quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Entrevista ao jornal "A Batalha"


A Batalha setembro-outubro de 2006

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

As árvores classificadas de São Miguel



As árvores classificadas de São Miguel


O jornalista Rui Jorge Cabral, num texto publicado no jornal “Açoriano Oriental, no passado dia 20 de novembro, abordou a questão das árvores classificadas nos Açores. Neste texto vou retomar o assunto e fazer o ponto da situação das espécies classificadas na ilha de São Miguel.

Não pondo em causa a legislação que tem servido de base para a classificação e não conhecendo todas as árvores classificadas, à partida parece haver um “desequilíbrio” na sua distribuição geográfica. Assim, só haverá árvores que mereçam figurar na lista das espécies classificadas nas ilhas de São Miguel, Terceira e Faial? Não haverá, em São Miguel, mais nenhuma árvore que mereça ser classificada, para além das sete (12% do número total) classificadas, entre as 58 existentes, nos Açores?

No que diz respeito às três espécies mais classificadas, nos Açores, existem 22 araucárias (Araucaria heterophylla) (37,9 %), 13 dragoeiros (Dracaena draco) (22,4%) e 10 eucaliptos (Eucalyptus diversicolor) (17,4%). Em síntese, as três espécies referidas contribuem com 77,5% para o total das árvores classificadas.

Na ilha de São Miguel, existem sete árvores classificadas: 4 dragoeiros (Dracaena draco), já desaparecidos, um metrosídero (Metrosideros tomentosa (?)), uma árvore-da-borracha (Ficus macrophylla) e uma sequoia (Sequoia sempervirens).

Data de 1965, a classificação da primeira árvore nos Açores, o metrosídero existente no Campo de São Francisco, em Ponta Delgada, que deverá ter cerca de 125 anos.

Para além deste exemplar, talvez o mais conhecido dos Açores, há vários metrosíderos em São Miguel, alguns em jardins, com destaque para os que se encontram no Jardim
António Borges e no Jardim de Santana.

Por se terem adaptado bem aos terrenos de São Miguel e por resistirem bem à “brisa marítima” os metrosíderos são muito usados em sebes vivas.
Pelo mesmo despacho de 1970, foram classificadas a árvore-da-borracha do Jardim António Borges e a sequoia do Lugar do Torninho, nas Furnas.

A árvor-da-borracha (Ficus macrophylla) é uma espécie que atinge grandes dimensões e que terá sido introduzida nos Açores em meados do século XIX. Para além da existente no Jardim António Borges, há exemplares majestosos que mereciam ser classificados no Jardim de Santana e no Jardim José do Canto.

A sequoia da Mata-Jardim José do Canto, nas margens da Lagoa das Furnas, que merece uma visita, é uma das plantas notáveis da ilha de São Miguel referidas pelo Regente Florestal António Emiliano Costa, no Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, nº 17, relativo ao primeiro semestre de 1953, que acerca dela escreveu: “A Sequoia sempervirens End. (Californian redwood) …é um belo exemplar local com 4,27 m de perímetro à altura do peito …”

Embora a madeira de sequoia seja “muito superior à da criptoméria, com a vantagem também de ser leve e ser “ótima para todos os géneros de construções e mesmo marcenaria, tomando um belo aspeto quando polida e envernizada” entre nós a planta, nativa da América do Norte, só é cultivada com fins ornamentais.

Os quatro dragoeiros da Praia de Água d’Alto foram classificados em 1982 e, se não estou em erro, morreram no final da década de 80 do século passado.

Achamos inconcebível que não tenha havido o cuidado de rever a lista das árvores classificadas na Região Autónoma dos Açores, eliminando as plantas que já não existem ou acrescentando uma simples nota com a indicação das que morreram.

No que diz respeito aos dragoeiros também não compreendo por que razão não se encontra classificado o dragoeiro existente na Escola Secundária Antero de Quental, o qual, segundo o Engª. Ernesto Goes é o maior da ilha de São Miguel e terá “sido plantado na altura da construção do antigo Paço, iniciado em 1587”.

