terça-feira, 26 de outubro de 2021

O eucalipto-limão do Jardim Dr. António da Silva Cabral

 



O eucalipto-limão do Jardim Dr. António da Silva Cabral

 

Vila Franca do Campo possui dois jardins, o Jardim Antero de Quental, o mais central que é ladeado pela Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo, pela Igreja da Misericórdia e pela Câmara Municipal, e o Jardim Dr. António da Silva Cabral, localizado na freguesia de São Pedro, em frente ao antigo Convento dos Franciscanos.

 

O Jardim Dr. António da Silva Cabral foi contruído após a expropriação do terreno onde está implantado, pela Junta Geral do Distrito, em 1901.

 

De acordo com a informação que recolhi na brochura “Jardim Dr. António da Silva Cabral”, da autoria do investigador da história local Eduardo Furtado, sobre as razões apresentadas para a construção de um jardim, na ata da sessão da Câmara Municipal, de 22 de maio de 1901, pode-se ler o seguinte:

 

“O Sr. Presidente fez várias considerações sobre a necessidade que havia de um largo ajardinado, ou jardim, na freguesia de São Pedro desta Vila, porque naquela freguesia não há arborização alguma. A construção de um jardim era conveniente não só por ser higiénico, mas também porque servindo o jardim de distração, evita-se que principalmente a classe operária, passe os domingos nas tabernas. Como existe já um largo da Junta Geral, a Câmara expropriando uma pequena parte do quintal de Ana Máxima Teixeira, obtém necessário para fazer um bom jardim que pode ser feito economicamente, empregando ali os empregados da Câmara.

 

A Câmara deliberou que se faça ali um jardim, que se exproprie o terreno pertencente à dita Ana Máxima Teixeira e encarrega o senhor Presidente [Dr. António da Silva Cabral] de dirigir os serviços de jardinagem e aformoseamento do dito Largo de S. Francisco.

 

No trabalho de Eduardo Furtado é apresentada uma lista de 23 espécies que são consideradas como as principais existentes no jardim. Curiosamente não é referido o bonito eucalipto-limão (na altura classificado como Eucalytus citriodora e agora Corymbia citriodora) talvez por ser confundido com a espécie mais comum o Eucalyptus globulus.

 

O eucalipto limão é uma árvore, pertencente à família Myrtaceae, originária da Austrália que, de acordo com informação recolhida numa página Web da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, foi introduzido em África, no Brasil, na China, nos Estados Unidos da América (Califórnia), no Hawai, na Índia e em Portugal (residualmente).

 

Desconhece-se quando e quem introduziu a espécie nos Açores, mas poderá ter sido José do Canto, pois a espécie consta do “Catálogo por ordem alfabética das espécies plantadas entre Maio de 1865 e Setembro de 1867” no Jardim José do Canto.

 

Árvore de folha persistente, o eucalipto-limão, que floresce nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro na ilha de São Miguel, pode ser encontrado no Jardim do Palácio de Santana, no Jardim da Universidade dos Açores, no Jardim do Pico Salomão, na Escola Secundária das Laranjeiras e numa quinta particular na Ribeira Nova, na freguesia da Ribeira Seca de Vila Franca do Campo.

 

Entre nós a planta é usada essencialmente com fins ornamentais, mas a sua madeira é usada na construção civil ou como combustível e as suas flores, que apresentam estames branco-amarelados, são melíferas. Além disso, a partir da planta podem ser extraídos vários óleos, um dos quais é um inseticida natural, podendo ser usado também em perfumaria.

 

Raimundo Quintal, doutorado em Geografia Física pela Universidade de Lisboa, especialista em fitogeografia, num texto intitulado “Árvores monumentais nos jardins, parques e matas de São Miguel-Proposta de classificação”, publicado em 2019, propõe que sejam classificados de interesse público dois eucaliptos-limão dos existentes em São Miguel, o do Jardim do Palácio de Santana e o do Jardim Dr. António da Silva Cabral.

 

Teófilo Braga

Correio dos Açores, 27 de outubro de 2021, p.15

terça-feira, 19 de outubro de 2021

Apontamentos sobre o movimento operário na década de 20 do século passado

 


Apontamentos sobre o movimento operário na década de 20 do século passado

Em textos anteriores, já escrevemos sobre Alfredo da Câmara, Francisco Soares Silva e Manuel de Medeiros Cabral que foram divulgadores de ideais socialistas ou dirigentes operários. No texto de hoje, damos a conhecer outros dirigentes operários que se destacaram no período referido.

