sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Metrosíderos em São Miguel

 



Metrosíderos em São Miguel

 

De nome comum metrosídero ou árvore-de-fogo, a árvore mais emblemática do Campo de São Francisco, em Ponta Delgada, é um Metrosíderos excelsa Sol. ex Gaertn., espécie originária da Nova Zelândia que no local de origem é conhecida por (New Zeland) Christmas Tree.

 

O metrosídero da espécie mencionada, que pode atingir, em média, 20 metros de altura e possuir copas com mais de 30 metros de diâmetro, floresce entre nós nos meses de maio, junho e julho.

 

O metrosídero do Campo de São Francisco, que terá sido plantado por volta de 1870, tendo uma idade aproximada de 150 anos, foi incluído por António Emiliano Costa no início da década de 50 do século passado numa lista de árvores notáveis de São Miguel, publicada no Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores.

 

A 28 de maio de 1965, o metrosídero que vimos referindo foi a primeira árvore a ser classificada nos Açores como sendo de interesse público.

 

O Metrosideros excelsa Sol. ex Gaertn., que nos Açores apenas não existe nas ilhas de Santa Maria e São Jorge, é usado sobretudo com fins ornamentais, em jardins, parques e arruamentos, também tem sido utilizado como sebe viva.

 

Para além do exemplar já referido, talvez menos conhecido do público devido à sua localização, no Jardim do Palácio de Santana, criado em 1851, por José Jácome Correia, existe um de porte notável que possui uma idade aproximada de 170 anos e tem uma altura de 24 metros e uma copa com 37 metros de diâmetro.

 

De acordo declarações do Eng. José António Pacheco, publicadas no suplemento “Fugas” do Jornal Público, no passado dia 20 de março de 2021, o metrosídero do Jardim do Palácio de Santana, para além da sua beleza, está associado a muitos casamentos que ocorrem na ilha de São Miguel. Segundo ele, “quase todos os noivos tiram as fotografas debaixo do metrosídero. Parece quase uma catedral, tem essa mística associada às árvores e as árvores por si estão associadas à ideia de família”.

 

Também é digno de registo o exemplar de Metrosideros excelsa Sol. ex Gaertn. existente no Jardim António Borges, que foi criado por António Borges da Câmara Medeiros em 1858.

 

O agrónomo e arquiteto paisagista António Saraiva, no seu livro “As árvores na cidade”, publicado em 2020, considera que podendo a espécie referida “atingir grande desenvolvimento, e que possui forte sistema radicular, deve-se evitar plantá-la junto a edifícios ou tubos de drenagem”. O mesmo autor, também considera que a espécie não deve ser usada como árvore de arruamento por ter rebentação a baixa altura.

 

Embora para alguns autores, como Virgílio Vieira, Mónica Moura e Luís Silva, o Metrosideros excelsa Sol. ex Gaertn. já seja considerado uma espécie invasora em encostas rochosas, o Decreto Legislativo Regional nº 15/2012/A (Regime jurídico da conservação da natureza e da proteção da biodiversidade) ainda inclui a espécie, tal como a robusta, na lista das espécies exóticas com interesse para a arborização.

 

Na ilha de São Miguel, para além da espécie referida há outras espécies ou variedades, como o Metrosíderos collina (J.R. Forst. & G. Forst.) A. Gray ‘Tahiti’, existente no Parque Terra Nostra, o Metrosideros excelsa Sol. ex Gaertn.’Variegata’, que existe em São Vicente Ferreira e o Metrosideros umbellata Cav. que pode ser encontrado no Jardim do Palácio de Santana, no Jardim da Universidade dos Açores, no Jardim Botânico José do Canto, no Parque Terra Nostra e no Centro Experimental das Furnas, o Metrosideros robusta A. Cunn que pode ser visto no Parque Terra Nostra e o no mesmo parque também pode ser encontrado o Metrosideros kermadecensis W.R.B.Oliv..

 

Raimundo Quintal, no texto “Árvores monumentais nos jardins, parques e matas de São Miguel-Proposta de classificação”, publicado em 2019, defende a classificação de um exemplar do Metrosideros robusta A. Cunn existente no Parque Terra Nostra e que seja mantida a classificação do Metrosíderos excelsa Sol. ex Gaertn. exustente no Campo de São Francisco e que sejam classificados um exemplar da mesma espécie existente no Jardim António Borges e dois existentes no Jardim do Palácio de Santana.