Para além daquele, o referido engenheiro destacou três exemplares existentes no Jardim António Borges e destaco o bonito exemplar existente no Jardim da Casa do Povo do Pico da Pedra que tem cerca de 29 anos.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31114, 28 de dez de 2016, p.23)

John Audubon e as aves


John Audubon e as aves

John Audubon, o mais ilustre e conhecido ilustrador de história natural do século XIX, nasceu em 1875, Santo Domingo, hoje Haiti, e faleceu em 1851, em Nova Yorque.

Aquando da celebração do seu 159º aniversário, o jornal Correio dos Açores publicou um texto sobre a sua vida e obra, onde a dado passo se pode ler que Audubon “foi um profundo observador e intérprete da vida dos animais, pertencendo-lhe algumas das melhores gravuras de aves até hoje pintadas por qualquer artista”.

Para a elaboração das suas obras, a mais famosa dos quais foi “Aves da América”, Audubon recorreu a métodos que hoje não seriam aceites, pois no seu trabalho de campo munia-se “de papel e material de desenho, mas também de uma espingarda que usava para matar as aves que pretendia ilustrar”. Como “atenuante” do seu comportamento refira-se que não existia na altura a consciência ecológica tal como a que existe hoje e Audubon não tinha os recursos tecnológicos agora existentes que permitem observar com pormenor as mais diversas espécies.

Apesar do mencionado, Audubon reconheceu as ameaças à vida selvagem, sobretudo às aves e aos seus habitats, de tal modo que tal facto foi reconhecido, estando o seu nome ligado às Sociedades Audubon que já em 1944 possuíam, nos Estados Unidos da América, “milhares de sócios de todas as idades” e que têm “como objetivo principal a restauração e conservação das espécies características na América”.

Antes da formação da Sociedade Nacional Audubon, foram dados vários passos, sendo o primeiro a organização, em 1896, por parte de Harriet Hememway e de Mina Hall, de uma série de reuniões que tiveram por objetivo convencer as senhoras da alta sociedade para deixarem de usar guarda-sóis com penas de aves.

Na sequência desta campanha contra a matança, por parte da indústria dos guarda-sóis, de milhões de aves aquáticas formou-se a Sociedade Audubon de Massachusetts.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31113, 27 de dezembro de 2016, p.16)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

O PRESÉPIO (QUASE) ENDÉMICO



O PRESÉPIO (QUASE) ENDÉMICO

No Largo do Pelourinho, em Vila Franca do Campo, encontra-se um presépio que foi inaugurado recentemente com toda a pompa e circunstância pelas autoridades locais.

Acho-o muito bonito, havendo a originalidade de estarem representadas todas as freguesias do concelho com aquilo que cada uma tem (ou teve) que as individualiza. Não vou descrever cada uma, limito-me, a título de exemplo, a referir o caso da freguesia onde nasci, a Ribeira Seca, que está representada por um moinho.

Nunca estudei a fundo a questão dos moinhos, mas apenas me lembro de moleiros de Água d’Alto e da Ribeira Seca, embora conheça ruínas de um moinho em Ponta Garça. A ribeira que atravessa a Ribeira Seca, segundo o senhor Manuel Soares Ferreira, chegou a alimentar 21 moinhos, desde a nascente, na Granja, até à foz onde se localiza as ruínas do moinho da “tia” Leopoldina.

Mas, o que mais me espantou no Presépio do Largo do Pelourinho foi a presença de espécies da nossa vegetação natural, algumas delas protegidas ao abrigo de legislação nacional e internacional. Não faço ideia qual entidade responsável pelo presépio, mas com certeza deverá ter a devida autorização da Direção Regional do Ambiente que terá aberto uma exceção ao apelo que lançou há alguns dias onde comunicava que era proibida “a colheita, apanha, corte, deterioração intencional da espécie vegetal designada por Leiva ou Musgo, nos termos do artigo 2.º do DL 316/89, de 22 de setembro” e que iria “reforçar na época natalícia a vigilância e fiscalização dos locais onde a mesma se desenvolve”, de modo a evitar a apanha da referida espécie vegetal.

