quarta-feira, 31 de março de 2021

Bulhão Pato, Alice Moderno e a sua excomunhão em Vila Franca do Campo

 



Bulhão Pato, Alice Moderno e a sua excomunhão em Vila Franca do Campo

 

Raimundo António de Bulhão Pato nasceu em Bilbau, a 3 de março de 1829, e faleceu na Torre do Monte da Caparica, a 24 de agosto de 1912, na sequência do desenvolvimento de uma arteriosclerose e de uma angina de peito.

 

Filho de um pequeno proprietário com bens em Alcochete e Colares, Bulhão Pato, que fora funcionário amanuense das Obras Públicas e se reformou como segundo oficial da Direção-Geral do Comércio e Indústria, no fim da vida passou por dificuldades financeiras.

 

Por terem mais posses e por serem mecenas, José do Canto e Aires Jácome Correia custearam a publicação de algumas das suas obras. Este último, que foi o único marquês de Jácome Correia, era afilhado de Bulhão Pato e foi responsável pela impressão do tomo III, das “Memórias”.

 

Memorialista de pessoas e factos, Bulhão Pato que esteve em São Miguel por três vezes, em 1866, em 1868 e em 1886, dedicou uma parte dos seus escritos a micaelenses ilustres, como Antero de Quental, ou a pessoas que contribuíram para o engrandecimento desta ilha, como António Feliciano de Castilho.

 

Quando esteve cá em 1866, Bulhão Pato assistiu à chegada à ilha de alguns padres jesuítas, liderados por Carlos Rademaker, que vieram pôr em polvorosa a pacata sociedade micaelense. Com efeito, segundo Bulhão Pato, “ao terceiro sermão estavam completamente fanatizados homens e mulheres de três ou quatro casas principais e os conflitos domésticos começavam já a picar, pela divergência de opiniões, até entre parentes mais chegados e afectivos”.

 

Para denunciar o fanatismo, Bulhão Pato escreveu “as Cartas dos Açores” o que levantou contra ele “o ódio da piedade evangélica dos santos missionários”.

 

Estando ele a residir em Vila Franca do Campo, em casa de Sebastião do Canto, em 1868, os ânimos exaltaram-se de tal modo que foi acusado, pelo padre, por ser responsável por não chover nos seguintes termos: “desde que está aqui aquele ímpio, até os milheirais estão com as mãos para o céu a pedir chuva”.

 

Depois de se escapar para Ponta Delgada para onde foi a convite de Ernesto do Canto, Bulhão Pato foi excomungado “em missa plena!”

 

Aquando da última estada cá, em 1886, Bulhão Pato foi visitado por Alice Moderno no palacete mandado construir por José Jácome Correia.

 

Aquela poetisa, que o considerou simpático, elegante, amável, instruído e fascinador, dedicou-lhe o poema, que abaixo se transcreve, publicado no Novo Correio dos Açores, no dia 5 de dezembro de 1886:

 

Bulhão Pato

Parte! … A amplidão do céu tolda-se agora,

As flores se desfolham tristemente,

Ergue-se em nostalgia a rósea aurora,

E vacila do sol a chama ardente!

 

Parte! …Esta ilha formosa, encantadora,

Que no seio o acolheu feliz, contente;

Na convulsão terrível de quem chora,

Envolve-se n’um véu de penitente!

 

Nas piras do sofrer tudo palpita! …

O mágico poeta da – Paquita, -

O autor de formosíssimas canções,

 

Vai de júbilo encher os pátrios lares,

Mas … aqui, nesta pérola dos mares,

Deixa um vácuo fatal nos corações!

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32398, 31 de março de 2021, p.12)

quarta-feira, 24 de março de 2021

As plantas da Escola Secundária das Laranjeiras

 


Com os pés na terra (497)

As plantas da Escola Secundária das Laranjeiras

A Escola Secundária das Laranjeiras foi criada, pelo Decreto Regulamentar Regional nº 6-A/86/A, para responder ao aumento progressivo da população escolar e entrou em funcionamento no ano letivo 1986-87.

