sábado, 15 de fevereiro de 2020

Educar de outra maneira: o Projeto Novas Rotas e o Movimento da Escola Moderna, em São Miguel (Açores)


Educar de outra maneira: o Projeto Novas Rotas e o Movimento da Escola Moderna, em São Miguel (Açores)

Teófilo Soares de Braga

“…Isso prova que o homem mais bem-dotado pela natureza só recebe faculdades, mas essas faculdades permanecem mortas se não forem fertilizadas pela ação benfazeja e poderosa da coletividade. Diremos mais. Quanto mais o homem é beneficiado pela natureza, mais ele apreende da coletividade; disso resulta que mais ele deverá devolver-lhe, com toda justiça.” (Mikhail Bakunin)
“…uma escola onde cada um aprenda por experiência com o seu próprio trabalho, tomando como ponto de partida a sua experiência vivida e os problemas por ela suscitados, autocontrolando os seus resultados e pondo-os ao serviço da formação da sua personalidade integrada numa comunidade escolar” (Aurélio Quintanilha)

Na ilha de São Miguel, desde o ano letivo de 2018-2019, está em funcionamento o Projeto Novas Rotas, um projeto de inovação pedagógica que veio ampliar a oferta educativa e permitir a liberdade efetiva dos encarregados de educação escolherem uma nova forma de organização escolar que é mais eficaz na promoção de valores e competências para os seus educandos.

O Projeto Novas Rotas, da Escola Básica Integrada de Capelas, São Miguel, Açores, é inspirado nos pressupostos teóricos da Educação Holística e na lógica organizativa do Projeto Âncora, Brasil, e da Escola da Ponte, uma escola pública criada por José Pacheco, em 1976, que funciona em São Tomé de Negrelos, concelho de Santo Tirso, distrito do Porto. De acordo com o que se pode ler na página Web da Escola da Ponte, “a organização que esta Escola põe em prática inspira uma filosofia inclusiva e cooperativa que se pode traduzir, de forma muito simplificada no seguinte: todos precisamos de aprender e todos podemos aprender uns com os outros e quem aprende, aprende a seu modo no exercício da Cidadania.”

No ano letivo 2019-2020, os 43 alunos que frequentam o Projeto Novas Rotas continuarão a aprender o currículo de forma diferente. Com efeito, de acordo com declarações recentes da sua Coordenadora, Conceição Medeiros, à Agência Lusa, “Não há aulas, não há turmas definidas, não há professores fixos por disciplina – tudo é mais flexível, as crianças vão aprendendo o currículo através do desenvolvimento de projetos, projetos de vida, projetos de intervenção comunitária, de consciência planetária e também projetos académicos”.
Uma realidade que faz com que este projeto se distinga do que se passa nas escolas públicas dos Açores é o forte envolvimento dos pais, sem os quais acreditamos que o projeto nunca seria implementado e a sua continuação estaria posta em causa. A título de exemplo, referimos que foram eles os grandes responsáveis pelas adaptações necessárias ao funcionamento do projeto no edifício onde está a funcionar e para este ano letivo foram eles, com apoios diversos, nomeadamente de voluntários vindos Chile, Espanha, Canadá, Inglaterra, Uruguai, Hungria, Israel e Austrália que construíram uma nova sala.

Na mesma ilha funciona um Núcleo Regional do Movimento da Escola Moderna (MEM) que, criado em 2018, promove a autoformação cooperada de professores, quer através de grupos cooperativos, quer nos “Sábados Pedagógicos” que têm ocorrido, na sua maioria, na Escola Secundária das Laranjeiras, em Ponta Delgada.

O Movimento da Escola Moderna surgido “a partir da atividade de seis professores que se constituíram, em fevereiro de 1965, num Grupo de Trabalho de Promoção Pedagógica impulsionado pelos cursos de aperfeiçoamento profissional de professores que Rui Grácio promoveu e dirigiu no Sindicato Nacional de Professores”, tem como principal mentor o pedagogo Sérgio Niza.

O MEM que se inspirou em vários pedagogos, entre os quais o francês Celestein Freinet apresenta em relação a este algumas diferenças. De acordo com declarações de Sérgio Niza, prestadas, em 1997, à revista Noésis: “Não partimos como Freinet da ideia de construir um modelo escolar, mas sim de nos formarmos como professores e dessa forma irmos fazendo avançar as nossas práticas. […] Isso não impede que ainda hoje utilizemos algumas técnicas Freinet, porque, em boa verdade, as técnicas Freinet não eram dele. Foram técnicas que estavam disponíveis e a que deu novo sentido”.

Os professores e educadores do MEM, que trabalham tanto em escolas públicas como particulares, perfilham um “modelo sociocêntrico de educação, acelerador do desenvolvimento moral e social das crianças e dos jovens, através de uma ação democrática exemplificante no decurso da educação formal”.

No modelo do MEM, o professor deixa de ser um mero transmissor de conhecimentos e é passa a ter como função principal a organização social das aprendizagens.

O MEM considera que na ação pedagógica a representatividade não é democrática. Sobre o assunto Sérgio Niza escreveu o seguinte:

“Todo o poder que se afirma por via da representatividade faz reproduzir a ideia de representação que pressupõe sempre uma ideia de elite. Há uns (que são) os eleitos e os outros…porque nós sabemos que (os eleitos) têm sempre mais poder, mais capacidade de intervenção. São questões fundamentais da democracia, que a democracia política não conseguiu resolver, mas que a democracia educativa poderá resolver”.

A democracia nas salas de aula concretiza-se na participação dos alunos na gestão dos conteúdos programáticos, na organização dos meios didáticos e dos tempos e dos espaços e é instituída num Conselho de Cooperação Educativa.

Para o MEM as crianças e jovens são cidadãos e nas aulas fazem a aprendizagem da Cidadania como demonstram, entre outros, dois dos postulados que sintetizam o modelo pedagógico do movimento:

- A cooperação e a interajuda dos alunos na construção das aprendizagens dão sentido ao desenvolvimento curricular;
- Os alunos intervêm no meio, interpelam a comunidade e integram na sala “atores” da comunidade educativa como fontes de conhecimento dos seus projetos de estudo e de investigação”

Para saber mais:

González, P. (2002) O Movimento da Escola Moderna. Porto: Porto Editora.
Morais, P. (2017). Voltemos à Escola. Lisboa: Contraponto Editores

http://www.escoladaponte.pt/novo/
https://novasrotasblog.wordpress.com/
http://www.movimentoescolamoderna.pt/
https://www.projetoancora.org.br/

Letra a Letra, nº 9, fevereiro de 2020
Nota: a revista Letra a Letra pode ser pedida através do seguinte contacto: jope103@hotmail.com

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