Recordo que, em anos anteriores, os serviços oficiais têm tomado medidas para penalizar quem não cumpre a lei e que, no ano de 1997, os vendedores de árvores de Natal que o faziam na Avenida D. João III viram ser apreendidas, pelos Serviços Florestais de São Miguel, cerca de 80 sacas de musgão.

Não vamos aprofundar a questão da importância da manutenção da vegetação autóctone dos Açores, apenas recordo que em 1992, uma petição lançada pelos Amigos dos Açores – Associação Ecológica e pelo Núcleo Regional dos Açores da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, então com sede na cidade da Horta, mencionava o facto de as comunidades vegetais autóctones dos Açores serem o seu mais valioso património natural terrestre pelo que “a sua conservação se torna imperativa e urgente por razões científicas, ecológicas, educacionais, recreativas, económicas e de preservação de tipos genéticos únicos, que transcendem o âmbito regional”.

No caso do presépio em apreço, entre outras e para além do musgo ou leiva, pude observar a presença das seguintes espécies nativas, algumas endémicas dos Açores: hera, queiró, urze, feto-pente, bracel-do-mato, louro, canicão, tamujo, folhado e sargasso.

Desde o povoamento e durante muitos anos, entre outras espécies, o queiró, a urze, o louro e o tamujo forneceram a matéria-prima e a energia usadas por quem cá passou a residir.

O louro forneceu as bagas de onde se extraiu um óleo vegetal que, para além de ser usado na iluminação, também era utilizado como remédio para curar as feridas do gado. A madeira de louro, muito leve, mas resistente, era usada para o fabrico de charruas e de cangas para as juntas de bois.

A urze, para além de combustível, foi usada, em tinturaria vegetal, para a obtenção do verde e no fabrico de vassouras.

A madeira do folhado era, por sua vez, usada no fabrico de alfaias agrícolas.

Defensor de que as boas tradições devem ser preservadas, também considero que é possível mantê-las, adaptando-as aos novos tempos. No caso dos presépios não é nada difícil fazê-los com novos materiais, tornando-os instrumentos de educação religiosa para os crentes e de educação ambiental e cívica para todos.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31109, 21 de dezembro de 2016, p.19)

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Os primeiros passos da SMPA


Os primeiros passos da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais

No último texto, fizemos referência à fundação da Sociedade Protetora de Animais de Angra do Heroísmo. Hoje, vamos divulgar alguns dados relativos à SMPA - Sociedade Micaelense Protetora dos Animais que foi criada em 1911.

A ideia da sua criação não foi de Alice Moderno, uma das suas fundadoras e mais conhecida e dedicada dirigente. Segundo ela, a primeira pessoa a sugerir a formação de uma sociedade dedicada à proteção dos animais foi o advogado Dr. Henrique Ferreira de Paula Medeiros.

Quinze anos antes da criação da SMPA, num pequeno texto, não assinado, publicado no jornal O Preto no Branco, já se falava na necessidade da constituição de uma associação protetora dos animais e já se denunciava a horrível situação em que se encontravam os animais nos seguintes termos:

“Alguém relembrou, há pouco, a criação, entre nós, duma sociedade destinada a proteger os pobres animaizinhos que nesta terra de brutos são tratados com uma desumanidade só admissível na Hottentocia.

E é possível que lá, nesse rincão do mundo selvagem, haja um poucochinho mais de caridade para com os irracionais que nesta decantada pérola que tanto arrota de civilizada, e todavia, tão pouco o parece a certos respeitos.”

Como de certeza, na altura tal como hoje, existiam vozes que menosprezavam quem abraçava a causa animal, o autor recorda que “proteger os animais é beneficiar a condição humana, naturalmente inclinada ao mal e à guerra viva”.