(Correio dos Açores, 32621, 31 de dezembro de 2021, p.19)

sábado, 25 de dezembro de 2021

O Bode da Domingos Rebelo

 






Não ao uso de caprinos como animais de tiro

 

Se concordar, envie o texto abaixo ou outro original à Presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária Domingos Rebelo (Ponta Delgada, Açores)

 

Para: cees.domingosrebelo@azores.gov.pt

Cc: abae@abae.pt, dre.info@azores.gov.pt, acoresmelhores@gmail.com

 

Exma Senhora

Presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária Domingos Rebelo

 

Tomámos conhecimento de que um caprino andou (anda) a puxar um suposto trenó no Vosso estabelecimento de ensino.

Numa altura em que em quase todo o mundo, para respeitar os direitos dos animais, se está a substituir a tração animal pela tração motorizada, não se compreende como uma escola que ostenta a Bandeira Verde esteja a reintroduzir aquela prática obsoleta.

Mais de 100 anos depois de Alice Moderno, uma das fundadoras e principal dirigente da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, combater e condenar o uso de bodes/cabras e carneiros/ovelhas como animais de tiro apelamos a V. Exa para que não volte a permitir que o seu estabelecimento de ensino esteja conotado com a deseducação e com o desrespeito pelos animais.

 

Com os melhores cumprimentos

 

(Nome)

 

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Arvoredo de Interesse Público na Região Autónoma dos Açores

 


 

Arvoredo de Interesse Público na Região Autónoma dos Açores

 

No passado dia 20 de dezembro, fui ouvido pela Comissão Especializada Permanente de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CAPADS) acerca do Projeto de Decreto Legislativo Regional n.º 37/XII– “Regime jurídico da classificação de arvoredo de interesse público na Região Autónoma dos Açores”, apresentado pelo PS-Partido Socialista e do Projeto de Decreto Legislativo Regional n.º 38/XII– “Regime Jurídico de Classificação do Arvoredo de Interesse Público na Região Autónoma dos Açores”, apresentado pelo PSD-Partido Social Democrata, pelo CDS-PP-Centro Democrático Social, pelo PPM-Partido Popular Monárquico e pelo PAN- Partido Pessoas-Animais-Natureza.

 

Os projetos referidos surgem na sequência da petição “Pela Classificação de árvores notáveis nos Açores” que, depois de lançada a 21 de março de 2019, viu o relatório da Comissão que o analisou ser debatido em Plenário da ALRA a 12 de dezembro do mesmo ano.

 

Numa análise global, verifica-se que não há diferenças de fundo entre os dois projetos pelo que defendi que os mesmos deveriam aprovados, depois de serem fundidos num só. Esta solução já havia sido acordada pelos partidos envolvidos no assunto.

 

No que diz respeito às definições de alguns conceitos enquanto que o segundo apresenta 7, o primeiro fica-se pelas 5, apresentando a definição de “arvoredo” mais completa.

 

Apreciei o conjunto de princípios que são apresentados no segundo projeto. Destaco os seguintes:

- A valoração de material vegetal é observada com recurso ao método Norma Granada.

- Os tratamentos fitossanitários e as demais operações e intervenções a realizar no arvoredo classificado ou em vias de classificação são executadas por técnicos com formação certificada em arboricultura.

- Não é permitida a afixação de placas ou sinais no arvoredo classificado ou em vias de classificação.

 

Relativamente aos critérios gerais de classificação do arvoredo, enquanto que o primeiro projeto transcreve os que existem a nível nacional, o segundo faz algumas alterações que para mim poderão ser confusas ou mesmo repetitivas. Assim, qual a diferença entre idade e longevidade ou entre porte e dados dendrométricos?

 

Sobre esta última questão na legislação nacional o Critério Geral do Porte é apreciado pelo Parâmetro Monumentalidade corresponde a exemplares que apresentam grandes dimensões, no contexto da sua espécie, nos subparâmetros dendrométricos:  altura total (AT), perímetro do tronco na base (PB), perímetro do tronco à altura do peito (PAP) e diâmetro médio da copa (DMC).

 

As grandes diferenças apresentadas são em relação à classificação/desclassificação do arvoredo. Assim, enquanto no primeiro projeto são os responsáveis pelos departamentos governamentais com competência em matéria de ambiente e florestas quem classifica, na segunda a responsabilidade é atribuída à Direção Regional do Ambiente e das Alterações Climáticas em conjunto com a Direção Regional da Cultura. No que diz respeito à desclassificação para o primeiro projeto são as mesmas entidades, no segundo a competência é atribuída apenas à Direção Regional do Ambiente.

