A
propósito de escravos nos Açores
Com
muita curiosidade e atenção assisti à gravação do 7º Encontro com História,
promovido pela Históriasábias-Associação Cultural, sobre a “Escravatura nos
Açores (séculos XV-XIX).
O
tema da escravatura nos Açores ou mesmo no todo nacional, não é ou não foi
devidamente tratado nas nossas escolas. Ao longo de 11 anos de escolaridade,
primária, segundo ciclo, terceiro ciclo e ensino secundário, nunca ouvi falar
no assunto.
O
meu interesse recente pelo tema deve-se ao facto de, como professor da
disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, os Direitos Humanos serem um dos
domínios a desenvolver no 9º ano de escolaridade.
A
história não pode ser apagada, nem julgada com os olhos de hoje, tanto mais que
a escravatura continua existindo, havendo nos nossos dias mais pessoas em
situação de escravidão do que no passado. De acordo com a associação
ACEGIS-Associação para a Cidadania, Empreendedorismo, Género e Inovação Social,
no mundo existem 40,3 milhões de pessoas vítimas da escravatura moderna, sendo
um quarto delas crianças.
Ao
ouvir a Professora Doutora Margarida Vaz do Rego Machado falar sobre o
testamento de Nicolau Maria Raposo do Amaral, onde este pedia que uma sua
escrava fosse mantida e bem tratada pelos seus filhos nas suas enfermidades,
lembrei-me que possuía alguns textos onde o assunto era abordado.
Num
documento intitulado “Do 4º Copiador de NICOLAU MARIA RAPOSO DO AMARAL (PAI) cópia
em 25 de Julho de 1782) a propósito das instalações do “Colégio que foi dos
denominados Jesuítas da ilha de São Miguel”, aquele homem de negócios
queixava-se de que “vem a ficar dos sobreditos 18 cubículos, 12 para acomodação
da minha família”.
E
para ele o que era a família?
Aqui
fica a resposta: “minha mulher, cinco filhas, quatro filhos, uma ama, duas
criadas, quatro escravas, e criados e três escravos…”
Numa
carta datada de 20 de março de 1796, dirigida a José Inácio de Sousa Melo, a
dado passo pode-se ler o seguinte:
“Remeto
mais a V.M. uma Negra minha escrava, por nome Rosa, que se criou de pequena
nesta Casa donde aprendeu todo o serviço, cuja Negra comprei a uma filha de
Dionísio da Costa o Marchante, como consta da Escritura que remeto a V.M. com a certidão da sua idade, e Procuração
para que faça esta Venda, ou na Praça, ou por ajuste particular o mais breve
que V.M. puder, e logo que ela chegar.
Esta
escrava não teve vício algum até agora: mas eu a mando vender porque me consta
que ela se desonestou com um escravo desta Casa de que penso vai pejada, e a
não lhe acontecer esta desgraça, eu a não venderia por todo o dinheiro que, por
ela me oferecessem, e seria forra por minha morte, e de minha Mulher.
O
que eu digo a V.M. é a mesma verdade, e estimarei que ela ache uma boa Casa que
a compre.
O
seu líquido rendimento empregará V.M. na receita que peço, podendo mandar-me
tudo por este Navio, ou por outro que fique a partir para esta Ilha: aliás: o
remeterá V.M. em letras para Lisboa como lhe recomendo. Se V.M. quiser ficar
com esta Escrava, o pode fazer por menos dez mil reis do maior preço que por
ela lhe oferecerem: isto é, no caso que ela lhe agrade.”
Numa
outra carta datada de 6 de agosto de 1785, dirigida a João Filipe da Fonseca,
Nicolau Maria Raposo de Amaral (pai) volta a referir-se à escravatura na ilha
de São Miguel, do seguinte modo:
“Sinto
a notícia que V.M. me deu, que o espírito da Lei deve ser conservado nestas
Ilhas para a liberdade dos Negros conduzidos da nossa América.
É
incomparável o incómodo que aqui se padece com a falta dos Escravos: a minha
casa não pode servir-se doutro modo, e visto que V.M. me diz, parece que estou
na rigorosa obrigação de dar liberdade a uns poucos que me acompanharam do
Brasil há 17 anos debaixo de boa fé.”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32608, 15 de dezembro de 2021,
p.14)
Sem comentários:
Enviar um comentário