quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Manuel Medeiros Cabral (2)


Manuel Medeiros Cabral (2)

Em texto anterior, demos a conhecer um pouco da participação cívica de Manuel de Medeiros Cabral, nomeadamente a sua forte ligação à Banda “Rival das Musas”, ao associativismo operário e ao jornal “O Estandarte”, de que foi administrador.

Hoje, damos a conhecer mais algumas facetas da sua vida, com destaque para sua participação escrita no referido jornal.

Depois do 28 de maio de 1926, Manuel de Medeiros Cabral foi durante muitos anos regedor da freguesia de São José, onde residia.

Sem fazer qualquer alarde, Manuel de Medeiros Cabral ajudava os mais necessitados. Com efeito, sempre que ia ao mercado de peixe e este estava barato comprava-o e enviava-o para instituições de caridade.

As várias instituições que apoiou não se esqueceram dele e no seu funeral lembraram a todos a sua dedicação. Assim, para além das coroas que acompanharam a urna com diversas dedicatórias, num ramo de flores encontrava-se um cartão com os seguintes dizeres: “Sociedade Feminina de S. Vicente de Paulo; Conferência de Santa Maria de Belém; Eterna Saudade das crianças do Infantário ao seu querido “Amiguinho””.

Embora muito limitada, a contribuição escrita de Manuel de Medeiros Cabral no jornal “O Estandarte” revela uma enorme dedicação a uma causa, a luta por melhores condições de vida dos operários e a solidariedade face aos injustiçados.

No nº 2 daquele jornal, de 15 de março de 1926, Manuel de Medeiros Cabral escreveu um texto intitulado “Em defesa d’uma vítima”, onde manifesta a sua solidariedade para com o tipógrafo João Duarte, que era editor de “O Estandarte”, pelo facto deste ter sido expulso “pelos mandatários das Artes Gráficas”.

A propósito daquela injustiça praticada com aquele trabalhador, Manuel de Medeiros Cabral escreveu o seguinte:

“…Mas que tenham paciência porque Deus quando formou o mundo foi para todos gozarem do mesmo, deixando a terra, a água e o ar livre ao homem, porquanto temos todos o mesmo direito da Igualdade, Liberdade e Fraternidade, o que bastante outrora se pregou e ainda não tiveram a felicidade de a ter…”

Depois de referir que o jornal não acabaria fizessem o que fizessem, dedicou as seguintes palavras ao trabalhador despedido: “… e um dia que te visses na ruína da tua vida, o que alguém muito desejaria, ainda nesta terra há gente boa e amigos que te não deixariam morrer de fome e nós cá estamos para apontar os falsos e traidores”.

No nº 16 do mencionado jornal, publicado a 22 de outubro de 1926, Manuel de Medeiros Cabral apela à participação dos operários nas suas associações para melhor lutarem pelos seus direitos. No seu texto, a dado passo podemos ler o seguinte:

“Uni-vos para sacudir as aves de rapina que vos bicam.
Uni-vos para livrarmo-nos da maldita ganância que nos explora, e que, à sombra das lágrimas dos que trabalham, amontoam-se imensas fortunas.

Unimo-nos, para o progresso da nossa vida e preparar a educação dos nossos filhos…São os novos dirigentes do mundo, porque as escolas são o primeiro factor da vida, e com um povo analfabeto, que é o que o explorador e o açambarcador gosta, nada se poderá fazer…”


Teófilo Braga
(Correio dos Açores 31780, 27 de novembro de 2019, p. 14)

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Manuel Medeiros Cabral (1)



Manuel Medeiros Cabral (1)

Manuel de Medeiros Cabral, natural da freguesia de São José, concelho de Ponta Delgada, nasceu a 19 de fevereiro de 1884 e faleceu a 22 de junho de 1956.

Profissionalmente, Manuel de Medeiros Cabral terá começado por ser carpinteiro/marceneiro e mais tarde teve uma oficina de carpintaria e uma agência funerária. Sobre a profissão de Manuel Cabral, um documento de identificação datado de 1979 refere que foi “industrial de carpintaria e agente funerário”.

Manuel Cabral residiu na Rua da Vila Nova de Baixo, nº 13, e possuía a Agência Funerária localizada na rua Manuel da Ponte, no prédio pertencente a Alice Moderno, mesmo ao lado do escritório daquela escritora, mulher de negócios e protetora dos animais.

Durante algum tempo, a Agência Funerária localizou-se na Travessa de Santa Bárbara e a oficina de carpintaria na rua Manuel da Ponte, nº 38. Antes de se estabelecer por conta própria Manuel de Medeiros Cabral chegou a prestar serviços de marcenaria, nomeadamente a restaurar imagens, a um senhor Manuel António que foi o primeiro preparador do Museu Carlos Machado.