 

No que diz respeito ao assunto referido no período anterior, a minha opinião é a de que a competência para classificar ou desclassificar deverá ser atribuída aos departamentos governamentais com competência em matéria de ambiente e florestas, sendo sempre auscultado o departamento governamental com competência em matéria de cultura sempre que o ou os critérios para classificação ou desclassificação disserem respeito a parâmetros culturais.

 

Outra diferença entre as duas propostas diz respeito às contraordenações. Assim, os valores apresentados no segundo projeto são a metade dos propostos no primeiro. Não vou tomar partido por nenhum, mas espero que os montantes que vieram a ser aprovados sejam tais que façam com que o “crime” não compense.

 

Faço votos para que a legislação seja aprovada o mais depressa possível e que, dentro dos prazos estabelecidos se proceda à revisão das classificações anteriormente realizadas e se procedam a novas classificações.

 

(Correio dos Açores, 32614, 22 de dezembro de 2021, p.12)

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Plantas de todo o mundo no Parque da lUSAlândia

 


Plantas de todo o mundo no Parque da lUSAlândia

O Parque da lUSAlândia é um pequeno espaço verde localizado nas instalações da Casa do Povo do Pico da Pedra que deve o seu nome ao escritor Onésimo Teotónio Almeida que criou a palavra para homenagear a diáspora da Nova Inglaterra.

Antes de abordar o tema, quero fazer uma recomendação e recordar uma tentativa falhada de criar, na área referida, um Jardim de Flora Indígena dos Açores com um espaço dedicado a plantas ameaçadas em todo o mundo.

Por já ter lido há muitos anos, mas por considerar que não perderam atualidade, sugiro a leitura de dois livros do autor mencionado: “Da Vida Quotidiana Na lUSAlândia”, editado, em 1975, em Coimbra pela Atlântica Editora e “Ah! Mònin dum Corisco!...”, publicado em 1978 pelas Edições Gávea-Brown.

Surgido em Janeiro de 1987 e inaugurado em Junho de 1988, foi criado, por iniciativa dos Amigos dos Açores, “com o objetivo de salvaguardar algumas espécies da flora indígena dos Açores e servir de instrumento de formação e informação para todos os que se dignem visitá-lo” o Jardim de Flora Indígena dos Açores que chegou a possuir 12 plantas nativas do nosso arquipélago e recebeu uma coleção de espécies exóticas ameaçadas de extinção em todo o mundo, enviadas pelo Dr. Peter Jackson, investigador do Botanic Gardens Conservation Secretariat.

 

A experiência falou por na altura não haver uma pessoa dedicada à manutenção do espaço e porque devido ao excesso de zelo, as plantas vindas de Londres terem ficado demasiado tempo na Alfândega, pelo que quando foram plantadas estavam em tão mau estado que já se previa que não sobrevivessem, o que veio a acontecer.

 

Hoje, quem visitar o local poderá ver duas das plantas do referido jardim, o dragoeiro e o vinhático.

 

O dragoeiro (Dracaena draco (L.) L. subsp. draco), árvore da família Asparagaceae que é originária da Macaronésia (Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde), que se encontra sobretudo a baixas altitudes, normalmente abaixo dos 200 m.

 

O dragoeiro é uma árvore de folhas persistentes que pode atingir 15 metros de altura, com folhas lanceoladas agrupadas nas extremidades dos ramos. As suas flores, que aparecem entre junho e agosto, estão dispostas em panículas de cor branca e os frutos são drupas, globosas e amarelas.

 

O vinhático (Persea indica Spreng.), o mogno das ilhas, existe em todas as ilhas dos Açores e é uma espécie endémica da Madeira e das Canárias. Medindo até 20 m de altura, a sua floração ocorre de agosto a novembro.

 

A araucária existente no Parque da lUSAlândia, tal como a esmagadora maioria das araucárias presentes na ilha de São Miguel, é a Araucaria heterophylla (Salisb) Franco. oriunda da ilha de Norfolk, podendo ser encontrada em todas as ilhas dos Açores, exceto no Corvo. Com uma altura que pode atingir os 60 m, floresce nos meses de fevereiro e março.

