quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

A PROPÓSITO DE UMA EXPOSIÇÃO SOBRE FRANCISCO DE ARRUDA FURTADO




A propósito de uma exposição sobre FRANCISCO De ARRUDA FURTADO

No passado dia 1 de fevereiro, tive a oportunidade de visitar uma exposição temporária sobre a vida e a obra de Francisco de Arruda Furtado que pode ser vista em Lisboa, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, até ao próximo dia 2 de agosto.

Na exposição através de cerca de uma centena de peças é dado a conhecer o trabalho científico do açoriano autodidata, Francisco de Arruda Furtado, que foi, segundo a jornalista do “Público”, Teresa Sofia Serafim, para “quem estudou o seu percurso … uma figura ímpar na ciência nacional e até internacional do seu tempo.”

Francisco de Arruda Furtado nasceu a 17 de setembro de 1854, em Ponta Delgada, e faleceu, muito novo, na Fajã de Baixo no dia 21 de junho de 1887, curiosamente no dia em que iria ser admitido na Academia Real das Ciências. A este propósito a “Persuasão” publicou, a 24 de dezembro de 1890, o seguinte: “Arruda Furtado, o ilustre naturalista, que a morte nos roubou na flor da vida, era eleito membro daquela alta corporação científica, no dia em que expirou em Ponta Delgada”.
Arruda Furtado começa a estudar no Liceu Nacional de Ponta Delgada, no ano letivo 1866/67 e termina os seus estudos no ano letivo 1869/70. Nesta época já começa a interessar-se pela observação e estudo da natureza.
Em data que se desconhece começa a trabalhar na Repartição da Fazenda distrital de Ponta Delgada, tendo, em 1876, passado a ser escriturário da Casa de José do Canto. No ano referido, começa a colaborar com o Dr. Carlos Machado na constituição de um museu de história natural no Liceu de Ponta Delgada.

Em 1881, publica “O Homem e o Macaco (Uma questão puramente local)” que foi a primeira publicação feita em Ponta Delgada de divulgação do evolucionismo. De acordo com Conceição Tavares, o texto de Arruda Furtado “agressivo e contundente” surgiu “como resposta às críticas ao darwinismo, lançadas em alguns sermões pelo Padre Rogério, cónego da Sé de Angra do Heroísmo e a alguns artigos publicados num jornal pelo padre Sena Freitas, como o autor referiu em carta enviada a José do Canto.

O envio da publicação mencionada a José do Canto, que professava a Religião Católica Apostólica Romana, fez com que este reagisse através de uma carta que dirigiu, em 8 de abril de 1881, a Francisco Arruda Furtado, onde afirma: “Por mim exerço os deveres da minha religião como a minha fragilidade o permite, sem ostentação, nem alarde, mas sem vergonha, e nenhum acto meu, de que tenha conhecimento, me pode desmentir”. Na mesma carta José do Canto mostra o seu desagrado pelo facto de Arruda Furtado ter proclamado “a necessidade de pôr um machado à raiz de todas as crenças primitivas” e acrescentou o seguinte: “Por curiosidade literária, e desde muitos anos, tenho lido, superficialmente é verdade por falta de sólido alicerce, Darwin, Haeckel, Broca, Topinard, e outros, sem que a minha crença fosse abalada.”.

Depois de ter trabalhado durante mais de sete anos com José do Canto, que duvidou da sua probidade, Arruda Furtado foi despedido, tendo em 1884, publicado o texto “A minha saída da casa do sr. José do Canto”. No seu texto Arruda Furtado denuncia más condições de trabalho e defende a sua honra pessoal.

Em 1884, publica o trabalhoMateriais para o estudo antropológico dos povos açorianos. Observações sobre o povo micaelense”.

Em 1885, foi contratado para a secção zoológica do Museu de Lisboa, com a incumbência de organizar as coleções malacológica e conquiológica.

O leitor interessado, em conhecer melhor a vida e a obra de Arruda Furtado, pode encontrar as suas publicações e outras sobre ele na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, destacando-se o livro “Correspondência científica de Francisco de Arruda Furtado”, sendo responsável pela introdução, levantamento e estudo Luís M. Arruda.  Em formato digital, recomendamos a página “Arruda Furtado: Vida e Obra” (http://digital.museus.ul.pt/exhibits/show/arruda-furtado-vida-e-obra).

