores- Associação Ecológica, disse ao nosso jornal que “considerando que são conhecidos os riscos do uso dos herbicidas, não só dos que têm como substância activa o glifosato, para a saúde pública e para o ambiente e que as várias entidades que os usam conhecem os outros meios, mecânicos e térmicos, alternativos ao uso de herbicidas não entendemos a razão por que nada ou muito pouco fazem para proporcionar uma melhor qualidade de vida aos açorianos”.
Teófilo Braga, junta a sua voz aos milhares que querem uma região e um país livre de glifosato, e saúda, através do nosso jornal, as três juntas de freguesia dos Açores que já aderiram à campanha da Quercus “contra o uso de herbicidas em espaços públicos”, Matriz (Ribeira Grande), Praia do Norte (Faial) e Santa Cruz da Graciosa (Graciosa).
Por seu turno, Diogo Caetano, Presidente da Direcção dos Amigos dos Açores - Associação Ecológica, manifesta também a sua preocupação pelo uso do principio activo.
Recorda que há diversos estudos que apontam para diversos problemas na saúde públicos associados à utilização de glifosato, muitos dos quais cancerígenos ou com evidências significativas devido à exposição prolongada a estes compostos químicos. Análises efectuadas em vários países, nomeadamente através da urina e de sistemas de esgotos, tem-se verificado que uma presença grande de glifosato no organismo das pessoas e na rede pública, daí a posição que tem sido transmitida por várias entidades, que levam a petições e a acções de sensibilização.
No entender de Diogo Caetano, sempre que há suspeita de haver risco para a saúde pública pelo princípio da prevenção, não se deve usar estes produtos, lembrando que muitas das vezes a problemática e os seus efeitos não são muitas vezes considerados porque não são imediatos mas há que ter atenção porque o podem ser a longo prazo devido à exposição prolongada.
Nos Açores, a situação é preocupante, porque, como refere o Presidente da associação ecológica, quase todos os municípios utilizam o glisofato no seu território, com as excepções que se conhecem, por isso entende que tem de haver uma maior sensibilização para a problemática.

Uso de pesticidas para poupar na mão de obra

A falta de mão-de-obra para a agricultura, a necessidade de conter as despesas no tratamento dos campos e a necessidade de produzir a baixo custo para uma maior rentabilidade do que se retira da terra, tem levado a que cada vez mais, mesmo para a agricultura familiar e para eliminar as ervas daninhas do jardins e espaços públicos, se recorra ao uso de herbicidas para eliminar aquilo que se considera ser uma praga. Mas se por um lado se poupa por outro há, eventualmente, riscos acrescidos para a saúde pública que podem sair muito caro, tanto para os cidadãos como para os governos. O problema não é um exclusivo de um país ou de uma região mas global, a que os Açores não são excepção. Aqui, ao que sabe, mesmo com a obrigatoriedade de ser necessária formação para o uso destes produtos, e consequente venda limitada a quem tem o curso, certo é o uso é, quase indiscriminado. As autarquias usam-no abundantemente para controlar as ervas dos caminhos e de alguns espaços públicos ajardinados, o governo também o faz nas áreas da sua competência, e os agricultores e particulares também o usam. Portanto, o uso do produto é usado, apenas com a restrição à formação. Para as associações para a defesa e preservação ambiental isso é muito pouco, não ajuda a defender o ambiente e a saúde pública, e ao longo do tempo, principalmente desde 2013, têm vindo a desenvolver acções cada vez mais significativas em todo o mundo, e em Portugal o assunto já chegou à Assembleia da República em Abril de 2015, num projecto de resolução dos Verdes, Bloco de Esquerda e PAN, que que fosse proibido o uso de glifosato, o principio activo dos herbicidas mais usado no país e na região, mas foi chumbado. No entanto, já foram dados passos. O Ministério da Agricultura, determinou este ano a saída de 17 produtos do mercado, de um total de 83 que contém glifosato. Assim, foi retirada do mercado a taloamina e todos os produtos fitofarmacêuticos que continham aquela substância por constituírem um risco grave para a saúde dos homens e de todos os seres vivos.

O Depoimento (completo) enviado ao jornal

Como é do conhecimento público sou um dos promotores da petição “ Não ao uso de herbicidas em espaços públicos nos Açores” (http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT75835) que muito em breve vai ser enviada para os Presidente da Associação de Municípios da Região Autónoma dos Açores, para os Presidentes das Assembleias Municipais dos Açores, para os Presidentes das Câmaras Municipais dos Açores, para os Presidentes das Assembleias de Freguesia dos Açores e para Presidentes das Juntas de Freguesias dos Açores.

Considerando que são conhecidos os riscos do uso dos herbicidas, não só dos que têm como substância ativa o glifosato, para a saúde pública e para o ambiente e que as várias entidades que os usam conhecem os outros meios, mecânicos e térmicos, alternativos ao uso de herbicidas não entendemos a razão por que nada ou muito pouco fazem para proporcionar uma melhor qualidade de vida aos açorianos.

Resta-me saudar as três juntas de freguesia dos Açores que já aderiram à campanha da Quercus “contra o uso de herbicidas em espaços públicos”, Matriz (Ribeira Grande), Praia do Norte (Faial) e Santa Cruz da Graciosa (Graciosa).



terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Joaquim de Araújo, Alice Moderno e Antero de Quental



Joaquim de Araújo, Alice Moderno e Antero de Quental

Joaquim António Araújo e Castro nasceu, em Penafiel, no dia 16 de julho de 1858 e faleceu na Casa de Saúde do Telhal, em Lisboa, a 11 de maio de 1917.