 

O metrosídero (Metrosideros excelsa Sol. ex Gaertn.), por sua vez veio da Nova Zelândia. Podendo atingir 20 m de altura, a sua floração ocorre nos meses de maio, junho e julho. Apesar de muito bonita e muito útil como ornamental e como abrigo, entre nós é considerada uma espécie invasora.

 

Da América do Sul (Brasil, Argentina e Uruguai), encontra-se a bonita palmeira-da-geleia (Butia capitata (Mart.) Becc.), que está em flor nos meses de maio e junho e cujos frutos são muito apreciados.

 

Da América do Norte (Este dos EUA e Sudoeste do Canadá) existe o Carvalho-dos-pântanos (Quercus palustris Münchh.) que floresce nos meses de março e abril.

 

A estrelícia (Strelitzia reginae Banks), originária da África do Sul, que foi introduzida na europa há 200 anos, é uma bonita ornamental que está em floração todo o ano.

 

Por último, endémico dos Açores, pode ser observado o azevinho (Ilex azorica Loes.) que é um arbusto ou pequena árvore que pode atingir os 7 me de altura e que existe em todas as ilhas. Floresce nos meses de março, abril e maio.

 

13 de novembro de 2021

Teófilo Braga

(Voz Popular, nº 198, dezembro de 2021)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

A propósito de escravos nos Açores

 

A propósito de escravos nos Açores

 

Com muita curiosidade e atenção assisti à gravação do 7º Encontro com História, promovido pela Históriasábias-Associação Cultural, sobre a “Escravatura nos Açores (séculos XV-XIX).

 

O tema da escravatura nos Açores ou mesmo no todo nacional, não é ou não foi devidamente tratado nas nossas escolas. Ao longo de 11 anos de escolaridade, primária, segundo ciclo, terceiro ciclo e ensino secundário, nunca ouvi falar no assunto.

 

O meu interesse recente pelo tema deve-se ao facto de, como professor da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, os Direitos Humanos serem um dos domínios a desenvolver no 9º ano de escolaridade.

 

A história não pode ser apagada, nem julgada com os olhos de hoje, tanto mais que a escravatura continua existindo, havendo nos nossos dias mais pessoas em situação de escravidão do que no passado. De acordo com a associação ACEGIS-Associação para a Cidadania, Empreendedorismo, Género e Inovação Social, no mundo existem 40,3 milhões de pessoas vítimas da escravatura moderna, sendo um quarto delas crianças.

 

Ao ouvir a Professora Doutora Margarida Vaz do Rego Machado falar sobre o testamento de Nicolau Maria Raposo do Amaral, onde este pedia que uma sua escrava fosse mantida e bem tratada pelos seus filhos nas suas enfermidades, lembrei-me que possuía alguns textos onde o assunto era abordado.

 

Num documento intitulado “Do 4º Copiador de NICOLAU MARIA RAPOSO DO AMARAL (PAI) cópia em 25 de Julho de 1782) a propósito das instalações do “Colégio que foi dos denominados Jesuítas da ilha de São Miguel”, aquele homem de negócios queixava-se de que “vem a ficar dos sobreditos 18 cubículos, 12 para acomodação da minha família”.

 

E para ele o que era a família?

Aqui fica a resposta: “minha mulher, cinco filhas, quatro filhos, uma ama, duas criadas, quatro escravas, e criados e três escravos…”

 

Numa carta datada de 20 de março de 1796, dirigida a José Inácio de Sousa Melo, a dado passo pode-se ler o seguinte:

 

“Remeto mais a V.M. uma Negra minha escrava, por nome Rosa, que se criou de pequena nesta Casa donde aprendeu todo o serviço, cuja Negra comprei a uma filha de Dionísio da Costa o Marchante, como consta da Escritura que remeto a V.M.  com a certidão da sua idade, e Procuração para que faça esta Venda, ou na Praça, ou por ajuste particular o mais breve que V.M. puder, e logo que ela chegar.

 

Esta escrava não teve vício algum até agora: mas eu a mando vender porque me consta que ela se desonestou com um escravo desta Casa de que penso vai pejada, e a não lhe acontecer esta desgraça, eu a não venderia por todo o dinheiro que, por ela me oferecessem, e seria forra por minha morte, e de minha Mulher.

 

O que eu digo a V.M. é a mesma verdade, e estimarei que ela ache uma boa Casa que a compre.