 

Com espaços exteriores ajardinados e com uma horta que ocupa uma área com cerca de dois alqueires, a Escola das Laranjeiras tem procurado tirar partido das condições excecionais que possui para formar e informar a comunidade escolar não só no que diz respeito às disciplinas mais ligadas à natureza, como a ciências naturais, a biologia, as ciências agrárias e a jardinagem, mas também para trabalhar valores como a responsabilidade, a cooperação e a autonomia, podendo inspirar mudanças de comportamentos imprescindíveis para tornar a Terra mais sustentável.

 

Ao longo dos anos, muito trabalho tem sido feito, contudo mais recentemente os docentes passaram a tirar mais partido dos espaços verdes, através da implementação de um conjunto de ações em que as árvores e as demais plantas são recursos imprescindíveis. Assim, este ano está a ser implementado no âmbito do Clube de Hortofloricultura, do Projeto Eco Escolas e por algumas turmas, como as A e B do 8º ano e H do 11º ano de escolaridade, no âmbito da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, o projeto “Adote uma Árvore”

 

O projeto “Adote uma árvore” tem como objetivos principais conhecer a importância das árvores para os ecossistemas e para a vida na Terra e colaborar no esforço de valorização dos espaços verdes da Escola. No âmbito deste projeto cada aluno seleciona uma árvore, fotografa-a em diferentes épocas do ano, faz uma pesquisa sobre a planta tendo em consideração os seguintes itens: designação científica, nome ou nomes comuns, família, origem/distribuição geográfica, algumas características do caule, das folhas, das flores e do frutos e utilização da planta. Também poderá haver o envolvimento dos alunos na criação e limpeza da caldeira da planta que escolheu.

 

Embora a inventariação não esteja concluída, não considerando as plantas cultivadas na Horta Pedagógica, o número de espécies vegetais existentes na Escola Secundária das Laranjeiras ultrapassa as seis dezenas. Não contando com as herbáceas, até ao momento já foram identificadas 35 árvores, 14 arbustos e 3 trepadeiras.

 

Com origem nos vários continentes, a maioria das plantas da Escola Secundária das Laranjeiras provém da Ásia (30%), da América (27%), da Oceânia (Austrália) (12%), da África (4%) e dos Açores há 9 espécies, o que corresponde a cerca de 17 %.

 

Das plantas dos Açores, estão presentes, o cedro-do-mato (Juniperus brevifolia), que outrora foi usado na construção de igrejas, conventos e barcos, o folhado (Viburnum treleasse), cuja madeira era usada no fabrico de alfaias agrícolas, o pau branco (Picconia azorica), usado na construção de carros, a ginjeira-do-mato (Prunus azorica), o sanguinho (Frangula azorica) e o azevinho (Ilex azorica), produtores de madeiras que eram usadas em obras de marcenaria, a urze (Erica azorica) usada em tinturaria para a obtenção do verde e no fabrico de vassouras, o louro (Laurus azorica), de cujas bagas se extraiu um óleo que foi usado na iluminação e no tratamento de feridas do gado e da sua madeira eram feitas charruas e cangas para as juntas de bois, e a faia (Morella faya), usada, ainda hoje, em sebes.

 

No que diz respeito às utilizações, as plantas presentes nos espaços exteriores da Escola e na horta são, na sua maioria ornamentais, mas há cinco que são cultivadas pelos seus frutos. São elas, a feijoa (Feijoa sellowiana), o cafezeiro (Coffea sp.), a anoneira (Annona cherimola), a goiabeira (Psidium guajava) e o abacateiro (Persea americana). Há três plantas que são bonitas ornamentais, mas que apresentam frutos comestíveis e muito apreciados, são elas o jambeiro (Syzygium jambos), a palmeira da geleia (Butia capitata) e a costela-de-adão ou banana-de-macaco (Monstera deliciosa).

 

No que diz respeito às plantas ornamentais, quase todas plantadas em 1987, destacamos pelo seu porte ou beleza das suas flores ou singularidade das suas folhas as seguintes espécies: a magnólia (Magnolia grandiflora), a América do Norte, o ginco (Ginkgo biloba), da Ásia oriental, a tipuana (Tipuana tipu), da América do Sul, o jacarandá (Jacaranda mimosifolia), da América do Sul e a bela-sombra (Phytolacca dioica), da América do Sul, o eucalipto de flor (Corymbia ficifolia) da Austrália e a acmena (Syzygium ingens) , da Austrália.