 

Se na década anterior as organizações operárias foram influenciadas pelo movimento anarquista, destacando-se Francisco Soares Silva que com os seus companheiros criou o jornal “Vida Nova”, uma escola, uma associação de classe e um montepio, na década de vinte, os dirigentes são mais moderados, dando primazia ao diálogo com as demais instituições da sociedade.

 

Nesta década a iniciativa de reativar a organização operária partiu do carpinteiro Manuel Medeiros Cabral e teve como dirigente destacado o operário Francisco Canejo Botelho que possuía a sua oficina na rua dos Clérigos, em Ponta Delgada.

 

Para além de Francisco Canejo Botelho, fizeram parte da Comissão encarregada dos primeiros trabalhos e para a divulgação das ideias e projetos da associação operária João da Ponte Carvalho, mestre d’obras, Manuel de Medeiros Cabral, carpinteiro, José Salustiano, funileiro, António Soares, carpinteiro, António Pereira, serralheiro, Francisco Rodrigues, carpinteiro e José António de Medeiros, carpinteiro.

 

Numa entrevista dada ao Diário dos Açores, no dia 29 de novembro de 1920, Francisco Canejo Botelho deu a conhecer os primeiros passos da associação, os seus objetivos e a sua opinião sobre a política de salários.

 

Sobre a atividade da associação, referiu que os primeiros trabalhos foram a tomada de posse do mobiliário que pertenceu à antiga associação, o pagamento das rendas em atraso da casa onde o mesmo se encontrava e o contacto com diversas autoridades a pedir a resolução de vários assuntos relacionados com as subsistências.

Relativamente aos grandes projetos da associação, mencionou que seria a fundação de várias cooperativas, de talhos, de padaria, de sapataria, de fazendas, de mercearias, mas somente de géneros de primeira necessidade. Outro grande objetivo seria a criação de bairros operários, para colmatar as grandes carências habitacionais da altura.

 

Para fazer face ao elevado custo de vida, Francisco Canejo Botelho defendeu que o aumento dos salários não era a solução mais adequada, preferindo que os géneros de primeira necessidade fossem mais baratos. Sobre o assunto, afirmou também que não havia qualquer razão para a subida vertiginosa de alguns deles.

 

Entre as iniciativas da associação destaca-se um apelo aos agricultores e criadores de gado que também é dirigido à autoridade máxima do distrito.

 

Depois de referir que o milho, a carne e o leite eram a base da alimentação, no apelo é feita uma ameaça de aumento das tabelas salariais, apesar de terem muita pena pois “uma grande parte dos consumidores, tais como alguns empregados comerciais, burocratas de média e baixa categoria, não estão devidamente equiparados, e outra classe digna ainda de maior piedade são os inválidos e pessoas que vivem de pequenas pensões”.

 

No apelo são também denunciados os lucros fabulosos da lavoura sem razão de o serem “porque devíamos ser quase como uma família, amparando-nos uns aos outros”. São referidos os lavradores que querem deixar “grossas somas a seus filhos ou projetam excursões à Europa em primeira classe” enquanto “o trabalhador somente aspira a não ver morrer de fome os seus filhos.”

 

No mesmo apelo é solicitado “à ilustre Autoridade, que quando organizar a comissão para nomear os homens que têm de dirigir as nossas coisas públicas, lhes recomende o maior escrúpulo na escolha dessas entidades, não olhando a partidos. Não faltam elementos quer na classe civil, quer na militar, que dirigirão com acerto, economia e consciência as nossas corporações”.

 

Outras questões que preocupavam a Associação Operárias eram a escassez e o preço do açúcar, os elevados preços do peixe e até a forma brusca com que o pessoal de um talho de Ponta Delgada tratava os seus clientes.