 

O seu líquido rendimento empregará V.M. na receita que peço, podendo mandar-me tudo por este Navio, ou por outro que fique a partir para esta Ilha: aliás: o remeterá V.M. em letras para Lisboa como lhe recomendo. Se V.M. quiser ficar com esta Escrava, o pode fazer por menos dez mil reis do maior preço que por ela lhe oferecerem: isto é, no caso que ela lhe agrade.”

 

Numa outra carta datada de 6 de agosto de 1785, dirigida a João Filipe da Fonseca, Nicolau Maria Raposo de Amaral (pai) volta a referir-se à escravatura na ilha de São Miguel, do seguinte modo:

 

“Sinto a notícia que V.M. me deu, que o espírito da Lei deve ser conservado nestas Ilhas para a liberdade dos Negros conduzidos da nossa América.

 

É incomparável o incómodo que aqui se padece com a falta dos Escravos: a minha casa não pode servir-se doutro modo, e visto que V.M. me diz, parece que estou na rigorosa obrigação de dar liberdade a uns poucos que me acompanharam do Brasil há 17 anos debaixo de boa fé.”

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32608, 15 de dezembro de 2021, p.14)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Quercus em São Miguel

 


Quercus em São Miguel

 

O texto que, hoje, proponho aos leitores do Correio dos Açores não é sobre uma Organização Não-Governamental de Ambiente de âmbito nacional que no passado possuiu um núcleo muito ativo na ilha de São Miguel, a Quercus, que deve o seu nome “por ser essa a designação comum em latim atribuída aos Carvalhos, às Azinheiras e aos Sobreiros, árvores características dos ecossistemas florestais mais evoluídos que cobriam o nosso país e de que restam, atualmente, apenas relíquias muito degradadas.” Não pretendendo ser exaustivo, nesta nota apenas farei referência a algumas espécies do género Quercus existentes na ilha de São Miguel e a alguns locais onde podem ser encontradas.

 

Antes de entrar propriamente no assunto, menciono duas árvores já desaparecidas que marcaram a minha infância, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo: o carvalho do senhor Arcádio Teixeira e o sobreiro da Granja.

 

O carvalho do senhor Teixeira, que era da espécie Quercus pyrenaica caiu em 1970 e não terá deixado descendentes na nossa ilha e o sobreiro (Quercus suber) da Granja, que visitei quando frequentava a escola primária, entre 1964 e 1968, desapareceu sem deixar rasto.

 

Hoje, é possível encontrar sobreiros, originários do Sul da Europa e do Norte de África, no Jardim António Borges, no Jardim José do Canto e no Parque Terra Nostra.

 

A azinheira (Quercus rotundifolia), oriunda do Sul da Península Ibérica e do Norte de África, pode ser encontrada nos espaços ajardinados da Casa de Saúde de São João de Deus, no Parque Terra Nostra, no Parque Dona Beatriz, na Mata Jardim José do Canto e no Jardim Padre Fernando Gomes.

 

O Quercus rubra, carvalho-vermelho-norte-americano, que tal como o nome comum indica é oriundo da América do Norte, pode ser visto no Jardim António Borges, no Parque Terra Nostra e no Parque Dona Beatriz do Canto.

 

O Quercus robur, carvalho-roble ou carvalho-alvarinho, é europeu e pode ser visto no Jardim José do Canto, no Jardim da Universidade dos Açores, no Jardim do Palácio de Santana, no Pinhal da Paz, no Parque Terra Nostra, no Parque Dona Beatriz do Canto e na Mata Jardim José do Canto.

 

O Quercus nigra, carvalho-aquático, que veio do Sudeste dos Estados Unidos da América, pode ser encontrado no Jardim José do Canto, na Mata Jardim José do Canto, no Jardim do Palácio de Santana, no pinhal da Paz e no Parque Terra Nostra.

 

O Quercus acutissima, que é originário do Este da Ásia (China, Japão e Coreia) pode ser visto no Jardim José do Canto.

 

O carvalho-dos-pântanos (Quercus palustris), do Este dos EUA e do Sudeste do Canadá, pode ser encontrado no Jardim da Universidade dos Açores, no Parque Terra Nostra, no Viveiro Florestal das Furnas, no Parque Beatriz do Canto e na Mata Jardim José do Canto.

 

O carvalho-salgueiro (Quercus phellos), originário dos Sul dos EUA, existe no Parque Terra Nostra.

 

O Quercus x hispanica do Sul da Europa pode ser visto no Jardim José do Canto.