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32066, 27 de fevereiro de 2020, p.17)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Educação ambiental: uma recomendação para o caixote do lixo?




Educação ambiental: uma recomendação para o caixote do lixo?

No passado dia 4 de fevereiro, foi publicada no Diário da República uma recomendação sobre Educação Ambiental emitida pelo CNE-Conselho Nacional da Educação que a havia aprovado em reunião plenária realizada no passado dia 26 de novembro de 2019.
Desconheço que divulgação têm as recomendações do CNE, mas se o único meio é o Diário da República considero que é muito pouca, pois será muito reduzido o número de pessoas que consulta diariamente aquele jornal oficial da República Portuguesa. Eu mesmo, que acompanho (quase) tudo o que diz respeito à educação ambiental, se não recebesse a recomendação de um colega, não a ficaria a conhecer.
Depois de mencionar a ligação existente entre a educação ambiental e outras “educações para”, como a Educação para o Risco ou a Educação para o Desenvolvimento Sustentável o documento do CNE, refere um conjunto de resoluções tomadas internacionalmente nas mais diversas cimeiras as quais nem sempre são cumpridas. A este propósito pergunto: estarão os diversos países envolvidos, verdadeiramente, interessados em as cumprir?
O texto que vimos referindo, enumera algumas iniciativas implementadas em Portugal, algumas das quais, como a rede nacional de ecotecas que foram abandonadas sem que o seu trabalho tenha sido avaliadas, o que é uma prática comum em matéria de educação. A recomendação também reconhece que “numa escola muito compartimentada, pouco favorável a práticas colaborativas e dialógicas”, é difícil fazer educação ambiental, pois a mesma “exige uma abordagem interdisciplinar, colaborativa e sistémica”.
A recomendação cita Ana Maria Bettencourt que numa publicação sobre Educação Para o Desenvolvimento Sustentável  escreveu o seguinte: “A escola sai pouco da escola para ter contacto com o mundo exterior, para promover o conhecimento e o gosto da natureza, para ensinar a preservar o ambiente e o património cultural, para formar cidadãos ativos e intervenientes e para desenvolver competências de observação essenciais na promoção da cultura científica”. Concordo com a autora, mas como podem os professores sair das suas escolas quando estas não têm transportes e quando os conselhos executivos apelam, por um lado para que se faça o menor número de atividades possível e, por outro, para que as propostas de atividades não tenham quaisquer custos, pois os orçamentos das escolas são muito limitados.
A recomendação apresenta várias experiências que considera positivas. Não vou negar porque não as conheço todas. Por exemplo, é referido o projeto “Cidadania e Sustentabilidade para o século XXI- caminhos para uma comunidade sustentável nos Açores”, coordenado pelo Conselho Nacional de Educação e cofinanciado pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.  Não pondo em causa o conceito demasiado ambíguo de Desenvolvimento Sustentável, pois em seu nome são cometidas as maiores barbaridades, quantas pessoas já ouviram falar no referido projeto? Que impactos teve o mesmo na sociedade açoriana ou mesmo, apenas, nos jovens envolvidos?
Não negando a importância das recomendações, embora alguns pontos não sejam novidade para quem está envolvido na construção de uma sociedade mais justa, pacífica e com qualidade de vida para todos, apresenta-se a seguir duas delas:
1-      “Favorecer uma lógica de “educação ambiental permanente”, ao longo da vida, a integrar em espaços de educação formal e não formal, reconhecendo que a dimensão da transformação social que tem de se produzir neste momento exige uma profunda mudança atitudinal, de políticas e de práticas, a todos os níveis societais (do governo às empresas e escolas) e envolvendo todas as pessoas, com especial ênfase nas gerações de adultos”
2-      “Admitir a inevitabilidade de uma dimensão política da educação ambiental, reconhecendo as articulações entre os problemas ambientais e as lógicas de crescimento económico (por exemplo, a necessidade de transição de uma economia linear para uma economia circular) e de exploração/desigualdade, bem como a necessidade de afrontar a ligação entre a crise ambiental e a crise demográfica traduzida num excesso populacional, a nível global”. Sobres esta recomendação, relembra-se o que no Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (1992) pode ler-se que “a educação ambiental não é neutra, mas ideológica. É um ato político, baseado em valores, para a transformação social” e que no documento final da Conferência de Tessalónica (1998) pode ler-se que “a pobreza torna o acesso, à educação e a outros serviços sociais, mais difícil e leva ao crescimento populacional e à degradação ambiental. A redução da pobreza, portanto, é um objetivo essencial e indispensável para a sustentabilidade”.