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32392, 24 de março de 2021, p.12)

segunda-feira, 22 de março de 2021

domingo, 21 de março de 2021

Lagoa do Congro

 21 anos depois, não desistimos.





quarta-feira, 17 de março de 2021

A Festa da Árvore ontem e hoje


 


A Festa da Árvore ontem e hoje

No próximo domingo, 21 de março, comemora-se o Dia da Floresta, antes Dia da Árvore.
O Dia Florestal Mundial foi estabelecido em 1971, pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), com o objetivo de sensibilizar as populações para a importância da floresta na manutenção da vida na Terra-
No ano seguinte, a 21 de março de 1972, dia que marcou o início da primavera no Hemisfério Norte o Dia Mundial da Floresta foi comemorado em Portugal e em vários países daquele hemisfério.
Mas as comemorações em defesa das árvores e das florestas não começaram no século XX. Com efeito, não recuando muito no tempo, em 1782, impulsionado por John Stirling Morton, no Estado do Nebraska, nos Estados Unidos da América, para combater a escassez de material lenhoso, foi dedicado um dia à plantação de árvores.
Em Portugal, antes de se institucionalizar o dia, a primeira Festa da Árvore terá ocorrido, por iniciativa da Liga Nacional da Instrução, associação fundada por republicanos membros da Maçonaria, como Trindade Coelho e Manuel Borges Grainha, que tinha por objetivo combater o analfabetismo. Assim, em 1907, no Seixal, cerca de 200 crianças participaram num evento onde ao som de filarmónicas e hinos por elas cantados, assistiram à plantação de duas árvores.
O historiador Joaquim Fernandes, defende que a Festa da Árvore não só pretendeu chamar a atenção para a importância de aquele ser vivo, mas teve por objetivo, por parte dos republicanos, “sobrepor-se às celebrações da Páscoa e da Ressurreição de Cristo, eixo essencial da fé de milhões de portugueses”.
Com a implantação da República, a celebração passou a integrar o calendário republicano, tendo sido a primeira Festa Nacional da Árvore, em 1913, assumida pelo periódico “O Século Agrícola”.
Ainda de acordo com Joaquim Fernandes, a festa da árvore e o seu culto foi sugerido pela primeira vez pela feminista republicana, Ana de Castro Osório; amiga das açorianas Alice Moderno e Maria Evelina de Sousa, em 1906.
No diário “A Vanguarda”, aquela educadora feminista repudiou “um crime que se havia perpetrado em Setúbal com o abate sem dó nem piedade de árvores seculares” e apelava à educação do povo através da “promoção de festas escolares com plantios de árvores, a cargo das crianças “ e apelou para que fosse criada uma “Liga da Árvore ou da Paisagem”.
Em São Miguel, quer participando nas comissões organizadores, quer discursando nos eventos ou publicando textos alusivos à efeméride na Revista Pedagógica ou no jornal “A folha” as feministas Alice Moderno e Maria Evelina de Sousa tiveram um papel de destaque.
Nos nossos dias, as comemorações do Dia da Floresta já perderam algum fulgor e não passam de atividades simbólicas, quase reduzidas a plantações de árvores em algumas escolas que acabam por morrer por falta de água no verão seguinte ou vítimas das roçadeiras.
Considero que a situação atual em termos de proteção dos nossos recursos naturais exige a tomada efetiva de medidas no sentido da proteção da flora primitiva dos Açores, nomeadamente das suas espécies endémicas, sendo uma delas o combate sem tréguas às espécies invasoras.
No que diz respeito às espécies introduzidas e que já fazem parte do nosso património é urgente a classificação de todos os exemplares e conjuntos arbóreos que pelo seu porte, raridade ou história carecem de cuidados redobrados de conservação.
Por último, para evitar os atentados quase diários às árvores, é importante que nos Açores, à semelhança do que foi aprovado na Assembleia da República, seja criada uma estratégia para o fomento do arvoredo urbano que integre “um manual de boas práticas na gestão do arvoredo em meio urbano, contendo regras adequadas aos objetivos a prosseguir” que inclua “requisitos funcionais, operacionais, ambientais e paisagísticos para as intervenções de plantio, poda, limpeza e manutenção, abate e transplante de árvores em meio urbano e nos espaços públicos”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32386, 17 de março de 2921, p.12)
Imagem- Festa da Árvore no Jardim José do Canto em 2017. Açores Magazine.