Teófilo Braga

.(Correio dos Açores, 32563, 20 de outubro de 2021, p.15)

terça-feira, 12 de outubro de 2021

A propósito do dragoeiro da Escola Secundária Antero de Quental

 



A propósito do dragoeiro da Escola Secundária Antero de Quental

 

Tomei conhecimento da existência do dragoeiro da Escola Secundária Antero de Quental quando, em 1973, fui obrigado por lei a fazer o exame do antigo quinto ano (atual 9º ano de escolaridade) naquele estabelecimento de ensino em virtude de frequentar o Externato de Vila Franca do Campo.

 

Durante os dois anos letivos (1973-74 e 1974-75) em que fui aluno da referida escola, altura em que nas aulas de desenho livre do professor Silveira íamos para o jardim desenhar alguma plantas entre as quais o dragoeiro, depois quando lá lecionei (de 1983-84 a 1988-89) e mais tarde sempre que era convidado para dinamizar alguma sessão para alunos fui acompanhando a evolução daquela árvore notável que não percebo por que razão nunca foi alvo de qualquer classificação.

 

O Eng. Silvicultor Ernesto Goes, autor do livro “Dragoeiros dos Açores”, editado na Ribeira Chã, em 1994, por iniciativa do padre Flores, sobre o dragoeiro referido escreveu o seguinte:

“Um, no parque da Escola Secundária Antero de Quental, instalado no antigo Palácio do Barão da Fonte Bela, na cidade de Ponta Delgada, que é o maior desta ilha, tendo 4,22 m de P.A.P. (perímetro do tronco a 1,30 m do solo), 10 m de altura e 15 m de copa. Se bem que não se saiba a data da plantação deste dragoeiro, no entanto, julgamos que deveria ter sido plantado na altura da construção do antigo Paço, iniciado em 1587”.

 

O dragoeiro (Dracaena draco (L.) L. subsp. draco), árvore da família Asparagaceae que é originária da Macaronésia (Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde), que se encontra sobretudo a baixas altitudes, normalmente abaixo dos 200 m.

 

O dragoeiro é uma árvore de folhas persistentes que pode atingir 15 metros de altura, com folhas lanceoladas agrupadas nas extremidades dos ramos. As suas flores, que aparecem entre junho e agosto, estão dispostas em panículas de cor branca e os frutos são drupas, globosas e amarelas.

 

São árvores de crescimento lento e com uma grande longevidade. A propósito, Raimundo Quintal, na revista “Jardins” de setembro de 2016, escreveu que “segundo o naturalista alemão Alexander von Humboldt (1769 – 1859), o famoso dragoeiro de Orotava, em Tenerife, derrubado por um tufão em 1867, teria mais de 6000 anos. Era uma notável árvore, com 23 m de altura e uma copa com 24 m de perímetro.”

 

Os dragoeiros existentes em várias ilhas dos Açores foram, na sua esmagadora maioria plantados. Na ilha de São Miguel, para além do que vimos referindo, há, entre outros, bonitos exemplares no Jardim António Borges, no Parque Terra Nostra, no Jardim dos Fundadores da Irmandade do Hospital da Maia, no Jardim Dr. António da Silva Cabral, em Vila Franca do Campo, e no Jardim da Casa do Povo do Pico da Pedra.

 

Nos Açores, a principal utilização do dragoeiro sempre foi como planta ornamental, existindo quer em jardins quer em antigas quintas senhoriais. Contudo há referências ao uso da sua seiva incolor que ao oxidar em contacto com o ar solidifica e fica avermelhada.

 

Ernesto Goes, no livro citado, refere que “antigamente, por incisão no tronco, extraía-se uma resina de cor vermelha (sangue de draco) que era utilizada em medicina caseira, em tinturaria e também como verniz, muito procurado e cotado na Europa, para acabamento de violinos”.

 

Carreiro da Costa, numa palestra proferida no Emissor Regional dos Açores, a 29 de maio de 1964, mencionou o uso do sangue-de-drago, conhecido pelo povo como “poses de adrago”, poses de Adragão ou “torresmilho”, para estimular o apetite dos animais de criação.

 

Virgílio Vieira, Mónica Moura e Luís Silva, no livro “Flora Terrestre dos Açores”, mencionam o uso da seiva de dragoeiro como corante e em cosmética, exemplificando a sua utilização pelas senhoras da ilha das Flores para pintura das unhas.