O que se faz no mundo de hoje? Implementam-se medidas políticas para acabar com a pobreza ou para fomentar a caridadezinha?
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32059, 14 de fevereiro de 2020, p.14)

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Educar de outra maneira: o Projeto Novas Rotas e o Movimento da Escola Moderna, em São Miguel (Açores)


Educar de outra maneira: o Projeto Novas Rotas e o Movimento da Escola Moderna, em São Miguel (Açores)

Teófilo Soares de Braga

“…Isso prova que o homem mais bem-dotado pela natureza só recebe faculdades, mas essas faculdades permanecem mortas se não forem fertilizadas pela ação benfazeja e poderosa da coletividade. Diremos mais. Quanto mais o homem é beneficiado pela natureza, mais ele apreende da coletividade; disso resulta que mais ele deverá devolver-lhe, com toda justiça.” (Mikhail Bakunin)
“…uma escola onde cada um aprenda por experiência com o seu próprio trabalho, tomando como ponto de partida a sua experiência vivida e os problemas por ela suscitados, autocontrolando os seus resultados e pondo-os ao serviço da formação da sua personalidade integrada numa comunidade escolar” (Aurélio Quintanilha)

Na ilha de São Miguel, desde o ano letivo de 2018-2019, está em funcionamento o Projeto Novas Rotas, um projeto de inovação pedagógica que veio ampliar a oferta educativa e permitir a liberdade efetiva dos encarregados de educação escolherem uma nova forma de organização escolar que é mais eficaz na promoção de valores e competências para os seus educandos.

O Projeto Novas Rotas, da Escola Básica Integrada de Capelas, São Miguel, Açores, é inspirado nos pressupostos teóricos da Educação Holística e na lógica organizativa do Projeto Âncora, Brasil, e da Escola da Ponte, uma escola pública criada por José Pacheco, em 1976, que funciona em São Tomé de Negrelos, concelho de Santo Tirso, distrito do Porto. De acordo com o que se pode ler na página Web da Escola da Ponte, “a organização que esta Escola põe em prática inspira uma filosofia inclusiva e cooperativa que se pode traduzir, de forma muito simplificada no seguinte: todos precisamos de aprender e todos podemos aprender uns com os outros e quem aprende, aprende a seu modo no exercício da Cidadania.”

No ano letivo 2019-2020, os 43 alunos que frequentam o Projeto Novas Rotas continuarão a aprender o currículo de forma diferente. Com efeito, de acordo com declarações recentes da sua Coordenadora, Conceição Medeiros, à Agência Lusa, “Não há aulas, não há turmas definidas, não há professores fixos por disciplina – tudo é mais flexível, as crianças vão aprendendo o currículo através do desenvolvimento de projetos, projetos de vida, projetos de intervenção comunitária, de consciência planetária e também projetos académicos”.
Uma realidade que faz com que este projeto se distinga do que se passa nas escolas públicas dos Açores é o forte envolvimento dos pais, sem os quais acreditamos que o projeto nunca seria implementado e a sua continuação estaria posta em causa. A título de exemplo, referimos que foram eles os grandes responsáveis pelas adaptações necessárias ao funcionamento do projeto no edifício onde está a funcionar e para este ano letivo foram eles, com apoios diversos, nomeadamente de voluntários vindos Chile, Espanha, Canadá, Inglaterra, Uruguai, Hungria, Israel e Austrália que construíram uma nova sala.

Na mesma ilha funciona um Núcleo Regional do Movimento da Escola Moderna (MEM) que, criado em 2018, promove a autoformação cooperada de professores, quer através de grupos cooperativos, quer nos “Sábados Pedagógicos” que têm ocorrido, na sua maioria, na Escola Secundária das Laranjeiras, em Ponta Delgada.