terça-feira, 16 de março de 2021

quarta-feira, 10 de março de 2021

Ernesto do Canto, as plantas e a agricultura

 


Com os pés na terra (495)

Ernesto do Canto, as plantas e a agricultura

 

Antes de abordarmos o tema que escolhemos para hoje, fazemos uma breve referência à participação política de Ernesto do Canto como vereador da Câmara Municipal de Ponta Delgada, nomeadamente quanto à sua preocupação com os espaços verdes e a arborização das ruas.

 

Maria Teresa Tomé, no seu livro “Ernesto do Canto: os Açores na problemática da cultura do século XIX”, menciona uma proposta por ele apresentada para arborizar uma parte da Serra Devassa com o objetivo de obter lenhas, madeiras e “atrair as agoas para as nascentes” e outra relacionada com a conservação das árvores do largo de São Pedro. Além do referido, Ernesto do Canto foi o único vereador a votar contra o arranque de árvores do Campo de São Francisco solicitada pelo “Tenente Coronel Comandante de Caçadores 11”.

 

Ao contrário do seu pai e irmãos André e José, Ernesto do Canto, em virtude da sua idade, não esteve na fundação da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense em 1843. Só alguns anos depois, teve uma participação muito ativa, quer na elaboração de relatórios para aquela sociedade, quer na escrita de um opúsculo sobre a cultura do ananás.

 

Maria Teresa Tomé, no livro citado, refere que Ernesto do Canto, que foi um dos primeiros cultivadores de ananases na ilha de São Miguel, escreveu, em 1874, um opúsculo com 16 páginas onde apresentou uma proposta para o ensaio da cultura do ananás. No mesmo livro, é mencionado o contributo de Ernesto do Canto para a SPAM, através de um Relatório da Direção da Sociedade d’Agricultura Michaelense, apresentado à Assembleia Geral em 21 de janeiro de 1876”.

 

Ainda no que diz respeito à cultura do ananás, Ernesto do Canto, em abril 1874, numa palestra que proferiu pediu que os sócios da SPAM que também eram cultivadores, partilhassem as suas observações com o objetivo de se descobrirem as melhores práticas.

 

Ernesto do Canto também se interessou pelas designadas favas do mar, nome que os açorianos davam às sementes que eram trazidas pelas correntes marítimas e que chegavam anualmente ao litoral das nossas ilhas.

 

Num pequeno texto publicado no Arquivo dos Açores, Ernesto do Canto, para além de referir o conhecimento do facto pelo malacólogo Arthur Morelet, mencionou que em 1882 chegaram aso Açores sementes das seguintes espécies: Dolichos urens e Mimosa scandens. Como não se limitava ao conhecimento teórico, verificou que as sementes das duas espécies referidas germinavam, tendo conseguido que as plantas obtidas vivessem durante muitos anos numa estufa.

 

Para além do referido, Ernesto do Canto também pertenceu aos órgãos sociais da SPAM. Assim, em 1858 era vice-secretário e em 1870 foi eleito presidente da mesma.

 

A criação e a exportação de gado foram também preocupações da SPAM. Com efeito, depois da experimentação de novas culturas que seriam usadas para a alimentação do gado, como a beterraba ou o nabo, em 1879, Ernesto do Canto, José do Canto e José Maria Raposo do Amaral foram nomeados pela direção daquela sociedade para fazerem parte de uma comissão que foi encarregada de estudar uma agência para a exportação de gado.

 

O nome de Ernesto do Canto está associado à cultura do chá que, a par da cultura do ananás, terá sido um dos maiores êxitos práticos da SPAM. Com efeito, Ernesto do Canto, foi um dos membros de uma comissão daquela associação, presidida por Caetano d’Andrade Albuquerque, nomeada para estudar a viabilidade da cultura e comercialização do chá em S. Miguel.