O texto termina “aplaudindo a criação da sociedade em projeto” e fazendo um apelo para que alguém tome a iniciativa.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31108 de 20 de dezembro de 2016, p. 8)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Plantas do Natal



Plantas do Natal

Neste texto, pretendo dar a conhecer as principais plantas usadas pelos açorianos, na época natalícia, recorrendo a diversa bibliografia nomeadamente de cariz etnográfico e ao depoimento de algumas pessoas, que desde já agradeço.

Os irmãos Joseph e Henry Bulhar que visitaram os Açores e por cá permaneceram, entre Dezembro de 1838 e julho de 1839, passaram um Natal, em Vila Franca do Campo. No seu livro “Um Inverno nos Açores e um Verão no Vale das Furnas” que, segundo Armando Cortes Rodrigues, é uma obra “cujo valor etnográfico, social e humano não se torna necessário encarecer”, aqueles autores recordam como as pessoas passavam o Natal naquela localidade, tendo a dado passo feito a descrição de uma modesta habitação:

“A um canto do quarto via-se a cama, que em todos os casebres e em todas as ocasiões está sempre limpa e arranjada, mas que hoje se encontra decorada com uma colcha de musselina finamente bordada e uma elegante coberta, acolchoada de branco, sobre a qual se espalhavam flores. O chão estava juncado de verduras e as paredes e o tecto cobertos de ramos verdes de faia. No meio daquela mansão, alumiada por uma candeia em cruxifixo, cuja ténue luz a custo revelava o quadro do interior do casebre, passava o tempo a família dos Bichos”.

O padre vila-franquense Manuel Ernesto Ferreira, no seu livro “A Alma do Povo Micaelense”, editado pela primeira vez em 1926, dedica um texto ao Natal que segundo ele é a festa de todo o ano pois “leva-se seis meses a esperá-la com anseio e outros tantos a recordá-la com saudade”.

Depois de falar na Novena do Natal, que começava no dia 16 de dezembro, e antes de mencionar o presépio, “tradição fortemente arraigada na alma do povo micaelense”, onde segundo ele “vicejam pequenas plantas e flores de freiras”, isto é flores artificiais feitas nos conventos, o padre Ernesto Ferreira menciona algumas plantas usadas pelo Natal nos seguintes termos:

“Já alguns dias antes, em cada casa, se deitara a grelar a ervilhaca, o trigo, o milho, o tremoço, a alpista, com que se há de enfeitar o presépio, de que se acercarão as criancinhas, buliçosas e contentes, saudando-o com sorrisos de inocência.”

No seu livro “Pedras de Santa Maria, publicado em 1968, o mariense Armando Monteiro dá a conhecer uma tradição caída no esquecimento, que abaixo se transcreve:

“Dizem que antigamente o povo desta ilha costumava, na noite de Natal, arranjar um cepo de urze e deitava-lhe lume. Quando estava todo em brasa, apagavam-no com água-benta e, em certas ocasiões de muito furacão e tempestade, acendiam o cepo e colocavam-no no lado da casa donde a ventania soprava.

E feitas estas cousas, logo sucedia chegar a bonança.”

O poeta, natural da Ribeira Grande, Oliveira San-Bento, num soneto intitulado Presépio Antigo, publicado no seu livro “Riscos na Bruma” , editado em 1953, menciona algumas plantas usadas no Natal, do seguinte modo:

Nas horas tão saudosas
Daquele Natal distante,
Há verde pinho odorante
E doce cheiro de rosas…

Vejo as velas luminosas
Mais o trigo verdejante
E a cabeleira ondeante
De ervilhacas graciosas

O etnógrafo terceirense Luís da Silva Ribeiro, no livro Etnografia Açoriana, publicado em 1982, depois de referir que o Natal na Terceira é semelhante ao do Continente, embora com transformações devidas às especificidades do ambiente insular, faz menção às ornamentações natalícias.