O nome de Manuel Medeiros Cabral está associado à história da Banda “Rival da Musas, filarmónica fundada em Ponta Delgada, em 1871. Joaquim Maria Cabral no seu livro “Filarmónicas da Ilha de São Miguel” refere-se à sua dedicação à banda de música do seguinte modo:

“…Por entre muitas dificuldades assegurou-lhe a existência o recém-falecido proprietário duma Agência Funerária, sr. Manuel de Medeiros Cabral.
Incontestáveis foram, todavia, os seus esforços abnegados para reconduzir a “Rival das Musas” ao seu antigo prestígio!
Não os viu, porém, frutificados!... Consta mesmo, no público, que os seus dias se abreviaram com os desgostos que ela lhe causou!...”
Manuel Medeiros Cabral foi um dos subscritores dos estatutos da Associação de Classe dos Operários Tipógrafos e Artes Correlativas de Ponta Delgada, criada em 1912. Foi relator dos Estatutos, outro dirigente operário micaelense, Francisco Soares Silva que na altura era diretor do jornal “Vida Nova” e que em 1911 presidia à Federação Operária.

De acordo com os seus estatutos, Associação de Classe dos Operários Tipógrafos e Artes Correlativas de Ponta Delgada tinha por fins o estudo e a defesa dos interesses económicos e comuns dos seus associados, através da criação de escolas e gabinetes de leitura, da promoção de conferências e outras reuniões educativas e da instrução profissional dos seus membros.

Em 1922, Manuel Medeiros Cabral e Francisco Soares Silva voltaram a estar juntos na criação de outra organização, a Associação de Classe dos Operários e Artes Correlativas de Ponta Delgada., curiosamente com os mesmos fins.

Em 1926, Manuel Medeiros Cabral continuava ligado ao associativismo operário, sendo presidente das Associações das Classes Operárias e a 15 de março daquele ano passa a figurar como administrador do jornal “O Estandarte” que era o órgão dos obreiros micaelenses. Este jornal que começou a ser publicado a 1 de março de 1926, com sede na Federação Operária, na 2ª Travessa dos Mártires da Pátria, 13-D, terá durado até 31 de maio de 1927, desconhecendo-se as razões do seu fim: dificuldades financeiras ou outras dos seus promotores ou mandado encerrar pela ditadura militar?

Tendo em conta a orientação do jornal que nas suas páginas transcrevia textos do jornal “A Batalha”, ligado à CGT- Confederação Geral do Trabalho, de orientação anarquista, e o facto do mesmo ter sido encerrado pela ditadura militar no dia 26 de maio de 1927, tudo leva a crer que “O Estandarte” terá tido a mesma sorte, já que o último número a que tivemos acesso, o 31, é de 31 de maio daquele ano.

No próximo número daremos a conhecer um pouco mais da vida de Manuel Medeiros Cabral, nomeadamente a sua intervenção no “Estandarte”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31774, 20 de novembro de 2019, p.14)

domingo, 17 de novembro de 2019

Chã da Alegria

40 anos depois voltei à Chã da Alegria, onde ia com meu avô Manuel Soares ajudá-lo a dar água aos gueixos. O meu agradecimento a João Manuel Carreiro Oliveira.

16 de novembro de 2019

Teófilo Braga

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Manhãs de Páscoa




Manhãs de Páscoa

Numa conhecida rede social tenho vindo a divulgar algumas espécies existentes nos Açores, dando a conhecer o seu nome científico, o nome comum, a origem, a família e o local onde podem ser encontradas.

Uma das espécies que mais despertou a atenção dos leitores foi a Euphobia pulcherrima, a qual apresenta, entre outros, o nome comum de Manhãs de Páscoa. A maioria estranhou aquela designação, pois floresce por altura do Natal (neste momento está em flor) e houve um que disse que a conhecia pelo nome de Repúblicas.

Neste texto, para além de tentar esclarecer a questão dos nomes comuns, que variam de terra para terra e que são atribuídos pelas mais diversas razões, darei a conhecer um pouco mais a espécie referida que é oriunda do México.

O roubo de plantas da espécie mencionada dos Jardins de Ponta Delgada, monstra que o vandalismo continua a ser prática corrente na nossa ilha, e prova que a planta tem interesse económico, pois quem o faz, fá-lo porque quer embelezar a sua casa sem gastar dinheiro ou para ganhar dinheiro fácil, através da sua venda.

Não tendo dados sobre a importância económica da espécie nos Açores, menciono, abaixo, a informação recolhida num artigo publicado na “Revista Mexicana de Biodiversidad”, em junho de 2015. De acordo com os autores do artigo citado, a espécie é uma das plantas ornamentais de maior importância económica em todo o mundo, superando as suas vendas anuais os 100 milhões de dólares, nos Estados Unidos da América.

Não conhecemos qualquer utilização, nos Açores, da Euphobia pulcherrima para além da ornamental, mas há bibliografia que menciona diversos usos medicinais sobretudo relacionados com doenças de pele. Por outro lado, o livro Segredos e Virtudes das Plantas Medicinais, inclui a espécie na lista de plantas ornamentais exóticas, tóxicas ou alergizantes.