O Movimento da Escola Moderna surgido “a partir da atividade de seis professores que se constituíram, em fevereiro de 1965, num Grupo de Trabalho de Promoção Pedagógica impulsionado pelos cursos de aperfeiçoamento profissional de professores que Rui Grácio promoveu e dirigiu no Sindicato Nacional de Professores”, tem como principal mentor o pedagogo Sérgio Niza.

O MEM que se inspirou em vários pedagogos, entre os quais o francês Celestein Freinet apresenta em relação a este algumas diferenças. De acordo com declarações de Sérgio Niza, prestadas, em 1997, à revista Noésis: “Não partimos como Freinet da ideia de construir um modelo escolar, mas sim de nos formarmos como professores e dessa forma irmos fazendo avançar as nossas práticas. […] Isso não impede que ainda hoje utilizemos algumas técnicas Freinet, porque, em boa verdade, as técnicas Freinet não eram dele. Foram técnicas que estavam disponíveis e a que deu novo sentido”.

Os professores e educadores do MEM, que trabalham tanto em escolas públicas como particulares, perfilham um “modelo sociocêntrico de educação, acelerador do desenvolvimento moral e social das crianças e dos jovens, através de uma ação democrática exemplificante no decurso da educação formal”.

No modelo do MEM, o professor deixa de ser um mero transmissor de conhecimentos e é passa a ter como função principal a organização social das aprendizagens.

O MEM considera que na ação pedagógica a representatividade não é democrática. Sobre o assunto Sérgio Niza escreveu o seguinte:

“Todo o poder que se afirma por via da representatividade faz reproduzir a ideia de representação que pressupõe sempre uma ideia de elite. Há uns (que são) os eleitos e os outros…porque nós sabemos que (os eleitos) têm sempre mais poder, mais capacidade de intervenção. São questões fundamentais da democracia, que a democracia política não conseguiu resolver, mas que a democracia educativa poderá resolver”.

A democracia nas salas de aula concretiza-se na participação dos alunos na gestão dos conteúdos programáticos, na organização dos meios didáticos e dos tempos e dos espaços e é instituída num Conselho de Cooperação Educativa.

Para o MEM as crianças e jovens são cidadãos e nas aulas fazem a aprendizagem da Cidadania como demonstram, entre outros, dois dos postulados que sintetizam o modelo pedagógico do movimento:

- A cooperação e a interajuda dos alunos na construção das aprendizagens dão sentido ao desenvolvimento curricular;
- Os alunos intervêm no meio, interpelam a comunidade e integram na sala “atores” da comunidade educativa como fontes de conhecimento dos seus projetos de estudo e de investigação”

Para saber mais:

González, P. (2002) O Movimento da Escola Moderna. Porto: Porto Editora.
Morais, P. (2017). Voltemos à Escola. Lisboa: Contraponto Editores

http://www.escoladaponte.pt/novo/
https://novasrotasblog.wordpress.com/
http://www.movimentoescolamoderna.pt/
https://www.projetoancora.org.br/

Letra a Letra, nº 9, fevereiro de 2020
Nota: a revista Letra a Letra pode ser pedida através do seguinte contacto: jope103@hotmail.com

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Base das Lajes: um atentado à vida




Base das Lajes: um atentado à vida

Dada a localização dos Açores, no meio do Atlântico, entre dois continentes, na Primeira Guerra Mundial instalou-se uma base naval e na Segunda Guerra Mundial duas bases aéreas. No presente texto faremos, apenas, referência à utilização pelos Estados Unidos da América, da Base das Lajes e outras infraestruturas a ela associadas, na ilha Terceira.

Base das Lajes tem servido ao longo dos tempos como instrumento de agressão e morticínio de populações em várias partes do mundo e é um foco de poluição ambiental associada à degradação da qualidade de vida da população da ilha Terceira.

No que diz respeito à utilização da Base das Lajes para espalhar a morte, não pretendendo ser exaustivo, aqui vão alguns exemplos: em julho de 1958, intervenção americana no Líbano com vista a proteger o “governo pró-Ocidente”; em 1973, apoio militar aos israelitas durante a última guerra israelo-árabe; em 1975, envio de material de guerra para as forças de direita no Líbano e entre agosto de 1990 e fevereiro de 1991, escala e reabastecimento de aviões para a guerra do Golfo;

A existência de armas nucleares na ilha Terceira foi por diversas vezes denunciada por várias entidades, nomeadamente num relatório da francesa Fundation pour les Etudes de Defense Nacional, na década de 80 do século passado. Como se sabe a presença de armas nucleares leva ao aumento da radioatividade e esta associada um conjunto de problemas de saúde, entre os quais doenças do foro oncológico.