No que diz respeito aos enfeites, Luís Ribeiro escreve que “no meio da casa põem ramos de faia do norte contra as paredes ou, dependurados dos tirantes, ramos de laranjeira com frutos, que já nessa época estão amarelos e, se o chão é térreo, atapetam-no com feno (frança de pinheiro) como no Espírito Santo. Na ilha de São Miguel, nas casas térreas o chão também era coberto de junco, de rama de funcho e mais tarde de ramos de criptoméria picados.

Na década de sessenta do século passado, na casa dos meus avós maternos os preparativos para o Natal iniciavam-se com o colocar de molho o trigo e a ervilhaca, a que se seguia a sua deposição em vasos que eram colocados em sítio escuro para que crescessem branquinhos. Mais próximo do dia 25 de dezembro, a casa era enfeitada, através da colocação de ramos com laranjas ou mandarinas e funcho da Madeira nas paredes.

Outra tradição, que quase sempre marcava presença, era a do presépio que terá sido ideia, de São Francisco de Assis, concretizada pela primeira vez em 1223, na comuna italiana de Greccio. Na altura, a árvore de Natal ainda não era muito generalizada, apesar de já em 1933 o Dr. Armando Cortes Rodrigues ter escrito o seguinte: “Hoje, a febre da desnacionalização anda erguendo árvores de Natal por todos os lares e até nas próprias igrejas é bom recordar que a tradição dos presépios e das lapinhas é profundamente cristã e latina e que não há necessidade de ir copiar aos países do norte um costume que nada tem que ver com o nosso fundo tradicional”.

Muito mais tarde, na casa dos meus avós, surgiu a árvore de Natal que era sempre de criptoméria, mas, mais raramente, havia quem usava pinheiros ou mesmo cedros.

De acordo com uma vila-franquense, em sua casa entre outros enfeites havia “galhos de laranjeiras com laranjas, tangerinas e ananás”. Havia também a ervilhaca, o trigo, as favas e o milho, no presépio musgo, “uma pequena planta…galinhos…catos e outras plantas nos vasos”. A árvore era de cedro ou de abeto e nos últimos anos de criptoméria. Também havia o “altarinho” onde não faltava a ervilhaca, o trigo e as tangerinas.

No Pico da Pedra, de acordo com informação recolhida, para além da ervilhaca e do trigo, havia o tremoço e na árvore de Natal eram colocadas tangerinas. A casa era também enfeitada com ramos de cedro e de nespereira pintados com tinta prateada ou dourada. No presépio era usado musgo verde e branco e “pés de galo”.
Em resposta a um apelo que lancei numa rede social uma pessoa referiu que na sua casa era muito usado o azevinho. Numa fotografia de um “altarinho” verifiquei que para além da ervilhaca e do trigo havia dois ramos de gilbardeira.

Embora o levantamento efetuado seja muito incompleto, justificando-se a sua continuação, e sendo difícil a identificação das espécies referidas pelos diversos autores e pelas pessoas que deram o seu contributo para que este trabalho se tornasse realidade, das cerca de 25 espécies usadas no presépio, nos “altarinhos” ou na ornamentação das casas, a esmagadora maioria não é nativa dos Açores.

Nativas dos Açores, no Natal, apenas eram ou ainda são usadas a urze (Erica azorica), os pés de galo (Polypodium azoricum) e vários musgos (leiva, musgão) do género Sphagnum, cuja utilização está proibida, nos termos do artigo 2.º do DL 316/89, de 22 de setembro.

Não obtivemos nenhuma informação que nos desse garantias de que o azevinho dos Açores (Ilex azorica) era ou ainda é usado. Pelo contrário todas as imagens que vimos de plantas a que as pessoas chamavam de azevinho eram de uma espécie introduzida com fins ornamentais cujo nome comum, segundo o botânico Rui Teles Palhinha, é erva-dos-vasculhos, gibalbeira ou pica-rato (Ruscus aculeatus) ou de azevinhos introduzidos na nossa região.