Luís Franquinho e António da Costa, no seu livro “Madeira Plantas e Flores”, apresentam três nomes comuns para a Euphobia pulcherrima: Manhãs de Páscoa, Poinsétia e Eufórbia Cardeal. Raimundo Quintal, na lista de plantas do Jardim José do Canto, por seu turno, apresenta os seguintes nomes comuns: Poinsétia e Estrela-de-Natal. Ainda sobre os nomes comuns da espécie que vimnos referindo, a página Web “Paisagismo Digital”, apresenta os seguintes: Estrella-federal, Pascuero, Poinsetia , Flor-de-pascua , Flor-de-nadal, Pascuero , Árvore-república , Poisetia , Flores-de-páscoa , Manhãs-de-páscoa , Folha-de-sangue , Flor-de-páscoa , Poinsétia e Bico-de-papagaio .

Os nomes comuns dados nos Açores à espécie são, pelo menos tudo leva a crer, importados. Por razões de economia de espaço e tempo, e por alguns nos parecerem óbvios, apresentamos a seguir uma explicação ou uma tentativa de explicação para dois deles.

O nome Manhãs de Páscoa poderá ser devido ao facto de, em Espanha, “Felices Pascuas!” ser uma “forma tradicional de felicitar la Navidad” e o de Poinsétia é uma forma de homenagear o médico, botânico e estadista dos Estados Unidos da América, Joel Roberts Poinsett (1779 - 1851).

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 319768, 13 de novembro de 2019, p. 14)

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

A HORTA NAS ESCOLAS


A HORTA NAS ESCOLAS

Horta como o lugar
onde crescem as
coisas que, no
momento próprio,
viram saladas,
refogados´, sopas e suflés.
Também isso. Mas não só.
Gosto dela, mesmo
que não tenha nada
para colher.
Ou melhor: há sempre
o que colher, só que
não para comer.
(Rubem Alves, em “O quarto do Mistério”)

Durante algum tempo, e pensamos que ainda hoje, a agricultura, não incluo a pecuária, foi e continua a ser desvalorizada por quem acha(va) que aos Açores o que interessava era aumentar o sector terciário, pois era possível obter os alimentos do exterior a preço mais baixo do que os produzidos cá.

A Escola Secundária das Laranjeiras, bem como outras, que chegou a ter no currículo disciplinas que serviam para a formação dos futuros engenheiros agrónomos e afins, foi forçada, pela legislação nacional a que a Região não se opôs, a acabar com elas.

O ensino da agricultura não despareceu por completo, tendo ficado destinado a alunos fora do ensino chamado regular: com necessidades educativas especiais, dos cursos do PROFIJ e outros.

Nos últimos tempos, parece que a situação está a ser ligeiramente alterada, pelo menos em termos da criação de hortas escolares, infelizmente apenas para alunos problemáticos e ou não integrados nas turmas do ensino regular. Além disso, não se sabe se as escolas que já possuem hortas estão a tirar o máximo proveito da sua existência, isto é, desconhece-se se as hortas se destinam apenas a “entreter” as criancinhas ou adolescentes que não são capazes de estar 45 min numa sala de aula (por vezes também não fazem nada nas hortas) e se, para além da função de “guarda”, se limitam à produção de alimentos, não sendo usadas e trabalhadas em todo o processo pedagógico.

Dadas as potencialidades das hortas ou em terrenos adjacentes ou próximos daquelas, o maior número possível de escolas deveria ter como prioritário nos seus projetos educativos a sua criação e manutenção, ao invés de estarem agarradas a programas que na maioria das vezes não passam de mera cosmética, como o é o programa Ecoescolas (ou a sua concretização), tão acarinhado pelas nossas autarquias especialistas em “greenwashing” (“esverdeamento”, branqueamento ou encobrimento).

Através das hortas escolares há um sem número de atividades que podem ser implementadas não só pelos docentes das disciplinas que as usam como “sala de aula”, mas também por todos os outros. Não pretendendo esgotar o assunto, abaixo indica-se alguns exemplos de como a horta poderá ser usada com fins pedagógicos.
Para além dos alunos ficarem a conhecer as diversas plantas e as suas possíveis utilizações, na alimentação, na medicina tradicional, para fins ornamentais, etc., com os produtos recolhidos é possível tornar mais motivadora o ensino da culinária e da educação alimentar, podendo o uso daqueles incentivar o seu consumo por parte de crianças e adolescentes empenhados no seu cultivo.
As hortas escolares também devem ser utilizadas para o ensino de uma agricultura mais respeitadora do ambiente e para o ensino da gestão correta de resíduos, nomeadamente os orgânicos que deverão ser usados em primeiro lugar e sempre que possível na compostagem doméstica.
A questão das relações entre a cidade e o campo, o consumo de energia nos transportes de adubos e dos próprios produtos da terra, como hortaliças, frutas, etc. que são importados ou as alterações climáticas são temas que também não deverão ser esquecidos.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31972, 6 de novembro de 2019, p.14)