Mais recentemente, o armazenamento de munições e de combustíveis e os consequentes efeitos perniciosos na saúde das populações foi denunciado por uma petição pública (1), em cujo texto se pode ler o seguinte:

Já em 2005, há 12 anos, foram identificados, pela força aérea dos Estados Unidos da América, 35 locais contaminados com hidrocarbonetos e metais pesados nos solos e aquíferos da ilha Terceira. Contaminação posteriormente confirmada, em 2009, pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC).

A saúde pública dos habitantes da ilha, é algo que tem vindo a ser discutido localmente durante décadas. Atualmente, existe um medo palpável entre a população devido ao número anormal de casos de cancro, e a suspeita do mesmo estar relacionado com uma possível contaminação dos solos e aquíferos. Só no concelho da Praia da Vitória incidem 33% dos casos de cancro nos olhos e 21% de casos de cancro de colo do útero a nível regional, num concelho que representa apenas 8,5% da população regional.”

Face aos problemas existentes, surgem várias reações por parte de personalidades diversas ou das forças partidárias.

A esmagadora maioria das forças partidárias, ou ignora o assunto ou pretende esconder o sol com uma peneira, não só desvalorizando a perda da qualidade de vida e nunca pondo em causa a presença militar dos norte-americanos. Assim, sendo cúmplices de todos os atentados cometidos, hoje, após terem acordado de longa letargia, passaram a reivindicar a descontaminação ambiental da ilha Terceira e a exigir que o Estado Português assuma as suas responsabilidades.

Felizmente, a comunicação social dos Açores, nomeadamente o jornal terceirense Diário Insular, tem dado voz a quem se preocupa com o problema e tem divulgado relatórios e análises à água e aos solos. A título de exemplo, a 15 de agosto de 2019, aquele jornal anunciava que a água da Base das Lajes estava contaminada com bromato, um produto químico sob suspeita de ser cancerígeno. O mesmo periódico, no dia 9 de novembro de 2019, publicou um texto “intitulado “Contaminação degrada na Terceira todas as formas de vida”, onde um americano confessa que mais do que a questão dos cancros, o grande problema é o da bioacumulação que põe em causa toda a qualidade de vida, em geral, e em particular, está na origem, mais cedo ou mais tarde, de várias doenças responsáveis pela diminuição da esperança de vida”.

A comunidade científica que poderia ser útil no esclarecimento das populações com verdade e sem alarmismos, está dividida. Se a grande maioria mantém-se em silêncio absoluto, muito poucos alertam para a gravidade dos problemas e apelam à necessidade urgente de se proceder à descontaminação e outros há que quando se fazem ouvir é para “chamar de alarmistas” aos colegas e para tentar branquear a situação, afirmando que apesar da contaminação, afinal nada de grave se passa.

Uma das poucas pessoas que não se tem calado é o professor da Universidade dos Açores, Félix Rodrigues, que, por várias vezes, tem denunciado o secretismo que pretendem que exista em torno do assunto. No Diário Insular de 21 de dezembro de 2018, Félix Rodrigues afirmou o seguinte: “Tanto Lisboa como os EUA têm muito que explicar aos açorianos e terceirenses em particular.  A explicação não deverá ser somente filosófica ou política, mas concreta, onde se deve dizer o que se fez, passo a passo e com que tecnologia. É incompreensível que o controlo da descontaminação seja feito sem a participação de quem é afetado. Faz sentido que quem me pode envenenar seja a pessoa que me faz o tratamento de cura, sem que tenha conhecimento disso? Isso é no mínimo incompreensível e pouco ético.


José Soares
Letra a Letra nº 9, fevereiro de 2020

Nota: a revista Letra a Letra pode ser pedida através de um do seguinte contacto: jope103@hotmail.com


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020




Em defesa da Lagoa do Congro (2)

Hoje, termino o texto sobre a Lagoa do Congro, esperando que a mesma não continue esquecida por parte dos nossos governantes e autarcas.