Teófilo Braga
8 de dezembro de 2016
(Atlântico Expresso, 19 de dezembro de 2016)

domingo, 18 de dezembro de 2016

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Sobre Zoológicos


Ainda sobre zoológicos

No momento em que escrevo este texto mais de mil e cem pessoas já subscreveram uma petição dirigida ao presidente da Câmara Municipal da Povoação, pedindo para que o mesmo repense o projeto de recuperação do chamado parque zoológico e procure uma alternativa que não implique a manutenção de animais em cativeiro.

O sucesso da petição, lançada por pessoas que acompanham a situação daquele espaço, situado no centro da Povoação, pelo menos desde 2009, deve-se ao facto de não só no estrangeiro, mas também entre nós ser cada vez maior o número de pessoas preocupadas com os direitos dos animais.

A preocupação crescente, a nível mundial, com a situação dos animais e com a deseducação dos humanos associada à criação de animais selvagens em cativeiro tem levado ao encerramento de muitos zoológicos ou à sua reconversão.

De acordo com um “dossier” da responsabilidade do Projeto ZOOXXI, entre os países que têm fechado mais parques e jardins zoológicos estão os Estados Unidos, a China, a Inglaterra, a Austrália e o Canadá.

Ainda segundo o mesmo Projeto, as principais causas para o encerramento de zoológicos são as crises económicas, as condições precárias e um inadequado manejo dos animais e a pressão pública para a sua melhoria ou eliminação, quando estão a causar danos aos animais ou mesmo a prejudicar a imagem das localidades onde estão instalados.

O conhecido escritor inglês Desmond Morris, responsável durante dez anos pelos mamíferos do Zoo de Londres, um dia afirmou: “Sei que os bons jardins zoológicos são importantes por muitas razões, mas aprendi o suficiente para me aperceber dos danos causados aos animais ao mantê-los cativos. E simplesmente não quis continuar”


De entre as razões importantes referidas por Desmond Morris, estarão a função educativa e o seu papel na conservação das espécies, as quais são contestadas por vários autores.

No que diz respeito à sua função educativa, o facto dos animais enjaulados em pequenos recintos apresentarem comportamentos anormais em nada contribui para o real conhecimento das diversas espécies.

Alguns pedagogos sustentam mesmo que o cinema, a televisão, as animações informáticas constituem um recurso muito mais útil do que os parques zoológicos.

A segunda ideia, a de que os jardins zoológicos contribuem para a preservação de algumas espécies com vista à sua reintrodução na natureza, é também posta em causa pelos autores que vimos citando. Com efeito, aqueles autores referem que são muito poucos os casos em que tal aconteceu e mencionam o facto de nos anos 90 das três mil espécies em cativeiro em zoológicos apenas 66 estavam em vias de extinção.

No ano 2000, a presidente da Liga Para a Protecção da Natureza, afirmou que “o que se verifica é que os parques zoológicos são meras instituições de atividades lúdicas e até de alguma exploração animal ligada a atividades financeiras, quase industrializadas.”

De então para cá pouco se modificou e no caso da Povoação, para além da manutenção dos animais em condições precárias, mesmo ilegais perante a legislação em vigor, o parque nunca teve nem tem condições para ter uma função pedagógica nem nenhum papel para a conservação de espécies e é insuficiente querer aumentar o tamanho das jaulas quando o que importa é mudar de paradigma.

Termino, apelando ao bom senso da Câmara Municipal da Povoação e citando um comentário, deixado na página web da petição referida no início, de Milou van Mulken, que visitou o local e não gostou: “Eu vi pessoas dando cigarros aos macacos !! E não havia pessoal responsável para evitar que tal fosse feito. Este não é lugar para macacos. Muito pequeno e eles parecem deprimidos.”


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31103, 14 de dezembro de 2016, p.16)

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Os primeiros passos da Sociedade Protetora dos Animais de Angra do Heroísmo


Os primeiros passos da Sociedade Protetora dos Animais de Angra do Heroísmo

Hoje, com a desburocratização de alguns serviços em muito pouco tempo é possível criar e legalizar uma associação de qualquer tipo. No passado, tal não acontecia e há mesmo associações que depois de pensadas só viram a luz do dia mais de uma dezena de anos depois.