 

Ernesto do Canto também está ligado a uma tentativa de aproveitamento da resina dos pinheiros existentes em São Miguel. Assim, em 1879, numa reunião de sócios e proprietários de matas, estes quotizaram-se para o pagamento das despesas com a vinda de um resineiro continental para ensinar aos locais a extração da resina, tendo Ernesto do Canto ficado responsável por entrar com 20% das despesas, percentagem que correspondia à área de mata que possuía.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32380, 10 de março de 2021, p. 11)

domingo, 7 de março de 2021

Luta Pela Democracia Popular

 


O seu a seu dono

 

No final do ano passado foi editado, pelo Instituto Histórico da Ilha Terceira, o livro "A Violência da FLA quase tomou conta da ilha" da autoria de Carlos Enes.

 

Na página 33, o autor atribui a responsabilidade pela publicação do jornal “Luta pela Democracia Popular” ao MES- Movimento da Esquerda Socialista, o que não corresponde à verdade.

 

Apenas para repor a verdade histórica, esclareço que o referido jornal foi da responsabilidade de um grupo de jovens simpatizantes dos grupos marxistas-leninistas que mais tarde se uniram para dar origem à UDP- União Democrática Popular e ao PC(R).

 

De acordo com alguns dos seus responsáveis, o jornal depois de uma existência “legal”, foi publicado “clandestinamente” em Ponta Delgada e os últimos números foram impressos em Lisboa.

 

É no melhor pano cai a nódoa. Apesar desta “gralha” quem se interessa por melhor conhecer o passado o livro merece uma leitura.

 

Pico da Pedra, 8 de março de 2021

sábado, 6 de março de 2021

Uma árvore rara na Rua de Santana, em Ponta Delgada

 



Uma árvore rara na Rua de Santana, em Ponta Delgada

 

 

*Raimundo Quintal e Teófilo Braga

 

 

No final do mês de setembro de 2020, fomos alertados para a construção de um parque de estacionamento na Rua de Santana, em Ponta Delgada, e estivemos envolvidos num amplo movimento cívico que alertou a Senhora Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada e os cidadãos para a importância de salvaguardar o património arbóreo existente no local, com destaque para um Ulmeiro (Ulmus minor), um Jacarandá (Jacaranda mimosifolia), um Dragoeiro (Dracaena draco subsp. draco), um Salgueiro-chorão (Salix babylonica), uma Árvore-do-fogo (Brachychiton acerifolius) e um Alfinheiro (Ligustrum lucidum). Felizmente as seis árvores foram preservadas e Ponta Delgada ganhou um parque de estacionamento exemplar.

 

Desde o dia 22 de setembro, enquanto acompanhávamos as obras no referido parque de estacionamento, passámos a prestar atenção a uma espécie arbórea localizada no lado contrário e quase no cimo da referida rua, que até então não tínhamos observado na ilha de São Miguel.

 

Perante a “descoberta” colocámos duas questões:

 

- A que espécie pertence a desconhecida árvore, debruçada sobre o muro, à frente duma notável Magnólia (Magnolia grandiflora), ao lado duma vetusta Pitangueira (Eugenia uniflora), abraçando um pequeno incenseiro (Pittposporum undulatum)?

 

- Quem a terá introduzido em São Miguel e plantado no logradouro daquele velho casarão?

 

A resposta à primeira questão não foi fácil. A análise das folhas e dos frutos levou-nos a acreditar que se tratava duma árvore do género Syzygium, uma prima do Jambeiro (Syzygium jambos), da Acmena (Syzygium ingens) e do Mirtilo-chorão (Syzygium floribundum), árvores da família Myrtaceae, presentes nos grandes jardins de Ponta Delgada.

Nada mais errado! Quando na segunda quinzena de janeiro começaram a aparecer as flores, logo a primeira hipótese caiu por terra. Aquelas flores não podiam ser duma espécie da família das Mirtáceas.

