Apontamentos sobre o movimento operário na
década de 20 do século passado
Em
textos anteriores, já escrevemos sobre Alfredo da Câmara, Francisco Soares
Silva e Manuel de Medeiros Cabral que foram divulgadores de ideais socialistas
ou dirigentes operários. No texto de hoje, damos a conhecer outros dirigentes
operários que se destacaram no período referido.
Se
na década anterior as organizações operárias foram influenciadas pelo movimento
anarquista, destacando-se Francisco Soares Silva que com os seus companheiros
criou o jornal “Vida Nova”, uma escola, uma associação de classe e um montepio,
na década de vinte, os dirigentes são mais moderados, dando primazia ao diálogo
com as demais instituições da sociedade.
Nesta
década a iniciativa de reativar a organização operária partiu do carpinteiro
Manuel Medeiros Cabral e teve como dirigente destacado o operário Francisco
Canejo Botelho que possuía a sua oficina na rua dos Clérigos, em Ponta Delgada.
Para
além de Francisco Canejo Botelho, fizeram parte da Comissão encarregada dos
primeiros trabalhos e para a divulgação das ideias e projetos da associação
operária João da Ponte Carvalho, mestre d’obras, Manuel de Medeiros Cabral,
carpinteiro, José Salustiano, funileiro, António Soares, carpinteiro, António
Pereira, serralheiro, Francisco Rodrigues, carpinteiro e José António de
Medeiros, carpinteiro.
Numa
entrevista dada ao Diário dos Açores, no dia 29 de novembro de 1920, Francisco
Canejo Botelho deu a conhecer os primeiros passos da associação, os seus
objetivos e a sua opinião sobre a política de salários.
Sobre
a atividade da associação, referiu que os primeiros trabalhos foram a tomada de
posse do mobiliário que pertenceu à antiga associação, o pagamento das rendas
em atraso da casa onde o mesmo se encontrava e o contacto com diversas
autoridades a pedir a resolução de vários assuntos relacionados com as subsistências.
Relativamente
aos grandes projetos da associação, mencionou que seria a fundação de várias
cooperativas, de talhos, de padaria, de sapataria, de fazendas, de mercearias,
mas somente de géneros de primeira necessidade. Outro grande objetivo seria a
criação de bairros operários, para colmatar as grandes carências habitacionais
da altura.
Para
fazer face ao elevado custo de vida, Francisco Canejo Botelho defendeu que o
aumento dos salários não era a solução mais adequada, preferindo que os géneros
de primeira necessidade fossem mais baratos. Sobre o assunto, afirmou também
que não havia qualquer razão para a subida vertiginosa de alguns deles.
Entre
as iniciativas da associação destaca-se um apelo aos agricultores e criadores
de gado que também é dirigido à autoridade máxima do distrito.
Depois
de referir que o milho, a carne e o leite eram a base da alimentação, no apelo
é feita uma ameaça de aumento das tabelas salariais, apesar de terem muita pena
pois “uma grande parte dos consumidores, tais como alguns empregados
comerciais, burocratas de média e baixa categoria, não estão devidamente
equiparados, e outra classe digna ainda de maior piedade são os inválidos e
pessoas que vivem de pequenas pensões”.
No
apelo são também denunciados os lucros fabulosos da lavoura sem razão de o
serem “porque devíamos ser quase como uma família, amparando-nos uns aos
outros”. São referidos os lavradores que querem deixar “grossas somas a seus
filhos ou projetam excursões à Europa em primeira classe” enquanto “o
trabalhador somente aspira a não ver morrer de fome os seus filhos.”
No
mesmo apelo é solicitado “à ilustre Autoridade, que quando organizar a comissão
para nomear os homens que têm de dirigir as nossas coisas públicas, lhes
recomende o maior escrúpulo na escolha dessas entidades, não olhando a
partidos. Não faltam elementos quer na classe civil, quer na militar, que dirigirão
com acerto, economia e consciência as nossas corporações”.
Outras
questões que preocupavam a Associação Operárias eram a escassez e o preço do açúcar,
os elevados preços do peixe e até a forma brusca com que o pessoal de um talho
de Ponta Delgada tratava os seus clientes.
Teófilo Braga
.(Correio dos Açores, 32563, 20 de outubro de 2021,
p.15)
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