Em 2008, parte da bacia hidrográfica da Lagoa do Congro foi adquirida pela Secretaria Regional do Ambiente e do Mar. Numa visita realizada ao local, a 28 de junho daquele ano, a Secretária Regional do Ambiente e do Mar, Ana Paula Pereira Marques, revelou que o governo regional havia adquirido “mais de 50% daquele sistema ecológico” por cerca de “180 mil euros”. Também referiu que o projeto de intervenção desenhado para o local previa a reabilitação dos caminhos, a recuperação da massa de água e a criação de pequenas estruturas, porque se tratava de uma mata que permitia a fruição humana.
Também em 2008, foi entregue à SRAM, pelos Amigos dos Açores, uma proposta de recuperação e gestão da área envolvente às Lagoas do Congro e dos Nenúfares, elaborado por Malgorzata Pietrak, no âmbito do Programa Estagiar-L.

Em 2010, os Amigos dos Açores editaram a brochura “Lagoas do Congro e dos Nenúfares- Proposta de recuperação e gestão da cratera”, que pretendia ser uma “ideia base a desenvolver em plano de pormenor” com o objetivo de “recuperar o património “perdido” e restituir ao local parte do seu antigo esplendor”.

No dia 6 de agosto de 2019, foi publicado no jornal Correio dos Açores um texto intitulado “Acesso extremamente difícil à Lagoa do Congro – Percorrer um autêntico calvário para chegar a uma lagoa idílica”, onde o autor denunciava o mau estado do trilho de acesso à Lagoa do Congro e apelava para uma intervenção no local. Através do mesmo texto, ficou-se a saber que nem todas as entidades conheciam que parte da cratera era pública, como se pode constatar através do seguinte extrato: “O Presidente da Câmara de Vila Franca do Campo, Ricardo Rodrigues, informou o “Correio dos Açores” que nunca diligenciou com os proprietários do terreno onde se encontra a lagoa, para chegarem a um entendimento que levasse ao arranjo do acesso”:

Foi a apatia e mesmo o desleixo de algumas entidades, nomeadamente da Secretaria Regional da Energia, do Ambiente e do Turismo e das anteriores que tiveram a tutela do Ambiente, avivada pelo texto do Correio dos Açores citado que levou a que fosse lançada a petição “Pela Recuperação da Mata Ajardinada da Lagoa do Congro” que até ao momento já foi assinada por 545 pessoas e que está em discussão na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRA).

De acordo com o texto da petição, são três as razões para que haja uma intervenção, urgente, na Lagoa do Congro:

1-      Ter sido quase nula, após a aquisição pelo Governo Regional dos Açores, a sua ação no espaço que cada vez é mais visitado, quer pelos residentes, quer pelos turistas;

2-      A importância de respeitar a memória dos nossos antepassados que usavam aquele verdadeiro monumento natural como área de lazer, e de honrar o trabalho visionário de José do Canto;

3-      O facto de o espaço já ser propriedade pública e ter potencialidades ímpares, insuficientemente usadas, em termos de interpretação ambiental, zona de lazer ou polo de atração turística.

A petição que foi enviada à ALRA no dia 1 de setembro de 2019, pretende que aquela e o Governo Regional dos Açores tomem medidas no sentido de no mais curto período de tempo implementar um plano de recuperação e gestão que entre outras ações inclua a recuperação da mata ajardinada criada por José do Canto e transforme o espaço num Parque Botânico. 

Pelas declarações públicas de alguns responsáveis governamentais, pode-se concluir que há algum interesse em intervir no local. Esperemos que se passe das declarações e do papel à prática.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32053, 12 de fevereiro de 2020, p. 14)

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Em defesa da Lagoa do Congro (1)