 

Munidos de bastante informação referente à textura dos ramos, à forma e inserção das folhas, à morfologia das flores e às características dos frutos desde a sua formação até ao desprendimento após o processo de maturação, chegámos, após aturado trabalho de consulta de manuais e sítios na Internet referentes às floras dos diferentes continentes, à conclusão de estarmos perante uma Olinia ventosa (L.) Cufod., endémica da África do Sul onde ocorre principalmente ao longo das regiões costeiras desde a Península do Cabo até ao sul da região de KwaZulu-Natal.

 

No “FIELD GUIDE TO TREES OF SOURTHERN AFRICA” (Braam van Wyk & Piet van Wyk, 1997) encontrámos uma pormenorizada descrição da espécie, que se revelou fundamental para a identificação da árvore em causa.

 

Aquando da edição do precioso guia o género Olinia era o único da família Oliniaceae, com apenas 10 espécies de árvores e arbustos endémicos do Sul e Este de África. O género Olinia foi criado em 1799 pelo botânico sueco Carl Peter Thunberg (1743-1828) em homenagem a outro botânico sueco, Johan Hendrik Olin (1764-1824).

 

Em 2009, a família Oliniaceae foi integrada na família Penaeaceae, nativa da África do Sul, que possui 9 géneros e 29 espécies de árvores e arbustos perenifólios, com folhas coriáceas (WORLD FLORA ONLINE, A Project of the World Flora Online Consortium - http://www.worldfloraonline.org/).

 

De acordo com Palmer & Pitman (1961), citado em PlantZAfrica.com (http://pza.sanbi.org/olinia-ventosa) a Olinia ventosa, cujo nome vulgar em inglês é “hard pear” (pera dura), não frutifica regularmente, chegando a existir um interregno de 5 a 7 anos entre duas frutificações. Talvez por esta razão a árvore da Rua de Santana, que no outono – inverno de 2020-2021 produziu abundantes frutos, tenha até agora passado despercebida.

 

Atendendo a que ainda com os frutos a amadurecer já está a produzir inflorescências pouco vistosas, com flores pequenas de cinco pétalas entre o branco e o verde limão, vamos estar atentos para verificar se esta nova floração produzirá frutos. Continuaremos, também, a observar se as flores são procuradas pelas abelhas e outros insetos, e se algum pássaro come os frutos. Estas observações são importantes para compreender o comportamento da espécie fora do seu habitat. Na África do Sul a polinização é feita por insetos e os frutos são apreciados por pássaros, que dispersam as sementes. Em São Miguel só se conhece este espécime. Queremos perceber porquê!

 

Passemos à segunda questão: Quem a terá introduzido esta árvore em São Miguel e plantado no logradouro daquele velho casarão?

 

Consultadas as listas de espécies de José do Canto, de António Borges e as referidas no Jornal mensal da "Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense", “O Agricultor Micaelense”, até ao presente não encontrámos qualquer referência à espécie mencionada.

 

Não nos sendo possível afirmar quem introduziu a espécie em São Miguel, através da sua localização em terreno adjacente à casa que tem número de porta 74, tudo leva a crer que a sua chegada a São Miguel poderá ter sido da responsabilidade de alguém da família Canto.

 

Com efeito, a propriedade em questão, de acordo com Bernardo do Canto (1799-1863) já pertencia à família há talvez dois séculos. Mais recentemente, por escritura feita, em 11 de março de 1922, pelo Notário Raposo de Viveiros, a casa passou para a posse de Beatriz do Canto Machado de Faria e Maia (1927-1988), filha de António Cardoso Machado de Faria e Maia e de sua mulher Maria Ernestina do Canto, esta filha de Ernesto do Canto (1831-1900). Com o desaparecimento de Beatriz do Canto, cujo nome foi atribuído ao antigo Parque das Murtas, nas Furnas, a propriedade continua na família.

 

 

 

 

 

quarta-feira, 3 de março de 2021

Ernesto do Canto naturalista

 


Ernesto do Canto naturalista

Ernesto do Canto, filho de José Caetano Dias do Canto e Medeiros e de D.ª Francisca Vicência Botelho, nasceu nos Prestes a 12 de dezembro de 1831 e faleceu na mesma localidade a 21 de agosto de 1900.