Em texto anterior, fizemos referência à criação, em 1911, da SPAAH - Sociedade Protetora dos Animais de Angra do Heroísmo com o fim de “proteger dos maus tratos todos os animais não considerados daninhos… e animar o exercício da caridade para com os animais, estabelecendo para isso prémios e recompensas sempre que permitam os recursos da sociedade”.

Não sabemos, com segurança, quando terá surgido a intenção da sua criação nem de quem terá partido a ideia. Contudo, através de uma nota publicada no jornal vila-franquense “O Autonómico”, a 30 de maio de 1908, fica-se a conhecer que três anos antes da criação da SPAAH a mesma já era aventada.

De acordo com a notícia publicada em primeira mão no jornal A União e assinada por Campos Jr., tratava-se “de reunir esforços para se conseguir n’esta cidade uma sociedade protetora d’animais, a fim de policiar as ruas da cidade e das freguesias e evitar a barbaridade que a cada passo se está vendo de maus tratos aos animais, serem atrelados outros velhos e lazarentos, e de míseros cães e carneiros andarem puxando carroças carregadas de lenha, água e muitas vezes de gente, que barbaramente os espanca por não poderem com tal carga levada a caminhadas longas”.

Pelo que se vê hoje por aí a sociedade pouco evoluiu e ao contrário do que se pensa as preocupações com o bem-estar animal e com os direitos dos animais não são moda recente.

O próximo texto será dedicado à SMPA- Sociedade Micaelense Protetora dos Animais que terá surgido, pelo menos 15 anos depois de pensada.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31102, 13 de dezembro de 2016, p. 16)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Sobre os trabalhos de casa



Sobre os trabalhos de casa

Há quem ache que todas as crianças a frequentar uma escola devem fazer trabalhos de casa, pois estes complementam o que aprendem na escola, e há quem ache que não, pois são uma sobrecarga para as mesmas que já têm um horário muito sobrecarregado durante o dia e que devem ter tempo livre para as suas brincadeiras.

Sobre este assunto têm tomado posição alguns conselhos pedagógicos das escolas, alguns dos quais caindo no erro de deliberar sobre tudo, mesmo sobre assuntos que não são de natureza pedagógica, e, pior do que isso, pretendendo uniformizar tudo, quando o mais sensato seria dar autonomia aos docentes, pois são eles que estão em contato direto com os alunos que são todos diferentes uns dos outros.

Há países que chegam ao extremo de possuir legislação sobre os trabalhos de casa, como a Bélgica. Segundo uma notícia do jornal público, de 2001, as crianças belgas do 1º e 2º ano, entre os seis e os oitos anos, estão proibidas de fazer trabalhos de casa, os do 3º e 4º anos poderão despender no máximo 20 minutos por dia, os do 5º e 6º anos, meia hora e para os restantes “os TPC devem ter uma "cadência razoável" que permita aos estudantes gerir o seu tempo de maneira a que se possam envolver em atividades desportivas e culturais, ou simplesmente, divertir-se”.

Considero que legislar sobre os trabalhos de casa é um exagero que deveria ter sido evitado, pois, para além de ser um sinal de desconfiança nos docentes, trata-se de menosprezar o profissionalismo dos daqueles que são quem conhece as necessidades dos alunos e o que deverá ser feito para ultrapassá-las.

A legislação belga referida, também, determina que os trabalhos de casa não contam para a avaliação dos alunos, evitando-se assim “qualquer tipo de discriminação daqueles que não podem ser ajudados em casa”. Sobre este assunto uma colega minha costuma dizer que embora nada tenha contra os apoios que os pais arranjam para os filhos fora da escola, não é avaliadora destes, de explicadores particulares, nem de centros de explicações.