Em defesa da Lagoa do Congro (1)
Como vila-franquense não posso ficar alheado ao que se passa na minha terra e sempre que posso intervenho para denunciar o que está errado e, sobretudo, para chamar a atenção para aspetos positivos que a vila possui e que não são devidamente valorizados.
 Hoje, farei referência à Lagoa do Congro que não está devidamente cuidada e aproveitada.
Em 1997, os Amigos dos Açores- Associação Ecológica editaram o livro Lagoas e Lagoeiros da Ilha de São Miguel, onde, entre outras foram descritas as lagoas do Congro e dos Nenúfares. Para além da caracterização geológica, de algumas referências históricas, eram apresentadas as espécies da flora e fauna existentes na cratera que se terá formado há 3900 anos.
No ano 2000, os Amigos dos Açores apresentaram ao Governo Regional dos Açores uma “Proposta de Classificação das Lagoas do Congro e dos Nenúfares como Área Protegida”.
Na proposta referida, foi feita a caracterização daquele local sob diversos aspetos, designadamente históricos, geográficos, geológicos biofísicos, paisagísticos e sócio - económicos. Na mesma proposta, os Amigos dos Açores já mencionavam uma intervenção imediata que consistia na limpeza dos caminhos de acesso e tendo em vista o aproveitamento pedagógico da área, sugeriam, numa primeira fase, a identificação das espécies vegetais presentes e o corte de algumas invasoras.

Por último, a Associação Ecológica Amigos dos Açores propunha que a cratera das Lagoas do Congro e Nenúfares fosse classificada, ao abrigo do Decreto Legislativo Regional nº 21/93/A, que aplica à Região o regime jurídico estabelecido pelo Decreto-Lei nº 19/93, que cria a Rede Nacional de Áreas Protegidas, como Monumento Natural.

Sete anos depois da proposta, em 2007, a cratera das lagoas do Congro e dos Nenúfares foi classificada como “área protegida para a gestão de habitats ou espécies (Decreto Legislativo nº 15/06/2007).
Para além de demorada constituiu uma surpresa que nunca foi suficientemente justificada a opção pela “área protegida para a gestão de habitats ou espécies” e não pelo Monumento Natural.
Vejamos o que diz a legislação: 
No artigo 14 do referido decreto, pode ler-se o seguinte: “área protegida para gestão de
habitats ou espécies, aquela cuja gestão é especialmente dirigida para a intervenção ativa em determinados habitats ou em função de determinadas espécies.; podem integrar a categoria de área de protegida para a gestão de habitats ou espécies as áreas terrestres
ou marinhas que sejam particularmente importantes para determinados habitats naturais, seminaturais e de espécies da flora e da fauna e a classificação de uma área protegida para gestão de habitats ou espécies tem como objetivo de gestão a adoção de medidas dirigidas à recuperação de habitats naturais, seminaturais e de espécies da flora e da fauna.

Que habitats, naturais ou seminaturais, se queria recuperar? Que espécies da flora e da fauna se pretendia proteger?

Tal como os Amigos dos Açores propuseram, o tipo de área protegida mais  adequado ao espaço proposto, profundamente alterado pelo homem- recorde-se que foi lá que José do Canto criou a sua mata ajardinada e plantou diversas espécies exóticas – é o de Monumento Natural, como se depreende pelo que está escrito na lei: monumento natural destina-se “à conservação de características naturais específicas, nomeadamente singularidades naturais ou culturais de valor excecional, que em razão da respetiva raridade quer pela representatividade ou qualidades estéticas que lhe sejam inerentes e podem integrar a categoria de monumento natural as áreas que contenham uma ou mais ocorrências naturais e ou culturais com valor ímpar, devido à raridade das respetivas características, no plano geológico, paleontológico, estético e cultural associados.

Embora quase 20 anos depois, estamos a tempo de corrigir o erro. Será em 2020?

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32047, 5 de fevereiro de 2020, p.14)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

O Estandarte e a Batalha


O Estandarte e a Batalha

Entre 1 de março de 1926 e 31 de maio de 1927, publicou-se, com algumas interrupções, na ilha de São Miguel, Açores, o jornal “O Estandarte”, “órgão dos obreiros michaelenses”.

Com sede nas instalações da Federação Operária, na 2ª Travessa dos Mártires da Pátria, 13-D, na cidade de Ponta Delgada, “O Estandarte” começou por ter como diretor António Joaquim Correia de Melo e editor o tipógrafo João Duarte Botelho. O carpinteiro/marceneiro e mais tarde proprietário de uma agência funerária Manuel de Medeiros Cabral foi seu administrador desde o número dois, publicado a 15 de março de 1926.