 

Depois de estudar em São Miguel, Ernesto do Canto formou-se em Filosofia Natural, na Universidade de Coimbra, tendo concluído o curso a 25 de julho de 1856. Lá, frequentou, de acordo com Maria Teresa Tomé, “cadeiras de Anatomia e Fisiologia Vegetais, Botânica, Agricultura, Economia Rural e Tecnologia.”

 

Ernesto do Canto é mais conhecido pela sua faceta de bibliógrafo e historiador a ele se devendo, em grande parte, o Arquivo dos Açores. Neste texto, vamos dar a conhecer a sua ligação à terra e à botânica.

 

Tal como José Jácome Correia e António Borges, Ernesto do Canto rivalizou, no dizer de Emygdio da Silva “com o glorioso ancião [José do Canto] em ciência e entusiamo nas aplicações práticas de botânica”.

 

Ferdinand Fouqué, autor do livro “Viagens Geológicas aos Açores”, refere que Ernesto do Canto mandou plantar anualmente um milhão e meio de árvores. Embora possa haver algum exagero e alguma confusão, entre espécies, variedades e cultivares, de acordo com a mesma fonte, Ernesto do Canto terá ensaiado: “86 espécies de pinheiros, 28 de carvalhos, 36 de acácias, 16 de bordos, 14 de ciprestes, 5 de criptomérias, 10 de castanheiros, 8 de eucaliptos, 6 de casuarinas, etc. São no todo 800 espécies de plantas arbóreas”.

 

O interesse pelos jardins, por parte de Ernesto do Canto, traduziu-se na transformação por ele efetuada no seu prédio nos Prestes e no Vale das Murtas, hoje denominado Parque Dona Beatriz do Canto”, que possuía em copropriedade com José Jácome Correia, António Borges de Medeiros, José Maria Raposo do Amaral e António Botelho de Sampaio Arruda.

 

De acordo com Luís Arruda e Isabel Albergaria, no jardim dos Prestes “que se distinguia pela colecção de “plantas gordas” e sobretudo pela abundância de agaváceas, existiam também cicas, estrelícias, araucárias e uma palmeira das Canárias de grandes dimensões” e numa “depressão existente numa pedreira desactivada, onde um enorme filodendro trepava por uma parede, foi instalado um fetal, com exemplares arbóreos, e ainda bromeliáceas e sansevieras. No bosque, atravessado por pequenas veredas tortuosas, predominavam pinheiros e eucaliptos”.

 

O gosto pelas plantas em Ernesto do Canto não se limitava à teoria como se depreende da leitura de um extrato de uma carta dirigida ao seu irmão José do Canto, que foi citada por Maria Teresa Tomé: “…estava na minha estufa arranjando algumas coisas que não me tinham deixado fazer nos outros dias, quando a recebi e com as mãos sujas de terra é que a li…”

 

Os seus conhecimentos adquiridos em Coimbra e complementados pelas leituras que fazia e pela prática fez com que fosse contatado por várias pessoas para os mais diversos fins, como a recomendação de livros, para tirar dúvidas sobre determinadas espécies ou para apoiar visitantes que cá vinham fazer estudos.

 

Não pretendendo esgotar o assunto, refiro o caso, citado por Maria Teresa Tomé, de Francisco Ricardo Botelho que, sabendo que Ernesto do Canto era “amante da especialidade”, lhe pede “um tratado sobre a cultura de plantas de jardins...”

 

A autora referida, no seu livro “Ernesto do Canto: os Açores na problemática da cultura do século XIX”, menciona também que o médico naturalista Bruno Tavares Carreiro a ele recorre sempre que não se sente habilitado a responder, como aconteceu relativamente a umas perguntas sobre o cipreste feitas pelo botânico professor da Universidade de Coimbra, Dr. Júlio Henriques. Este mesmo Dr., Júlio Henriques a ele recorreu a pedir que apoiasse o diretor do Jardim Botânico de Missouri (EUA) que veio a São Miguel fazer estudos.

 

Para além do mencionado, Ernesto do Canto também apoiou e orientou outros naturalistas que visitaram São Miguel, como o malacólogo francês Henri Drouët, o zoólogo alemão Heinrich Simroth e o médico naturalista francês Théodore Barrois.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 32374, 3 de março de 2021, p.5)