 

O geógrafo Raimundo Quintal, especialista em fitogeografia, no seu texto “Árvores monumentais nos jardins, parques e matas de São Miguel- Proposta de classificação”, publicado em 2019, sugere a classificação de dois exemplares de Quercus rotundifólia, um existente na Mata Jardim José do Canto, nas Furnas, e outro no Jardim Botânico José do Canto.

 

Teófilo Braga

 

(Correio dos Açores, 32603, 8 de dezembro de 2021, p. 14)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

O professor Mário de Oliveira e a Escola Única

 


O professor Mário de Oliveira e a Escola Única

 

Para os anarquistas a educação e o ensino sempre ocuparam um lugar de relevo no seu pensamento e na sua ação com vista à implantação de uma sociedade nova, sem exploradores nem explorados.

Em Portugal, entre outros, destacaram-se Adolfo Lima (1874-1943) , bacharel em Direito, pela Universidade de Coimbra, que deixou a advocacia para se dedicar ao ensino, tendo criado e dirigido a Escola-Oficina nº 1, no Largo da Graça, em Lisboa, Mário de Oliveira, professor oficial do ensino primário, que foi colaborador pedagógico do primeiro, Deolinda Lopes Vieira (1888, ?), professora primária e infantil que também esteve ligada à Escola -Oficina nº 1 e Aurélio Quintanilha (1892-1987), professor universitário e investigador que colaborou com a Universidade Livre de Coimbra.

Mário Augusto de Oliveira e Sousa, que nasceu no dia 4 de fevereiro de 1892, em São Paio, Gouveia, e faleceu no dia 1 de janeiro de 1970, foi um militante libertário que esteve ligado ao movimento sindical, tendo sido delegado dos funcionários públicos ao Congresso Operário de 1922. Neste congresso foi aprovada por esmagadora maioria a adesão dos sindicatos portugueses à Associação Internacional dos Trabalhadores, de orientação anarcossindicalista, em detrimento da adesão à Internacional Sindical Vermelha, de orientação comunista.

Muito ativo no movimento associativo de professores, Mário de Oliveira foi um dos animadores da Associação dos Professores de Portugal, da União dos Professores de Portugal e da Liga de Ação Educativa.

Mário Oliveira foi editor da revista “Educação” e foi autor da brochura “A Escola Única-uma nova ideia pedagógico-social”. O texto é datado de 1933 e foi editado, em Lisboa, pela Papelaria Fernandes.

Entre os tópicos abordados na referida brochura, por Mário de Oliveira, destacam-se os seguintes: Definições de Escola Única; A igualdade pela gratuitidade; Abaixo os exames tradicionais; Seleção científica; A Escola Única em diversos países; O que deveria ser a Escola Única entre nós.

 

Sobre o estado da educação em Portugal, Mário de Oliveira escreveu o seguinte: “Só um patriotismo fanático, doente, pode negar os nossos 65% de analfabetos, a par dum sem número de factos que mostram claramente o atraso, a pobreza de todos os nossos recursos coletivos e fontes de valorização social”.

 

Hoje, não há dúvidas, a situação é bastante diferente, mas não nos podemos iludir com os números. Com efeito, se a taxa de analfabetismo em Portugal é de 6,77% (4,3% nos Açores e 8,1% na Madeira) o analfabetismo funcional é muito elevado, bastando para tal averiguar quantas pessoas que sendo capazes de ler não compreendem o que leem ou não conseguem efetuar operações matemáticas simples.

 

O papel da escola nas mãos dos sistemas de dominação laicos ou clericais é o de reprodução das classes sociais. Para vários anarquistas, o papel da educação só poderá ser alterado se a escola não estiver integrada num trabalho revolucionário de transformação social.

 

O professor Mário de Oliveira, na sua brochura, não reflete sobre as questões suscitadas no parágrafo anterior e acredita mesmo que os objetivos da Escola Única são os que melhor servem a nação e a humanidade. Abaixo, transcreve-se o que escreveu sobre o assunto:

A Escola Única vai buscar às diferentes classes sociais, ricas ou pobres, poderosas ou humildes, todas as aptidões reveladas, todas as inteligências sãs, todos os valores necessários e coloca-os nos lugares que lhes competirem, fortificando e tornando eficientes as suas atividades. Não atende a privilégios, a preconceitos ou favoritismos e aproveita-se das competências onde elas estiverem. E assim, não se perdem valores, nem se elevam nulidades. A Escola Única nivela a todos perante a educação e organiza o ensino sob o ponto de vista da humanidade, do bem comum, dos interesses do indivíduo e da coletividade, sem prejuízo mútuo, e pretende elevar à máxima valia as aptidões técnicas e os sentimentos de fraternidade e de solidariedade humanas.”

