quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Educação ambiental: uma recomendação para o caixote do lixo?




Educação ambiental: uma recomendação para o caixote do lixo?

No passado dia 4 de fevereiro, foi publicada no Diário da República uma recomendação sobre Educação Ambiental emitida pelo CNE-Conselho Nacional da Educação que a havia aprovado em reunião plenária realizada no passado dia 26 de novembro de 2019.
Desconheço que divulgação têm as recomendações do CNE, mas se o único meio é o Diário da República considero que é muito pouca, pois será muito reduzido o número de pessoas que consulta diariamente aquele jornal oficial da República Portuguesa. Eu mesmo, que acompanho (quase) tudo o que diz respeito à educação ambiental, se não recebesse a recomendação de um colega, não a ficaria a conhecer.
Depois de mencionar a ligação existente entre a educação ambiental e outras “educações para”, como a Educação para o Risco ou a Educação para o Desenvolvimento Sustentável o documento do CNE, refere um conjunto de resoluções tomadas internacionalmente nas mais diversas cimeiras as quais nem sempre são cumpridas. A este propósito pergunto: estarão os diversos países envolvidos, verdadeiramente, interessados em as cumprir?
O texto que vimos referindo, enumera algumas iniciativas implementadas em Portugal, algumas das quais, como a rede nacional de ecotecas que foram abandonadas sem que o seu trabalho tenha sido avaliadas, o que é uma prática comum em matéria de educação. A recomendação também reconhece que “numa escola muito compartimentada, pouco favorável a práticas colaborativas e dialógicas”, é difícil fazer educação ambiental, pois a mesma “exige uma abordagem interdisciplinar, colaborativa e sistémica”.
A recomendação cita Ana Maria Bettencourt que numa publicação sobre Educação Para o Desenvolvimento Sustentável  escreveu o seguinte: “A escola sai pouco da escola para ter contacto com o mundo exterior, para promover o conhecimento e o gosto da natureza, para ensinar a preservar o ambiente e o património cultural, para formar cidadãos ativos e intervenientes e para desenvolver competências de observação essenciais na promoção da cultura científica”. Concordo com a autora, mas como podem os professores sair das suas escolas quando estas não têm transportes e quando os conselhos executivos apelam, por um lado para que se faça o menor número de atividades possível e, por outro, para que as propostas de atividades não tenham quaisquer custos, pois os orçamentos das escolas são muito limitados.
A recomendação apresenta várias experiências que considera positivas. Não vou negar porque não as conheço todas. Por exemplo, é referido o projeto “Cidadania e Sustentabilidade para o século XXI- caminhos para uma comunidade sustentável nos Açores”, coordenado pelo Conselho Nacional de Educação e cofinanciado pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.  Não pondo em causa o conceito demasiado ambíguo de Desenvolvimento Sustentável, pois em seu nome são cometidas as maiores barbaridades, quantas pessoas já ouviram falar no referido projeto? Que impactos teve o mesmo na sociedade açoriana ou mesmo, apenas, nos jovens envolvidos?
Não negando a importância das recomendações, embora alguns pontos não sejam novidade para quem está envolvido na construção de uma sociedade mais justa, pacífica e com qualidade de vida para todos, apresenta-se a seguir duas delas:
1-      “Favorecer uma lógica de “educação ambiental permanente”, ao longo da vida, a integrar em espaços de educação formal e não formal, reconhecendo que a dimensão da transformação social que tem de se produzir neste momento exige uma profunda mudança atitudinal, de políticas e de práticas, a todos os níveis societais (do governo às empresas e escolas) e envolvendo todas as pessoas, com especial ênfase nas gerações de adultos”
2-      “Admitir a inevitabilidade de uma dimensão política da educação ambiental, reconhecendo as articulações entre os problemas ambientais e as lógicas de crescimento económico (por exemplo, a necessidade de transição de uma economia linear para uma economia circular) e de exploração/desigualdade, bem como a necessidade de afrontar a ligação entre a crise ambiental e a crise demográfica traduzida num excesso populacional, a nível global”. Sobres esta recomendação, relembra-se o que no Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (1992) pode ler-se que “a educação ambiental não é neutra, mas ideológica. É um ato político, baseado em valores, para a transformação social” e que no documento final da Conferência de Tessalónica (1998) pode ler-se que “a pobreza torna o acesso, à educação e a outros serviços sociais, mais difícil e leva ao crescimento populacional e à degradação ambiental. A redução da pobreza, portanto, é um objetivo essencial e indispensável para a sustentabilidade”.

O que se faz no mundo de hoje? Implementam-se medidas políticas para acabar com a pobreza ou para fomentar a caridadezinha?
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32059, 14 de fevereiro de 2020, p.14)

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