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32557, 13 de outubro de 2021, p.15)

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Frederick Sanderson e a escola

 


Frederick Sanderson e a escola

 

Durante o meu mês de férias li muito, principalmente textos sobre as pandemias, algumas biografias e alguns artigos sobre a educação, com destaque para um trabalho de Agostinho da Silva intitulado “Sanderson e a Escola de Oundle”.

 

De nacionalidade inglesa Frederick Sanderson nasceu em 1857 e faleceu, em Londres, devido a um ataque cardíaco, em 1923, quando estava a participar numa conferência, presidida pelo escritor H.G. Wells.

 

Depois de tantas reformas e alterações ocorridas nas escolas, o pensamento de Sanderson sobre o ensino não perdeu de todo atualidade pelo que neste texto dou a conhecer algumas das suas ideias e inovações que introduziu no Colégio de Oundle que começou a dirigir com 35 anos.

 

Apesar das muitas dificuldades que teve de ultrapassar, a começar pelo facto da sua escolha não ter agradado a uma grande parte dos pais e dos alunos por entre outras razões não ser “versado nas línguas e nas literaturas clássicas” e ser um professor de Física.

 

Ele que, segundo Agostinho da Silva, nos primeiros tempos manteve a disciplina “à pancada”, pelo modo como ensinava, “indo ao encontro dos interesses íntimos dos moços”, fez com que desaparecessem todas as razões para o castigo.

 

O sucesso do seu trabalho no colégio foi tanto que pode ser medido pelo número de alunos que de início não chegava a uma centena e que pouco tampo depois passou a ser seiscentos, havendo candidatos que ficavam alguns anos à espera de serem admitidos.

 

Ele que acreditava que um professor não se podia “alhear do que há de mais vivo e de mais urgente à sua volta e que haja maneira de separar uma atitude perante a escola de uma atitude perante o mundo” foi capaz de com as suas aulas fazer nascer uma nova disciplina, “a do interesse e a do amor, não a do interesse artificial, suscitado pelos quadros de honra, nem a do amor resmungado e lamentoso do padre-capelão”.

Ele que acreditava que as escolas deviam ser instituições altruístas, que deveriam valorizar a cooperação em vez da competição entre os alunos, dava o exemplo através das suas aulas de física que eram, segundo Agostinho da Silva, as melhores do colégio.

 

Na suas aulas, segundo o autor que vimos citando, “o professor animava as lições  com experiências que nunca se tinham feito e com uma constante ligação ao mundo real; decoravam-se poucas fórmulas, mas conheciam-se aplicações industriais, as instalações fabris, as condições de trabalho; era como se tivessem aberto grandes janelas sobre o mundo e o mundo os viesse tomar num turbilhão de vida; sentiam-se ligados ao progresso e trabalhando, no que podiam, para que ele se firmasse e aumentasse”.

 

Sanderson era da opinião de que para se atingir um mundo mais perfeito o melhor “método” seria pela evolução e não a revolução que para além de ser “um desastre para vencidos e vencedores” estava associada ao grande perigo “da queda na mão dos tiranos”.

O grande senão da evolução, segundo ele, seria o de nada se fazer.

 

Ao contrário de alguns iluminados que acham que a escola é a solução para todos os problemas da sociedade, Sanderson, defendia que “a renovação da escola é a condição indispensável da renovação social; sem ela todo o esforço será estéril” e que a escola tem de estar intimamente ligada à vida, pois “ela e o mundo interpenetram-se, nunca se sabe onde uma começa e o outro acaba, toda a tentativa de separação é artificial e destrutiva”.

 

Ao contrário do que está na moda, Sanderson valorizava o trabalho cooperativo, onde era tida em consideração o contributo de cada um, dependendo das suas possibilidades. Sobre as vantagens do trabalho de grupo que é muito contestado e com razão quando é mal aplicado, Agostinho da Silva, escreveu que o mesmo implicava “a necessidade da formação de um plano de trabalhos, a discussão que se estabelece a propósito da cada contribuição, a redação de um relatório em comum, dão a todos a possibilidade de estudarem todas as faces da questão…”

 

Sanderson, que queria que o espírito de investigação que é próprio dos laboratórios das ciências físico-naturais se estendesse a todas as disciplinas, fez com que a História deixasse de ser estudada pelos manuais, mas sim através da consulta de textos de grandes historiadores e por documentos contemporâneos.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32552, 7 de outubro de 2021, p. 13)