Joaquim de Araújo foi Cônsul de Portugal em Génova, onde exerceu uma atividade cultural de relevo a nível internacional, tendo divulgado em vários países os maiores escritores portugueses, como o Padre António Vieira, Luís de Camões, João de Deus, Almeida Garrett, Eça de Queirós e Antero de Quental.

Joaquim de Araújo que, de acordo com Xavier Coutinho, foi um “bibliógrafo, bibliófilo e escritor benemérito” esteve de algum modo ligado aos Açores, através de Alice Moderno e de Antero de Quental.

No que diz respeito a Alice Moderno, Joaquim de Araújo manteve com ela correspondência e foi seu noivo, tendo estado na ilha de São Miguel, de outubro a dezembro de 1893.

De acordo com Ana Maria Almeida Martins, foi Joaquim de Araújo que pediu a Luís de Magalhães, o organizador do livro “Antero de Quental- In Memoriam” que incluísse um texto de Alice Moderno, alegando que “ela pertencia à melhor sociedade micaelense, era amiga da família Quental e carteara-se com Antero”, omitindo a principal razão, o seu noivado com aquela.

Com pequenas inexatidões o contributo de Joaquim de Araújo para o referido livro intitulado “Ensaio de Bibliografia Anteriana” foi, segundo Ana Martins, “um extraordinário trabalho de investigação” e um “subsídio indispensável para o estudo da vida e obra de Antero”.

Antero de Quental, desde muito cedo, conviveu com Joaquim de Araújo, tendo, segundo este, sido uma das pessoas que o confortou aquando da morte do pai, como se pode ler numa das cartas dirigidas a Alice Moderno: “Foi ele que me acompanhou na noite da morte de meu Pai, beijando as minhas lágrimas como ninguém as beijará mais.”

Ainda sobre a forte ligação entre os dois, pode ler-se numa carta de Joaquim de Araújo a Teófilo Braga: “…nunca pedi dinheiro emprestado a ninguém senão a Antero, que me emprestou três libras quando eu precisava apenas de duas.”

A notícia da morte de Antero para além de surpreender vários dos seus amigos, deixou alguns deles bastante abalados, como foi o caso de Joaquim de Araújo que em carta a Alice Moderno escreveu:

“Quando Antero morreu, eu fiquei numa exasperação extraordinária. Estava eu num hotel no Porto com o J. Dias Ferreira, nessa ocasião; e deixei-o abruptamente. Lembro-me que assobiava ao sair do hotel. Fui à minha pobre casa, de que te falei já. Eu tive sempre um grande espírito económico. Tinha 15 ou 16 libras. Tomei-as e segui num dos comboios: fui a Braga, a Amarante, a Penafiel, a Guimarães. Como a morte do meu grande amigo chocara em toda a parte, todos me falavam do Augusto suicida. Eu fugia. Cheguei a casa quatro dias depois.”

No seu testamento feito em Itália, datado de 24 de agosto de 1903, Joaquim de Araújo voltou a mostrar a sua ligação a Antero. Assim, entre os legatários figuraram Teófilo Braga e Ana Quental, irmã de Antero de Quental.

A Teófilo Braga, Joaquim de Araújo deixou “seis volumes dos mais preciosos” que possuía, sendo os restantes para a Biblioteca de São Marcos de Veneza, ficando Ana Quental com todos os seus objetos de prata.

Teófilo Soares de Braga
(Correio dos Açores, 31120, 4 de janeiro de 2017, p. 16)

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Animalistas têm razão para cantar vitória?


Animalistas têm razão para cantar vitória?

No passado dia 22 de dezembro, a Assembleia da República aprovou, por unanimidade, uma alteração ao Código Civil, através da qual os animais deixam de ser coisas e passam a possuir um estatuto jurídico próprio onde é reconhecida a sua natureza de seres vivos dotados de sensibilidade.

Para quem, ainda hoje, considera que os animais não têm direitos por não terem deveres e que a sociedade deverá fazer uso deles como se de pedras se tratassem, não há qualquer dúvida que devagarinho, pelo menos a nível legislativo, Portugal está a evoluir demasiado depressa.

Enquanto nos Açores não se conhece de qualquer reação ao que foi aprovado na Assembleia da República, a nível do Continente foram várias as vozes que se fizeram ouvir, a esmagadora maioria a regozijar-se com a referida alteração.

O deputado do PSD, Cristóvão Norte, considerou o facto como “um passo civilizacional importante para a nossa comunidade” pois “consagra que os animais não sejam coisas e que o seu estatuto jurídico compreenda a sua singularidade, um terceiro género, como se diz em direito.”

Para o deputado do PAN, André Silva, a alteração verificada não é mais do que “uma primeira vitória e um tónico para que a legislação animal continue a evoluir”.

A associação “Animal”, embora satisfeita com a aprovação mencionada, considera que em vez da palavra sensível deveria figurar a palavra senciente e explica a razão:

“… Poderão dizer 'mas é só uma palavra', e nós respondemos 'mais do que uma palavra, é um conceito da máxima importância'. Por exemplo, as plantas também são dotadas de sensibilidade, contudo, não são dotadas de senciência. Os animais são e é aí que traçamos a linha; na capacidade de experienciar conscientemente dor, sofrimento, prazer, etc., não sendo apenas meros recetáculos de sensações”.

Não menosprezamos o pequeno passo que foi dado, mas não temos grandes razões para ficarmos eufóricos. Os maus tratos vão continuar, os touros e cavalos vão continuar a ser torturados nas touradas, os canis de abate não vão deixar de abater animais saudáveis e a maioria dos responsáveis vai continuar a fingir que dá importância ao bem-estar animal e a respeitar os direitos dos animais.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31119, de 3 de janeiro de 2017, p.13)