 

 Segundo Joaquim Pintassilgo e Maria João Mogarro, num texto, de 2003, intitulado “A ideia de escola para todos no pensamento pedagógico português”, o debate sobre o tema da Escola Única ocorreu no período que foi da transição da República para o Estado Novo, tendo contado com a participação de, entre outros, Mário de Oliveira, Adolfo Lima, Bento de Jesus Caraça e Álvaro Sampaio.

 

Mas, o que se entende por Escola Única?

 

Vejamos o que escreveram os autores citados no parágrafo anterior:

 

 A Escola Única representa, em geral (e abstraindo-nos das interpretações diversas de que é alvo) uma forma de organização da escola de modo a que ela seja acessível a todos os seus membros em igualdade de condições, segundo as suas aptidões e competências e não segundo a sua situação económica e social. A Escola Única implica a unificação do sistema de ensino até uma idade considerada adequada para o aparecimento de quaisquer especializações, designadamente as de natureza profissional.

 

Corolários lógicos serão uma gratuitidade incrementada (até que grau? - discute-se então), uma selecção assente nos méritos pessoais, o apoio aos alunos capazes, mas sem condições económicas e um sistema de orientação vocacional”

 

O que significava Escola Única para o professor Mário de Oliveira?

 

Para Mário de Oliveira, “Escola única quer significar que a escola é igual para todos, ou, por outra, que todos são iguais perante a escola e estão sujeitos a um mesmo e único ideal educativo”.

 

O conceito é clarificado quando ele cita Adolfo Lima que afirma que “A escola única é a escola prolongada ou de continuação para todas as crianças até aos 15 anos, idade em que conforme as aptidões, devidamente selecionadas, seguem para diversas carreiras, ingressando nas escolas preparatórias de tipo humanista ou de tipo cientista que lhes abrirão as portas das Escolas Técnicas Superiores”.

 

Mário de Oliveira completa o seu raciocínio ao afirmar, citando Adolfo Lima, que a “Escola Ùnica não cria distinções nem visa formar élites, nem o aristocrático e vetusto dualismo de escol e de grei. Submete todos os seres normais a um tipo único de Educação geral, conforme as qualidades comuns a todos os seres de natureza humana”

 

Numa altura em que surgem vozes a defender um quase regresso ao passado, com a defesa de escolas para elites, em que ainda se defendem e criam turmas de nível, isto é, com os bons alunos separados dos mais fracos e em que se sacralizam os exames, importa saber o que pensava Mário de Oliveira sobre os mesmos.

 

Mário de Oliveira, que defendia que a avaliação devia ser através de testes, contestou a seleção dos alunos através da realização de exames, nos seguintes termos:

 

“É bastante dizer, por agora, que os exames, entre nós, são a coisa mais vergonhosa que tem todo o nosso sistema escolar. Querendo selecionar ou apreciar o saber, não o conseguem, pois que por vezes aprovam os menos competentes e reprovam os mais habilitados. Prestam-se a toda a casta de favoritismos, fazendo andar à sua volta uma infinidade de intrigas, de suspeitas, de patifarias, de influências, que esmagam toda a honesta intenção, que neles se deseje revelar e impor. Nos exames, continuam ainda as classes mais abastadas a ter predomínio.”

 

Mário de Oliveira, não se fica pela denúncia da situação existente. Assim, ele propõe uma “seleção científica, que não é castigo, nem prémio, que não prejudica o estudante, que não permite falcatruas nem adultera ou sufoca a missão do professor.”

 

Depois de mencionar vários autores que trabalharam sobre o tema da seleção dos alunos, Mário de Oliveira exemplifica como é possível a Escola Única dispensar os exames. Abaixo, transcreve-se o que escreveu sobre as alternativas aos exames:

 

Hoje, os estudos sobre o conhecimento exato do educando prosseguem, numa senda cheia de luz e de utilidade crescentes. Por meio de inquéritos, de observações variadíssimas e fáceis, por meio dos tests e de diversos aparelhos engenhosamente construídos podem conhecer-se as aptidões físicas da cada individuo, a idade mental, o nível de conhecimentos, coeficientes de memória, de atenção, de habilidade manual, de capacidade artística, de inteligência, as características morais de temperamento, de maneira de reagir , de instinto e de muitos outros elementos que ajudam a conhecer acertadamente o indivíduo, a marcar-lhe o ensino que lhe deve ser adequado e a posição na vida ativa.”