Desconhecemos se as organizações operárias micaelenses tiveram algum tipo de contato com as suas congéneres continentais, mas sabe-se que durante a existência de “O Estandarte”, os seus responsáveis transcreveram textos publicados no jornal “A Batalha”, órgão da Confederação Geral do Trabalho, que surgiu a 23 de fevereiro de 1919 como “Porta-voz da organização operária portuguesa”.

No nº 3 de “O Estandarte”, de 1 de abril de 1926, o jornal publicou uma carta de Manuel Figueiredo, datada de 11 de março do referido ano que abaixo se transcreve:

“Ao camarada
Manuel de Medeiros Cabral
Acabei de receber o primeiro número do Estandarte para que aceitai as minhas ardentes saudações pelo aparecimento dessa rebelde tribuna para a defesa do operariado micaelense que de há muito se fazia sentir.
Oxalá que se mantenha sempre firme na defesa sistemática das classes trabalhadoras, para conter em respeito os inimigos dos que trabalham. A BATALHA não pode deixar de vos desejar uma longa e próspera vida.
Saudações Fraternais.”

A seguir, faz-se uma referência a um conjunto de textos de “A Batalha” que foram transcritos pelo jornal operário de Ponta Delgada.

No primeiro número de “O Estandarte” foi publicado um texto intitulado “Os operários franceses da construção civil fazem importantes reclamações de uma nova organização de trabalho”, onde é apresentado um caderno reivindicativo com todas as medidas destinadas a regulamentar as condições de trabalho na construção civil.

No segundo número, a transcrição foi de um texto intitulado “Uma alta finança de trazer por casa”. Passados mais de 90 anos, parece que a situação atual é semelhante, como se pode ver pelo seguinte extrato: “A maioria das casas bancárias portuguesas, a despeito das fachadas pomposas das suas sedes, estão à beira da falência. Vivem de expedientes torpes que vão da falsificação da moeda ao desfalque dos cofres do Estado”.

No número 3, o texto que se intitula “Angola e Metrópole, Banco de Portugal e Ultramarino” volta a referir a situação dos bancos. Assim, pela leitura pode-se concluir que a banca e seus mandantes perseguem a arraia miúda e beneficiam ou escondem as falcatruas dos graúdos, como se pode comprova pelo seguinte extrato: “Os Catões da rua Formosa pedem leis anormais para condenar os homens que eles acusam de estar envolvidos na burla das notas de 500 escudos, mas só para os que eles acusam. Para os Inocêncios da sua afeição querem decerto elogios no “Diário do Governo”, o hábito de Cristo e a bênção papal”.

No nº 17, “O Estandarte” transcreve o texto “A situação do operariado no ano da desgraça de 1927”. Nele é apresentada a situação miserável do operariado que é bem explicita nas últimas palavras:

“O quadro é bem expressivo: a crise de trabalho, carestia da vida, falta de habitações, emigração e falta de assistência hospitalar. Balanço completo: Fome, Miséria e Luto.
Assim será enquanto subsistirem as suas causas: a sociedade burguesa capitalista.”

No número 18, o texto escolhido relaciona-se com o anterior, sendo dado destaque ao facto de em todo o país existirem “milhares de desgraçados lutando com falta de recursos para viver, sem que se tomem providências”.

No último número de “O Estandarte”, de 31 de maio de 1927, publicado depois de “A Batalha” ter sido ilegalizada, foi transcrito o texto “Por Lisboa- A incompetência e o egoísmo das “forças vivas”. Neste é denunciada a existência, em Portugal, de milhares de pessoas “a braços” com a miséria”, são culpados os industriais por causa do seu rotineiríssimo e incompetência e denunciado o facto de industriais, agricultores e comerciantes viverem “do favor do Estado”.

Depois de referir a necessidade do operariado se organizar nos sindicatos para lutar contra os responsáveis pela miséria em que vivem e a exploração a que são submetidos, o texto termina com a seguinte interrogação:

“Estará o operariado disposto a contribuir, com a sua indiferença e com a sua passiva resignação, para a edificação dum futuro que seja o presente, continuado e agravado?”

Teófilo Braga

(A Batalha, nº 287, jan/fev de 2020)