Em Espanha, muito recentemente realizou-se uma campanha intitulada “Fins de semana sem trabalhos de casa” e penso que ainda está a recolher assinaturas uma petição sobre trabalhos de casa.

Embora não seja radicalmente contra a realização de trabalhos de casa, acho que a maioria dos alunos já tem uma sobrecarga letiva pelo que não podem ser massacrados com trabalhos de casa muitas vezes repetitivos e que só os poderão levar a perder o gosto pelas aprendizagens.

Apesar do referido, considero que os alunos, nos primeiros anos de escolaridade, poderão fazer pontualmente alguns trabalhos de casa de duração muito reduzida e deverão fazer pequenos trabalhos de pesquisa para complementar o que aprenderam nas aulas. Os alunos do ensino secundário, atendendo às exigências do mesmo, não podem descurar o estudo em casa e mesmo sem serem obrigados pelos professores devem fazer exercícios de aplicação dos conhecimentos adquiridos e aprofundar alguns temas abordados nas aulas.

O que não pode acontecer é continuar a situação atual, onde muitas vezes as aulas são demasiadamente expositivas e onde não há espaço para que os alunos realizem trabalho autónomo, sempre sob a orientação do professor, e aprendam a responsabilizar-se pelos trabalhos que devem fazer para serem bem-sucedidos nos seus estudos.

A petição referida, entre outros pontos, menciona que os trabalhos de casa repetitivos e abusivos não contribuem para melhorar o rendimento escolar e afetam de forma negativa a felicidade das crianças e a qualidade de vida das famílias e pede para que os trabalhos de casa sejam racionalizados, de modo a que os mesmos sejam feitos num tempo razoável e de acordo com as idades dos estudantes.

A petição também sugere que os trabalhos de casa devem ser “acordados” entre os diferentes professores de modo a que, conhecedores do tempo de cada um, não se traduzam numa carga excessiva para cada aluno.

Em síntese, estamos perante um conjunto de questões que se resolveriam com bom senso, sem qualquer necessidade de recorrer a petições e legislações, numa escola verdadeiramente do século XXI.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31096, 7 de dezembro de 2016, p. 16)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Entre toiros e gurus



Entre toiros e gurus

Só agora tive a oportunidade de ler a obra de ficção “Entre toiros e gurus”, da autoria de João Nobre de Carvalho, editada em 2013.

O autor, João Nobre de Carvalho, que nasceu em Goa, em 1940, onde contatou com as religiões orientais, chegou ao posto de Contra-Almirante, tendo servido em várias regiões de Portugal Continental, nas ex-colónias portuguesas e nos Açores.

De acordo com a Drª Isabel Nobre Santos, prefaciadora da obra, o livro tem “uma influência oriental, nomeadamente budista”, apresentando “uma história que prende o leitor, uma investigação profunda das tradições nacionais, um estudo apaixonado das vias da sabedoria que poderiam dar ensejo a que alguém transmutasse os caminhos da tradição em “caminhos de compaixão”.

Embora partes do livro sejam de difícil leitura para quem não está habituado a diversos conceitos usados nas “filosofias” orientais, como é o meu caso, recomendo a sua leitura pois o autor procura “incentivar os jovens a transcenderem os filtros culturais adquiridos através dos genes e da forma como foram educados, segundo os quais observam a vida, de modo a conhecerem-se melhor a si mesmos, olhando de forma mais isenta a realidade do mundo circundante”. Com a sua publicação o autor, também, pretendeu dar um contributo para a construção de um mundo melhor para os humanos e para os animais, acabando com o sofrimento destes, nomeadamente nas touradas.

O livro descreve o percurso de um jovem nascido numa família ligada à agricultura e à criação de touros de lide que ao fazer um trabalho escolar sobre os direitos dos animais se apercebe do sofrimento daqueles e ao contatar com uma colega, por quem se apaixona, inicia um percurso de descoberta das mais diversas fontes da sabedoria oriental, como a Teosofia, o Budismo e o Induísmo.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31097, 6 de dezembro de 2016, p. 20)