António José da Silva Cabral, um vila-franquense pelo coração

 


António José da Silva Cabral, um vila-franquense pelo coração

 

António José da Silva Cabral nasceu nas Calhetas, concelho da Ribeira Grande, no dia 25 de abril de 1863 e faleceu, em Vila Franca do Campo, no dia 27 de outubro de 1953.

 

Chegou a Vila Franca do Campo, depois de ter concluído em Coimbra o ensino secundário e o bacharelato em Filosofia, em 1887, e em medicina, em 1891.

 

Em Vila Franca, o dr. António José da Silva Cabral foi médico municipal e da Misericórdia, entre 1892 e 1908.

 

O Dr. Augusto Botelho Simas, num discurso que proferiu em sua homenagem, referiu-se ao facto de o Dr. António da Silva Cabral em 17 anos da sua permanência em Vila Franca como médico ter dado tão boa conta dos seus encargos. Sobre os seus dotes de médico o Dr. Simas que o colocava “em lugar honroso no quadro dos higienistas portugueses” escreveu o seguinte:

 

“Quando entrava na casa do enfermo, com ele entrava a saúde, levada na face sorridente e nas duas palavras amigas que eram os melhores instrumentos duma psicoterapia involuntariamente exercida. Verdadeiro arquétipo nesta imposição de confiança, nesta chamada à fé, quando muitas esperanças estavam perdidas, quantas vezes nesse combate, que é a doença infeciosa, terá ele conseguido disciplinar defesas orgânicas, já votadas à rendição e salvado o seu doente?”

 

O mesmo Dr. Simas, no discurso que vimos referindo, publicado no volume XV, da INSULANA, relativo ao 2º semestre de 1959, recordou que “o sempre lembrado médico se tornou chefe político de supremo prestígio e servidor sem igual da sociedade em que se estabeleceu”.

 

Da sua atividade política fora do concelho de Vila Franca do Campo, no âmbito do Partido Progressista, foi eleito procurador à Junta Geral (1901) e deputado às Cortes na legislatura de 1906-07.

 

Foi devido à sua visão de futuro que Vila Franca do Campo foi uma das primeiras localidades do país a possuir iluminação pública e particular através de energia elétrica que cá chegou pelas mãos do Eng.º José Cordeiro.

 

Depois de assinado o contrato a 4 de março de 1899, a 18 de março de 1900 foi inaugurada a luz elétrica em Vila Franca do Campo que era produzida na Fábrica da Vila, localizada na Ribeira da Praia, onde foi instalado o primeiro grupo hidroelétrico dos Açores.

 

Foi no seu tempo que foram introduzidos assinaláveis melhoramentos, de que destacamos o jardim que ostenta o seu nome, o cemitério, alguns arranjos feitos no Aterro e melhorias no Largo Bento de Góis que recebeu muitas plantas oferecidas por Sebastião do Canto.

 

Por último, não poderia terminar este texto sem referir a sua paixão pelo tratamento das plantas que ainda hoje é visível através do seu jardim particular nas Hortas e no Jardim Dr. António das Silva Cabral, na freguesia de São Pedro.

 

Em relação ao jardim público, o Dr. António da Silva Cabral” justificou a sua necessidade em São Pedro por naquela freguesia não haver qualquer arborização, mas também porque servindo o jardim de distração, evita-se que principalmente a classe operária, passe os domingos nas tabernas”

 

Sobre a sua paixão pelas plantas, o Dr. Armando Cortes Rodrigues, na revista citada escreveu o seguinte: “…com quem se fixou nesta Vila a tal ponto, que nela quis vir fechar os olhos à vida na casa que tinha edificado, rodeada das árvores que plantara por suas mãos de magia, que pareciam dar vida a todas as plantas, que tocavam.”

 

Os seus conhecimentos de jardinagem e fruticultura foram transmitidos a quem com ele trabalhou, de tal modo que na Ribeira Seca de Vila Franca ainda deverá existir alguma planta enxertada devido aos seus ensinamentos.

 

(Correio dos Açores, 32598, 1 de dezembro de 2021, p.15)