terça-feira, 19 de outubro de 2021

Apontamentos sobre o movimento operário na década de 20 do século passado

 


Apontamentos sobre o movimento operário na década de 20 do século passado

Em textos anteriores, já escrevemos sobre Alfredo da Câmara, Francisco Soares Silva e Manuel de Medeiros Cabral que foram divulgadores de ideais socialistas ou dirigentes operários. No texto de hoje, damos a conhecer outros dirigentes operários que se destacaram no período referido.

 

Se na década anterior as organizações operárias foram influenciadas pelo movimento anarquista, destacando-se Francisco Soares Silva que com os seus companheiros criou o jornal “Vida Nova”, uma escola, uma associação de classe e um montepio, na década de vinte, os dirigentes são mais moderados, dando primazia ao diálogo com as demais instituições da sociedade.

 

Nesta década a iniciativa de reativar a organização operária partiu do carpinteiro Manuel Medeiros Cabral e teve como dirigente destacado o operário Francisco Canejo Botelho que possuía a sua oficina na rua dos Clérigos, em Ponta Delgada.

 

Para além de Francisco Canejo Botelho, fizeram parte da Comissão encarregada dos primeiros trabalhos e para a divulgação das ideias e projetos da associação operária João da Ponte Carvalho, mestre d’obras, Manuel de Medeiros Cabral, carpinteiro, José Salustiano, funileiro, António Soares, carpinteiro, António Pereira, serralheiro, Francisco Rodrigues, carpinteiro e José António de Medeiros, carpinteiro.

 

Numa entrevista dada ao Diário dos Açores, no dia 29 de novembro de 1920, Francisco Canejo Botelho deu a conhecer os primeiros passos da associação, os seus objetivos e a sua opinião sobre a política de salários.

 

Sobre a atividade da associação, referiu que os primeiros trabalhos foram a tomada de posse do mobiliário que pertenceu à antiga associação, o pagamento das rendas em atraso da casa onde o mesmo se encontrava e o contacto com diversas autoridades a pedir a resolução de vários assuntos relacionados com as subsistências.

Relativamente aos grandes projetos da associação, mencionou que seria a fundação de várias cooperativas, de talhos, de padaria, de sapataria, de fazendas, de mercearias, mas somente de géneros de primeira necessidade. Outro grande objetivo seria a criação de bairros operários, para colmatar as grandes carências habitacionais da altura.

 

Para fazer face ao elevado custo de vida, Francisco Canejo Botelho defendeu que o aumento dos salários não era a solução mais adequada, preferindo que os géneros de primeira necessidade fossem mais baratos. Sobre o assunto, afirmou também que não havia qualquer razão para a subida vertiginosa de alguns deles.

 

Entre as iniciativas da associação destaca-se um apelo aos agricultores e criadores de gado que também é dirigido à autoridade máxima do distrito.

 

Depois de referir que o milho, a carne e o leite eram a base da alimentação, no apelo é feita uma ameaça de aumento das tabelas salariais, apesar de terem muita pena pois “uma grande parte dos consumidores, tais como alguns empregados comerciais, burocratas de média e baixa categoria, não estão devidamente equiparados, e outra classe digna ainda de maior piedade são os inválidos e pessoas que vivem de pequenas pensões”.

 

No apelo são também denunciados os lucros fabulosos da lavoura sem razão de o serem “porque devíamos ser quase como uma família, amparando-nos uns aos outros”. São referidos os lavradores que querem deixar “grossas somas a seus filhos ou projetam excursões à Europa em primeira classe” enquanto “o trabalhador somente aspira a não ver morrer de fome os seus filhos.”

 

No mesmo apelo é solicitado “à ilustre Autoridade, que quando organizar a comissão para nomear os homens que têm de dirigir as nossas coisas públicas, lhes recomende o maior escrúpulo na escolha dessas entidades, não olhando a partidos. Não faltam elementos quer na classe civil, quer na militar, que dirigirão com acerto, economia e consciência as nossas corporações”.

 

Outras questões que preocupavam a Associação Operárias eram a escassez e o preço do açúcar, os elevados preços do peixe e até a forma brusca com que o pessoal de um talho de Ponta Delgada tratava os seus clientes.

Teófilo Braga

.(Correio dos Açores, 32563, 20 de outubro de 2021, p.15)

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